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P87 OM: Aldy Vergés Maingué Revisio ‘Ana Licia Pereira do Amaral Ficha Catalografica (Catsogngona font pela Biblioteca ‘Universidede Fedral de Santa Cat Povoadores da frontera : os casais agorianos rumo 0 Sul do Brasil / Maria Bemnardete Ramos Flores, ‘organizadora.— Florianépolis: Ed. da USC, 2000. 4p. Incturbiiiogratia Sumério anquipélago dos AgOrS .ereirrwerenninieeienenees 7 Assim se vai ao longe O patrono dos emigrantes colonial demogréfica ica de povoamento .... Oassentamento dos casais ‘As promessas nao cumpridas 200 anos depois — uma festa para comemorar a chegada ...71 Referencias bibliograficas.....sse 81 O arquipélago dos Acores O arquipélago agoriano, descoberto no século XV pelos portugueses, constituia-se num celeiro no meio do Atlintico. O trigo era o principal produto, Os portos de Angra,na Ilha Terceira, da Horta, na Iha do Faial e de Ponta Delgada, em So Miguel, formavam verdadeiros empérios comerciais, vitais para todas as rotas que cruzavam 0 oceano. Por estes portos, safam os produtos das ilhas: vinho, 4gua, carne, carneiro vivo, azeite, vinagre, favas, cebola, alho, abdbora, prego, placas de ferro, balas de artilharia, peles de cammeiro, e até scldados e artilheiros. E chegavam os mais diversos artigos e novidades da Europa, da india, da China, do Brasil e de outros pontos do mundo. Atualmente, todas as ilhas agorianas possuem aeroporto, © que facilita a comunicagio entre clas, tio distantes umas nesmo Corvo, a menor de todas, com apenas ntes, possui seu aeroporto. No tempo em que 0 transporte era feito em lentas e frégeis embarcagies, havia ais hores 1g 30 Sul do Brasil de quase todo morador daquelas ilhas cdaco de terra. Viver em uma casa que que procurar outra forma de subsisténcia. nJo favorecia a abertura de indvistria nao existia. Assim, rc em época de crise na agricultura, havia um mao-de-obra que via na emigragio uma saida m que se encontrava. lo XVIII, por exemplo, houve uma grande crise os Agores, com 0 esgotamento da fertilidade da terra. ‘tou grande parte da populacao que ficou sem traba- stento. O pouco trigo produzido era usado pelos que lucravam com o alto prego que conseguiam de exportagio. O povo, muitas vezes, revoltava- curava impedir 0 embarque de trigo em época de sez, Conta o memorialista da Ilha Terceira, Francisco ue os dias 29 ¢ 30 de abril de jniz. do povo da cidade wva contra o embarque de ie aconteceu também na Horta, em 1759, com jos da cmara por causa da saida de trigo. ja vinham dos anos :0 Machado Ferreira (Oarauiplage dos Agores 9 para atender as necessidades da populagio. Foi preciso que © presidente da cimara fizesse uma petigdo ao bispo para ordenar a abertura dos granéis ‘O memorialista conta, ainda, outro fato que demonstra a escassez, de alimentos no ano de 1751. Em 16 de maio, muitos casais agorianos estavam alistados para embarcarem rumo & Ilha de Santa Catarina, no Brasil. O administrador do contrato da viagem havia comprado uma grande quantidade de trigo para a provisio de viagem, mas 0 presidente da cimara quis embargar a carga, alegando que havia falta de alimentacio na Ilha. Para ter suas sacas de trigo liberadas para a viagem, o administrador precisou explicar que cra para a alimentar os colonizadores durante a viagem. Para conter a crise na agricultura, o provedor da Fazenda Real propés a apropriagio dos baldios, que ram terras de ‘uso comunitério, importantes para os pequenos lavradores, que delas tiravam 4 complementagio de sua sobrevivencia, Na verdade, em Portugal, o processo de apropriagio dos campos comuns jé vinha ocorrendo, favorecida pela propria lei, Enquanto as ordenag6es afonsinas e manvelinas, 20 regu- Jamentar as sesmarias, garantiam a defesa de terrenos baldios lenag6es filipinas, na época do dominio facilitavam a passagem dos baldios aos conselhos propriedade individual. Era uma forma de acabar com o uso comum de reservas de terra c transforms-las todas em propriedade privada. nto nos Agores, como na metrSpole eem toda camento dos baldios gerou forte oposigao dos s. As aut conter 0 processo de transforma: Os agricultores, com os seculares direitos das is, utilizavam os logradouros para a criagio a apanha de frutos silvestres ¢ 0 corte de im, seriam lesados, = SSS | 1 ~ Mapa “Arquipélago dos Acores” MENESES, Avelino de Freitas. Gente dos Agares. Q nimmera e a mo nmeados do século XVIIL Ponta Delgada: Universidade dos Agores, © arauipélage dos Acores Figura 2 ~ Mapa “Acores ¢ © mundo atlantico” Fonte: MENESES, Avelino de Freitas. Gente dos Agores. 0 niimero e a rmoblidade em meados do século XVI Ponta Delgada: Universidade dos Acores, 1997. p.?. /1~ Os easis agarianas rumo a0 Sul do Brasil ‘Museu Carlos Machado Assim se vai ao longe osé Gongalves Correia! vivia numa das ilhas do arqui- pélago dos Agores, na cidade da Horta, enquadrada entre Montes verdejantes e o grande mar a perder de vista. Desde muito pequeno, costumava acompanhar © pai no trabalho da oficina, ajudando-o a fazer baldes e pipas, com gosto pelo oficio de tanoeiro, Muitas vezes o trabalho era escasso e pouco rentivel Acabadas as vindimas, s6 havia alguma encomenda de barris para a manteiga que era exportada para Lisboa. O pai de José tinha, entio, que se dedicar a outros ganhos para sustento da familia, geralmente como jornaleiro (trabalhador pago por tarefa diria) na lida dos campos, na terra dos outros. Como tantos outros moradores, ele nao tinha suas prdprias terras para plantar o trigo, o acevadae outros cereais que se cultivavam na Tiha do Faial. O rapaz, também agarrava 0 que aparecesse. Ganhava pouco, mas sempre ajudava em casa ¢ ainda ia apurando algum dinheiro para seu sonho de um dia poder embarcar. que ali aportavam, com freqiiéncia, fragatas € corvetas ddas mais variadas nagoes, ¢ também das outrasilhas do Arqui- pélago. Para aguada ou reparo das avarias, aflufam desde a, contada por J. Agostinho na Revista do Instinato, VX, p. 204-247, Oscassis nor rare a0 Sul do Brasil ransporte do ché da india, até os scunas, empregados ei o mais nos discutiam os tipos de navios, as cores as ¢ tantas Outras coisas, com esse espeticulo a 's dias. A ilha era pequena mas o mundo vinha até naqueles navios. E eles imaginavam que por meio bbarcagGes poderiam ir ver o mundo. © entusiasmo cresccu com o aparecimento das icanos eram empregados como escravos no > de caga as baleias. Formavam uma turma, geralmente ) turbulenta, andavam em magotes compactos, m bebedeiras, cantavam alto ¢ desafinado. Nesse tempo nao havia protegao as baleias, ¢ elas eram das para fornecer dleo. A caga era feita em canoas, las de arpées, langas, linhas ¢ tudo o mais que era sério para prender ¢ matar cetéccos gigantescos ‘Uma vez morta, a baleia era presa no asco do navio ordura retirada ¢ derretida a bordo. De uma maneira navio baleeiro nio regress: Assim 26 vai a0 lonae 15 exercendo seu antigo oficio de tanoeiro, embarcando na caga de leo marinho nas terras geladas do Antértico, que davam leo tio bom quanto 0 das baleias, e, por fim, exercendo a fangao de colaborador no Museu Americano de Historia Natural. Na época em que José Goncalves Correia emigrou, no século XIX, era grande a emigracdo nos Acores ¢ em quase todaa Europa. Uma evasao das ilhas realizou-se, coincidindo com a época em que milhares de outros europeu movimen- tavam-se a procura de trabalho no continente americano. Com 0 desenvolvimento do capitalismo e as transformagées na estrutura agréria, os camponeses € 0s artesos que ficaram sem trabalho procuraram o Novo Mundo para tentar a sorte. Osestudlos indicam que, no século XIX, a emigracio agoriana que ofereciam viagens clandestinas a quem quisesse emigrat: Sem documentagio, nem direitos, viajavam em condigdes criticavam, combatiam e denunciavam a ago dosengajadores, acusados de traficantes de escravos brancos. Este navio, tendo apenas cap: conduziv a seu bord 400. Diz », comega a distribuir, ou para melhor gorianas rum a0 Sul do Brasil cr os escravos de nova espécie, e quem desejasse ‘uma crianga, uma mulher, dava 40 pesos, recebia ia & bordo, escolhia a dedo. Podia-se retalhar \s A vontade” (Angrense. In: Atlintida, Orgio do Agoriano de Cultura. 10 (5) nov-dez., 1966. p.315) O patrono dos emigrantes oltando a histéria no tempo, & época do sistema colonial, em Angra do Heroismo, a pequena cidade da Terceira, todo domingo parecia dia de festa. A nobreza ostentava o luxo para exibir a riqueza ¢ 0 poderio da classe, sa acompanhada pelos criados. Préximo do adro ‘ras e cadeirinhas, que era 0 meio de transporte da gente da elite. No mercado, abundavam os artigos € 0 movimento das pessoas. Os camponeses traziam para a vila grande quantidade de ovos, fiitas, vinhos, batatas, etc., ¢ levavam fazendas finas para 0 uso das m inas ou grosseiras, especiarias, chs, etc., que chegavam da te, do Brasil, da India ou de outras ilhas do arquipélago rei chegou a proibir o luxo que era inde entre seus stiditos. Conta-se que nas ilhas do arqui- lago agoriano executaram-se prontamente as ordens, icgredando-se para longe os panos estrangeiros, cuidando com panos fabricados em suas casas, do ias de ricas colchas. As s enchiam-se de senhoras que, depois de passar a (Os caraisagorianos rume ae Sul do Bras juanto 0 povo, na época de S40 Joo, folgava nos ¢ ruas, acendendo fogueiras. Os viajantes estrangeiros, passaram pelas ilhas agorianas nos séculos XVIII e XIX, avam, em suas narrativas de viagem, que os acorianos, uum carter alegre ¢ expansivo, amavam a miisica, a as representacdes teatrais, as reunides de mascara as de carnaval, as cavalhadas, as corridas de touros, stas do Espirito Santo eas de S40 Joao, as reuniGes em ide as mulheres de elite cantavam, dangavam e algum instrumento musical Nessa cidade, num dos prédios da Rua da Esperanga, século XVI, viveu o fidalgo Cristévao Nunes Vieira, com nulher Maria Cota da Malha. O casal tinha duas filhas e , Joao Baptista, nascido em 1582.? Eram tempos a época em que viera a0 mundo o filho de Cristévao depois de seu nascimento, a Tha caiu nas anos, O saque durou cerca de dez dias, nos is mataram ¢ pilharam. Os defensores da e plebeus, foram executados na forca, ao pé da lugar onde, por algumas dezenas de anos, car. Entre os executados, estava 0 CO pateone dose 19 0 scus bens e foi parar no JapZo como missionatio, interes- O Japio, nessa época, era governado por um sistema co em que a religi’o de Buda tinha participagao Ps importante, O imperador era considerado descendente dos deuses. Bulir coma religiao do Estado cra, portanto, afetar a ordem politica. Mas, desde 1540, 0 «1 entrando no pais. Quando Sao Francisco de Assis soube da existéncia do Japio pelos mercadores portugueses, empenhara-se no projeto de cristianizar aqueles povos. Muitos outros missionérios se juntaram a Francisco de Assis, criando, em pouco tempo, uma florescente cristandade no Império do Sol. Em 1614, 0 governo japonés pereebeu qui © ctistianismo, entravam também os produtos do Ocidente, provocando a concorréncia entre os comerciantes japoneses ¢ os comerciantes cristaos. Resolveu, entio, fechar 0 p cexpulsar os missionrios que Id es ficou escondido nas Ilhas de Goto até ser descoberto preso ‘em Omura, no circere chamado Cori, em 1617. No dia 27 de maio daquele ano, tirado do cércere, manietado, segurando entre as mios um pequeno crucifix, foi decapitado. A afiada catana ¢ a destreza do algoz. nao evitaram que s6 ao terceiro golpe a cabeca se separasse do corpo. Tio cruel su recebeu o santo homem, estampando uma alegria tio sublime iva que, a0 vé-la, o proprio algoz se converteu a0 nais tarde, a ser decapitado também. transformou-se no patrono dos emigran- no ae Sul do Brasil do em verso em prosa, a os poetas, retratado pelo artista, evocado novos parentes que falam outra lingua n trajes diferentes © pode observar pela \¢20 dos dois quadros que seguem (Figuras 5 ¢ 6). igura 5 — Os emigrantes (1926) 'arios Machado © paitono dos emigrantes BST iteratura agoriana, a constante emigracao do povo é explicada sob os mais diversos prismas. Uns falam que a razao de tanta gente sair é de ordem econdmica, Dizem que insegura com os vuledes, mistei que deixaram fantisticas de destruigao ¢ de formagao de novas ilhas, novas crateras, novos picos. Nao sabiam até quando permaneceram dor aso icos fendmenos vuleanicos ¢ sismicos, Je vidas e bens, hd ainda a hist6ria dos piratas, do século XVII infestavam os mares dos seguigao &s naus que atravessavam o oceano egadas de mercadorias das Indias. mbém a explicagao psicoldgica para as razdes que n aS pessoas a querer ir embora, Diz-se que a visio do mar, com seus horizontes infinitos, é um eterno te para aventura. O poeta agoriano, Vitorino Nemésio, se expressa: O que dé este espirito errante ao ilhéu senao 0 mar? O ilhéu duvida, Mas 0 mar esté ali, Essa & que é a verdadeira forga. tinente branco ¢ frio, sem que o quente € Inge, € 0 Novo Mundo. No meio desta teia o ilhéu quebra ‘0 seu isolamento como a ave quebra a casca do ovo. Eo que hé depois do mar? Atualmente ha os Estados los gerando sonho de enriquecimento. Nos séculos passados, havia o além-mar, onde ficavam as colénias portuguesas: o Brasil e as possessdes na Africa, na f colonizar scus dominios. Ao Brasil colonial urante os séculos XVI ¢ XVI, 0s agorianos iam para as coldnias portuguesas na América, individualmente ow engajados pelos interessados na ocupagio ¢ posse de terras, favorecidos pela mercé de El-Rei, Conta a histo- riografia que Maranho comegou a prosperar depois que um grande ntimero de colonos agorianos af chegaram, Primeiro Jorge de Lemos e depois Simao Estécio da Silveira tinham 0 contrato do transporte de emigrantes. Relata o Conselheiro do Rei, Visconde de Porto Seguro, que “grandes grupos de familias agorianas, modestas, moralizadas € trabalhadoras, vieram contrabalangar ¢ dos muitos degredados que comegaram a ser enviados da metrépole, no ardor de ver agui aumentar-se rapidamente a povoagio. Contam as crdnicas que um tal Francisco Canto da Silva, filho natural do abastado provedor das armadas na Ilha ‘Terceira, acompanhou Tomé de Souza na fundagao da Bahia, no ano de 1549. Muitos outros dirigiram-se para o Brasil colonial. Massas anonimas de homens ¢ mulheres iam garantir a soberania do rei ¢ o dominio portugu ‘m- mat. De inicio dirigiam- sta da Afri india. Depois do Norte, os ago ter assentado an (cra ~ Os easais agorianos rumo a0 Sul da Brasil € mais de um século antes dos isterem aportado em Plymouth, no Mayflower. Nesee «= po No havia cotas de emigracao, nem a de passaportes nos Agores. O poder de enviar ara.as “terras novas” do Ocidente pertencia a Vasco le tinha recebido do Rei de Portugal, D. Manuel orio das “terras novas”, na América do Norte, que Gaspar ¢ Miguel Corte Real haviam descoberto, ‘s para manter 0 senhorio, as terras conquistadas tinham «r povoadas. Nada se sabe sobre o destino deste pequeno implantado pelos portugueses na América do Norte. Desaparecera quando os ingleses ai chegaram ¢ dominaram. A narrativa do cronista José Agostinho nos faz. pensar que © sucesso desse nticleo de povoamento agoriano regio porque a terra era indspita e desolada, coberta -ve no inverno, tornando-se, portanto, imprdpria para ‘cultura praticada nos Agores, e porque, certamente, ‘e conflito com os indios americanos. Podemos saber dessas histérias porque muitas cartas ¢ s documentos ficaram guardados no Arquivo Histérico arino, em Lisboa. Para conquistar, povoar ¢ admi- i suas colbnias, rei de Portugal criou o Conselho dos os Estrangeiros da Guerra, Mat Ac Brac 25 conselho, por sua vez, recebia também requerimentos dos stiditos sobre diversos assuntos que, encaminhados ao rei grandes massa grande de papel, caixas € mais caixas de documentos, dando conta da vida administrativa, quase dia a dia, das tro da hist6ria colonial io de informagoes sobre portuguesa, mas é um bom lugar, vida das pessoas que atuaram na colonizacio. Por ali podemos saber que para o Br desde o século XVI. Numa carta régia de 1617, hd a noticia de que foi gente das IIhas dos Acores para povoar o Maranhao € orio Pars. Outro documento fala da saida, em 1621, de 200 colonos dos Agotes, seguidos de mais vinte, com destino a0 Maranhao, e que “vieram reparar os danos causados pelas bexigas”. Em 1628, Jorge de Lemos Bettencourt anunciava dispor de duas centenas de casais agorianos para a conquista do Maranhao, “agregados familiares que se presume nao terem sido bafejados pela fortuna”. Numa carta de 1635, acha-se referéncia de que “a gente procedente das Ihas anda aqui [no mida”. H& muitas outras agorianos introduzidos no Rio de escravos. Das Ihas Canarias, da Ma dos Agores, de Portugal contin gente para as caravelas, (Os easaisagorianos rome se Sul do Brasil os arsenais ¢ dos portos, paraa guerra, para 0 a construgao de fortes. do povo era mao-de-obra, sempre & procura para a sobrevivéncia, Encontrava oportunidade cos dominios de ultramar. Os grandes também am. Se nio faziam isso pela necessidade da ja cotidiana, faziam pela ambigio de expansio oderio e pela possibilidade de conquistar terras que m titulo de nobreza. Os pobres, alimentados pelo de melhorara vida, de ter que é seu, uma casinha e dago de terra; os ricos, pelo sonho da aventura, da a ¢ do poder. Os nobres decadentes, pela tentagao de rar o estado perdido. Muitos eram rectutados, as vezes forgados; outros, iados com promessas de enriquecimento; tantos outros, ios por iniciativas individuais, levados pela utopia da c da fartura nos trépicos. A emigracao era estimulada ¢ jada pela coroa portuguesa que, para colonizar scus ios no ultramar, precisava de gente pata povod-los. de colonizadores aliaram 0 proprio descjo de rar a sorte com o objetivo da monarquia: construir io sob o controle da coroa portuguesa. ara povoar as terras distantes nao iam s6 os homens embora estes fossem os que formavam 0 maior almente, porque eram recrutados com para os servigos militares. Na época do dominio (1580-1640), 0 re anha ordenou o emprego nas expedig6es militares por uma questao de Os soldados agorianos recebiam apenas a metade que ganhava um soldado espanol. O embarque sob o dom{nio de Portugal, em missio de usual. Soldado dos Agores, da Madeira 1m incorporados aos batalhdes luso- Ac Bri colonial 7 brasileiros na luta contra os holandeses. Do mesmo modo, no século XVIII, o transporte de colonos agorianos e madeirenses para Santa Catarina e Rio Grande do Sul foi ‘uma iniciativa do rei de Portugal para alargar seu dominio no Sul do Brasil, contra os interesses espanhdis. Por essa época, a atencio da coroa portuguesa dirigia-se para as questdes de fronteiras. Em 1737, o conde de Bobadela, governador do Rio de Janciro, escrevia ao Conselho Ultramarino dizendo que se deveria fortificar a Tha de Santa Catarina ¢ submeter as terras sulinas a um tnico comando militar. Em 1738, o rei expediu uma carta régia comunicando que havia determinado ao brigadeiro José da Silva Paes que passasse & Tha de Santa Catarina e nela edificasse uma fortaleza. Fui servido determinar por Resolugio de 5 deste presente més e ano, em consulta do Meu Conselho Ultramarino, que o Brigadeiro José da Silva Paes passe logo 3 Ilha de Santa Catarina, ¢ faga nela uma fortificagio, a qual cle entender ser capaz para a sua defesa, procurando evitar nela tudo quanto lhe for possivel a maior despesa; e, atendendo a que desse porto do Rio de Janeiro devem sair todos aqueles, socorros, ¢ ordens que se fizerem precisas para a defesa da nova Coldnia ¢ ajuda do novo estabelecimento do Rio de Sao Pedro do . Silva Paes tomou posse do governo da Ilha no ano Com as obras dos fortes de Sao José da Ponta Grossa, Santo Anténio ¢ Nossa Senhora da Concei¢io, completou 0 que cle considerou ser um sistema militar eficiente para guamnecer allha. Situada no meio do caminho que ia do Rio de Janciro ao rio da Prata, a Ilha de Santa Catarina transformou-se em ponto estratégico para a defesa dos interesses portugueses contra os espanhdis. a. Ox cassis agorianos rume ac Sul do Brasil CAPITANIAS HEREDITARIAS ira 7 - Mapa “As capitanias her 'VEDD, Julie; ORDENEZ, Merlone & SALES, Geralda, Meu estado: cia: Santa Catarina Séo Paulo: Seipione, 1997. Uma politica demografica as sociedades do Antigo Regime, ou seja, na época mo, o mimero de habitantes de uma regido deveria ajustar-se & quantidade de alimentos dispo- niveis. A importagio de cereais nao era comum ea tecnologia agricola dificilmente permitia uma melhoria na produtividade da terra. Nos momentos em que ocorriam periodos de fome, cra freqiiente as populagdes se amotinarem para exigir que as autoridades agissem em seu socorro. Os saques aos armazéns reais ou até mesmo aos particulares era, muitas vvezes, uma sada encontrada pelo povo. Quando havia escassez de cereais, imaginava-se que a causa fosse 0 excesso de populacao. Em perfodos de fartura, coma garantia do provimento cotidiano, desaparecia o medo do crescimento demogrifico, havendo consegiiente pressi0 sobre a estrutura agraria, com 0 povo exigindo direitos sobre © uso da terra orianas, a populagio aumentava, gradativa- mente, desde a época de seu povoamento pelos portugueses, no século XV. Mas nao era este o fato que provocaya as crises seam duas: 0 esgotamento dos solos. ‘em mio de poucos. A nter 0 equilibrio, Nas épocas Wva com apoio das autoridades. Os eas anos ruma ao Sul do Brasil as de fartura, as autoridades restringiam a emigracio iter os agricultores no cultivo dos campos. Portanto, cio espontinea ou dirigida, individual ou coletiva, deslocamento de levas de casais povoadores para as ess6es portuguesas, voluntérios ou coagidos, os mentos militares, etc., fincionaram como regulador 1ografico nas ilhas. Geralmente, em épocas de crise agricola, aumentavam \edidas oficiais para estimular e apoiar a emigracao. Num cdital de 1° de julho de 1774, Ié-se que, por ordem do rei, © governo mandou recrutar nas Ilhas dos Agores, “devido ao ide mimero de habitantes que havia nelas”, 600 pracas 1 08 regimentos da capitania do Rio de Janciro. Em 22 ho de 1786, 0 governador de Angra do Herofsmo informa ao Conselho Ultramarino que ¢ “demasiada a gente na Ilha € que se torna necessério promover a emigragio de 600 casais, ou mais”. E pondera que “o resultado desta Ibrepovoacio esté & vista: as mulheres se prostituem, ¢ os wens se fazem ladSes, ¢ uns € outros sobrecarregam € modam o ptiblico”. Estas medidas perfodo de escassez do século XVIII, nas de ‘Quando havia fartura, a politica se invertia. Em 19 de agosto de 1645, Agostinho Borges de Sousa, procurador da zenda das Ihas dos Agores, escrevia ao rei dizendo que, ipesar da falta de gente, devido as levas © as guerras, se antaram na Tiha Terceira 200 soldados, que estao prontos para seguir para o Brasil”. Em 20 de outubro, 0 mesmo Agostinho informou que “ficaram prontos os 50 casais, além sem todos dos 100, que se podia tirar daquela Ilha e do estes fazerem falta”, Como se pode ver, a politica popul ica de se excluir o excesso da populagio, provavelmente ‘Uma pottica demogedfies 31 para nao mexer na estrutura social das ilhas. Dimi pressio demogrifica, diminuiria também a pressio sobre a posse dos bens ¢ das terras. Por outro lado, se as illas esti- vessem a se despovoar, haveria falta de gente para trabalhar nas lavouras. A preocupacio, entao, era nao deixar que mais pessoas saissem. Em 1758, com a publicagao da lei dos passaportes, 0 rei proibiu “a saida de pessoa alguma sem da”, em virtude de “constar em Lisboa que jas tinham emigrado, somente dos Agores € © governador de Angra do Heroismo, verificando que as ithas estavam a se despovoar, tomou medidas para restringir a emigragio ¢ pediu que fossem resti homens casados que fora delas, nesse reino e nas ditas capi- tanias, andam espalhados”. As vezes a politica de emigragao chegava a provocar desequilibrio entre o mimero de homens e de mulheres nas ilhas. Jean Gustave Hebbe, um viajante sueco que esteve nos Acores no século XVIII, observou que havia mais mulheres que homens nas ilhas. Acreditava que nasciam mais mulheres que homens € que o grande mimero de congre- gacoes femininas era destinado a guardar as mulheres da fome, da miséria e da sedugio. Em 24 de outubro de 1787, © governador de Angra do Herofsmo escreveu ao secretério de Estado da Marinha ¢ Ultramar informando que “apesar estas Ilhas se acharem sobrecarregadas de gentes, nao sio sobejam. Homens de até 30 anos nao ha demasiados... Mulheres & as gentes que quer o Intendente as que aq} As mulheres solteiras, se comparadas aos homens, solteiros, emigravam. As casadas, por sua vez, acompanhavam os maridos, Como os emigrantes deveriam, sd Frontera ~ Os casas agorianos rumo ao Sul do Brasil par as novas tettas, familias inteiras, de preferéncia pessoas recém-casadas, que pudessem ter muitos filhos, eram is estimuladas ¢ apoiadas a emigrar. Promessas, rangas, ameagas ajudavam a carregar os navios de nos. E de ano a ano Id iam as levas de casais. E comum referéncia aos “casais agorianos” na documentago sobre a nigragio agoriana, na época do Brasil colonia. No decorrer do século XVIII houve realmente crises de subsisténcia nas ilhas agorianas, com a quebra da fertilidade dos solos. Os comerciantes insistiam na exportagio de cereais que Ihes dava bons lucros. As limitagoes das técnicas de agricultura nao permitiam o alargamento do solo agricultivel ‘Além disso, houve varias catistrofes naturais: tempestades, secas, pragas, sismos e erupgdes vulcanicas. Em fevereiro dé1718, um vuledo atingiu duramente a Ilha do Pico. O fogo rebentow nas vertentes da montanha, originando caudalosas torrentes de lava, destruindo muitos campos de cultivo. As antoridades solicitaram autorizacio pata as pessoas atingidas pela catéstrofe emigrarem para a colénia brasileira. A coroa viu nisso uma oportunidade para povoar o Sul do Brasil. Mas, as stiplicas das autoridades do Pico nao foram bem recebidas pelos habitantes. Nao apareceu grande mimero de interessados em emigrar. Talvez.a pentiria no fosse tao grande como as autoricades alegavam, ow talvez (0s moradores nao acreditassem muito nas promessas de vida ficil na coldnia brasileira. Diante do pequeno mimero dealistados, as autoridades sugeriram, entio, la compulséria de prisioneiros ¢ . Alegavam que essa medida traria dois beneficios: nos Agores € 0 reforgo da humana no Brasil. Mas, embora esta fosse uma um em Portugal para colonizar suas possesses, aceitou que as populagdes fossem coagidas. Uma politica demosraticn 33 Alegava que isso iria diminuir o impeto dos voluntirios. O soberano adiou, entio, o projeto da colonizagio agoriana no Brasil meridional Somente na década de 1740, o projeto de povoamento do Sul do Brasil voltou para a pauta do Conselho Ultramarino, As autoridades coloniais insistiam junto a0 Conselho Ultramarino para reforgar a presenga portuguesa nas terras brasileiras que vao do Rio de Janeiro a foz do rio da Prata. Com este intuito, em 1738, o rei criow a capitania de Santa Catarina e nomeou 0 brigadeiro José da Silva Paes para capitio-mor. 35 Uma politica de povoamento oje vemos um Brasil grande em termos de extensio. Seu territdrio abrange quase metade da América do Sul (47,3%), com um litoral de 7.408km banhado pelo occano Atlintico, Este enorme territério formou-se ao longo de quase cinco séculos de conquista, ocupagao e dominagao. As vezes a guetta, outras vezes as querelas diplomiticas definiam os limites territoriais. As atividades de exploragao econémica constitufam a forga motriz.do povoamento ¢ este justificava © direito ao uti possidetis, ou seja, quem povoasse ocuparia de fato ¢ de direito a terra povoada. A procura de ouro, no século XVIL, tomou Mato Grosso dos espanhéis. A borracha, bem mais tarde, tragou a divisa do Brasil com o Peru e a E assim o Brasilia crescendo, ampliando a sua costa 20 oeste, quase beirando 0 oceano Pacffico. Eram terras habitadas pelos indios ou desertas de gente. ‘A maior parte, pelo Tratado de Tordesilhas, pertencia juridicamente & Espanha. Aconteceu, algumas vezes, de gente morar em algum lugar que nao se sabia se pertencia a Portugal Os dois reis disputavam a posse da terra ¢ as viviam tinham que ser figis aquele que no lores da Frontera — Or cassis agorianas rum ao Sul do Brasil a conquista do territério aconteceu através da o de gado, do apresamento de indios pelos paulistas ¢ ras atividades. Embora bastante conhecida desde os itos anos apés a expediigao de Cabral, como escala quase igatdria dos navegantes que demandavam os mares do ‘ou mais tarde como referéncia das bandeiras vicentistas, 1a de Santa Catarina s6 viria a receber povoamento efetivo portugués em meados do século XVIL O litoral de Santa Catarina era habitado pelos carijés, igenas da nagio tupi-guarani. Viviam em pequenas aldeias as atividades consistiam principalmente na pesca, caca, ta ¢ numa agricultura, considerada expressiva para a poca, na qual se destacavam as plantagées de milho e de andioca. O artesanato era diversificado, Confeccionavam redes, esteiras, cestos € armadilhas de caga, como 0 mundéu © a arapuca, e armadilhas de pesca, como 0 covo € 0 jiqui. Os trabalhos em pedra polida e madeira abarcavam as varias armas para a pesca e para a guerra. Fabricavam canoas em tronco de garapuvu e uma embarcagio leve, a partir de cascas de drvore amarradas com fibras vegetais e impermeabilizadas pm ceras ¢ resinas. A cerimica caracterizada por pecas de ndes dimensdes, com fins utilitarios ¢ decorativos, expressava um apurado senso artistico, Os carijés foram incessantemente exterminados pela esctavidio a que foram submetidos durante os séculos XVI € uftas contam que no porto de Laguna, meados do século XVII, embarcavam, anualmente, cerca mortos ou levados como escravos pelos bandei- s, Os que conseguiram sobreviver, fugiram para Uma politica de povoamenta 37 Os relatos de viagem falam da existéncia, na Tha de em Santa Catarina, de densas florestas de mata atlantica, com uma vida selvagem pujante, manadas de bois ¢ perigosas feras. A ocupagao humana era reduzida. Apenas pequenos niicleos nas principais enscadas da costa front continente. Nestes lugares, a base demogréfica consistia na mistura de portugueses, presentear com viveres as expedigdes estrangeiras, talvez como forma de se protegerem de agressoes ¢ saques. Alguns moradores eram fugitivos que escapavam ao controle administrativo de outros lugares. Junto & documentagio que se encontra no Conselho Ultramarino, hé varios documentos que falam de gente degredada para a Ilha de Santa Catarina, Francisco Dias Velho, nobre de Sio Vicente, fixou-se na Ilha, provavelmente por volta de 1675. Dias Velho ja conhecia estas terras, pois havia acompanhado seu pai nas investidas aos indios dos Patos. No governo de Dias Velho, a pdvoa contava com aproximadamente 400 habitantes, que se dedicavam 20 cultivo da mandioca e da cana-de-agticar, & pesca e & procura de ouro. Entretanto, sua estabilidade durou pouco. Em 1687, Dias Velho aprisionou um navio corsétio que fundeara em Canasvieiras para reparos. Segundo se conta, 0 navio nado foi enviado para So Vicente. A Fazenda Real libertou os piratas, mas apoderou-se da sua carga. Dois anos depois, para vingar-se, os piratas voltaram € atacaram 0 povoado de surpresa. Dias Velho foi morto. Sua familia foi deixada em liberdade & custa de um resgate em viveres ¢ suprimentos negociado pelos dois padres da pévoa. A tragédia colocou os poucos moradores em pinico, ficando a Tha quase despovoada. ‘Mas a coroa nao al até a foz do rio da Prata. Era por af que passava a prata 38 Povoadores da fronteira ~ Ox easais agorianos rua ao Sul de Brasil no Peru pelos espanhéis. Depois de virios anos nflitos ¢ negociag6es diplomiticas com a Espanha para definir os limites entre as duas nagées, D. Joao V nomeou Alexandre de Gusmao como diplomata. Alexandre de Gusmao usou a estratégia de povoar as regides litigiosas fazer valet 0 principio dosti possidetis ~ quem povoa domina. Em agosto de 1746, 0 Conselho Ultramarino acon- selhou, entio, o povoamento das “partes em que se deve por © maior cuidado para a defesa e conservagio daquele Estado(...)”. O monarea solicitou a colaboragio das autoridades coloniais ¢ recomendou que a ocupacio deveria ser das regides de fronteira, onde houvesse maior disputa com os estrangeitos. Assim, Alexandre de Gusmao preparou, pelo povoamento, a formagio das fronteiras brasileiras. Ao norte, contra holandeses e franceses, ¢ a0 sul, contra espanhis. A ccolonizagio seria a garantia da defesa da regio, tanto em tetmos da ocupacio econdmica quanto da militar. Nesta conjuntura, a Ilha de Santa Catarina passou a representar a principal prioridade da colonizagao do Sul brasileiro. Localizada a beira da costa, entre o Rio de Janeiro ¢ a embocadura do Prata, era de relevncia estratégica. Ela representava, simultaneamente, uma atalaia do dominio portugués e um estimulo para a concorréncia dos estrangeiros. ‘Mas povoar a Ilha nao seria tarefa simples. Estimular a transferéncia de populagdes de outras partes do Brasil era invidvel. Com uma grande extensio de terras ¢ muitas oportunidades agricolas e extrativas, as pessoas nio se Um soldado escravo nao correspondia a politica de ento de economia de abastecimento comercial. De Uma politica de povoaments 39. Portugal, muita gente dirigia-se para o Brasil, mas, no século XVIII, a fascinagio das minas do Brasil atraia 0 fluxo migrat6rio portugues. A atengao das autoridades voltou-se, entao, para as ihas atlinticas— Agores ¢ Madeira —densamente povoadas e em crise de subsisténcia, o que estimulava o desejo dos ilhéus em partirem. ‘Uma Provisio Régia, de 8 de agosto de 1746, anunciava: El Rei Nosso Senhor Atendendo as Representagées dos ‘Moradores das Ilhas dos Agores, que lhe tém pedido, mande tirar elas 0 Nuimero de Casais, que for servido, ¢ transporti-los a América, donde resultard as ditas has grande alivio em nio padecer os seus moradores reduzidos aos males, que traz, consigo a indigéncia em que vivem, ¢ ao Brasil um grande beneficio em fornecer de cultores alguma parte dos vastos dominios do dito Estado: foi servido fazer mercé aos Casais das ditas Ilhas que se quiserem estabelecer-no Brasil de Ihes facilitar o transporte, ¢ estabelecimento, mandando transportar as custas de Sua 10 86 por mar mas também por terra até aos lestinarem para as suas habitagbes, O eedital do re, estimulando as familias a emigrarem, deixava claro o propésito da ocupacao do territério, através de uma colonizagao de base estavel. O rei queria fami jovens ¢ numerosas, com homens experientes no amanho das terras e na criagio de gado, e mulheres habituadas as lides domeésticas e destras na arte de fiagao. A legis ximas de 30 anos para as mulheres ¢ de 40 anos para os homens, Figura 8 — Casal acoriano Folo da autora: Suvenir de ceramica da tha de S80 Miguel. Acores A cotoa financiou o transporte ¢ 0 assentamento em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul de, aproximadamente, 6.000 colonos, entre homens, mulheres ¢ criangas. Se antes, nos séculos XVI e XVII, a emigragio de casai agorianos ou de homens solteiros para 0 Brasil era individual, ou por conta de particulares que tinham interesses em ter gente para trabalhar sil, agor propria coroa portuguesa que langav: leste expediente. O propésitoeraa contra os espanhdis, Orei queria implantar na regio ago econémica e que garantisse a defesa militar. Antes de embarcarem, cores, os homens eram organizados em companhias Uns politica de pavoamenta a de ordenaneas, com 0 objetivo de defender 0 novo territério. A prioridade dada ao transporte de familias jovens e ainda a concessio de 2$400 as mulheres em idade de ter filhos tinham Por objetivo a répida multiplicagdo das pessoas para acelerar © povoamento. O edital era bem claro: (--) nao tendo os homens mais de quarenta anos de idade € no tendo as mulheres mais de trinta; ¢ logo que chegarem a desembarcar no Brasil a cada mulher que para cle for das Mhas de mais de doze anos, e de menos de vinte e cinco, casada ou solteira, se darao dois mil quatro centos réis de ajuda de custo, ¢ aos Casais que levarem fillos se lhes dario para ajuda de os vestirem mil réis por cada filho, Portugal, por esta época, experimentava um surto de prosperidade. O ouro extraido das minas brasileiras e virios produtos de valor do Brasil ¢ das outras colénias chegavam Ametrpole, coroando-a de éxito. Era um momento propicio para a monarquia portuguesa. Contam 0s autos da histéria que foi um século de paz ¢ de prosperidade. Pade Portugal enfrentar os espanhdis nas questoes de limites, a0 sul do Brasil, ¢ os holandeses e franceses, a0 norte. Oescritor José Saramago escreveu um parégrafo muito instigante no Memorial do Convento, para mostrar com ironia © que Portugal arrancava de suas possesses, aumentando em muito 0 poderio econdmico, 6 que Ihe dava condigoes de gastos suntuosos. Foi neste século que se construiu 0 so convento de Mafia ¢ os arcos das Aguas em Lisboa. ‘Afirma José Saramago que: nte D. Henrique, obo mundo em su: com D. Joao V, se tem, deveras, raca figura comparado Jo numa cadeira de bragos de pau- mos, ovoadores da fiontira ~Os cassis agorianos rumo ae Sul do Brasil santo, para mais comodamente atender ao guarda-livros que vai escriturando no rol os bens ¢ as riquezas, de Macau as sedas, 08 estofos, as porcelanas, os lacados, 0 cha, a pimenta, © cobre, o Ambar cinzento, 0 our, de Goa os diamantes brutos, os rubis, as pérolas, a canela, mais pimenta, os panos de algodio, o salitre, de Diu os tapetes, 05 méveis tauxiados, as colchas bordadas, de Melinde 0 marfim, de Mogambique os negros, 0 ouro, de Angola ‘outros negros, mas estes menos bons, o marfim, esse sim, € 0 melhor do lado ocidental da Africa, de Sio Tomé a madeira, a farinha de mandioca, as bananas, os inhames, as galinhas, os cameiros, os cabritos, 0 indigo, o agicar, de Cabo Verde alguns negros, a cera, o marfim, 08 couros, ficando explicado que nem todo marfim é de elefante, dos Agores € Madeira os panos, 0 trigo, os licores, os vinhos secos, as aguardentes, as cascas de limo cristalizadas, os frutos, ¢ dos lugares que ho de vir a ser o Brasil 0 agicar, ‘0 tabaco, 0 copal, o indigo, a madeira, os couros, 0 algodio, ‘ocacau, os diamantes, as esmeraldas, a prata, 0 ouro (p.229), O alistamento dos casais m 1746, o corregedor das Ihas dos Agores recebia 0 edital do rei, onde se lia: “D.Joao, por Graga de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves «’Aquem ¢ d’Além-Mar em Africa Senhor da Guiné &, fago a vs saber que 0s casais de pessoas que quiserem ir para o Brasil, o transporte seré 4s custas de Minha Real Fazenda”. O rei pedia todo 0 empenho. No mago de 400 editais, que enviou para as Tihas, ditava as condigdes do transporte ¢ as orientagdes para as inscrig6es. Recomendava que os superintendentes’dos municipios zclassem pela afixagao dos editais régios nos lugares de maior afluéncia de piblico, ¢ que anotassem em rodapé o nome de quem “hao de acudir os que quiserem aproveitar a mercé que lhes fago, ¢ a quem hao de mostrar documentos”. ‘Todos deveriam tomar conhecimento das palavras do rei. Os interessados deveriam ser casais jovens nao tendo o marido mais de 40 anos ¢ a mulher mais de 30. No Brasil, terras seriam distribuidas dando-se a cada casal um quarto de légua em quadra, Se a familia aumentasse, poderia ganhar mais terra, Uma reserva de terra para logradouro, ou seja, para conservar-se como terreno baldio de uso comum, em cada povoado, também era garantida. E ainda havia o direito de solicitagio de sesmarias. E mais. No edital estava escrito que: 44 Povoadores da fronteira ~ Os casas agoriancsrumo a0 Sul do Brasil (..) assim que chegassem aos sitios que hio de habitar se darg a cada casal uma espingarda, 2 enxadas, uma enx6, 1 martelo, um facio, dias facas, duas tesouras, duas verrumas, € uma serra com a sua lima e travadeira, dois alqueires, diuas vacas ¢ uma égua, ¢ no primeiro ano se thes dard a farinha que entender bastar para o sustento, que sio trés quartas de alqueires por més para cada pessoa, assim dos homens como das mulheres, mas nio as eriangas que nao tiverem 7 anos, ¢ aos que tiverem até os 14 anos se Ihes dard quarta € meia para cada més. ‘Muita gente correu para se alistar. Mais tarde, 0 impeto foi diminuindo, mas no inicio era tanta gente que as autoridades precisaram organizar 0 embarque. Nao havia condig6es para embarcar muitas pessoas de uma sb vez, ¢ nem na Ilha de Santa Catarina havia condigoes para recebé- Jas em grande quantidade. Os investigadores nfo so unanimes quanto ao niimero de inscritos. As listas, até hoje, no foram encontradas, apesar clo empenho dos historiadores. O que se conseguit verificar ram. os “Mapas dos Casais que vio para a Ilha de Santa Catarina”, que se acham no Arquivo Histérico Ultramarino. eles, constam os ntimeros de homens, mulheres criangas que embarcavam em cada viagem. Com estes dados, 0 no de Menezes computou o mimero de proximadamente 8.000 pessoas inscritas. Consta qu setembro de 1747, 0 corregedor notificou 0 monarca do resultado da matricula, Relatava que tinha havido oarrolamento cranga de um futuro melhor foi dlesaparesendo As mds icias que chegavam com os barcos que retornavam eram Catisramento dos cassie 45 desanimadoras. Eram grandes as dificuldades passadas na travessia do Atlintico € depois na nova terra. As mortes ¢ as, doengas eram passageiras indesejaveis e permanentes. A dureza dos primeiros tempos acabou por esfriar os entusiasmos. Embora as listas dos casais ndo tenham sido encon- tradas, outros documentos, cartas ¢ relatos mostram que os processos de alistamento esmiugavam a identificagio do “cabega de casal”. Os interessados preenchiam um formulério minucioso, atendendo os requisitos do edital régio. O mo- a elaboracio de “assentos com clareza € na matricula todos os sinais que os € também circunstincias de sade, disposigio, estatura, oficio ou exercicio que tem, a fim de se Ihe poderem dar os empregos prdprios dos requisitos” s fisiondmicos, estatura, cor da los ollie formas de rosto, nariz, boca ¢ barba c estado civil. Estas eram exigéncias para o “cabega de casal”. As mulheres, os filhos ¢ os acompanhantes deveriam ser apenas mencionados, indicando o nome, a idade, 0 parentesco e a naturalidade. pele, do cabelo A grande maioria dos alistados era formada por avam 0 apego ao amanho e Lalfaiare costureiras, setieaneamaseet eaten. secant en ee transformar 0 pedago de terra que recel herdade fecunda, talhada & semelhanga do mod lo acoriano, Alguns nobres também emigraram. Numa carta,de tye, Bovemador de Santa Catarina informava a rei que atribue 08 nobres as principais funcoes s que contradiziam a iia de enrique- sil colénia tiravam o Animo dos mais afortunados. Gente. ‘que tinha, condigées de sobrevivéncia nos Agores nao aparecia mais entre os alistados, especialmente ODES que mio estavam acostumados com o trabalho dines dla terra. © governo da lha, para atratlos, pedir a0 rei a introdusao de escravos da Angola, y fidalgos, “para que os nobres nao precisassens romper com 0s padres comportamentais da aristoctacia”, ‘Mas 0 rei ndo concordou com a medida, A partir de 1750, nem mais os pobres apareciam para Cento ae nin novembro de 1754, 0 escrivio da cortekcio dificuldade em lotar o navio por falta de *0, muitos desistiam de embarcar depois de concentrados em Angra da partida, do Heroismo. As autoridades tentavam explicara falta de candidatos. Diziam que a causa era de cariter ps; igico. A saudade dlos parentes que ficavam, a distincia dos sertoes cananh a falta de correspond retorno influ Na verdade, as ra demogréfica ¢ na lecepea lado, nas préprias ilhas agorianas. Pos a7 as. cexperiéncia dos primeiros contingentes eee AS epiden as, a mortalidade nas viagens, as dificuldades = amanho das terras virgens €o nao-cumprimento das promess americana régias mostravam que o sonho da prosperidade sul-ameri podia transformar-se em tragédia real. (imero maior de colonos, especialmente covidos de todos os meios de Para atrair os mais pobre eee “hos regulamento afrouxou a exigéncia da idade ey 7 00s ente, para mulheres ¢ homens, ac Ge casa mais vel idosos, como pais e sogros ngdes de povoar a terra com colonos saudéveis e jovens em idade de ter filhos e de trabalhar com robustez. Além disso, o soberano admitiu o recrutamento, forsado dos vadios e permitiu a transferéncia de Besson soins sem c lo poder se que o corregedor abusou familia, Conta-se qu a recrutamento e mandava prender moradores indiscrimi damente depois embarav-o fora pops ficou evoltada ese amotinou,alegando o abandono das atid agricolas por camponeses que se defendiam dessas arbitra riedades fugindo para os matos. 48 Fovoadores da rantcira — Oz eaasis agorianas rume a0 Sul do Brasil Fonte: dha de Santa Catarina. Aelato QV @ X0% 2d. loriangpols Lunar Aviagem sviagens, sing ocorreram ei Na época, a p hrabitantes ¢ rec aumentando ide Agores, rumo 3 Ilha de Santa Catarina, uitubro de 1747 e novembro de 1753. io de Santa Catarina era de 4.194 | entre 1748 e 1756, 6.071 agorianos, 40% o indice populacional. Muitos de melhor ndonaram as has, na esperanca morreram pelo 0. A viagem de 3 m a, nas precirias de gua e de frescos, o desconforto pelo excesso de viajantes por embarcacio. pesquisas mais r guistia, reinante no 50. Povoadores da franteira — Ox easais agorianos rume a Sul do Brasil Surgiam as disenterias. B, com o correr dos dias, quando a viagem se adiantava, em meio do caminho, entre cu ¢ mar, aparecia 0 pior: 0 mal de Loanda, que misteriosamente ia atingindo a fracos e fortes, homens e mulheres, poupando as criangas de peito, € que ia aos doentes alquebrando as forgas, tirando-lhes a resisténcia fisica e moral. As pernas edemaciavam-se, a pele cobria-se de manchas que rebentavam em flictenas ¢ ulceravam, o andar tornava-se trOpego € pesado, a lingua grossa ¢ saburrosa, no conhecia © paladar. Instalava-se a taquicardia, a dispnéia ¢ uma fadiga sem fim prostrava mesmo os mais resistentes. Os dentes amoleciam nas gengivas edemaciadas ¢ sangrentas, Era assim 0 mal de Loanda, 0 mesmo que dizimava os africanos nos navios negreiros. Era o escorbuto, a avitaminose, os resultados da falta de alimentos frescos, de frutas, de legumes, de vitamina C, que, entdo parecia paradoxal, desconcertante, pois ia fazendo vitimas entre aqueles que se julgavam capazes de resistir 4s peripécias da viagem. (Os agorianos, p.22), primeiro navio com os casais chegow a Santa Catarina em comegos de 1748, O governador José da Silva Paes foi quem os recebeu. Com data de 20 de fevereiro, escreveu stimando as mortes € 0 estado de satide dos que desembarcaram. Certamente o governador ficou impressionado com 0 que vit e com que Ihe contaram, sobre a viagem. A resposta a carta do governador demorou mais de um ano. Quando chegou, o brigadeiro José da Silva Paes jé no se encontrava mais no governo da Ilha, O novo gover- nador, Manuel Escudeiro Ferreira de Souza, recebeu a carta do Conselho Ultramarino, que dizia: “muito foi de sentir a mortandade experimentada nas galeras que levaram os casais, no ano passado”. A carta informava que o arrematante do transporte, Feliciano Velho, perdera 0 contrato do transporte Aviagem 51 dos casais, Fora substituido por Francisco de Souza Fagundes, com cldusulas melhorando as condigées da viagem, especialmente quanto ’ 4gua e A alimentacio das criangas. ‘No entanto, os problemas continuaram ase repetir com © novo contratador. Manuel Escudeiro, a 19 de fevereiro de 1750, escrevia ao rei informando que, na terceira viagem deste Fagundes, morreram 19 pessoas adultas ¢ 16 criangas, desembarcando os outros quase todos enfermos, acometidos por malignas e corrupgdes escorbriticas A 16 de abril de 1752, tornava Manuel Escudeiro a escrever ao ministro Corte Real, narrando que, desde 25 de janeiro a 16 de margo, entraram no porto de Santa Catarina trés navios do contrato do transporte com 263 familias, compreendendo 1.478 pessoas, de um ¢ outro sexo. Haviam mortido 54 pessoas nas viagens ¢, entre os que chegaram, muitos estavam doentes. O riscé de nauftégio era outro fantasma que rondava as embarcacées. Felizmente nao ocorreu nenhum desastre maritimo nas viagens entre os Agores ¢ Santa Catarina Porém, para muitos, a viagem nao terminava af. Por ordem do rei, © governador deveria escolher os que estivessem em melhores condigées de satide ¢ embarcé-los para o Rio Grande do Sul, em pequenas sumacas, Desta feita, os documentos registram dois desastres. Em maio de 1753, ‘uma forte tempestade atingiu uma expedi¢io de 70 familias, que artibou em Cabo Frio, passou depois ao Rio de Janeiro € retornou a Santa Catarina, em novembro. No mesmo ano, a tragédia perseguiu outro contingente de colonos, que nauftagou logo 4 safda da costa da Iha de Santa Cata na Ponta dos Naufragados. Para as mulheres, a viagem era ainda mais insuportivel. Blas viajavam nos pequenos compartimentos dos pordes do 52 ssra On cassie agrianos rum a Sul do Basi navio, guardadas pelos chefes dos “cabegas de casais”. De do com o regulamento dos transportes, as chaves dos compartimentos deveriam ser em di uma em poder do comandante ¢ a outra de posse do chef. Em cada viagem, os mandantes eram dois, ¢ todos os demais homens se distribufam em duas companhias as ordens de cada um deles. Dois outros homens eram escolhidos para cuidar dos alimentos que eram levados &s mulheres em seus aposentos. ‘As mulheres s6 safam do alojamento na hora da missa, Acabada a ceriménia, regressavam aos seus compartimentos, LA dentro, obedeciam As ordens de duas mulheres escolhidas entre as mais graduadas e capacitadas, Figura 10~ Vista da ltha de Santa Catarina (F Vaney dis, Dall’Acqua. Inc. Lazaretti colori. La Pérouse T. 1. Fg. 1.) Fonte: tha de Santa Catarina. Relavo de QUI 2 XK A, ed. Floriandpols do mandante, poderiam entr O médico para tra dar o sacramento 1 poderia entrar no a filhos ou os irmao mie oua irma na hi Aviagem 53. )portunidades, outros homens, além s mulheres doentes € capelio para a da morte. Nenhum outro homem mento das mulheres. Os maridos, os poderiam conversar com a esposa, a da comida e na presenca do mandante. O assentamento dos casais viagem nao terminava no porto da Catarina. Ainda era preciso alcangar 0 aser povoado. Para a grande maioria, esse tiltimo pedaco era ainda mais dificil. O corpo cansado ¢ enfraquecido, os caminhos dificeis, a desolagao, a expectativa, o medo, &s vezes desinimo diante do que a vista alcangava: densas florestas para serem derrubadas, o solo virgem para ser arado, um lugar desabitado, sem vivalma que pudesse socorrer em horas, de necessidade. Mas, entre um contingente chegado dos ‘Agores ¢ outro por chegar, ia o governador encaminhando (08 casais para as diversas zonas. Esta tarefa parecia facil a0 Conselho Ultramarino, mas nao ao governador que deveria tomar as providéncias para executar as ordens reais. Nos sertdes desocupados do Brasil, o sucesso do povoa- mento exigia uma politica que garantisse o desenvolvimento da agricultura e a organizagao do quotidiano. Por isso, a coroa outorgava uma série de privilégios, diretamente destinados & instalagio dos novos colonos: a distribuigio de rerras, ferramentas, viveres € armas € a concessao de ajudas de custo, Determinava o fornecimento dos alimentos bisicos pelo perfodo de um ano: rages mensais de trés quartos de um arratel de peixe por adulto e, no caso dos menores de 14 anos e das criangas entre os 3 ¢ 7 anos, a etade e a terga parte, respectivamente. Para a sobrevivénci m ambiente ainda selvagem e tam! 56 Povoadores da fronteira Ox casas agorianos rumo ao Sul do Brasil militares, cada “cabega-de-casal” receberia uma espingarda, cuja venda era expressamente proibida. Pelo menos, cada casal deveria receber, logo que se fixasse, duas vacas ¢ uma égua e, em cada povoacio, quatro touros ¢ dois cavalos para uso comum. A metrépole ditava também as regras bésicas para 0 assentamento. O governador deveria organizar povoados de 60 casais nos lugares que fossem mais apropriados. Cada sitio teria um quadrado para a praca, de 5.000 palmos de face, numa das quais se localizaria a igreja. As ruas deveriam ser demarcadas a cordel ¢ ter, pelo menos, 40 palmos de largura. As moradas deveriam alinhar-se em boa ordem e possuir quintal aos findos. Uma reserva de um quarto de léguas para passagem ¢ de meia légua para logradouro piiblico de cada lugar deveria ser garantida. Esta reserva era a terra que nao deveria pertencer a ninguém. Era para uso comum no veito geral dos moradores, das pastos, dos gados, ctiagd ¢ logramento de lenha, e madeira para suas casas ¢ lavouras As ordens tégias estabeleciam os rudimentos da admi- nistragio nos ramos civil, militar ¢ eclesisstico. No campo da juustiga, havia a instituicao de um juiz por povoado e, ainda, a de um ouvidor nos sitios mais recOnditos. No dominio das armas, a constituiggo de uma companhia de ordenangas, formada por todos os homens adultos casados ou solteiros, exjo comando eta, geralmente, dado ao de maior reputagio. No ambito religioso, a cada freguesia cabia um sacerdote. Dentro d ias foram estabelecidas. © Conselho Ultramarino recomendava que 0s casais povoas- I de Santa Catarina ¢ nao apenas a Tha. “Devem dificulda- des e mais conv desde 0 rio de Sa (Oasentamente: 57 Assim, as familias foram assentadas, também, em pontos do continente préximos da Ilha: Si0 Miguel Arc: Barrciros ¢ Sao José. Na Ilha de Santa Catarina, a distribuica0 dos casais foi feit mente em torno da Vila de Nossa Senhora do Desterro ¢, posteriormente, em diregio a0 norte €.a0 sul. Os primeitos casais, a0 que parece, foram localizados a oeste, nas encostas clo morro que se chama hoje Morro do Antiio ¢, ao leste, onde se formou a freguesia da Santissima ‘Trindade de Tr4s do Morro, Seguindo para o norte da Ilha, vamos encontrar Santo Antonio Canasvieiras. Mais tarde, procurando 0 outro lado da Ilha, em frente ao Oceano, encontramos Lagoa da Conceigao e Rio Tavares ¢, mais para o sul, Ribeirgo da Ilha, Na diregio sul, no continente, desobedecendo as ordens reais, o governador enviou dois contingentes de colonos, que foram assentados na Enseada de Brito e em Laguna, respectivamente. Para a Laguna teriam sido despachados 40 casais com 215 pessoas. Ao chegarem no lugar, os colonos revoltaram-se contra as condigées de assentamento, recusando-se a permanecer no sitio destinado a eles. Esta recusa nos € dada a conhecer por uma carta do Conselho Ultramarino, de 1752, 20 governador Manuel Escudeiro Ferreira de Souza. Espero que Vmecé. avise © que passou sobre a rebeldia ou repugnaincia que tiveram os noves povoadores da Povoagio que Vmecé. mandou fazer além da Laguna quatro lége no sitio chamado Magal ‘Marta e Garopaba, porqui ecer esta gente modidades 58 Povoadores da franteira ~ Ox cassis agorianas rumo ao Sul do Brasil termos é S. Majestade servido que Vmecé. se aja com estes povoadores mudados e que nao entram de novo no pais, ‘com modo ¢ brandura e que por boas palavras os perstiada € que dissimule alguma cousa. A esta reprimenda do ministro, respondeu Manuel Escudeiro que, “fazendo averiguagdes do sucesso e capaci- dade do campo, Ihes achara razao em o rejeitarem por ser apantanado, sem barro e com pouca madeira para poderem amar os scus ranchos, ¢ s6 com muita larguesa para criacéo € terras para cultura”. Os colonos, entio, foram removidos ¢ depois estabe- lecidos ao norte de Laguna, onde surgiu a Vila Nova de Sant’Ana, e da qual Manuel Escudeiro escreve ao ministro dando uma entusidstica descricao. (..) bela povoagio, em um admirével sitio chamado os Campos do Xavier ¢ de Una, onde ao mesmo tempo mandei crigir capela dedicada a Senhora Sant’Ana, denominando a povoacio Vila Nova, para a qual chegou agora das Ilhas um sacerdote proposto pelo bispo de Angra para Péroco; ¢ afirmo a VExcia. ser um dos melhores que aqui se tem fundado, achando-se os seus moradores em grande consolagio, porque com uma espacosa lagoa, abundantissima em todo tempo de peixe, exc Em troca da boa nova, o rei e seu conselho recomen- daram o embarque de colonos também para Sio Pedro do Rio Grande do Sul. Esta tarefa nao foi nada ficil. Manuel Escudeiro tinha que escolher entre os que chegavam dos Agores aqucles que estivessem ainda em condigées de satide para agtientar mais alguns dias de viagem. Muitos reagiam ¢ nao accitavam set embarcados novamente. Recrutar gente ‘© assentamente dos cassie 59. entre os que jé estavam estabelecidos na Ilha era ainda mais dificil. Ninguém queria abandonar © pouco que jé tinha comegado. Outra dificuldade era conseguir navios de pequeno calado capazes de atracar no porto do Rio Grande de Sao Pedro, impréprio para receber grandes embarcaces. Figura 12- Mapa “Povoamento acoriano” Fonte: PIAZZA, W. S, Atlas Histérico da Estado de Santa Caterina, Floriané- polis: Depta, de Cultura da Secretaria de Edusagaa e Cultura. 1870. As promessas nao cumpridas Jimentar e alojar tantas familias quando chegavam eram providéncias sempre urgentes a serem tomadas. Havia falta de tudo € © dinheiro que a metrépole oferecia nem sempre chegava. Certa vez, o governador Manuel Escudeiro informou que apenas a metade do dinheiro prometido havia chegado. O jeito era recorrer aos empréstimos ow até &s esmolas dos moradores. Em 1750, os gastos com roupas de 620 pessoas que se instalaram na Enseada de Brito e Laguna atingiram 376$000, dos quais 171$700 vieram de esmolas. A moradia era outro problema urgente. A ocupacao das casas devolutas nao solucionava a caréncia de habitacao. Muitos casais, ent, foram hospedados pelos moradores da Vila de Desterro. Depois, passou a ser obrigagio das familias j4 instaladas 0 acolhimento das novas que chegavam. Nao s6 0 dinheiro prometido faltava. Muitas outras promessas nao foram cumpridas. Houve falhas na distri- buigao de terras, gados, ferramentas ¢ armas. Havia recla- magio de que as ferramentas agricolas eram de pouca qualidade © quebravam-se logo que entravam em uso. A , dle armas obrigava os colonos, muitas vezes, 20 USO do fogo & noite para afugentar animais selvagens. O tamanho da terra recebida nem sempre cra o esperado, embora, em alguns casos, 0 préprio colono pedia a diminuigao da sua 62 Povoadores da fronteira ~ Os casais agoriansrumo 40 Sul do Brasil propriedade. Alegava que nao queria ficar muito isolado, Jonge da vizinhanga, disseminada por espagos tio vastos. A falta de gado bovino e de cavalos, indispensaveis no trabalho do campo e na subsisténcia, era outro problema. Nas cartas do governador hé um registro da entrega de 341 vacas ¢ 49 éguas entre os anos de 1749 e 1752, animais insuficientes para atender aos desafios. Os povoadores reclamavam ¢ exigiam que fossem ccumpridas as promessas feitas pelo rei no edital que mandara afixar nas Ilhas dos Agores. O governador Manuel Escudeiro perdia a paciéncia, tendo de atender aos colonos e nio sendo atendido pela metrépole. Os colonos, o governador acabou por tratar com aspereza, e dos scus superiores nao escondeu seu mau humor e sua itritacio. Eas contrariedades de Manuel Escudeiro nao ficaram por af. Se os velhos ¢ os aleijados que vieram nas tiltimas levas nao podiam trabalhar, os fidalgos c os de classe mais clevada que vieram nas primeiras, por sua vez, no queriam sujeitar-se ao érduo trabalho da agricultura. Eram tarefas a que nao estavam habituados ¢, nutrindo preconceito contra © trabalho bragal, os nobres consideravam-se “perdidos neste pais que presentemente sé ¢ itil para os que se criaram com foice e machado nas maos”. Eles reclamavam que nao tinham recursos para comprar escravos ¢ nem para pagar jornaleiros. Para atendé-los, em 1749, 0 governador pediui ao governador do Rio de Janeiro que enviasse indigenas das “Sete Misses”. Mas o rei nao aprovou a idéia ¢ respondeu: pitrias, por comumente prati ‘As promessas nls cumpridas 63 servir 0s oficios mecinicos, pelo que nao devem os indios serem tirados das suas aldeias para virem servir nessa ha de Santa Catarina, Havia ainda outras reclamagées. Os colonos protes- tavam contra a cobranga de impostos e contra o recrutamento para as tropas. No edital de inscrigio estava escrito que os colonos estariam isentos do fisco e do servigo militar. Mas a municipalidade exigia o pagamento de taxas sobre a producio agricola ¢ 0 comércio. Sobre a questo militar, como os obje- tivos da coroa portuguesa eram a ocupagao ea defesa do Sul do Brasil, a Ilha de Santa Catarina deveria ser bem guarnecida. As tropas das fortalezas da Ilha, por disposigao de Silva, Paes, deveriam compor-se de seis companhias de sessenta soldados, tendo por graduado um capitio, um alferes, um is sargentos, bem como um sargento-mor ¢ um igualmente, ciente de artilharia ¢ infantaria”, Para pteencher os claros nas tropas, os colonos eram recrutados. Além disso, eram obrigados a servir na companhia de ordenangas — guarda territorial formada pela populagio civil Nessas companhias, os moradores aprendiam o mangjo das armas para defender a terra em caso de necessidade. O viajante Otto von Kotzebue, em passagem pela Ilha, em 1815, observou que os campos préximos a praia eram habitados pelos soldados da milicia, que prestavam seus s s apenas em época de perigo”. René Lesson, outro nte que na Ilha esteve em 1822, narrou: se render ds batei Estes soldada 64 Povossdores da frontera ~ Os cassis agovianos rumo x0 Sul do Brasil hortas que fornecem o susten Criam animais de terreiro, g: domésticas, que eles vendem aos navios que passam, em troca de algum lucro, que compense pela falta de regularidade com que o governo Ihes paga 0 soldo. Na verdade, a Iha de Santa Catarina, guarnecida de fortalezas, era sempre governada por militares que nio hesitavam em meter os lavradores nos exercicios. A camara da vila escreveu, certa vez, em 1768, 20 ministro do conselho, pedindo “menor rigor e freqiiéncia nos exercicios a que eram submetidos os lavradores”. O governador Mendonga Furtado justificou, explicando que trabalhava para por os moradores “dextros nas Evolugées Militares”. 0s insultos Porque tendo esta Praca fronteira¢ to pr dos inimigos do Mar ¢ da Terra, é indispensivel que todos ‘os moradores dela se conservem em estado de tomarem as armas com ciéncia para poderem rebater 0 orgulho dos inimigos, o que certamente nao suceder4 se se puserem cesses moradores na ignorncia em que se acha a maior parte dos povos que habitam o centro de toda a América que, sob o governo de Car oprimido de trabalho nas obras puiblicas da igreja matriz do Desterro, das fortalezas, do corte da madeira, das cons- trugées, etc. no foram pe técnicas de cult em Acores rentes das que deixaram lades dos novos colonos, contando que “fizera nheiros e trigo”. A metrdpol ficou satisfeita, pois esperava obter bons resultados com 0 povoamento da Ilha, Mas a animagio nao durou muito, ‘Manuel Escudeiro escreveu para Lisboa que “sem embargo de nascer e filhar bem o trigo, com as muitas aguas que de ordinario vem ao tempo de sazonar-se, enferruja-se ¢ rara é a espiga que escapa”. No lugar do trigo, os colonos tiveram que aprender a cultivar a mandioca. Trocaram seus habitos alimentares. A farinha de mandioca foi abundante, suficiente nao s6 para 0 sustento cotidiano como também para abastecer as tropas € 0 Rio Grande do Sul. A.caultura do linho adaptou-se melhor do quea do trigo. ‘Mas na época, 0 algodio tinha melhores pregos no mercado. Ent, 0s colonos foram obrigados a planté-lo. Os viajantes séo uninimes em afirmar que viam as mulheres da Tlha na labuta do algodio: plantar, colher, fiar e tecer panos ¢ mantas para o uso doméstico ¢ para a exportagao. Num edital, lido em todas as fireguesias € povoados, em 1754, o governador José Melo Manuel determinava a plantacio de 100 pés em cada 50 bracas de terreno, Quem nao obedecesse perderia a posse da sesmaria. Em 1756, D. José Manuel informou 4 metrdpole que jé ha culturas de mandioca, linhos ¢ algodao e que também j4 havia vinhas das quais se faziam ‘Todo o Sul entrar wo a0 Sul do Brasil ferro com destino ao Rio Grande era intenso. Para a Ilha Santa Catarina vieram tropas do Rio de Janeiro, de diem do vice-rei, uma casa para estocar muni¢io. Pome asks jura 13 — Enterro no Campeche. Franklin Caseaes, ico: Nanquin sobre papel, DimensOes: 468 x 647mm, ‘Acervor Col, Elizabeth Pavan Cascaes, Musou Universitétio ~ UFSC. Fotdgrafo: Sérgio Paiva Em 1777, os espanhdis entraram na Ilha de Santa Catarina, nfo encontrando resisténcia. A defesa, composta por 2.000 homens, refuugiara-se no continente para porse a salvo do inimigo. Em pinico, a populagio civil acompanhou as tropas em retirada, abandonando seus dominios e suas fortunas. Os espanhéis ficaram na Tha durante mais de um ano. , por meios diplomaticos, a Espanha devolveu a Ilha portugueses, obedecendo a0 Tratado de Santo Ildefonso. dD As promessas ito 07 O novo governador eo povo que vo em ruinas. A destruicao do que tinh: © recomeso. ‘ontraram tudo implantado exigia ‘Aos poucos, a vida foi tomando seu rumo. Pelo relatério do governador Joao Alberto Ribeiro ficamos sabendo que 20 anos depois, em 1796, a populacao da capital era de 3.757 habitantes, dos quais 2.652 brancos, 110 forros e 99 escravos mais 1.027 militares. Havia dezoito lojas de fazenda, com sortimento variado, encontrando-se fio de algodao em novelo, gal6es de ouro. € prata, lengos brancos de linho ¢ de algodao, lengos de tabaco, linhas brancas € de cores, meias de seda e de linho, mantas de li, brim, cambraia, etc.; as tavernas, que vendiam géneros alimenticios, eram 43, tendo mercadorias como azeite-oce, aguardente do reino, algodio em rama, manteiga, passas de uva, vinho, ché, etc, O porto neste ano recebera 116 navios, provenientes do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Goitacazes, Parati, Ilha Grande, S20, Scbastifo, Paranagud, S40 Francisco, Laguna, Rio Grande, Santos ¢ Biscais. Os artifices que atendiam & populacao cram oito alfaiates, dezenove sapateiros, quatro barbeiros, dois marceneiros € um de cada das seguintes profissGes: serralheiro, tanociro, funileiro, entalhador, pintor. Encon- travam-se, ainda, duas casas de pasto, dois curtumes, € duas boticas. A exportagio era variada: farinha de man- dioca, arroz, milho, feijio, favas, aguardente, melado, agticar, gravaté, barba de peixe seco, azcite de peixe, cebolas, couro, ca etc. (Peluso Jr, 1991, p.323-337) 68. Povoadores da fronteira ~ Os exes sme 4@ Sul do Brasil ‘Aoervo: Col. Elzabeth Pavan Cascaes, Museu Univestio — Fotigrafo: Sérgio Paiva 0 200 anos depois — uma festa para comemorar a chegada m 1948, comemorou-se 0 Segundo Centendrio da Colonizagio Acoriana em Santa Catarina. No dias 20, 21 € 22 de fevereiro aconteceram varias solenidades com a presenga das autoridades civis, militares ¢ eclesidsticas, € grande massa de povo. A movimentagio na cidade de Floriandpolis cra geral: langamento da primeira pedra para ‘© monumento comemorativo do bicentenério; concerto musical, onde se cantou 0 Hino Nacional Portugués; dade fia Assembléia Legislativa; Te Dew, Uma \Gio Histérica, Geografica ¢ Folelérica exibia a ncia cultural dos Agores: lougas de barro, engenho de acticar ¢ de farinha, renda de bilro, dangas, como a chama- rita pau-de-fita, 0 boi-de-mamio. Cada parte da festa cra acompanhada pelos discursos, das autoridades. Eram discursos que enalteciam a colonizagao agoriana em Santa Catarina. Os “casais agorianos clogiados pela coragem em deixar a patria € atravessar 0 ‘Atlintico ramo ao Novo Mundo. Diziam que 0 sucesso econdmico dos agorianos em Santa Catarina nao tinha sido eram sumo a0 Sul do Brasil cultivo do trigo, obrigando os lavradores a se dirigirem para a produgéo da mandioca, quase sempre confiscada para abastecer as tropas; determinagGes do governo que obrigaram 08 colons a cultura do linho cinhamo e do algodio; a invaséo dos castelhanos e a convocacao para as armas; os nobres que vieram € nao se adaptavam ao trabalho bracal ¢ 0s invalidos ficaram 4 espera de favores. Enfim, o medo das requisigées ¢ a falta ou a demora nos pagamentos constituiram fatores de desanimo para os colonos, numa terra em que havia mais tropas em transito para serem supridas do que navios de comércio para adquirirem a produgao. “Viveu 0 povo oprimido de trabalho nas obras pitblicas da igreja matriz do Destetro, das fortalezas, no corte da madeira ¢ sua condugao, afirmou, ainda, Oswaldo Rodrigues Cabral. ‘Assim, cada detalhe da faina colonizadora era enfatizado: © arduo trabalho da agricultura; o desenvolvimento de artes ¢ ficios, comoa cerimica, o engenho de farinha de mandioca, 0 tecido feito em tear doméstico, a renda de bilro, etc.; a dedicacio a pesca de subsisténcia ou & pesca da baleia em alto-mar; a defesa militar; o trabalho recrutado para as obras piiblicas; a sedimentagao da lingua, ca cultura, da religiao, das instituigGes de origem portuguesa. Diziam que os agorianos construiram uum pedago de Brasil no sul do continente americano. 200 anos depois uma festa para comemorar a chepada 7 consciente de do Desembargador Henrique da Silva Fontes). Pelos varios discursos proferidos, podemos afirmar que houve, na comemoragio do bicentendrio, um fendmeno de criagio de meméria, Aquele acontecimento de 200 anos atrés, do povoamento da Ilha de Santa Catarina pelos imigrantes agorianos, nao tinha sido, até aquele momento, tema importante dos historiadores. A histéria da saga agoriana em meados do século XVIII ainda nao havia sido escrita Os sinais do passado estavam presentes nas priticas cotidianas da cultura: nas festas, na religiosidade, na lingua, nna mitsica, na culinéria, no artesanato, nas formas de tratar os doentes ¢ de organizar a casa, nas relagGes sociais entre a vizinhanga, nas relagdes far , Nos causes rimados contados nos serdes, nas historias fantisticas de bruxa, de lobisomens, de sereia encantada, de pote de ouro enterrado, de alma perdida, que passavam oralmente de geragio em geracio, Por certo, 200 anos transcorridos em ambiente a iferente nao permitiram que a cultura dos “casais agorianos” permanecesse na sua integral originalidade. Os imigrantes ¢ scus descendentes reelaboraram a cultura, adaptaram, incorporaram, abandonaram, inventando uma istorica. Com nova roupagem, varias praticas do passado de 200 anos sobreviviam como tradicao e como atividade cotidiana. No entanto, a récolha do pasado para sistematizar 0 istro escrito dos acontecimentos ~ na histé iteratura ~ ainda nao tinha sido feita, como bem observou o historiador Manuel de Souza Meneses r 74 Povoadores da frontcira Ox cassis agorianes rumo av Sul do Brasil Esquecera jé completamente esse movimento de e1 ida pelo governo portugués, em meados do século XVVIIL, para a Iha de Santa Catarina ¢ Rio Grande do Sul (...) Bosiléncio desse esquecimento ficatia permanente para a posteridade se uma pléiade de homens ilustres, descendentes atuais desses antigos colonos, nao viesse reacender, das cinzas quase apagadas da recordagao, 0 que esse fato teve de decisivo e de importancia para o futuro dessas regiGes (Me Quando, no més de outubro daquele ano, ainda dentro das comemoragdes do bicentenério, realizou-se o I Congresso de Histéria em Santa Catarina, historiadores, antropdlogos, gedgrafos, socidlogos, poetas, escritores apresentaram os resultados das pesquisas sobre a histéria dos agorianos no Brasil. “Foi uma verdadeira ressurreigio do conhecimento de origem” ~ afirmou Meneses ao se referit a0 congresso. Os arquivos foram abertos, papéis foram remexidos, pessoas velhas foram chamadas para falar do passado, pecas antigas foram coletadas, histérias do povo foram escritas pelos folcloristas, muisicas, dangas, manifestagdes culturais foram coletadas. “Os nossos arqui reclamava 0 historiador Oswaldo Rodrigues Cabral, ¢ mava a todos que colaborassem com trabalhos que tradic preciso que venha gente de ho da nossa tradiga0 0 ouro das 200 anos depois - wena festa pars comemorar chegada 6 de Santa Catarina, pelo sucesso cu! ico e geogréfico dos povoadores agoriano tamanho do Brasil para a nag3o portuguesa contra os espa- nhdis, Afirmavam, assim, que o Sul do Brasil era brasileiro porque tinha uma origem portuguesa compreender este empenho para de Santa Catarina? Mostrar uma base . Por que alguns homens ~ se desafio? Para quem | rigem portuguesa, alema, italiana, austriaca, suiga, espanhola, africana, tupi-guarani, francesa, inglesa, norueguesa, russa, etc. Quanto ao espago fisico, ha serra € mar, araucéfia, serrado e mata atlintica, neve nas mostanhas € balneétios ensolarados & beira-mar....O litoral predominantemente, por povos de origem port vales (Itajai, Itapocu ¢ ‘Tubario), por alemaes ¢ italianos; a serrana, 0 planalto ¢ 0 oeste do estado, por populagoes, origindrias da nagio tupi-guarani e dos primeiros povoadores, tropeiros ¢ ervateiros, a antiga populagio cabocla como foi ‘uma vez nomeada. Essa regio presenciou, no final do século XIX ¢ infcio do século XX, a chegada de filhos e netos de n para o oeste de Santa las no Rio Grande do Sul , destacavam-se como regides présperas, com nditstria bem desenvolvidas. A cul 0 Sul do Brasil 76 Povoadores da rontsira —Or cassis agoriano m germanica—o teatro, a gindstica, os clubes recreativos, mais eram publicados na lingua alema, as ecolas que ensinavam em alemio ~ era cultivada, o que dava a estas regides a impressio de comunidades coesas € isoladas do resto da nagio brasileira. Em 1950, quando houve a festa do Centenério da Colonizagio Alema em Blumenau, as festividades destacaram aspectos de uma regigo prdspera, calcada numa identidade cultural de larga tradigao histérica, Desde 0 inicio do século, este isolamento cultural das comunidades germinicas no Sul do Brasil chamava a atengio da politica brasileira. Os politicos ¢ os intelectuais pensavam que os alemies poderiam estar criando um Estado independente dentro do Brasil. A partir de 1935, 0 governo central acirrou uma campanha de nacionalizacao do Bra: colonizagio portuguesa, da im portuguesas, do cultivo da lingua portuguesa. As varias histérias —dos negros, dos indios, dos povos de outras origens = cairiam no esquecimento para que a histéria do homem branco, de origem portuguesa, ja. Houve uma comemoragoes ¢ brasiidade. Proibin nacionalidade do Brasil foi defi Em Santa Cat de homogeneizagio lizador, ou seja, » foi bastante wna feria para comemorar a chegada 7 imtenso. O governo catarinense seguiu a politica central criando meios para formar a brasilidade do estado. As popu- lagées de origem alemae jornais, teatros, chubes foram fechados. Intelectu debrucaram-se sobre a busca das raizes histéricas que mostrassem para o resto do Brasil que Santa Catarina era ia este carter luso- iam sido responséveis pela implantagao, em Santa Catarina, das bases administrativas de ‘origem portuguesa, sedimentando a lingua portuguesa; a cultura era de tradigao portuguesa ¢, ainda mais, 0 povoa- ¢garantindo as fronteiras brasileiras para o dominio portugués no Sul do Brasil. Por tudo isso, os intelectuais afirmavam a identidade luso-brasileira de Santa Catarina. ‘Mas um identidade catarinense era algo dificil de ser desenhada, O estado comportava culturas étnicas. Apesar do esforgo para amalgamar a diversidade cultural numa ti s0-brasileira-, os outros povos, bem ou mal, nfo abandonaram completamente suas tradigdes. No momento em que a proibigio das suas manifestagbes culturais deixou de atuar, elas voltaram, embora nao possamos afirmar que tenham retornado da mesma forma. Trazem suas mi ‘Ges para servirem 3s novas experincias dos novos temp: Foi o que presenciamos em Blumenau com a criagio da Oktoberfest, em 1984, quase uma repetigio do que jé havia acontecido em janeiro do mesmo ano 78 Povoadores da Frontera Or casas agoriancs rume ao Sul do Bra isticos. Inspirados na Oktoberfest de Munique, realizada hha mais de 200 anos, os organizadores prometiam mostrar a0 piiblico “toda a tradigao dos colonizadores alemaes servida em desfiles alegéricos ¢ em clubes de atiradores, bem como. através de imtimeras competig6es de tiro, bocha, bolo, além das bandinhas tipicas ¢ corais da regido”. Com 0 sucesso de piiblico, no Vale do Ttajaf, habitada por maioria de descendentes alemaes, multiplicaram-se as festas municipais: Fenarreco, em Brusque; Chuchoppfest, em Gaspar; Kegelfest, em Rio do Sul. Em Joinville ¢ Jaragué do Sul, mais a0 norte, surgiram, respectivamente, a Fenachopp € a Schiitzenfest, Hoje, o estado de Santa Catarina é ponti- Ihado de festas que se utilizam da cultura local — uma espécie dereciclagem, ou melhor dizendo, uma espécie de bricolagem = para mercantilizar a cultura na forma de espetéculos ou produtos de consumo. No governo de Pedro Ivo Campos/Casildo Maldaner, 1986/1990, dentro de uma politica de “uso racional das ricas potencialidades turisticas do estado para melhor vender sua imagem dentro ¢ fora do pais”, criou-se o slogan Santa 8 Bela Catarina, o Estado de Festa. O maior atrativo que 0 estado tinha para vender “era sua diversidade cultural, histérica, topogréfica, climética ¢ vegetal”. Finalmen estado de Santa Cata © que sempre foi dec indicam os roteiros tu € 0 circuito rural; o cireuito das neves, das compras; 0s circuitos culturais, © cireuito das festas, das 4g germinico, da Marejada, ni na compos Referencias bibliograficas ANAIS DO ICONGRESSO CATARINENSE DE HISTORIA. Floriandpolis: Imprensa Oficial, 1950. ANGLIN, Joao H. O Distrito de Angra. A Description of the Azores. (London, 1835) Boletim do Instituto Histérico da Iha ‘Bceira, VIL (7). 1949, p.256-282. BECK, Anamaria. Lavradores e pescadores: um estudo sobre trabalho familiar. Fl is, 1979. 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