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even Welt: Amerika im 495-1598, Mainz: Philipp and Early Stuart Mi- Seventeenth Century sper: English News: Civility and Science in # Chicago Press. News and Speculation in History, 81,10. 4 in England. Cultural L=nersity Press, PC. Hooft. The Hague: ‘Teenk Willink 2 Anxiety and Monetary of Chicago Press. FORMACAO TERRITORIAL DO NORDESTE - MUITOS MITOS E POUCOS ESTUDOS' Yony de Sd Barreto Sampaio? Resumo: Poucos estudos no Brasil tém analisado a formagao territorial do Nordeste a partir da concessao original de sesmarias. Além de registtos es- parsos em cart6rios hi o registro procedido nos anos 1857-59, os quais tem sido pouco anatisados. Com base em registras hist6ricos sao analisados os casos da sesmaria dos Vieira de Mello © da Casa da Torre, em Pernambu= co, € da formacio (errtorial da Barbalha, no Ceari. Pode-se concluir pelo répido fracionamento dessas imensas glebas originais, a dimensio das ses- mariais pouco se relacionando com a fragmentagao posterior, As indicagdes sto de que a dimensio posterior foi determinada predominantemente pelo porencial de uso, muito pequenas nas areas de microclimas, pequenas nas de agricultura de sequeiro e bem maiores nas de pecudria, Adicionalmente, 2 disponibilidade de capital e o regime de escravidao indicam terem sido condicionantes muito mais imponantes que a coneessio original da terra Palavras-chaye: Formaclo Territorial, Sesmarias, Pernambuco, Ceara Territorial formation of the Brazilian Northeast - many myths and few studies Abstract: Very few studies in Brazil have analyzed the territorial devel- ‘opment of the Northeast from the original concession of sesmarias (land grants), Apart from many scattered records in notaries in the countryside, a "Uma primeira versto deste trabalho foi apresentada no XXI Congresso da Latin American Studies Association, em Chicago. O autor ageadece os vallosos comen vais dos debatedores. Artigo recebido para publicaglo em junho de 2014 € aprovado em julho de 2014, Professor ‘Titular da Universidade Federal de Pemambuco e membro do institute Arqucoldgico, Histinico © Geogrifico Perambucano, Revista do IAHGR, Recife, w. 6, 9. 49-76, 2015 50, tony 5 Bore Sampaio major land register was conducted in 1857-1959, but was almost completely ignored by analysts, Based on historical recomds, we analyze the case of the Vieira de Mello sesmaria and of the so called Casa da Torre in Pernambuco and the territorial evolution of Barbalha in the Carini region, state of Ceara. It may be concluded thar the original fands were rapidly divided into smaller plots, which dimension is not strongly connected to the original size of the sesmarias, It seems that plot sizes sre related predominantly to the land use, very small in irrigated areas, small in common agricultural areas and much larger in livestock areas, In addition, the availability of capital and the slavery regime seem to be far more important in conditioning the territorial forma: tion than the original system of sesmatias. Keywords: Territorial Evolution, Land Grants, Pernambuco, Ceara 1. INrRopUGAO O sistema de concessao de sesmarias, no Brasil, foi transplan- tado de Portugal ao tempo da divis’o em capitanias heredit Mas a diferenca de area entre o Brasil e Portugal justificou a con- cessio de enormes areas individuais de As vezes até 10 léguas em quadro em uma tinica concesso, ou ainda maiores, com léguas de testudas € todos os fundos, havendo individuos com varias concessécs, A l6gica implicita nas concessdes era a de que havia terra de sobra, mas escasse7 de capital ¢ mao-de-obra. A: sim, os que demonstrassem interesse e capacidade de explorar e colonizar as areas eram bem-vindos, ainda mais pela obrigacio de pagamento do imposto anual, o foro, com a condigio de po voar dentro de um prazo de cinco anos, sob pena de as terras serem declaradas devolutas € passiveis de nova concessao. Os problemas foram inimeros seja porque a demarcagio era len- ta, cara © muitas veves inexistente © a verificagao de ocupaczo também nfo existia, em uma terra em que a propria justica era ‘omissa ¢ 0s criminosos andavam & solta pelo interior. No entanto, passando por cima da histGria territorial do Brasil, muitos estudos atribuem a concentragao das terras no Brasil e muitos problemas agrdrios ao sistema sesmarial. Essa é uma sim- Revista do IAHGR, Reif, n 68 Pr 49-76, 2015 plificagao e distorgao m culpado de modo facil Poucos sao os estudos nhecido que esses est o mergulhar em pé € | poueas centenas de an inimiga da pesquisa hi € contrapor a essas Cor A formagao territor ‘momentos distintos qu da colonizagao até 16 ceiro a partir de 1850 a fronteira do meio-o novos periodos a parti esses tr85 periodos sac No Primeiro period nada pelo bom senso ocupacao da terra e 6 reais. Assim, hd conce casa, sesmarias peque imensas sesmarias no quais gado era criad sas concessoes avolun rias inclufam aldeias d rem criadas em fregue por iniciativa individu maior conflito ocorreu XVII quando a casa ¢ sionatios das ilhas do ros outros conflitos. E como a que ocorreu. Feitozas, em 1724-25 | macoes, a legislacao f a dimensao maxima d concess6es estava ext ‘Carta Régia de 7 cle deve ‘was almost completely acalyze the case of the Torre in Pernambuco Eon, slate of Cear. 1 divided into smaller -¢ originalsize of the cantly to the land use, “ral areas and much capital and the slavery che territorial forma Brasil, foi tansplan- nias hereditarias. I justificou a con- ‘vezes até 10 léguas fainda maiores, com © mao-de-obra, As- ide de explorar e mais pela obrigagio a condigao de po- pena de as terras Inova concessio, Os cacao era len- cacao de ocupagao /a propria justica era interior, territorial do Brasil, s tcrras no Brasil © | Essa é uma sim- plificacao e distorcaio motivada mais pela disposiglo de encontrar culpado de modo ficil ¢ pela ignorincia da formagio territorial Poucos sao os estudos de formacao territorial no Brasil. E reco: nhecido que esses estudos demandam muito tempo € esforco € o mergulhar em p6 ¢ tragas para iluminar livros ¢ processos de poucas centenas de anos. A pressa em se chegar a conclusdes & inimiga da pesquisa hist6rica. A motivacao maior deste tabalho € contrapor a essas conclusdes as evidéncias histGricas. ‘A formacio territorial do Brasil passa por pelo menos dois momentos distintos que caracterizam trés periodos. O primeiro, da colonizac&o até 1697, O segundo de 1697 a 1850. F 0 ter- ceiro a partir de 1850. Particularizando algumas regides como a fronteira do meio-oeste ¢ da Amazdnia é possivel identificar novos perfodos a partir de 1850, Mas para as Greas mais antigas esses trés perfodos so suficientes. No Primeiro periodo a dimens&o das sesmarias era determi- nada pelo bom senso, pelas necessidades ligadas ao tipo de ocupacao da terra € 6bvio pela influéncia junto as autoridades reais. Assim, ha concesstio de lotes urbanos, quase 0 chao da casa, sesmarias pequenas nas reas j4 parcialmente ocupadas € imensas sesmarias no sertio voltado A pecudria extensiva nas quais 0 gado era criado solto. Os conflitos gerados pelas imen- sas concessdes avolumaram-se no século XVII. Algumas sesma- rias incluiam aldeias de indios, povoagdes, embora essas a0 se- rem criadas em freguesias ¢ vilas recebiam patrimOnio proprio, por iniciativa individual ou do governo. Um dos momentos de maior conflito ocorrcu ao longo dos dktimos 30 anos do século XVII quando a casa da Torre entrou em conflito com os mis- sioniirios das ilhas do Sao Francisco. Mas hf relatos de inéime- ros outros conflitos. E de questdes privadas, briga de familias, como a que ocorreu, jé no século XVIII, entre os Monte € os Feitozas, em 1724-25 (PINTO, 1980). Face as recorrentes recla- macoes, a legislacao foi mudads, em 1697, sendo estabelecida a dimensio maxima de 3 léguas em quadro’. A era das grandes concess6es estava extinta. Caria Régha de 7 de dezembeo de 1697 Revista do IAHGE Recife, n. 68, pp. 49.76, 2015 52 tomy de S4 Bar Sampato Essa mudanca da legislago nao pode ser ignorada, A partir dela houve desinteresse das grandes fortunas, inclusive da Casa da Torre, por novas sesmarias. As sesmarias passaram a ser de individuos de pequena fortuna, colonizadores de fato, embora nao fosse incomum a obtencao de varias sesmarias. £ nossa hipdtese que a transigao ja vinha se dando a anos. As grandes concessdes da Casa da Torre ocorreram até 1675. m 1682, quando € concedida a sesmaria de homens do S40 Francisco, no Jaguaribe, Ceara, nao figura mais a Casa da Torre mas 0s componentes da sua prdpria bandeira. Fazia cerca de 10 anos que ela era acusada de explorar os indios e possuir dimensées incompativeis com sua capacidade de ocupacao. De igual modo vale lembrar que as areas agricolas de enge- nhos de cana foram mais parcimoniosamente distribuidas le: .¢ em conta a capacidade de moagem e a drea de canas ia. Assim, desde o inicio, na zona da Mata, a zona de cana, as sesmarias eram menores que no Agreste € no Sertito, zonas de pecuaria. Sob a nova legislacao foram concedidas sesmarias em qua- se todo o Ceara, no Rio Grande do Norte, no interior da Pa- raiba, e em sobras de terras no Agreste e na Zona da Mata. Como salientado, se no primeito periodo as sesmarias do interior foram dadas a serventudrios do governo colonial e a herdis da guerra holandesa, como Cristovao de Burgos, Nicolau Aranha, Joao Fernandes Vieira e a verdadeiras em- presas de colonizacao, como as casas da Torre e da Ponte, ap6s 1696 os requerentes sao portugueses € nativos que li se estabeleceram. Alegacdes de que os sesmeiros nao foram co- lonizadores, inclusive por parte de historiadores minuciosos, como o Padre Gomes (1973) nao sao geralmente verdadeiras Vamos encontrar as familias desses novos sesmeiros nas areas concedidas. Os novos conflitos decorrem da progressiva ocu- pacao das terras. Sem demarcacio e devido & menor dimen- sao das areas, abundam as questdes de terra sobre limites, sobre aguadas e pastos. O século XVIII e inicio do século XIX presencia aos milhares as demandas, agdes de forca e outras querelas relativas & terra. Revista do IAMGP, Recife. n. 68 pp. 49-76, 2015 A partir de 1820 Nordeste. A terra m tribuida € como ver retalhada em sitios terras, em 1850, par ela vem apenas cor dai a terra seria ver Qual 0 efeito pratic de ocupacio mais primeiro cadastro d 59, que passa a ser ‘A importincia d entanto, poucos se a formagio territor origens da atual es © propésito de algumas clareiras 1 a formagio a partis 2. METODOLOGL Para consecugac agreste de Pernaml maria dos Vieira d compreendida a ar inicio do século XV objetivo maic maria ¢ as restri¢o propésito acompar em alguns casos s¢ a0 longo de 300 an 6 considerada con escritas para al as tornam incompa sex ignorada. A partir . inclusive da Casa passaram a ser de de fato, embora ssesmarias. se dando a anos. ocorreram até 1675. de homens do sic mais a Casa da Torre Fazia cerca de 0 indios & possuir de ocupacao, agricolas de enge- fe distribuidas le- ea drea de canas da Mata, a zona de Agreste € no Sertio, sesmarias em qua- ~ no interior da Pa- na Zona da Mata. as sesmarias do governo colonial e jovao de Burgos, € a verdadeiras em- Ga Torre e da Ponte, € nativos que lise nao foram co- idores minuciosos, jente verdideiras, sesmeiros nas dreas da progressiva ocu- A menor dimen- terra sobre limites, inicio do século XIX de forga e outras Formas testonal do aordeste — miosis epoucosestedos 53 A partir de 1820 poucas so as novas sesmarias concedidas no Nordeste. A terra mais produtiva j estava praticamente toda dis- tibuida e como veremos neste trabalho, sendo progressivamente retalhada em sitios ¢ fazendas. Quando é promulgada a lei das terras, em 1850, para o Nordeste (excluidas as «reas de fronteira) ela vem apenas confirmar o fim da concessio de terras. A partir dai a terra seria vendida. Ora, essa ja era a pritica, ha 150 anos! Qual o efeito pritico dessa legislacao? Muito pequeno nas areas de ocupacio mais antiga, Mas surge, em consequéncia dela, © primeico cadastro de propriedade, elaborado no periodo de 1855- 59, que passa a ser conhecido como cadastro de terras de 1857. ‘A importincia desse cadastro no pode ser ignorada. E, no entanto, poucos se deram ao trabalho de analisa-lo, de estudar a formagao territorial antes ¢ depois para encontrar, de fato, as origens da atual estrutura de propriedade. © propésito deste trabalho, como jé mencionado, é abrir algumas clareiras na hist6ria territorial no Nordeste analisando a formacao a partir das sesmarias. 2. METODOLOGIA Para consecucio do estudo foram escolhidas trés éreas. O agreste de Pernambuco, centrando-se a andlise na imensa ses- maria dos Vieira de Melo, de 1671. O sertio de Pernambuco, compreendida a area A oeste da foz do rio Pajeti concedida a Casa da Torre em meados do século XVIII. E 0 cariri cearense, de ocupagao mais recente, cujas primeiras sesmarias datam de inicio do século XVIII. O objetivo maior é mostrar como se deu a quebra da ses maria e as restricSes ¢ marcas que deixou para o futuro. Nao é propésito acompanhar a formacio territorial até hoje, embora em alguns casos seja possivel analisar a genealogia das terras ao longo de 300 anos. Uma vez entendido 0 proceso a anilise € considerada completa. Monografias detalhadas encontram -se escritas para algumas dreas, mas a dimensio das mesmas as tornam incompativeis com a forma do presente trabalho. ‘Revista do IAHGR, Recife. 68, pp. 49-76, 2015 54 Yeny de a Barn Sampaio A principal hipotese deste trabalho, em contraste com a litera- tura corrente, € que o sistema sesmarial nao ¢ 0 responsdvel prin- cipal pela atual estrutura agriria que decorre mais do modo de exploracdo agropecuaria, sendo determinantes @ atividade eco- ndmica, o nivel tecnolégico € 0 uso de recursos, inclusive e prin- cipalmente a utilizagdo de nvio-de-obra ¢ o regime de escravidio. 3. A sESMARIA Dos VIEIRA DE MrLo. Diversas sesmarias foram concedidas no agreste de Pernam- buco na segunda metade do século XVII. Foram beneficiirios Joao Fernandes Vieira (1654), Nicolau Aranha Pacheco e outros (1658), Burgos € outros (1671) € os Vieira de Melo (1670), Apesur de concedidas logo apés a expulsto dos holandeses, ‘quando foi possivel retomar o processo de colonizacao, posterior inclusive ao reconhecimento de terras pelas tropas em marcha no periodo de guerrilha, a dificuldade de acesso e a presenga de quilombos retardaram a ocupagao permanente. A implantagio de currais mais durdveis € datada cle 1696, pouco tempo apés a vit6~ ria na chamada guerra dos barbaros que possibilitou a consolida- Gao do proceso de colonizacao no Nordeste (SAMPAIO, 1997). © conhecido vaqueiro de Anténio Vieira de Melo, Sargento mor Ant6nio Fagundes Bezerra, declara que vei ao sero do Araro- a pela primeira vez em 1691. O préprio Anténio Vieira de Melo, fugindo da repressao aos envolvidos na guerra dos mascates de 1710, 86 se estabcleceu na sesmaria obtida por seu pai em 1711. ‘A longevidade de Anténio Vieira de Melo (falecido s6 em 1764) e seu apego as terras que ocupou e colonizou explicam a longa permanéncia da sesmaria em maos familiares, isto ¢, de 1671 a 1764. E uma excecao, em relag4o ao que sucedeu em outeas areas. Ao longo desses mais de 90 anos poucas foram as doagdes e vendas, permanecendo o todo quase in- tacto, com dezenas de sitios, As Gnicas doacdes € vendas que aparecem nas dezenas de livros de notas e processos da drea sao, 1 - Doagio de 1730, da favenda Cachoeira Grande, a Maria it, Recife, m. 6, pp. 49-75, 2015, Igndcia Bezerra. fi Fagundes Bezerra. processo posterior Antonio Vieira de } 2- Doagio de 1 nhora do O, a sua 3- Venda em 17 ceigio Bezerra, vit Fagundes Bezerra 4- Venda em 1 Macedo, casado cc ficiéria da doagao | noiva suposta neta 5 - Venda, na v com registro, 56 en Falco. Como as te pai do capitio An entre 0 capitlo. set © que ocorreu a morte do capitio filhos herdeiros. Muniz de Melo, um periodo inferior a : goes, as Gltimas ja: na origem da form: de preservacao por ras. a propriedade Nas primeiras « Melo possui pouca © econémica no a resulta em centen: registradas no catd quase em sua face Aanalise do vale prego da terra era n 3 eram terras com terra no fosse o fa coatraste com a litera- € 0 responsavel prin- mais do modo de a atividade ec: inclusive e prin- regime de escravidao. no agreste de Pernam- Foram beneficidrios ia Pacheco € outros de Melo (1671), isio dos holandeses, colonizacio, posterior wopas em marcha 428550 € a presenca de ie (SAMPAIO, 1997). Ge Melo, Sargento mor a0 servo do Araro- t6nio Vieira de Melo, yeuerra dos mascates de por seu pai em 1711 Melo (falecido s6 em € colonizou explicam fos Famili {cdo ao que sucedeu de 90 anos poucas lo 0 todo quase in- em nas dezenas de oeira Grande, & Ms Foomagh etal da nordeste — mato mites « powcor exon 55, Ignicia Bezerra, filha do seu vaqueiro sargento-mor Anténio Fagundes Bezerra, para seu dote. Fla casa em 1734 € segundo Proceso posterior (1777) € declarada filha de fato do capitao Ant6nio Vieira de Melo. 2- Doagio de 1735 das fazendas Sao Francisco e Nossa Se- hora do O, a sua filha Josepha Maria do O, como dote. 3- Venda em 1751 da fazenda Cachoeirinha & Maria da Con- ceigio Bezerra, vitiva do seu vaqueiro sargento mor Anténio Fagundes Bezerra. 4- Venda em 1758 do sitio Taquara a Cristovao de Melo e Macedo, casado com a fila de Maria Igndcia Bezerra, a bene- ficidria da doagao de 1730, esta dada como sua filha, sendo a noiva suposta neta 5 - Venda, na verdade um acerto familias, do sitio Basilio, com registro, 36 em 1775, seu sobrinho capitao Joao Marinho Falcdo. Gomo as terras eram familiares, provindas do sesmeiro pai do capitio Antonio Vieira de Melo, foram feitos acordos entre 0 capitao, seus itmios e sobrinhos. © que ocorreu com essas terras, as dezenas de sitios, apés a morte do capitto Antdnio Vieira de Melo em 1764? Seus dois filhos herdeiros, Ant6nio Vieira de Melo (filho) ¢ Alexandre Muniz de Melo, uma vez acertada a heranga, as vendem, em um. periodo inferior a 30 anos. No Anexo I esto listadas 86 transa des, as tiltimas jé revendas. Esse fracionamento acelerado estd na origem da formacdo territorial do agreste. Mesmo neste caso, de preservacio por quase 100 anos da quase totalidade das ter- ras. a propriedade € facilmente fracionada por venda. Nas primeiras décadas do século XIX a familia Vieira de Melo posstii pouca terra, quase nada, e perde expresso social € econémica no agreste de Pernambuco. A enorme sesmaria resulta em centenas de sitios ¢ em milhares de propriedades registradas no catélogo de 1857. A estrutura agriria € definida quase em sua face atual no periodo 1770-1820. ‘Aanilise do valor das vendas permite uma outra conclustio. 0 preco da terra era relativamente baixo, mesmo considerando que 4 eram terras com culturas currais. Quero cre que o prego da terra nao fosse o fator limitante principal, mas sim a necessidade Revista do TANGR Recife. 68, pp. 49-76, 2015 36 Yon darts Sampaio de capital para exploragdo. Ha sitios vendidos por 32 mil réis, por 70, 100. No inicio do século XIX um bom sitio, de uma légua em. quacko, valia 200 mil réis. Na mesma época um escravo em idade produtiva valia de 100 a 200 mil réis. A andlise dos inventarios da €poca mostra que se a terra nao tinha valor desprezivel, outros itens, as vezes, entre os quais os escravos, representam parcela maior na riqueza total. Na época, como analisado em varios tra- bulhos, a grande riqueza estava no comércio e na agricultura, 0 ‘que j era apontado por alguns autores como verdadeiro desde a €poca da colonizagdo (CABRAL DE MELLO, 1984). 4, As sesMariaS DA Casa DA TORRE NO SERTAO DE PERNAMBUCO A primeira sesmaria obtida no Sao Francisco permambucano pela Casa da Torre € de 1654, $40 20 léguas obtidas no rio salitre pelo padre AntOnio Pereira. Em 1659 obtém mais 50 léguas, sen- do 10 para cada um, 0 capitao Garcia D'Avila, seu cunhado, o padre Pereira, € os filhos de Garcia, Catharina Fogaca, Francisco. Dias de Avila e Bernardo Pereira (FREIRE, 1906: 33; CALMON, 1939: 50-51; LIMA SOBRINHO, 1950: XV). Em 1711, Antonil re- fere que a Casa da Tore possuia 80 léguas do lado norte do So Francisco, além de 260 na Bahia (1976: 199). O interessante dessas sesmarias, anteriores a lei de 1696, € que demarcavam a frente da terra incluindo os fundos que houver. Os fundos coin- cidiram com a profundidade do estado de Pernambuco. Nio conhecida nenhuma outa sesmaria no alto sertio pemambu- cano. Ha sesmarias concedidas no sul do Ceara e no sertio da Paraiba, area esta tiltima, motive de contends judiciais no sécu- Jo XVIII em consequéncia da concessio de sesmarias a antigos foreiros da Casa da Torre (LYRA TAVARES, 1982). Fsse dominio representa um dos grandes exemplos, na lite- ratura do século XX, da enorme concentragao de terras que as sesmarias proporcionararm. Esse despropdsito de terra nfo poderia ser explorado dire- tamente pela Casa da Torre. Mas ha alguns detalhes que usual- evista do IAHGE, Recife, n. 68, pp. 49-76, 2015 mente si0 ignorados. da como uma unidad 2012). Dos processos varios donos. Assim. p jo e Azevedo, vitiva ¢ da Torre, vende a faz de usual tiveram pou em poucas maos. Con © procurador da Casa confundindo os verda Segundo, e mais impo gueses em grande mai pela ocupago da ter Francisco Rodrigues d Riacho Contendas, po menagem & sua filha. 1992). Da enorme faze te. No inicio do séculc outro detalhe importa Passado 0 impeto d te de Francisco Dias seguir presencia a ver fato no inicio do sécul vendas, pelos poucos de do século XVII. Sa ou seus descendentes que pagava foro da fa fazenda, transmitida a nas de fazendas, a fon cia, no papel da sesma tenha ganho uma razo Nem to pouco, ner clevados. A fazenda dc em 1723. Na época 131 um boi cerca de 6 mil bois. Um molecote, “e: réis. Um escravo adult dos por 32 mil réis, por sitio, de uma légua em a. um escravo em idade Jandlise dos inventésios da valor desprezivel, outros vos. representam parcela analisado em varios tra- ‘cio € na agricultura, 0 como verdadeiro desde LLO, 1984), NO SERTAO DE \cisco pernambucano obtidas no rio salitre cém mais 50 léguas, sen- D/Avila, seu cunhado, o rina Fogaga, Francisco - 1906: 33; CALMON, ». Em 1711, Antonil re- piexuas do lado norte do 6: 199). O interessante m. € que demarcavam a houver. Os fundos coin- de Pernambuco, Nao é alto serio pernambu- jdo Ceara € no sertao da \das judiciais no sécu- de sesmarias a antigos ES. 1982). ndes exemplos, na lite- uracao de terras que as fa ser explorado dire- ns detalhes que usual- Formagio terial do aondete — tos mos epoucosetudos 57 mente sio ignorados. Prim a Casa da Torre ¢ apresenta- da como uma unidade, mas na verdade no o era (SAMPAIO, 2012). Dos processos de venda de fazendas vé-se que hav varios donos. Assim, por exemplo, em 1723 Catharina de Arad- jo € Azevedo, vitiva do capitio Vasco Marinho Pereira, gente da Torre, vende a fazenda dos Brandes. O que ocorre é que de usual tiveram poucos filhos € a heranga ficou concentrada em poucas méos. Como residiam no recéncavo € em Salvador, © procurador da Casa da Tore 0 era também dos familiares, confundindo os verdadeiros donos da terra (JABOATAO, 1985). Segundo, € mais importante, a chamada gente da Torre, portu- gueses em grinde maioria, baianos e sergipanos, é responsavel pela ocupagio da terra. Cerca de 1663, 0 portugués capitio Francisco Rodrigues de Carvalho descobriu e povoou o sitio do Riacho Contendas, posteriormente Riacho da Brigida em ho- menagem & sua filha, Brigida Rodrigues de Abreu) (SAMPAIO, 1992). Da enorme fazenda do Riacho pagou foro a Casa da Tor- re. No inicio do século XVIII a fazenda foi comprada. B af esté ‘outro detalhe importantissimo, Passado 0 impeto desbravador da Casa da Torre, com a mor- te de Francisco Dias de Avila, em 1694, o longo periodo a seguir presencia a venda gradativa das terras, 6 encerrada de fato no inicio do século XIX, mas com grande concentracio das vendas, pelos poucos processos conhecidos, na primeira meta- de do século XVIII. S%0 compradores os primitivos povoadores ou seus descendentes, O portugues Leonel de Alencar Rego, que pagava foro da fazenda Caigara, regio do Exu, comprou a fazenda, transmitida a seus descendentes. Assim surgem deze- nas de fazendas, a formacio territorial verdadeita e nao a ficti- a. no papel da sesmaria, embora na transigZo a Casa da Torre tenha ganho uma razoavel fortuna, Nem Wo pouco, nem tanto, pois os pregos da tema nao eram elevados. A fazenda dos Brandées foi vendida por 200 mil réis, em 1723. Na época 13 bois sio vendidos por 32 mil réis, valendo um boi cerca de 6 mil réis, ou seja, a fazenda valia cerca de 30 bois. Um molecote, “escapo de bexigas’, é vendido por 58 mil réis. Um escravo adulto valia de 100 « 150 mil réis. Por contraste, Revista do AHG?, Recife, n. 68, pp. 49476, 2015 ony de Sa Marea Samat © capitio Francisco Rodrigues de Carvalho situou em sua fazen- da do Riacho, ainda no século XVII, “seis a sete mil cabecas de gado vacum’, 0 equivalente 20 custo de mais de 200 fazendas! Essas fazendas e seus povoadores estio na origem da forma- a0 territorial do sertio pernambucano (SAMPAIO, 1997). Das fazendas surgem os povoados e cidades. As familias, entrelaca- das, ainda hoje encontram-se por I4, A dimensio da proprieda- de no seriao, no passado, como hoje, € marcada pelas virzeas, Areas privilegiadas pelas aguadas e pela possibilidade da pratica de agricultura de sequeiro, O carrasco, tabuleiro € caatinga, é a dimensio de menor expresso, os fundos das terras, ja que as fazendas eram demarcadas pelas bragas na beira do rio ou pela varzea onde se localiza a sede. Embora nao exista uma colegio de livros do século XVII, como no agreste, no final do século XMIII € inicio do XIX, uma grande parte das fazendas atuais ja aparece, consequéncia do fracionamento por heranga ¢ venda. Em 1857 a distribuicio é razoavelmente préxima a atual 5. ForMAGAO TERRITORIAL DA BARBALHA A regitio do Cariri cearense é de colonizagao um pouco mais recente. A primeira sesmaria é concedida em 1702. A sesmaria que engloba as terras hoje pertencentes ao municipio da Barba- Iha é de 1717, 18 léguas de comprido concedidas a seis solici- tantes, Em 1718 um dos seis doa uma légua a Antonio de Souza Goulart (ALENCAR, 1988; SAMPAIO, s/d), légua que vem a ser efetivamente ocupada, sendo fundados trés sitios. Em outra parte da sesmaria, da familia Lobato sto instalados varios sitios, Em meados do século XVIII estas terras vao sendo desmembradas em sitios, por doagao e heranga € por venda, sitios que possuem, jaa denominagao que perdura até hoje. Ao final do século XVII quase todos os atuais sitios da Barbalha sio mencionados. Nao obstante a sesmaria original, os sitios so determinados pela pos- sibilidade de trabalho - reas de varzea ou nas encostas da serra, predominantemente agricola - ¢ desmembradas por heranca e venda, Possuindo microclima, Agua em abundancia ¢ solos mais Revista do AHR, Recife, n. 68, pp. 49-76, 2015 profundos, € implant nhos de rapadura, 05 mago conirasta com permanecem em faze aparecem citaclos, cor Lagoa, Barreiras, Riac século sto mencionad de Roga, Sao Paulo € do Meio, Coité, Santa quematico mapa 1 m Mara 1 — Sfrios

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