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DEMOCRACIA Copyright© 2012 by Eitons Robert Lafont, SA. Paris Graft atwalizada segundo o Acordo Ortogrifco da Lingua Portuguesa de 1990, que entrow em vigor no Brac em 2008. Tut original apa Rodrigo Maroja Preparagao silvanaAfcam Revisdo Valguira Della Ponsa Maris Lest Da ana Canin ai cation ages hr io Pao Campana “han gn: Les ene tines de ena indi pors atopic [poss] Todos 0 direitos desta edigio reservados 8 Ras Bandera Palit, 7026}. 32 04532-002 — Sto Palo — 5 “Telefon (41) 3707-3500 Fax (13) 3707-3501 sw companhiadaletras com. be wor blogdacompanhiacom br Sumario 1.0 MAL-ESTAR NA DEMOCRACIA.... ©s paradoxos da liberdade. Inimigos externos ¢ internos. {A democracia espreitada pelo descomedimento. 2. UMA CONTROVERSIA ANTIGA. (Os personagens... Pelagio: vontade e perieicio. Agostinho: inconsciente e pecado original. Orresultado do debate. |) 0 Misstantsmo votitico. ‘@ momento revolucioniti..... ‘A sequnca onda: o projeto comunista...... {A terecira onda: impor a democracia pelas bombas. ‘A primeira onda: guerras revolucionétias ¢ coloniais... 12 15 21 a 28 31 39 4B Danos internos: a tortura... A Guerra do Afeganistao..... A tentagio do orgulho e do poder. A Guerra da Libia: a decisao... A Guerra da Libia: a execugao.. Idealistase realistas.. Apolitica antea moral ea justiga, 4. A TIRANIA DOs INDIVviDUOS. Proteger os individuos. Explicar as condutas humanas, Comunismo e neoliberalismo. A tentacao integrista. Os pontos cegos do neoliberalismo. Liberdade e apego. 5.05 EFEITOS DO NEOLIBERALISMO.... Acculpaé da ciénciat..... Recuo da le... Perda de sentido, ‘Técnicas de management. O poder das midias. A liberdade da palavra piiblica Os limites da liberdade. 6, POPULISMO E XENOFOBIA. A ascensio dos populismos.... O discurso populista. A identidade nacional Abaixo o multiculturalismo: 0 caso alemao. Na Gra-Bretanha e na Franca, Em torno do véu ishimico. ‘Um debate pode esconder outro. O intercimbio com os estrangeiros. Viver melhor juntos. 7.0 FUTURO DA DEMOGRACIA. A democracia: sonho e realidade, inimigo em nés. Rumo a uma renovacio?. Notas 5 indice onomésticb Doe gies 1. O mal-estar na democracia OS PARADOXOS DA LIBERDADE A questio da liberdade irrompeu muito cedo em minha vida. [Até 0s meus 24 anos, eu vivia num pafs de regime totalitario, @ Bulgéria comunista. £ verdade que a pjmeira coisa da qual todos se queixavam eo meu redor era a pentiria, a dificuldade de obter tanto os produtos basicos quanto os pequenos “extras” que dio sabor a existéncia, quer se trate de alimento, roupas, objetos de toalete ou de mobilidrio. A falta de liberdade, porém, vinha ime- diatamente depois. Os dirigentes do pais exerciam controle sobre incontaveis atividades apoiando-se numa mirfade de organizagoes _ profissionais, por bairro, por faixa etéria —, assim como no aparelho do partido, na policia e na policia politica denominada Seguranga de Estado. Toda a nossa existéncia era vigiada, o menor desvio em relagao linha imposta corria 0 risco de ser denuncia- do, Isso, evidentemente, incluia todos os dominios que podiam ter relagio com os principios politicos proclamados, desde a lite ratura e as ciéncias humanas até as instituigSes pablicas. Mas a eles se acrescent 5 les se acrescentavam aspectos mais neutros da existéncia, sobre 0s quais era dificil imaginar, em outras circunstancias,que pudes ‘sem assumir uma significado ideoldgica: a escolha de um local de residéncia ou de uma profissdo, e até de coisas tao aparente: mente fiiteis quanto as preferéncias por esta ou aquela roupa. O uso de uma minissaia, de uma calga muito justa (ou, ao contririo, larga demais) era severamente punido. Na primeira ver, isso podia levar vocé ii delegacia policial e the valer uns tapas; em caso de reincidéncia, a um campo de “reeducagao’ ”, de onde nao se podia ter certeza de sair com vida, . Sofria-se dessa auséncia de liberdade menos ou mais inten- samente, segundo a necessidade que se sentia dela. Eu era entao jum jovem curioso, morador da capital; estudava letras modernas, Preparava-me para uma profissio intelectual, de professor ou de escritor. Claro, a palavra “liberdade” era licita e até valorizada, ‘mas, como os outros ingredientes da propaganda oficial, servia Para dissimular — ou preencher — uma auséncia: falta da coisa, Uinha-se a palavra. Aqueles que desejavam participar da vida pi- blica sem se tornarem servos do dogma viam-se levados a praticar uma variante daquela “esquecida arte de escrever” de que fala Leo Strauss, a lingua de Esopo: nio dizer, ‘mas insinuar — um jogo so qual ambém spar perdendo. Nome cas eos ‘muito sensivel & falta de liberdade de expressio, que também cor- rola aquilo que a fundamenta: a liberdade de pensamento. Eu ti- nnha assistido — em silencio! — a varias humilhagées piblicas de Pessoas cujo comportamento havia sido considerado excessiva- mente desviante em relacio ao modelo imposto, ¢ esperava con- seguir me poupar de tais sessdes de “critica” sem trair minhas convieges, Ao longo do iiltimo ano que passei na Bulgaria antes de dei xd-la, recém-saido da universidade, dei alguns passos timidos na Vida ptblica, escrevendo para jornais, Sentia-me particularmente orgulhoso quando tinha a impressio de haver conseguido contor nar a censura cnipresente. Por ocasido de uma festa nacional, encarregaram-mie de preparar uma pagina dupla em um jornal, Resolvi evocar alguns herdis falecidos da resisténcia antifascista, que haviam combatido a tirania: personagens de virtudes incon- tcstiveis. O truque consistia em falar do presente sob o pretexto de evocagao do passado, em lembrar que é preciso lutar pela li- berdade. Este, aids, foi o titulo que escolhi para aquelas paginas: “ela liberdade!”. Varias pessoas, me lembro, notaram essa publi- cago e, compreendendo a alusio ao presente, me felicitaram pe- la minha esperteza... Tais eram as ridiculas vitorias das quais se orgulhava, na época, um jovem autor biilgaro. Em todo caso, a liberdade era para mim o valor mais prezado. Darei agora um salto de 48 anos a frente, para chegar & Eu- ropa de hoje. E para constatar, com uma mescla de perplexidade « inquietacio, que a palavra “liberdade” nem sempre ¢ associada ‘iniciativas que acolhem meu assentimento, De fato, neste inicio do ano de 2011, 0 termo parece ter-se tornado um nome de mar- «ca dos partidos politicos de extrema direita, nacionalistas e xen6- fobos: Partido da Liberdade, nos Paises Baixos, cujo chefe é Geert Wilders; Partido Austriaco da Liberdade, que Jérg Haider dirigiu até sua morte. A Liga do Norte, de Umberto Bossi, apresenta seus candidatos as eleigdes italianas sob o nome de Liga do Povo da Liberdade, juniando-se assim ao Povo da Liberdade de Berlusco- ni, A onda de reagées antimugulmanas e antiafricanas na Alema rnha, consecutiva ao sucesso de um livro assinado por Thilo Sar- razin, levou a criagao de um partido inspirado nas ideias deste Ailtimo; seu nome é Die Freiheit, a liberdade; o programa anuncia: Lutar contra a islamizagio rastejante da Europa”. Na Urania, desde 1995 existe um partido nacionalista chamado Svoboda, li- berdade, que milita contra as influéncias externas — russa ou oci- dental — e contra a presenga de estrangeiros. Seu slogan é “A Ucrinia para os ucranianos’, Essa pritica persist desdeo fim do século x1x, época em que foi fandado o drgio de imprensa d antissemitismo frances, dirigido por Edou: = chamava La libre parole sch lilac le-oeall. Seal sparece mais como um hibrido barroco entre retrica comunista iva e uma economia de merca udministracio centralizada repres ce — coisa inconcebivel na época do do que permite, ¢ até favor stico ou maofsta —, a abertura para o mundo riquecimento dos individuos. f dificil imaginar, Juma agressio militar chinesa contra as O fim da Guerra Fria consagrou 0 desa- comunismo 30 Portanto, num primeiro momento eu tinha acreditado que aliberdade era um dos valores fundamentais da democracia; ago- a percebo que certo uso da liberdade pode representar en pat exterior € 0 ent para um futuro previsive democracias ocidentais, g0 para a democracia. Haveria ai um indicio de que, hoje, as amet que psa sobre ela ndo vén do exterior, da parte da ues ques apresentam como ses ning mas sobre de dent, de elo movimento ou gests quealegam defen Jer 08 valores democriticos? Ou de que 0s valores en nem sempre sio bons? lca V ivimicos ExTERNOS F INTERNOS principal acontecimento politico do século xx foi o choque entre 0 espitito democratico e o espirito totalitario, apresentando- se 0 segundo como um corretivo dos defeitos do primeiro. Tal conflito, responsivel pela Segunda Guerra Mundial, por dezenas, até mesmo por centenas de milldes de mortos e por uma quanti- dade infnta de sorimento, concluu-se com a vita da deme cracia. O nazismo foi vencido em 1945, a derrocada do comunis- mo data de novembro de 1989: 0 evento que simboliza 0 desfecho a queda do Muro de Berlim, A ressurreici da ameacatotalitéria noe aoe ‘num futuro préximo. E verdade que varios pai- ses mundo afora continuam a invocaraideologia comunist ji nao sio percebidos como uma ameaca, e sim como anact nas mos que nao podem sobrevive: fi mes que ndo podem obreviver por mit tempo. inc entre ces que representa ums pténi a Cin, jo correspond 20 ipo ideal do regime totalitirio, Aos olhos dos observadores, ela OB ex é D cewe pose 00 wele wth rcwrclota? o ioc se do cae’ individual para o da coletividade, #40 libertar-se da moldura religiosa anterior, o projeto pelagiano J} inslicalizou. Impoe-se entdo a ideia de que a vontade humana, Hele que se torne comum, pode fazer reinar 0 Bem e trazer sal Savlo a todos; esse feliz acontecimento nao se produziré no Céu, ossa morte, mas aqui e agora, Assim é que 0 voluntarismo Sragto que permite a certos individuos apresentarem-se como sua #ucxrnacio. Como os pelagianos, os revolucionérios pensam que Heshuum obsticulo deve ser apresentado & progressao infinita da Iuunnidade; 0 pecado original é uma superstigao da qual é pre- sso livrar-se. As sociedades tém um passado, écerto, mas de ne- “linn modo tém a obrigacao de submeter-se ds tradigoes. Uma frequentemente citada de Jean-Paul Rabaut Saint-Etienne, “eputado da Assembla Consttuinte,iustra essa aitude: “As "pessoas seapoiam na historia, mas a historia nao é nosso cbdigo “Timo nao significa que nossa conduta deva escapar a qualquer re- ulamentacio, mas que esta deve inspirar-se unicamente nos e da justiga. aes | Vo. Os seres existentes sa0 considerados como uma tabula rasa, hatéria informe que um esforgo da vontade pode conduzir per feigio. De repente, a tarefa de tornar todos os homens virtuosos s parece ao alcance da mao. Num primei- a0 mesmo tempo fe 1 momento, convém dotar-se de boas leis. A Franga revolucio- a néria consome constituigées em ritmo desenfreado. © prépri Condorcet propde uma: durante o debate piiblico que lhe é cons sagrado, Saint-Just apresenta seu prdprio projeto, no qual rese ‘um papel maior & Assembleia a qual se dirige. Suas frases meres em ser lembradas: “O legislador comanda o futuro; de nada Ihe serve ser fraco; cabe-lhe querer o Bem e perpetud-lo; cabe-Ihe tomar os homens 0 que deseja que eles sejam” 7A matéria humas na male el é entregue as maos do legislador, isto é, a0s membros, da Assembleia, ou, mais exatamente, iqueles que os controlam, Yonquistado 0 Bem, naturalmente ser preciso empenhar-se em “perpetud-1o”. Em outras palavras: 0 uso da violéncia nao pode Parar. A Revolugao se seguird o Terror, e este nao decorre de cir- cunstancias fortuitas, mas da propria estrutura do projeto. Como se trata do Bem supremo, todos os caminhos seguidos para atingi- -lo séo bons (“de nada serve ser fraco”), e tem-se 0 direito de destruir os que se opdem a essa intencio. Por isso mesmo, estes se tornaram uma encarnagdo do Mal: os obstaculos s6 podem, provir de uma m4 vontade. O passo seguinte serd a transformagio desse meio em fim: 0 Terror eas insttuigdes de Estado de que ele necessita absorverdo todas as forcas do poder, a guilhotina jé no pode ser detida (Rabaut Saint-Etienne sera uma de suas vitimas e Saint-Just, outra), Vemos que, embora invoque o ideal de igualdade e de liber- dade, o messianismo politico tem umn objetivo final que Ihe é pré- Prio (estabelecer o equivalente do Paraiso na Terra), assim como meios especificos para alcang4-lo (Revolugdo e Terror), Em sua busca por uma salvacio temporal, essa doutrina nao reserva ne- xnhum lugar a Deus, mas preserva outros tracos da antiga religido, tais como a fé cega nos novos dogmas, o fervor nos atos que Ihe sio liteis, o proselitismo dos fiéis, ou a transformacdo de seus Partidarios caidos em combate em martires, figuras a adorar como se fossem santos. As tentativas de impor um culto ao Ser supremo 2 Fie instituir uma festa para celebré-lo resultam da mesma ten- Weis. Condorcet, que havia combatido a antiga religido, assusta- Spe coun o resultado ao qual chegou o processo que ele contribuiu Por slevencadear, aquilo que ele chama de “uma espécie de reli- ie politica”? A fusao entre poder temporal e poder espiritual Jautiada pela Revolugio suscitara como reagao, alguns anos mais Janle, projetos simétricos de teocracia contrarrevolucionsria (0 que nilo era o Estado frances anterior a 1789). O futuro mostrara Jue Condorcet tina razao de ter medo. |) PRIMERA ONDA: GUERRAS REVOLUCIONARIAS ¥ Covonrars Na historia europeia, o messianismo politico (ou secular) senhecera varias fases bem distintas. A primeira delas comesa yo aps 1789. ¥ B periodo paroxistico da Revolucao Francesa é de curta du- tayo; nem a sociedade nem os individuos tiveram tempo para Jtansformar-se em profundidade. Mas 0 projeto se transmite aos seus exércitos, que terdo a missio de leva-lo além das fronteiras: Iutevolugio é uma guerra travada em domicilio, a guerra é uma fonlinuagio da revolugao nos outros palses. Pade até ser mais ficil impor o Bem entre 0s outros ae poe 40 de guerra nao permite embaragar-se com resisténcias Saint-Just, Em 1792, a Convengao ja decidira outorgar “fraterni dale e socorro a todos os povos que desejarem recuperar su li- hperdade” * Na pratica, isso significa que a ocupagio do pais alheio polos soldados franceses ¢ legitima. Os promotores das guerras revolucionérias, em particular o grupo dos girondinos, entre os ja exportada para quiais Condorcet, pedem que a fraternidade D om cure 8 toda parte, se mecessério pela forea dos exércitos. Somente dessa ‘maneira se pode atingir este objetivo verdadeiramente superior, a paz perpétua. Condorcet esta convencido de que os soldados franceses, portadores dos principios revolucionérios, serio festes jados pelos povos estrangeiros. Brissot, outro membro do grupo, declara: “Chegou o momento de outra cruzada, e ela tem um ob- jeto bem mais nobre, bem mais santo (do que as antigas). £ uma cruzada de liberdade universal”.* Nenhum desses partidarios da liberdade inrestrita se pergunta se o fato de decidir assim sobre o futuro dos outros povos nao infringe o principio de igualdade universal, defendido, alids, por eles. fim almejado € tao elevado que nao se justifica regatear quanto aos meios:a eliminagao dos inimigos torna-se uma peripé- cia secundiria. “O anjo exterminador em nome da liberdade der- rubaré esses satlites do despotismo”, prediz Danton, referindo-se as populacoes estrangeiras. A destruicao do inimigo jé nao é um. inconveniente: torna-se um dever moral. A violéncia jé nio é ca- muflada, mas reivindicada. Carnot, general revolucionrio, parte deste postulado: “A guerra é um estado violento. f preciso fazé-la sem piedade”. A violencia revolucionaia suscita, por sua ver, atro- cidades contrarrevolucionérias, num crescendo sem fim. E nesse espirito que sera conduzida a repressio na Vendela, no inicio de 1794. A Revolugdo esté em perigo, o Bem supremo correo risco de nao advir: ndo convém apiedar-se do destino dos inimigos. As re- gras de boa conduta sio logo esquecidas. “E atroz”, escreve um capitio francés que participa das expedigées punitivas, “masa sal- vacio da Repiblica o exige imperiosamente” (trata-se do massacre de civis). Outro oficial explica: “E por prinespio de humanidade que eu expurgo a terra da liberdade de seus inimigos” * Ap6s sua subida ao poder, Napoledo invocaré a mesma ideo: logia, o que faz com que a Franca venha a conhecer, ea impor 20 Testo da Europa, 23 anos de guerras ininterruptas (1792-1815), 4 Sesponsiveis por milhdes de vitimas. No plano interno, Napoledo Juvserva certas conquistas da Revolncao e elimina outras; mas, no Jowuinio internacional, escolhe apresentar-se sistematicamente w herdeiro das Luzes e da Revolucao, pois conta com a forga the atragio dos valores delas. Nas palavras de Germaine de Staél, Hapoledo é um Robespierre a cavalo. O jornal que ele faz editar isante sua campanha na Itélia afirma: “As conquistas de um Juve livre melhoram a sorte dos vencidos, diminuem o poder dos fis, umentam as Iuzes”. Quando 0s regimentos do Exército na- Jwlednico ocupam a Espanha, o marechal Murat escreve ao seu inyperador: “Vossa Majestade é aguardada como 0 Messias"” ‘A realidade é totalmente diferente: apés um breve perfodo, “ssrante 0 qual a populagao local fica aliviada por ver seus antigos lgpressores afastados do poder, vem rapidamente o momento de “ilesilusio; a nova tirania é mais amarga quando exercida por es- “Wangeiros. A violéncia dos resistentes ser correspondente aque- J que eles sofrem, Masséna, outro marechal de Napoledo, admite ‘que, por ocasiao da repressdo na Itilia, foram cometidos “excessos {que era impossivel evitar na licenga da vitéria”. Convém dizer que 'os insurgentes italianos, por sua vez, nao hesitam em assar vivos .O mesmo se da na Es- paula, onde sera forjado nessa ocasiéo o termo guerrilha para Wesignar as ages de resisténcia. Os ocupantes sio perseguidos kom um ddio nao menos intenso do que seu proprio desejo de Um ser mons- {os suspeitos de simpatias pré-franc impor o bem: “Que espécie de coisa é um frances ruoso ¢ indefinivel, um ser criado pela metade, Nao existe nin uuém que ndo tenha o direito de matar esse animal feroz".* Os revolucionérios franceses se sentem politicamente supe- Flores aos seus contemporaneos dos outros paises europeus; em telacio aos paises mais distantes, na Africa, na Asia ou na Amé 1ica, eles tém a impressio de uma superioridade mais radical, pois ¢olocam a si mesmos no topo da civilizagao. Todos os povos, es- 45 reve Condorcet, deve “aproximar-se um dia do estado de civig lizagao a que chegaram os povos mais esclarecidos, os mais livres) (os mais isentos de preconceitos, os franceses ¢ os anglo-americas nos”, Portanto, deve desaparecer progressivamente “a distincia imensa que separa esses povos da servidio dos indianos, da bar- barie das tribos africanas, da ignorancia dos selvagens”. £ em now me do ideal de igualdade que Condorcet almeja transformar a vida dessas populagdes longinquas: arrancé-las a barbérie é seu dever de civilizado, Elas mesmas, contudo, podem nao ter cons ciéncia do bem que as espera e opor-Ihe uma resisténcia; nesse ss terse tl las, pois, como também diz Condorcet, con- -las ou fazé-las desaparecer”? Os dirigentes dos paises “mais esclarecidos” vio executar os sonhos de Condorcet. A Inglaterra comecou a mordiscara penin- sula indiana nos diltimos anos do século; Napoledo, por sua ve7, decide em 1798 submetero Egito. No momento do ataque,discur- sa assim is suas tropas: “Soldados,ieis empreender uma conquis- ta cujos efeitos sobre a civilizagao e 0 comércio serdo incalculé- veis". Obtida a vita, ele se empenha em modernizar a justiga, as comunicacdes e a economia; mas, quando a populagao autéctone tenta recuperar a indepen nncia, reprime-a com brutalidade. No Haiti, as noticias da Revolugao e as primeiras decisées da Assem bleia Nacional encorajam a revolta dos escravos; contudo, em 1801, desembarca na ilha um corpo expediciondrio francés, co- mandado por Leclerc, cunhado de Napoledo. Ele consegue prender ‘© chefe dos insurgentes, Toussaint-Louverture, mas nao pode im- Pedir a resisténcia dos antigos escravos, que querem assumir sua prépria diresao. Leclerc responde com medidas radicais: “E preci so destruir todos os negros das montanhas, homens e mulheres, reservando somente as criangas com menos de doze anos", escre vea Napoledo, “sem 0 que a colénia nunca serd tranquila”.” Napoleio nao construiré um império colonial; na Franca 46 ‘ges sora a tarefa das geragdes seguintes. A conquista da Argélia, Jeigula em 1830, termina em 1857; a submisséo integral da India de 1858; a partilha da Africa e do restante da Asia estara Jaunpleta no fim do século. A evocagao dos principios revolucio ii nao é oportuna, mas a ideia de levar a civilizagao aos irios j Iuisbaros, e portanto de espalhar as Luzes por toda parte, continua Jjresente e serve para legitimar tanto as conquistas francesas quan fo as inglesas. Jules Ferry, presidente do Conselho de Ministros assim justifica as expedigdes que empreende: “As racas speriores tém um direito perante as racas inferiores [.} porque fesiste um dever para elas. Tém o dever de civilizar as ragas infe- siores”."' Pouco importa saber se ele mesmo acredita ou nao nes- te argumento; o essencial € que este itimo é eficaz: os jovens sokladlos e, mais tarde, os colonos partem para as colénias com a fertera de servir a uma nobre missio. 1 politico se instalam: pro~ Os grandes tragos do messiai Jyrama generoso; divisio assimétrica dos papéis, ou seja,sujeito tive de um lado e, do outro, beneficiério passivo — cuja opiniao nao é pedida; recursos militares postos a servigo do projeto. A SEGUNDA ONDA: O PROJETO COMUNISTA 0 deslocamento global do projeto messianico — do interior jpara o exterior, da transformago de sua propria sociedade para di guerra de libertagéo das outras — nao impede mumerosos adep {os da Revolugao de lamentar a brusca suspenséo que ela sofren € ‘le sonhar com sua retomada, Esse movimento se desencadeia Jogo apés 0 9 termidor com a Conspiragao dos Iguais liderada por Habeuf. “A Revolugéo Francesa”, lé-se no manifesto dos “iguais”, no é sendo a precursora de outra revolugio, bem maior, bem inais solene, e que seré a tiltima.”"* Nessa formula, fica bem claro a7 © espirito milenarista — a hora do iiltimo combate se aproxi fbn ver de ser livremente escolhido, decorre do préprio conheci- Gwent. Fssa visio do mundo sera estendida da matéria inerte, Ssiyjeto da fisica, a hist6ria humana e a0 conhecimento da socieda- de Cindorcet, em seu Esbogo de um quadro hist6rico dos progres ‘ee lo espirto humano, cré observar um sentido no desenrolar da Histéra: cla conduz ao aperfeigoamento da espécie humana; por Seunseyuinte, o que advém é na realidade uma encarnagao do que sev ser, O fato de os governos repressivos ¢ os padres verem seu wrenfraquecer-se éa prova do avango inexordvel da histéria fu archa nos eproxima necessariamente do Bem. Fo quetam- Jhiwn implica uma frase como “o tribunal da historia”, sugerindo gue a histéria fundamentaria uma espécie de direito — como se G vitdria do mais forte fosse também necessariamente a do mais Justo. Uma frase de Hegel tomada de empréstimo a um poema de Beluller resume bem essa concepeto: Die Weligeschichte ist das Wellgericht (“A historia do mundo € tribunal do mundo”);"ela Jeri adotada pelos discfpulos de Hegel, entre os quai o joven Marx. Contudo, a palavea “tribunal” nessa expressdo tem tio pou {a rclacio com a justiga quanto a palavra “direito” em “o direito io mais forte” ou a palavra “lei” em “a lei da selva’ Como todos os messianismos, o comunismo defenderé’a Ineia de que a historia possui uma direcdo preestabelecida e inn io de sua ago. Reconhece-se ma —, agora traduzido num vocabulério comunista. A conspira ‘#0 fracassaré, mas muitos outros visiondrios tentarao imagin 4 continuagdo e a radicalizacao da revolucio interrompida. Saints -Simon (discipulo de Condorcet) e Fourier, Proudhon e Louis Blane, Herzen e Bakunin proporao diferentes variantes do socias lismo. A versio que conheceré 0 sucesso mais duradouro é a quel sera desenvolvida, a partir dos anos 40 do século x1x, por doig alemies refugiados em Londres, Karl Marx ¢ Friedrich Engels, verdadeiros fundadores do comunismo. Em 1848 aparece em, Londres uma brochura escrita por eles e destinada a ter uma pro- longada repercussio, o Manifesto do Partido Comunista Esse livrinho descreve, em termos eloquentes, as condicdes de vida das classes exploradas, transformadas no equivalente a ‘uma simples mercadoria, e formula o sonho de uma sociedade perfeita, comum a todos os homens. Sua anélise das sociedades do pasado repousa sobre a hipétese de que 0 combate é a unica forma de interagao social que caracteriza a historia da humanida- de: a questéo é quem conquistaré o poder e se servira dele para explorar 0 outro, Nada é comum a todos os membros de uma sociedade, tudo pertence a um ou ao outro campo em luta, Nao existe nenhuma categoria universal: nem moral, nem justiga, nem ideias, nem civilizagao. Nenhuma religido, nenhuma tradigao (co- moa fami Hivel; cle encontrara nisso a legitima jo. Reconhece-se a papel resrvado a Providencia pla religocristh 66 ave Jgyora nao basta ler os textos sagrados para conhecer a diregao da Marcha: € preciso estabelecer as leis da histéria de maneira cienti- . ou ainda a propriedade privada) escapa ao scu per- tencimento de classe. Essa nova fase do messianismo se desenrola numa época de admiragao geral pelas conquistas da ciéncia, ilustradas pela Revo- lugio Industrial contemporanea. Dai nasceré uma doutrina, 0 cientificismo, que nao deve ser confundido com a ciéncia, e que até mesmo se opbe ao espirito dela, Essa doutrina afirma que 0 mundo pode ser integralmente conhecido; que, por conseguinte, ele também pode ser transformado segundo um ideal; e que este, lea, Por essa razio, os comunistas negam que sua andlise ¢ seu B.. repousem sobre hipéteses que poderiam ser submetidas a ame, e no sobre fatos silidos: “As propostas teSricas dos comu istas”, Ié-se no Manifesto do Partido Comunista, “nao sio sendo fs expressdo geral das relagdes efetivas de uma luta de classes que txiste.” Uma frase de Lénin gravada num monumento a Marx, 9 48 no centro de Moscou, resume ainda melhor a ideia: “O marxismo: € onipotente porque é verdade”. I em virtude desse postulado que! Marx e Engels serdo to intolerantes com qualquer opiniao divers ‘gente: esta sera atacada nao sé porque é politicamente inadequada, mas porque é falsa e, portanto, no merece atengao. © objetivo previsto pela “ciéncia” marxista é o desaparecic mento de toda diferenca entre grupos humanos: afortunadamen- te, pois cada diferenga é percebida como fonte de conflito, e emt Ultima anzlise como uma luta mortal, Por isso é preciso abolir a propriedade privada e concentrar todos os instrumentos de pro- dugao nas maos do Estado. Os que resistirem serio eliminados, caso da burguesia, cujos interesses vao em sentido oposto. “A. existéncia da burguesia jé nao & compativel com a sociedade.” Deve-se, portanto, desencadear a “aboligao” do proprietirio bur: gués: “Seguramente, essa pessoa deve ser suprimida”. Os meios precisos da supressio ndo so enumerados, mas o Manifesto ad- ite que serao necessarias “intervencdes despoticas”, pois os fins desejados 36 podem ser “atingidos gragas & subversio, pela vio. lencia, de toda ordem social do pasado”. Portanto,a eliminagao. fisica da burguesia como classe jé esta inscrita no programa. Seja como for, a transformacao da sociedade, pretendida pe lo Manifesto, € tio radical — supressao da propriedade privada, desaparecimento das classes — que ¢ inconcebivel realizé-la sem. derramamento de sangue, Portanto, & primeira vista, encontramo-nos aqui em posigéo diametralmente oposta ao voluntarismo pelagiano e revolucion’- rio, uma vez que a agdo humana esté inteiramente submetida a leis sobre as quais © homem nao tem nenhum controle. Contudo, 0 marxismo nao é apenas uma dou na determinista: & ao mesmo tempo, um voluntarismo intransigente. A articulagao dessas duas caracteristicas aparentemente contraditorias ¢ explicitada pelo cé- lebre dogma marxista segundo o qual “a existéncia determina a weigncia”, A consciéncia, e portanto a vontade dos individuos, sts segura de agir no sentido previsto pelas leis da historia, porque Ho produto desta. O querer secunda necessariamente o ser. Por varias décadas, 0s adeptos dessa doutrina levam uma ssistdncia marginal, eaté clandestina, ou animam grupos e parti- ‘hos socialistas que devem se acantonar na oposigio. Contudo, é slyrante esse perfodo que Lénin, na Réssia, da sua contribuigao slecisiva, segundo a qual uma elite licida pode identificar 0 curso esejavel da histéria (em outros tempos, dir-se-ia: os caminhos Ads Providencia) e, por sua agao combinada, provocar os eventos syue se adequam a ele, Sem o dizer, Lénin inverteu 0 adégio mar sista, Agora, cabe consciéncia determinar a existéncia; 0 volun- Jurismo sobrepuja o determinismo."* Assim, nao se levaré em fonta que, segundo as leis marxistas da hist6ria, a revolugao deve Joduvir-se primeiro num pais industrializado. A Russia é um jis atrasado e rural, mas dispde do partido mais combativo, por onseguinte & aqui quea revolugdo mundial deve comegar. Dora~ ante 0 combate jé nao ser conduzido pelos préprios proletirios, nas pelo partido, composto de revolucionérios profissionais jpriundos da burguesia e da intelligentsia, devotados de corpo € lia A causa. A ditadura do proletariado seré indispensével para mansformar a sociedade conforme o programa preestabelecido, fissa subversio da doutrina permitira nao mais levar em conta 0 festaclo real do pais, mas sim substitui-lo por ficgdes sucessivas, sejundo as necessidades do partido em cada etapa da historia Em 1917, no contexto da Primeira Guerra Mundial, comeca “una nova etapa: pela primeira ver, gragas ao golpe de Estado bol- thevique, 0 poder espiritual reivindicado pelos primeitos itis se “ye sustentado pelo poder temporal proprio de um grande Estado, ‘g Rissia, Comeca entao 0 periodo de expansio dessa forma de | inessianismo, esa tentativa de introduzir a utopia na realidade, ite otiginaré uma formagao social inédita: o Estado totalitaro. 5. A continuagao é conhecida: a ascensio, na Europa, de out forma de regime totalitirio, o nazismo, gerado pelas mesmas cau. sas estruturais que as do comunismo, mas apresentado també como um escudo contra ele, ¢ até como uma arma capaz de des- ttuir essa ameaga, Seu cientificismo ja néo invoca as leis da hist ria, mas as da biologia, que os nazistas descobrem numa versio, do darwinismo social adaptada as suas necessidades. Baseando. em suas supostas conquistas, eles podem tranquilamente visar a0) desaparecimento das “ragas inferiores". Seguem-se a cumplicidas de entre os dois totalitarismos e mais tarde a guerra impiedosa entre eles, cuja vitéria coube a alianca formada pela Uniao Sovié- tica com as democracias ocidentais. © comunismo suplanta e as vezes combate o messianismo: anterior, aquele que se manifestava por guerras imperialistas em: nome da liberdade-igualdade-fraternidade e por conquistas colo« niais em nome da civilizagao europeia. No entanto, ambos per- tencem ao mesmo “género comum”, e esse parentesco permite circunserever melhor a especificidade do utopismo comunista, Em primeiro lugar, o messianismo oriundo da Revolugao Fran cesa se propoe, essencialmente, a levar a salvagdo aos outros: os Outros povos europeus, no caso de Napoledo; os habitantes dos outros continentes, durante as guerras coloniais. Jé 0 utopismo comunista, num primeiro momento, é orientado para o interior de cada pais. a guerra que deve levar a0 seu triunfo é uma guetta civil, entre classes: no plano internacional, ele recomenda a pro- Pagacio ea generalizagao dessas guerras civis, e no a submissio de um pais por outro (nesse aspecto, a pritica soviética traird a teoria). Em segundo lugar, o messianismo revolucionério se pro- Poe a subjugar e educar os povos que hesitam em abracar seu credo, mas nao exterminé-los — é um projeto gradual e progres- sivo. O utopismo comunista, em contraposicio, exige 0 desapa- recimento dos adversirios — 0 que ¢ mais facil de imaginar no 52 wiexto de uma guerra civil do que no de uma guerra entre pal- Bm outras palavras, os rgios de terror, do tipo Tcheka, eas jens de exterminio de camadas inteiras da populacao se tor- jpossiveis, e até necessérios, pelo proprio projeto ey Imaginar um ideal em cujo nome se tenta transformar o real, Senceber uma transcendéncia que permita criticar o mundo exis Jente a fim de melhoré-lo é, sem diivida, um trago comuma toda {Sespécie humana; isso nao basta para produzir um pees que o diferencia mais especificamente é a forma assumi ay propensio 20 aperfeigoamento: todos os aspectos da vida de um Jove sio abrangidos. Nao basta modificar as instituigbes: aspira~ se « transformar os préprios seres humanos, e para isso nao se Jesita em recorrer as armas. O que distingue o projeto totalitario, ‘sylim, é20 mesmo tempo o contetido do ideal proposto ea estra- q controle integral da sociedade, eli- Agia escolhida para impé-lo: a sninacio de categorias inteiras da populacio. Por esta tltima caracteristica, o messianismo totalitério se Alistingue radicalmente tanto de seu predecessor quanto de a sucessores, embora todos tenham nascido da mesma aria pecetospelagianos, rexgatados durante o Iuminismo e transfor. inacdos em programa de ago coletiva, Seja qual for a versio espe ciflea do totalitarismo, essa destruigao sistemstica estara eens Aliva, a0 passo que no aparece em outros lugares: é 0 caso do exterminio dus cilaques como classe na Unido Sovittica, dos vi deus na Alemanhe nazista, da burguesia na China de Mao, dos idadaos no regime comunista de Pol Pot. A isso acrescentam-se (os vexames e sofrimentos infligidos ao resto da populagio, igual- tnente sem comparagéo com os sofridos anteriormente. Convém, portanto, manter presentes no espirito tanto os tragos comuns olhos. quanto as oposicdes que saltam aos Hv simultaneamente,e de maneia ainda mais forte, projto ‘comunista se opde ao espirito que domina a sociedade de seu 53 tempo. Esta comporta numerosos ingredientes vindos do passaday alguns sio até sobreviventes do Antigo Regime; mas sua orienta sao global, trazida pela Revolugdo Industrial e pela expanséo comércio, ¢ liberal. Isso significa, entre outras coisas, que o lug da religido se reduz cada vez mais e que, por conseguinte, a socies dade tende a perder toda relagao com um absoluto qualquer. liberalismo estimula o crescimento pessoal, mas nao propoe nes nhum novo ideal comum — como se o desenvolvimento fulgus ante da tecnologia e 0 aciimulo de riquezas bastassem para alivian © desvanecit jento da religiéo. O messianismo comunista virdl engolfar-se nesse vazio e encarnara, por sua vez, 0 absoluto — com a vantagem adicional de anunciar seu futuro triunfo. Durante um breve perfodo subsequente ao fim da Segunda) Guerra Mundial, 0 messianismo comunista prosseguira sua exe pansao. Aureolada pela vit6ria sobre a Alemanha nazista, a Unio Sovietica estende seu império no Leste Europeu, aumenta sua po Pularidade no oeste do continente e estimula as revolucées desen- cadeadas na Asia (China, Coreia, Vietna) em nome do mesmo ideal. A partir da morte de Stalin, em 1953, comega o declinio, Alguns anos antes, os Estados Unidos e as outras poténcias oci- dentais haviam detido a expansao do império entrando numa “guerra fria”. Na Asia, os paises comunistas decidem emancipar: -se da tutela soviética; portanto, surgem conflitos dentro do mes- mo campo. Quanto ao Leste Europen, as esperangas messianicas desabam ante a realidade dos regimes comunistas, e somente a vigildncia, acompanhada por uma repressio sistemtica, permite garantir a perenidade deles Eu vivi sob esse regime durante vinte anos. © que se gravou ‘mais profundamente em minha meméria nao foram os mil e um inconvenientes da vida cotidiana, nem sequer a vigilancia cons- tante e a falta de liberdade, Conservei dele, mais do que tudo, a consciéncia aguda deste paradoxo: todo aquele mal era realizado 54 fi nose do bem, era justificado por um objetivo apresentado 4 PPRCTIRA ONDA: IMPOR A DEMOCRACIA phLAS BOMBAS dda do império comunista na Europa, nos anos forma, terceira, de messianismo ‘orresponder as democracias mo- 0s projetos totalitrios Desde a que 19H9-91, assiste-se a uma nove Iitico — e que a primeira a c demas. Fla se opée, sob varios aspectos, wa precederam, mas conserva semethangas Com a } .s revolucionérias ¢ coloniais. Essa politica con 05 direitos humanos pela a primeira finda, a das guerra: siste em impor o regime democratico € or pea h jovimento que, no entanto, gera uma ameaca inter forya — um movimer no ent {ia para os progrios paises democraticos. (Os Estados ocidentais que encarnam esse proj tam-no como uma concretizaco da democracia e de modo algum song um afastamento dos principios dela, semelhanga do que o a No entanto, pode-se observar jeto apresen: srojeto comunista pretendia ser. : : tmbém eerta continuidade entre 0 messianismo da segunda e a oximidade dos evidenciada pela pr’ dda terceira onda, ainda mais evidencia x As vezes essa educagao leva 0 tem- e uma geracao. Assim, varios “neoconservadores” ame! a. ae 1a de conservadores), idedlo- ricanos rat (um termo enganoso, pois nao se trat 7 tervencao militar legitimada pela defesa dos direitos hu: pos da in se {nterim anos, si cias de antigos comunistas, tornados ness iter est cialmente trotskis- ‘anliestalinistas convictos (numa perspectiva inicialmente t a ¢ depois democratica). Na Franga, esses indivi dos p jo as veres as trés etapas: adeptos da religido comu- duos percorrerao as Te hyista antes ou apds 1968, com frequéncia numa de suas vari anticomunistas € {a revolucioniria Ade extrema esquerda, tornaram-se radicalmente antitotalitérios alguns anos mais tarde, em consequéncia da siio de informagdes mais amplas sobre a realidade do gulag (de ‘minaram-se entdo “novos filésofos”), antes de aparecerem, nes liltimos anos, como partidérios da guerra “democritica” ou “ht manitéria” no Iraque, no Afeganistio ou na Libia. Nos paises Leste Europeu, encontra-se essa mesma continuidade (nao ef todos, claro). O percurso tipico seria o do jovem comunista “id lista” dos primérdios (fase 1), o qual, decepcionado pela realidac dissimulada por trés dos slogans, transforma-se em dissidente rajoso (fase 1) para tornar-se, apés a queda do regime, um empol gado paladino das “bombas humanitérias” langadas sobre Belgra do durante a Guerra do Kosovo, ou da defesa do Ocidente durant as Guerras do Traque ou do Afeganistio (fase 1), A primeira manifestagio dessa nova forma de messianismo, foi a intervencdo da oTAN, érgiio militar dos paises ocidentais, no. conflito que em 1999, na Tugoslavia, opds 0 poder central de Bel- grado & provincia alban6fona do Kosovo. Nio foi por acaso que @ confrontagao ocorreu apés o fim da Guerra Fria: a Unido Sovié- fica ja nao estava Ié para impedicla. Os paises ocidentais que a iniciaram tampouco buscaram obter a autorizacio de organismos internacionais, como a owu, a qual de todo modo nao dispée de um brago armado préprio. Tal intervencio se baseou numa dou- ‘sina formulada nessa mesma época, depois do genocidio ruandés de 1994, em varios paises ocidentais, especialmente na Franca: 9 “direito de ingeréncia”. Adotar essa doutrina corresponde a afir- ‘mar que, se num pais acontecem violacdes dos direitos humanos, 68 outros paises do globo tém o direito de introduzir-se li pela forca,a fim de proteger as vitimas e impedir os agressores de agir. Na lugoslavia, a aplicacao desse principio revelou varias di- ficuldades inerentes a doutrina. A primeira concerne as incertezas da informagao: cada uma das duas forcas que se opdem tem inte- resse em inflar 0 ntimero das vitimas que sofreu e em dissimular 36 roprias agressdes la manipulacéo dos dados € uma ina yprtlhada), Nesse aspecto, a minoria alban6fona foi mais slo que a maioria sérvia, Uma segunda dificuldade provém da {agio forgosamente seletiva do principio: lamentavelmente as {es dos direitos humanos sio muito numerosas, intervir por parte € impossivel, ent escolhemos poupar nossos amigos luicos ¢ langar as forcas contra os que fazem uma politica con- la os nossos interesses. Com sso, a imparciaidade da escola a cle existir. A terceira dificuldade decorre da propria forma Jngeréncia, a guerra com suas consequéncias inevitéveis: bom- Jvios, destruigao do pais e de seus habitantes, softimentos in- sntiveis. Para salvar dez inocentes, tem-se 0 direito de matar Bic entrarei aqui nos detalhes desse episéuio da historia re- We.” Lembro apenas que a intervengio da OTAN na Iugostivia gninou —ndo é de surpreender — com a vitdria militar da Alian- ‘6 Kosovo adquiriu independéncia politica sem tornar-se intei- niente um Estado de direito e permanece nas maos de grupos fiosos;a discriminagio étnica, de que os albanéfonos eram viti- spor parte dos sérvios, éexercida agora Contra a minotia sérvia or parte dos kosovares.. Seria dificil afirmar que, ap6s a interven- ‘glo, a democracia dew um grande passo a frente nessa regifo. 4) GUERRA DO IRAQUE A expressio “dirdto de ingeréncia” nao foi ulizada durante ss manifestagao seguine do novo messianismo politico, a saber» & querra no Iraque, conduzida por uma coalizao de paises dirigida pelos Estados Unidos, os quais novamente se dispensaram de uma sesolugio por parte de onv. Para o desencadeamento das opera~ _ gbes, em 2003, o pretexto, que em seguida se revelou inteframen- 37 tefalacioso, era a suposta existéncia, no Traque, de “armas de treo, em massa”. Contudo, o espirito de ingeréncia em nor 'o Bem estava totalmente presente. Encontra-se stra marca tum documento que expe a doutrina militar dos Estados Us Publicado pela Casa Branca, entao sob a presidén . W. Bush, alguns meses antes da invasio, ‘de seguranca nacional dos Estados Unidos da América” se declara encarregado de uma missi superficie do globo, se necessario pel cle transformaré para melhor o destin. io: impor esses valores p Portante missao.” As conclusdes que o documento e especificada: por G. W. Bush), Dessa vez, a natureza da missio € especifcada: na nem 0 resultado de um consenso, simplesmen: tatuto americano de “nagéo mais poderosa do e adorna com as cores do direito. especifico: Kadhafi 10 é nem da te decorre do est mundo”, Aiesté como a forga se F Obama conclui, aplicando a teoria ao caso deve abandonar 0 poder ‘A intervencao na Libia confirma o esquema messianico fa 79 miliar as democracias ocidentais. Por causa de seus éxitos teenas ligicos, econs cos € militares, elas estdo convencidas de sua superioridade moral e politica perante os outros paises do plane= ta, Decidem ento que sua poténcia militar Ihes atribui o direito ‘ou mesmo o dever de gerir os assuntos do mundo inteiro (excegé0 feita a0s outros membros permanentes do Conselho de Seguran= ‘62 € 20s seus protegidos), impondo aos paises de baixa avaliagéo. 08 valores por elas julgados superiores e, na pritica, os governos considerados aptos a conduzir a politica apropriada. O caso da Gra-Bretanha e da Franga, que dominaram a coalizio envolvida na Libia, € um pouco mais especifico. HA cem ou duzentos anos, esses dois paises eram as grandes poténcias coloniais, e hoje se tornaram poténcias médias que devem levar em conta a vontade dos mais fortes do que eles. Pois bem, eis que Ihes é oferecida uma ‘oportunidade de mostrar suas capacidades militares e de desfrutar da impressio de que voltaram a administrar os assuntos do mun= do; entdo se aproveitam disso de bom grado. Encorajado pelos resultados obtidos, 0 entio presidente francés Nicolas Sarkozy chegou a designar outro alvo: em 31 de agosto de 2011, ele adver= tiu o Ira sobre a possibilidade de um “ataque preventivo” contra as instalagdes nucleares desse pais, retomando assim, por conta prépria, a nogéo de guerra preventiva adiantada por G. W. Bush, No entanto, podia-se imaginar um desfecho diferente para a crise ibia, desfecho que alias era pedido pelos outros paises affi- ‘canos — mas a opinio deles era considerada negligencidvel. Apés 4 intervengao inicial que destruiu as forgas aéreas do regime deteve o avango em diregao as cidades que estavam nas méos dos insurgentes, era possivel impor um cessar-fogo a todos os belige antes. Depois disso, poderiam ser empreendidas conversagdes politicas, de preferéncia sob a égide da Unido Africana. A partida de Khadafi poderia ter sido negociada nessas condigées; se nio se chegasse a nenhum acordo, seria impositiva a transformagio do 80 de um interven ‘cys edos direitos hamanos, entram em acordo com os defensores que dire Lanto mais quanto, gragas & superioridade tecnologica, essa guer- ra nao causa vitimas na populagao dos interventores. Aos parti- pais em federagdo, ou mesmo sua partigao. Solugdes provisérias ‘ imperfeitas, sem diivida, mas livres do descomedimento que anima a ideia de impor o bem pela forca. Por enquanto, a intervengao na Libia conduzida pela Gra- [ivetanha e pela Franca com a ajuda dos Estados Unidos provoca a adesio de grande parte da populagdo desses paises. Os “falcdes liberais”, nome que Ihes é dado nos Estados Unidos, defensores \cionismo brutal em nome dos valores democrat ,acionalistas dos interesses de seu pais: Kadhafi era um ditador pavoroso e,ademais, a Libia possui as maiores reservas de petré- leo de todo o continente africano. Essa coincidéncia explica por 1a» esquerda se reconhecem igual mente em tal op¢a0, darios da guerra se acrescentam aqueles que gostam de se ver 20 Jado dos vencedores; tudo isso produz de fato uma maioria. No centanto, pode-se também temer que, como o véu idealista ja no cesconde os interesses realistas, as populagdes desses paises inter- pretem o conjunto de tais peripécias como uma eloquente ligéo de cinismo moral. Alids, a estigmatizagao atual do regime de Ka haf é langa uma luz cruel sobre a politica desses mesmos paises ao longo dos anos precedentes. De fato, desde 2004 esse regime recebia aprovacdes e gestos de amizade, os chefes de Estado fran- ceses e britinicos se acotovelavam em Tripoli, ¢ mesmo os servi- gos secretes de uma parte ¢ de outra trocavam, de bom grado, informagées ou prisioneiros recalcitrantes, como no caso de Ab del Hakim Belhaj Entio, tudo isso néo passava de hipocrisia? Como acreditar depois na veracidade das palavras piblicas, como confiar em no: sos diriyentes politicos? Pode se duvidar de que essa liglo sirva utilmente a educagio civica do povo. Também se poderia dizer que, em regra geral, as relagdes centre nagdes s6 obedecem a forga e aos interesses, diferentemen= te daquelas que se estabelecem no interior de cada nagao. Nesse caso, de que adianta indignar-se diante de cada novo exemplo dessa lei? Mas, supondo-se que seja assim, como nao ver que as vitimas — colaterais, se quisermos, no entanto inevitaveis — serio as proprias ideias de justiga, de democracia e de direitos humanos, que agora aparecem como uma camuflagem cémoda para atos que devem nos proporcionar maiores riquezas e um aumento de poder? Nao seria preferivel remover a “embalagem de presente” na qual sio envolvidas as ingeréncias e aproximar-se tum pouco mais da verdade? Ao mesmo tempo, nao esquecamos, ‘que aqueles que sofrem nossas “guerras humanitarias” nao sofrem ‘menos do que aqueles das guerras 4 antiga. Antes de entoar um hino a gloria de uma nova conflagragao verdadeiramente melhor do que todas as outras, talver. fosse preferivel meditar sobre as ligdes que Goya extraiu, duzentos anos atrés, de outra guerra con- duzida em nome do Bem, aquela dos regimentos napolednicos «que traziam a liberdade e o progresso aos espanhdis. Os massacres cometidos em nome da democracia no so mais faceis de sofrer do que os causados pela fidelidade a Deus ou a Ald, a0 Guia ou a0 Partido. Uns e outros conduzem aos mesmos desastres da guerra. A POLITICA ANTE A MORAL E A JUSTIGA A terceira fase do messianismo palitica éum efeite paradoxal deste evento regozijante que fecha a hist6ria do século xx: a que- da do Muro de Berlim, a derrocada dos regimes connnistas,o fim do episédio totalitério. Antes, o equilibrio entre as duas superpo- téncias — um equilibrio do terror —assegurava a relativa estal lidade do mundo; ambas podiam “arrumar a casa” na esfera de 82 sua influéncia e dominar seus satélites, mas cada-uma também exercia sobre outra o papel de freio. Desde que passou a subsis- tir uma s6 superpoténcia, o perigo do descomedimento apareceu sob uma nova forma, pois j4 nada se opde & extensdo de sua aco. 0s Estados Unidos sao tentados a tornar-se a policia planetéria, a impor sua vontade pela fora — apresentada, 0 que nao é de es- pantar, sob as cores do Bem. (Os partidarios dessa estratégia sio recrutados em todo 0 es: pectro politico atual, tanto a esquerda como a direita. A interven- {g40 no Kosovo produziu-se sob a presidéncia de Bill Clintons no Iraque, sob a de George W. Bush; as guerras no Afeganistio ena Libia sio guiadas por Barack Obama — os interesses superiores do Estado parecem sobrepor-se, a cada vez, as opinides ou as in tengGes particulares do presidente americano. E como se o chefe do pais mais poderoso do mundo nao pudesse agir de outra ma- neira. Guardadas as proporgées, poderiamos dizer 0 mesmo dos dirigentes europeus, da classe politica em seu conjunto ou dos autores que fornecem suas justificagdes te6ricas: recrutam-se in- diferentemente em todas as familias politicas ‘Ao longo da historia, numerosas intervengdies militares re correram a essa postura quase moral, mas elas parecem caracte- rizar mais particularmente o messianismo politico ocidental. © esquema é0 mesmo: no momento da agio, antunciam-se as inten- ses universais ¢ morais — trata-se de melhorar a sorte da huma: nidade, ou a de uma de suas partes —, 0 que provoca um movi mento de entusiasmo e, por conseguinte, facilita a realizagio do pprojeto. As pessoas ce percuadem de que, pelo simples efeito da vontade coletiva, é possivel alcancar qualquer fim e avangar inde- finidamente no caminho do progresso. Algum tempo depois — um ano, um século —, percebe-se que o objetivo pretensamente universal néo 0 era, que ele correspondia sobretudo aos interesses, particulares daqueles que o tinham formulado, Entao jura-se no 83 iodo tao rico em genocidios quanto aquele que se seguit ao fim da Guerra Fria. Inegavelmente, existem guerras legitimas: as de autodefesa (foi o caso da Segunda Guerra Mundial para os Aliados, ou o da intervengao americana no Afeganistio, em 2001), as que impedem ‘um genocidio ou um massacre (a intervencao vietnamita que in= terrompeu o genocidio cambojano em 1978-79 seria um dos raros exemplos). Em contraposigao, ndo sio legitimas as guerras que se inscrevem num projeto messianico e cuja justificacdo ¢ impor @ outro pais uma ordem social superior ou fazer reinarem ali os dit reitos humanos. Assim como nao deve ser reduzida a aplicagao de principiog ‘morais, a politica internacional nao pode ser submetida as regras do direito. A razao ¢ simples: para tornar-se efetiva, a justica pres cisa de uma forga de execusao, e esta pertence aos Estados espe cificos. Enquanto nao existir um governo mundial — perspectival pouco atraente —, a justica universal ameaga permanecer como uma fachada a servigo dos mais fortes. Desde 2002, existe um ‘Tribunal Penal Internacional, cuja sede fica em Haia. Sera real mente um avango no caminho da justiga universal? B admissivel nao aquiescer com entusiasmo. De fato, o procurador desse Tris bunal depende diretamente do Conselho de Seguranga da ONUy no qual os cinco membros permanentes dispdem, como ja leme bramos, do direito de veto. A justica internacional reflete de sai essa desigualdade. Por principio, nenhuma acusacao pode s angada contra um desses paises, nem contra os aliados que el desejam proteger. Assim, os bombardeios de Israel sobre Gaza, Riissia sobre a Geérgia ou dos Estados Unidos sobre o Iraque jae mais serao condenados pelo Tribunal Internacional. As tini personalidades que, até 0 momento, foram alvos de acusacao pro de paises africanos: Uganda, Congo, Repiiblica Centro-Afth cana, Sudao. 86 Tal reparticao das intervengdes dispensa comentérios, mas podemos lembrar um exemplo recente. Em margo de 2011 reali- vou-se em Haia, perante o Tribunal Especial para Serra Leoa, uma instancia criada pela onu, mais uma etapa do processo contra Charles Taylor, ex-presidente da Libéria, Seus advogados pergun: tam por que ndo sao julgados ao mesmo tempo os outros respon: siveis pela guerra civil que arrasou Serra Leoa, assim como os chefes de Estado vizinhos — Libia e Burkina Fasso. £ simples, onde o procurador-geral: porque as poténcias que financiam Tribunal teriam rejeitado isso (trata-se dos Estados Unidos e da Gri-Bretanha). Telegramas revelados pelo WikiLeaks mostram «jue a ideia de um processo contra Charles Taylor havia sido lan- sada pela embaixada norte-americana na Libéria a fim de desa: creditar o dirigente do pai . Este, muito provavelmente, tem as iis sujas de sangue, mas essa ma reputagao nao é 0 tinico mo- fivo para que ele seja posto sob acusagdo: a isso misturam-se, de inodo determinante, argumentos politicos préprios dos governos Alos paises mais poderosos, eaté dos grupos privados que influen- cham as decisoes deles.” Em maio de 2011 assistimos a outras duas manifestagbes da justiga internacional. Enquanto os avides franceses e britanicos bombardeavam Tripoli, o procurador desse Tribunal pediu a per seguicdo ao dirigente libio Kadhafi ea algumas pessoas proximas ‘vele por crimes contra a humanidade. Pode-se realmente confiar iia imparcialidade dessa justiga, que obedece As instrugdes do Conselho de Seguranca, responsivel pela intervengao na Libia? ‘As vitimas civis de uns sio mais preciosas do que as dos outros? ial decisao nao se parece m: ‘com uma transformacio da justiga fem auxiliar da oan, como ja acontecera em 1999, por ocastio da yuuerra contra a Sérvia? No mesmo momento foi anunciada a prisio do general sér- Vio Ratko Mladié, considerado responsivel pelos massacres de 8&7 Srebrenica na Bésnia, em 1994, assim como sua transferéncia pa- ra o Tribunal Internacional de Haia, encarregado de julgar os crimes cometidos durante a guerra na Iugoslévia. Tais aconteci- ‘mentos foram saudados aqui e ali como o sinal de um avango significativo da justica internacional e como a prova de que, pro= gressivamente, a forca est por toda parte submetida ao direito, Doravante, afirmou-se nessa ocasito (mas nao &a primeira vez), todos os chefes de Estado e altos responséveis deverao tremer de medo quando cometerem atos igndbeis, pois um dia terdo de prestar contas. Mas essa imagem é uma ilusio. $6 sio ameagados os dirigentes dos Estados fracos e desprovidos de protetores po-

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