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NORBERTO BOBBIO DIREITO E ESTADO NO PENSAMENTO DE EMANUEL Traducio Alfredo Fait Sto Paulo Editora Mandarim 2000 “Thal igi Dis came md pine me ant ‘Sy GCap ere Tor ‘Coren ay Sma Ae ‘Dag Fb Tak ‘Caps Ramp Re ne nde Marios Pol Ca dO Ingen ac Sn Ba alee Cor ge (Cle Bnei de Ur SP, Bl abi, Neh, 1. ‘st a epee de Ena oe Bato" ge ones 1, O-line 3. Hi ina Ra Earn a0 ~ Ca ‘epee 6 hla” Rae Tat fats pr os semi: erp ja de 200, ii epoatlon paca . cnr ee pcm an dal ‘a ha aes igus pore “eoStanoS A, Eker Mann ‘Raima oie Mogi, 505 {CEP0105200~ Sto Fab Bra ‘on mapa com be APRESENTAGKO ‘Ainclusio deste livro na Biblioteca Liberal, patrocinada pelo Instituto Tancredo Neves, equivale a inictatva de maior rele- vnc. Além de corresponder uma exposi¢io magisral, como 6 um professor muito experimentado conseguira efetivar, @ livio Direto e Estado no pensamento de Emanuel Kant retine ‘4 somente através do reconhecimento conferdo a eles pelo soberano, motivo pelo qual nto podem ser consi- eradas ordenamentos origndrios nem aut6nomos. -20- No movimeno do senso etal é necesito evar em conn tembem aqvelsdvins poles que ft chard, com soto depecv, de magultlimo. © mamseluno, tose sige is opi, € un sapesto daa para 2 forma do sa abso, quer icy do Estado sem te A ager atmor do Eto cup per abso m0 Se do prio, quer die, em ie juris ep so), Mas podan admis ous mes alm doshas Como os elgitose or Quando se procamara qu opi ie esva sina das fo, gerinent bo ve qt die com is que ele esnese amb acim dar ki dias ¢ mers: or meio da tori do mauiavelo sto quedo anben tes limes oprecpe mo € as omen Ihe doe vngdoe Jaros, nas tb (as usar uma expresso provera) Bem do bom e do ma gue diac le dos vncls sora {rue delimiam a0 dos simples moras O maguavcsme nesse sonido 2 expongaa eoica mae audacos se IBeautomo do poder eit (Ques nen por muvee? © magutvelm una Imereti de Oprinopede Magee em pac er prc pueda cual ago pli, st 4 a0 la urns coms ea conserva do Eso, € um ayo que mio possum fin propo delta e no deve st Ilgada pormeio decor dtetes ds de conrennin¢ Spomturiade, Ea temosflosfies nodemos, ale qve -n- Maqulavel tera sido 0 descobridor da poltica como categoria independent, dstinta da morale da religio, 0 divulgador a autonomia da politica da politica nto como moral nem como imoral, mas como amoral. De qualquer maneia, € cero que [Maquiavel nos ensinov a ulgat 35 ges do principe segundo a vantagem que oferece para o Estado, e io segundo seu valor ‘moral; em outras palavras, segundo a conformidade aos fins ‘da conquist e da manutencio do Estado, e seguramente: no segundo a bondade inrinseca delas. Ao descrever a mancita “como 0 duque Valentino matou Vitellozzo Vitel, Oivertto dda Fermo, 0 senhot Pagolo € o duque Gravina Orsini", Maquiavel € totalmente impassvel. A aco suscia, moralmen- te, horror. Maso julgamento poliico & um outro: aquela acio Foi itl ou nao para o Estado? Quando fala das vitudes e dos vicios dos principes, ele nao se refere as virudes € 205 vicios ‘dos quais alam os morass: vinudes sio as qualidades id- reas 3 conservacio do Estado, vicios st0 as que levam a des- teuigio do Estado. Falando do duque Valentino, diz: "César Borgia era considertdo crue: contudo al crueldade tisha 2jus- tao, unido, apaiguads e oferecido confianga & Romagna” ap. XVID). Esse ‘contudo' encerra integralmente 0 espieto do rmaquiavelismo. Que importa 20 politico que Borgia tenha sido to crue? © que importa a0 politico € saber se aquela crueda- e fo til ou no 20 “ajustamento’ do Estado, (© maquiaveismo assim entendido chega a fazer parte da teoria da razdo do Bstade, que acompanhou a consolidacio do Estado absoluto. Com 2 expressio ‘azio de Fstado! deve ser entendide que 0 Estado tem as suas proprias razdes, que 0 individyo desconhece. Em nome de ts rz8es, 0 Esado pode agir de maneira diferente daquela pela qual 6 Individuo deve- fia comporarse nas mesmas crcunstancias, Em outras pala ‘ras, a moral do Estado, ou sea, daqueles que detém o poder supremo de um homem sobre os outos homens, é diferente da ‘moral dos individuos. 0 indivduo tem obrigagBes que 0 sobe -2- sano nio tem. A teoria da razio de Estado é, portanto, uma ‘ura mancira de afirmaro absolutsmo do poder do soberano, ‘© qual no esti obrigado a obedecer nem 3s les juridieas nem as leis moras. Enquanto, através das eorasjuridicas, se vinta afimmando a supremacia do poder estatl sobre o direto, com as teoras do maquiavelsmo da razio de Estado dé-se um asso 2 frente: afirma-se a supremacia do poder estatal tam bem sobre a moral (e sobre a religito). De outa forma nto se poderiachegarjusiicacio do Estado absoluto, Chegar-se-i, pporém, a extremas conseqiéneias tis que se seguinam foreo- samente 2 reagio € a decadéncia.’ -23- 3 ‘Trortas sone os Limrres po Pope Estatat. O tecado moter ier demoed es sao con sta tol se mse, qo em on fs eines ad revues gles do slo XV ¢ {revlon Prince, fr acompah pot eos polis “aj propa unmet et ode encoun remo cone tur apettamo do poder do pipe, Na tio do pens tno poles ue fea ir comb prs alto dente proleia, dics 0 nome especie de “onttuonal! a conunt de movinieos qe MAM co tt abuso do poe es 8 problema fundamental qvepre0cpa oF ons alta 6 segue eo pie fem un poder abl, fos spr dle. Como pale peo abuso do poet Sao psc imped de un moo land. Tae Sn de desea asi mas parapet abs ese eos poles modern st toes oad par Fs de sue com ego ese poem. Cons ramos qu se podem css anes gos em bus i do vom sr perencalnt propo conta sb too poet 1) Teoria dos direttos natrais, ou jusnaturaismo. Segun~ do esta teotia, © poder do Estado tem um limite exter- rn. que decorte do fato de que, além do dieito propos- =246- >» to pela vontade do principe (ireto positive), existe um dire que no € propos por vontade algums, mas pertence a0 individuo, a todos os individuos, pela sua prépria natureza de homens, independentemente da par- Hiipacio dessa ou daquela comunidade politica. Esses direitos s20 05 direitos naturais que, preexistindo 20 Estado, dele nto dependem, ¢, nto dependendo do Es- tudo, este tem 0 dever de reconhecé-los e garantilos Integralmente. Os direitos naturals constivem, assim, ‘um limite ao poder do Estado, pois este deve reconhece- lose mio pode vioki-les, pelo contrino, deve assegurar 08 cidadios o seu livre exercicio, O Estado que se ‘modela segundo o reconhecimento dos direitos natu- ris individuais € 0 Estado liberal, no semido origindtio dda palavra ‘Teorias da separagao dos poderes.Exstem outa teorias que impem ao Estado limites intornos independente mente do fato que 0 poder estatal tenba que deterse dliante de direitos preexistentes ao Estado, elas susten- tam quea melhor maneira de mar esse poder € quebri- Jo, Trata-se de conseguir que: 4) a massa do poder estatal no seja concentrada numa ‘6 pessoa, mas distibuida entre diversas pessoas; b) as diferentes fungdes estatais nfo sejam confund- das num s6 poder, mas sejam atribuidas a ros dlistintos Segundo esta teoras, 0 limite do poder nasce de sua propria dstbuigdo por duas razoes: 1D no exitcd mais uma 56 pessoa que tenfa todo 0 poder, cada uma ter somente uns porsio dele 2) 0s Gros dstintos 20s quais serio atributdas fungoes distintas se contolario reciprocamente (balanga ou -25- 2 ‘equilbrio dos poderes), de maneira que ninguém po ‘deri abusar do poder que le foi confiado ‘Se se considerum como funcdes fundamentas do Estado 2 fungio legsiatva, a executiva e a judiciira, as teoras ‘da separagao dos poderesexigem que existam fants po ‘deres quantas sio as fungbes © que cada um dos poderes cexerga uma s6 Fungo, assim que possa sugir o Estado desejado por essasteoris, Estado que fot também cha- mado Estado Constitucional, quer dizer, aquele Estado ‘no qual os podereslegslativo, executivo e judicidio sto {ndependentes um do outro e em posi tal que podem controlarse reiprocamente ‘Toortas da soberania popular on democracia, Existe wma terceira maneita de opor-se 20 Estado absoluto do prin- Cpe, proposta pels worias democritcas. Segundo es ‘88 eorits, mo se trata de conter 0 poder limitando-o por meio de direitos naturais ou da distibuicio para dr ‘los diferentes, mas de aleancar a partiipagdo de todos (0s dado. Trata-se de uma verdadeira quebra do pO ‘der estatal, 0 qual, pertencendo a todos, disse Rousseau, {coma se nio pertencesse totalmente 3 ninguém. Veja ‘se que, nessa teora, 0 temédio contra 0 abuso do poder no € tanto a limitaclo deste, mas 2 mudanga incondicio- ral do seu titular. O ponto de parida dessa teora € a huipétese de que 0 poder fundamentado no consenso po pla ndo pode cometer abusos, ou sea, que © povo no pole exercer 0 poder que Ihe pertence conta si mesmo, Entio, a diferenga ene a reora democeitiea e as outs duas consietenisc: frente 80 abuso do poder, as duas rimeiras buseam motivs para liitae 0 poder absoluto; a tereeira considera que 0 Gnico remédi sea 0 fato de atribuir 0 poder a quem, por sua propria natureza, nao pode abusar dee, ou sea, A vontade geral = 26- Esses ts grupos de teorias podem ser considerados as eta- as principals através das quais se desenvolve o pensamento politico dos séculos XVII e XVII até Kant. El considera tés Formas divers que a polemica contra o Estado absoluto as- sme, porque as encontraremos no pensamento de Kant, que, sob certos aspectos, pode ser considerado uma sintese das ddoutrinas iluministas do Estado. Antecipamos desde ji que fencontramos em Kant tanto a afiimago dos direitos naturals como a teora da separagio dos podetes, ow a da vontade geral ‘como fundamento do poder de fazer leis 4 O PRroLeMa Da Justiricacio po Pooet Poarece ques douina moderna do sd ee det crc ea gas 2 ont cata, ue ne torn fondant o pdr eal mum aod dor si ples membros a counts Naw cis corti er Feiams protease do idee do pc Sequin gue inane ego oer ot robe titre oust dee on o ito do poe gm ours plo ote cnt que az pcs cr poto ao poled legmiade do per 8 ets dey Tepito manera pl lo pode po se eee Que set aman, agro one do Handel ¢ soma at no nant pl al fica OF tna, mas mes que ne so auton ooo mee relies prs np tbse de prer A prom de a mart ecm propa eon do ros at Fedo a tn do pense police an exons Ines quanto timings, ano eadorauoescos quanto omoatucesO quale par erin da cn es esaos Conducio nie € tte quo poet obese ca eto Suet furdameno, ma ue so pons aust ds pop Ge cue ov dein do eadon son ute Sony Frepoteca de quem an Them as cone be o fda Jo poder eat gocem se dvs om ts gap ~28- 1) Toorias do fundamento teoligica do poder. Segundo 0s autores que seguem estas tearias, 0 poder do soberano deriva de Deus, no sentido de que 0 poder maximo que uum horsem ou um grupo de homens tém sobte 0s outros pode encontrar sua prSpria jusifiagio somente no fato ‘de que ele € uma manifestacta do poder que Deus tem sobre o mundo, © testo fundamental a que se refere essa doutrina @ 0 wecho de so Paulo: Nom est potestas nist a Deo: quae autem sunt, a Deo ordinatae sunt Raque qui resist posta, Det ordinations resitt"(Ep. ad Rom. cap. XN). » ‘Teoria do fundamento bst6rco do poder Segundo ou- tras autores, 0 poder € 0 resultado de determinados acontecimentos hist6ricos ou de uma determinada dre ‘Go do desenvolvimento histrieo, que concentraram ‘numa pessoa, numa clase, num povo, «forga para go- ‘vernae outros homens, Existe uma maneira caraterst- ‘ca segundo a qual em cada Sociedade forma-se a autori- ‘dade: 4 tradigao, Parafaseando o trecho de sto Paulo, poder-se-ia dizer que, segundo esse ponto de vist, © ppoder no pode derivar sendo da tadicio, e quem re siste do poder & como se se colocasse contra a autorida- de da tradigt. 3) Teorias do fundamento voluntarsta do poder. Aqui ofan damento do poder nao é buscado nem na poténcia divi- ra nem ni tradigao histérca, mas no live acordo dos homens que, num certo periado do desenvolvimento his ‘rico, deciditam a criagio do Estado, Nesse terceiro gr ‘po tém lugar as doutrinas do contatualismo. Hla deri- ‘vam da consideracio de que ninguém pode ter poder supremo sobre a vida e a morte dos outros homens se ‘estes no iverem aceltado livremente esse poder, © n30 -29- cestver baseado de fato/na propria vontade daqueles que devam submeter-se a ele? Deve-se observar que todas as és teorias serviam para fustiicar pos completamente diferentes de Estado, tanto a ‘onarquia absoluta quanto o Estado democrtico, tanto um poder iimiado quanto um poder liitada, Vamos considerae alguns exemplossignticatives ‘Ateoria teologica do poder foi certamente proclamada pe- los defensores da monarquia absoluta: no curso do século XVII, uma das doutrinas mais difundidas era denominada di- reito dvino dos res” Mas a origem divina do poder foi pro-

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