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‘De qualquer modo, 0 assombro nao basta. Esta ‘pem a compreensto hist6rica: eram outros tempos outros horizontes, ¢ NZ0 devemos julgar com a +e Shorba de um estieito “atualgentrismo”, Porém isso juio deve impedir de ir além. Fi preciso tirar com. "Gara e univoca erergia as ‘conseqiléncias, remode- Jando o proprio conceito de revelacdo (nosso con- esito, nao a realidade, que humildzmente devemos frocurar compreender), E, de fato, este € 0 primei roe principal motivo que tem Jevado a imensa maio- “fia dos tedlogos « abandonar a concepgao exclusi- sistada revelagac. > ‘1.2.2. O contato real das religiGes ‘Um segundo motivo tem sido —e com sto des- crevemos outro Cos grandes fatores da mudanga — 6 melhor conhecimento das dema's religides. Quan- do se examinam de perto as riquezas do budismo ou da tradigao hindufsta, quando se admira a gran- deza de Zaratustra e também, em tantos aspectos, a de Mahoma, j& 240 se pode continuar crendo, sem ferir o senso comiuim, que fora da Biblia tudo so trevas ou que as outras praticas réligiosas tem sua “origem no diabo. Deixando pars mais tarde a di cussio de suas implicages sistematicas, preciso dar globalmente a razio a Jobn Hick quando |afir- mma que as religides, cada uma delas, sao totalidades complexas de resposta 20 divino... com suas diferentes formas de experiéncia religiosa, s2us préprios mitos € simbolos, seus sistemas teolégicos, saas liturgias e sua arte, suas: éticas ¢ estilos de vida, suas es* crituras e tradigdes — todos elementos que inieragem ¢ se refcrgam mutuamente. E estas totalidades =| constituem diversas respostas humanas, 10 contexto das! “diferentes culturas ou formas de vida humana, A mesma Fechar os olhos diante desta semelhanga feno- menol6gica ou negar-se.a reconhecer sua eficdcia real na vida das pessoas, significaria ter “um coracéo como 5 de Jonas e pouco entendimento para a historia das religides’.!3 O qual deve, por sua vez, constituir um , chamade a estuda-las com cuidado, procurando in- clusive interpreté-la A luz de sua prépria auto- ‘compreeasdo. Nao 0 respeito, mas a propria justica é que o exige, pois, como muito acertadamente obser- va P, Schimdt-Leukel, “também a teologia das reli- i606 esti sob o mandamento de no pronunciar ne- nhurn falso testemunho contra o proximo”."4 1.3. Os novos enfoques a partir da teologia 1.3.1. As trés alternativas formais A luz destas mudangas ‘fo profundas, com- preende-se que a teologia busque hoje aovos en- foques do problema e tente novas safdas para as taremos Ar Interpretaio1. ‘Gunnewes, Religion oder Ofenbarrg. Zum hermencut itschrit fir Theologie und Kirche 74 (1577) 175. on Zum Prod iialogischer Le Manchener Theologischer Zeitschrift 2. aporias As quais leva inevitavelmente 0 manter hoje ds posturas tradicionais. No mundo anglo-sax8o, Gue, como dissemos, é onde a discussio esté mais Viva, impOs-se uma divisdo tripartida das posturas: exglusivismo, inclusivismo e pluralismo."° ‘Ao exclusivismo jd se aludiu: € a postura que s6 ‘admite revelacéo reel e verdadeira — e, por conse- ~ guinte, salvago —na propria igreja ou religiao (para nossa disussfo, no cristianismo). Em sua forma rigida, hoje € sustertada por quase ninguém;'* na pritica, acaba se tornando “contrafigura” para fixar as cemais posturas, Pode, de qualquer modo, apre- sen‘ar-se em formas mais abertas que nfo excluem todo didlogo e tendem A segunda postura.'” O inclusivismo co exclui nem verdade nem sal- vagio nas demais religiées, mas mantém ao mesmo tempo a centralidade — definitividade e absoluto — da >répria, que “incluiria” a verdade das demais. E ‘bern conhecida —e de grande influéncia—a postu- ra de K. Rahner.!® Tampouco aqui os limites séio fi- xos, com algumas posturas que tendem mais A pri- tans ard Religious Plurals, Los World Religions, Nova lorquc, 18 The Challenge of | obras anterion % ip Schimidt-Leukel (Der Irmmanenegedanke in der Tweologie der Religionen ‘um Problem dialogischer Lernfahighelt auf der Basis eines chistologischen + ta L, Newbigi RAUR UN UR QUILL) nro meira, e outras & terceira. A acusacao de incapacitar- se tanto para 0 diélogo — ja teria toda a verdade — como para uma auténtica compreensdo das ovtras religides — as interpretaria em fungéo da prépria — constitui sua grande dificuldade, que toca um pon- to muito sensfvel no atual clima de didlogo e tole- rAncia e que, por isso, a muites parece insuperivel. Daf nasceu a terceira postura, o pluralismo. Para ele todas as religides so iguais, manifestacdes equi- valentes em seu valor salvifico ¢ em sua verdade, pois a diversidade nasce unicamente dos diferentes con- textos culturais em que se tematiza e se concretiza a experiéncia do divino. Recolhe, como se vé, a tradi- 40 do liberalismo, mas sem reservas diante do valor “sobrenatural” do religioso. Exerce hoje uma indubi- tavel atragao, que chega quase ao fascinio, talvez de- vido em parte a que se trata de uma reacdo generosa diante do fechamento histérico do exclusivismo, muitas vezes com tragicas conseqtiéncias."” Seu gran- 1 Ibid, VI, 1965, pp. 545-554, Seu sensamento & continuady e de- ido por A. RBper, Die anorymen Christen, Mainz, 1963; H. R.Schlete, ‘als Thema der Theologie, Friburgo, 1964: G. D’Costa, Theology represontante, com uma zostura recente que ele mesmo faz em fem Fe cristiana y sociedad moderna 26, pode ver-se uma resenhade suas wn Christ of Hinduism, Maryknoll de problema funda-se na questo da verdade,”” pois quito dificilmente pode evitar o pe-igo de um re- Jativismo total, que ndo beneficiaria a ninguém. 13.2. Nosso enfoque ‘A concepcdo que aqui tentamos expor move-se decididamente na érbita da segunda postura. Nao — por-um afa formalista de mediagao abstrata, e sim _ porque o inclusivismo parece responder muito bem, ‘ouao menos suficientemente bem, as preacupagoes Jegftimas do respeito e da abertura aos.demais, sem do, esta indicagdo quer ser unicamente um emol- duramento formal para orientar a leitura. Trans- formé-lo em deterrinante do processo reflexivo €, a meu ver, perturbador, tanto porque leva a uma abordagem formalista do probleme, como porque tende a situd-lo em categorias de concorréncia e pre- domfnio que no fazem justica & gratuidade da ex- periéncia reveladora. ‘para tanto ceder A vertigem do relativismo. Contu- 2 Tema estudado agudamente por A. Kreiner, Die Relevant der Wehr. ig fr dir Theologie der Religionen. Nursa perspectiva distinta e com ia referdncia & postu de John Hick, também analisa o problema P. Schmidt-Leukel no art. citado, No momento de redigt este trabalho somente sponho dos originals, destinados & "Minchener Theologischer Zeitschrfit” 1950. Com ambos os autores, assim como com o Prof. H. Déring (que em ‘enta una certa sitese de ambos), pude mater um interessant ‘dilogo sobre estasqquestoes durante minha estada de dois mneses ere ue para estudos sobre Filosofia da Religio. Por isso e por sua ami accthida Ihes fago aqui o agredecimento, jam se também ae crfleas quo Ihe fazem J. J. Lipner, Does Kopernicus Hep? em &. W. Rousseals (org), Inferreligious Diaiozue, Scranton, 1981, PP. /4'¢ G, DCosta, Theabrgy and Religious Pluralism, cit. 3. Dupuis, Gesit Por isso aquii procuraremas que o problema do didlogo surjaa partir de dentro do processo vivo de uma reflexdo que ao buscar-sea si mesma encoatra- se em outros processos que a obrigam a voltar-se sobre sua postura, reconsiderando-a sob essa nova Juz. Assim ocorre, ademais, o encontro efetivo entre as religides ra historia real (e, se me é permitida a observacao pessoal, direi que essa tem sido minha experiéncia no livro citado ne inicio). Ha ainda outro aspecto importante. Quando se considera a fundo o problema, compreende-se que ele sequer nasce exclusivamente do encontro com ‘as outras religides. Antes — ao menos com anterio- ridade estrutural — de ser um interrogativo exter- no, é j uma aguda pergunta interna para cada reli- gido, sobretudo para cada uma das universais. No’ caso do cristianismo o é de modo bem expresso: Deus que aqui se revela a nés nfo aparece jamais! como possessdo prépria nem salvagao exclusiva, sim como aquele que mantém sua transcendénc’ gratuita e intrinsecamente destinada a todos. Obviamente, 0 af’ possessivo humano tende a acambarcé-lo: assim o mostrem a continua correco profética no Antigo Testamento e a dura luta do cris- tianismo primitivo para compreender a implicacao universalist da mensagem evangélica, para nao fa- lar da Aspera histéria da intolerancia posterior =| a experiéncia cristaé, que bem rapido anunciou a centralidadé dé Cristo, a pon:o de afirmar que “nao hd salvacdo em sienum outro” (At4,12), nao podia’ deixar de proclamar igualmenté a universalidede da salvago, que brota da esséncia mais intima de seu “Deus que “é amor” (Io 4,3.16) e que por isso mes- tno “quer que todos os homens se salvern” (1m 2,4). 1.3.3; Didlogo situado e sem privilégios | Trata-se, como se vé, de uma tensfo interna & propria fé, que a interroga em si mesma, desapro- _ priando-ade todo egocentrismo e obrigando-a aapro- fundar sua autocompreensio. O encontro com as ~ religides se insere nessa dindmica interna, emoldu- rado em um regime de dom e gratuidade, dentro do qual a concorréncia ou a tentativa de dominio aca- ba desmascarada como soberba e pecado, O abso- Juto corresponde somente a Deus; 0 que cabe 20 homem é a tarefa inacabavel de ir assimilando-o,” tanto na gléria e na humildade do servico, oferecen- do aos demais o que descobriu, como na dura e pra- zerosa aprendizagem do que os outros Ihe oferecem e que elereconhece como pertencente a seu mesmo Deus, que € 0 de todos. ‘Daf que nosso didlogocom as outras religiGes no vai esquivar-se das exigéncias da sensibilidade mo- derna, e sim as tomard como pedra de toque da pré- pria autenticidade. Porém as enfrentaré em um se- gundo momento, a partir da resolugdo interna das prdpriastensées; ou, se quisermos formulé-lo melhor, depois de deixar-se instruir pelas implicagtes da pré- pria experiéncia reveladoza, muito maior que nossas, expectativas e muito mais generosa que nosso afa de dominic. Esperemos que, deste modo, a abordagem consiga fazer justica as legitimas preocupacées da postura sluralista, sem para tanto cair norelativismo. 22 Neste sentido, bem se compreender que a re- flexio centre-se furdamentalmente na autocom- preensiio crista. Isso, longe de ser soberba egocén- ‘trica, é, como bem havia notado Newman em outro context, a “verdadeira modéstia”."? Ademais, a hermenéutica atual sabe muito bem que a propria ‘simagdo € 0 lugar indispensdvel de todo verdadeiro didlogo; a tinica coisa que se pede é ser conscientes dos proprios pressupostos € manté-los abertos con- frontacao. ; these provincés of inquiry egotism is inxe modesty. In religious inquiry Gach of us ean speak only for himself, and for himself he has aright to sSprak ‘is own experiences are enough for himself, but he cannot speak for thers: he cannot lay down the law; he can only bring his own experiences ta the comuon stock of psychological facs" (An Essay in Aid of @ Grammer of ‘Asien, Ed, Image Books, Nava forque, 1955, P-

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