Você está na página 1de 60
vida simples Peary) Aprenda a ouvir a intuicao | SolNeUmue tr ey aE MeN OM me Cel SelM LCR) e seguir trilhas que fazem mais sentido para a gente Caminho do Sol Crianga interior Mudanga de habito eee en tc) ere ott ate Ortaca ic) Bree er Were eared Peeters etes at E iy ertatt aie SUR eo ee Ue 18 CAPA Aprenda aouvira intuigao 26 HORIZONTES Ohomemea montanha 32 PENSAR A poredodeinfinca que noshabita 38 DILEMAS Como mudar um maw hdbito? 42 EXPERIENCIA Oque aprendi no Gaminko 46 COMER Sem menu infantil NOVEMBRO 2017 04 CARTAAOLEITOR 06 MENSAGENS 08 COMPARTILHE 58 CENAS eet te Re RA eins i ; a i Colunistas 52 Pensandobem por Eugenio Mussak 54 Emandlise porDianaCorso 55 Quartapessoa pov Gustavo ith 56 Santapaz porLucas Taide retas 57 Suasescolhas por Paula Abrew CARTA AO LEITOR Sinta ERA UMFEVEREIRO muito quentede 2009. Euestavacom 36 semanas de gestacio dos meus filhos gémeos. Quie- ta, olhando para o pequeno jardim da varanda do aparta- mento simplesmente sentie tive a certeza: Elesvionas- ceresta semana’. Naquelemesmo dia fui ao médico. Era uma segunda-feira e ele disse que, provavelmente, isso sd aconteceria dentro de dez dias. A medicina podia dizer 0 contrario, mas eu, ld no fundo, sabia: eles a estavam pe dindo para nascer. Dois dias depois, avisei ao meu mari do: “E hoje”. Eu simplesmente sabia. Comecei a sentir as dores e algumas horas depois Clara e Lucasnasceram. Para mim, a maternidade trouxe esse reencontro comi- go,com aquilo que chamo de sabedoria ancestral. As ve- zes eu sinto, s6 sinto. E aprendi a nao questionar. Sinto que uma onda de mudanga de vida est chegando como quem sabe que a chuva esta caminho. E, quando eude- sacredito no meu sentir, Lucas, meu menino, melembra quenem tudo é da maneira como agente vé. Ele olha pa- raNina, nossa gata de 18 anos e diz: “Mie, vocé sabe que a Ninajé, jdvai embora, né?”, Sim, Lucas, eu sei. Idosa, com os rins parando, ela vive uma espera longa, calma, de dias que se findam. E um ciclo que esta prestes a aca- bar. Lucas sente. Eu sinto. Todos sentimos. 86 que, asve- es, colocamos esse sentir embaixo de tantos problemasa resolver que nio deixamos que isso se transforme em diregio, Estamos falando da intuigo, taolindamente traduzida pela Débora Za- nelato. Ela que me fez acre- ditar que esse tema erane- cessirio. Ela sentiu, eu senti eacreditamos queisso tam- bém faria sentido para voce, Sinta! Beijos. WeERecy ‘Ana Holanda, caitore 4. \idasimples - noveMano 2017 “oon Dace oma ate seas st ara Cau rings eo at) soaiogr ae oer nese cre vr st lmanete hat An Free ‘nro vd st more Corte aa ‘rage: wasn sr reno Wa Ps eigen Se vida simples tenga eo, ee mamnenmrtaes Eiraitioeeunmeames Soe Rea ee (ae dn MEME ere a ABET sccm Stor tee Pere ats 9, fe Sie cote nee Se 8 Beat to et 220 COT OME. Seioenes St ehaecavnmiom monte pincers eset ‘Thlss Ena de nn Cae on ib pt bp oh. SSeS ee plese ade crn aap IVE coaiararnnini.s [Nek ut anf neec us ae a ee Boe Smee (Gans one St ee Sn Ce i aerone Mer os Ha Mi ne Hoe en ne ere meh Si Sma mee See) om ma 811 "rer ce Arann Yu ef assineclube.com.br O servico de assinaturas da Editora CARAS vida area ASSINE A PARTIR DE Piece Relax APROVEITE OS DESCONTOS DE ATE 47% EM NOSSOS TITULOS! Pad ere Acesse agora WWW.ASSINECLUBE.COM.BR ou ligue Erwnaaws CARAS 3003-1020 ert te) Tard por email ou whatsapp Saiba mais enviando email para: taroresponde@gmail.com Claudia Boechat Tardloga e escritora, com 20 anos de estudos | dedicados ao tema MENSAGENS vida simples vr) sino) Envie comentérios esugestéespelo e-mail VIDASIMPLES@ MAISLEITOR.COM.BR, com nome completo, profissdo ecidade oo Dispontvel tambémna versio digital Baixe gratuitamente o aplicativo darevista vipa SIMPLES a Para consultar edigdesrecentes, acesse nosso site: VIDASIMPLES.UOL.COM.BR Participe de nossas redes sociais: FaceBook revistavidasimples insracram vidasimples TwirTer @vidasimples TPM Adorei a matéria O Utero E 0 Nos- so Corasdo. Sempre gostei de ficar menstruada e ha anos aprendi a ti rarproveito da minha TPM, periodo em que fico mais sensivel. E assim ‘um bom livro,um passeiona nature- za, um bom papo, acabam sendo vi- vidos demaneira mais intensa. —Simone Ribeiro Arailjo Lindeza Leio vipa simLes desde sempre. Sempre quis escrever para dizer 0 quanto essa revista me faz bem. Te- nho um baita arrependimento por nio ter feito isso antes. Entio vai: muito obrigado 187 vezes. Pronto. Agora maisaliviado, quero dizer que asegio dascartas dosleitoreséuma das minhas preferidas e que sempre me reconhego aqui. Mas na edigao de setembro as mensagens expres- saram a inteireza do que sinto pela revista. A critica, ora acertada, ora preconceituosa, que, porvezes, res- valamos inevitavelmente para ca- minho ficil da autoajuda; a consta- tago de que sempre que leio a re- vista me sintoumapessoamelhor;a ‘magia sutil de quem escreve os tex- tosrevelando sentimentos e percep- ges adormecidas;a capacidade de me dizercoisas que precisava ouvir. E, por fim, a iltima carta expressa o resumo de tudo: alindeza que 60 trabalho de vocés! —Hélio Henrique Marchioni Como alterar a rota Avida é simples! Descobri isso, ver- dadeiramente, no inicio de 2016 com um diagndstico de céncer. En- volto pela mais absoluta e plena f8, venci. Penso que entender o re- al sentido da vida “simples” 60 que faz 0 pequeno peixe amarelo da ca- pa da edigo de outubro, enquanto todos os demais— nossa sociedade, representada pelos peixes brancos e em cardume—vivemcomomo- vimento das marés. E de quem é a contramio? O cardume no possui nem mao de dirego. Deixam se le- varapenas. A analogia do texto avi- da, com a valorizago de um propé- sito, determinagio, foco, persistén- ciae,acima de tudo, resiliéncia, foi muito feliz. Vivaa vida! —Rodrigo Manoel Silva Parkinson Aprecioos conteiidos que abordam. Porém, na edigio187, nao pude dei- xardenotarumafalha aoutilizarem ‘otermo “mal de Parkinson”, nano- ta Colher para Quem Tem Parkinson. Essetermojé nao éutilizado.e foire- formulado paraevitar problemas de autoestima em quem passa por isso. Ocorreto é “Parkinson” ou'‘doenga de Parkinson”, —Gislene Teixeira Lendo pensamentos VIDA SIMPLES para mim éassim:eu pensono que precisolernomeumo- mento de vidae a revista captameu pensamento. Parabéns sempre VIDA SIMPLES POR Ai Poste uma foto usando a hashtag #REVISTAVIDASIMPLES no Instagram. Selecionaremos nossas favoritas para publicar aqui no mural BEsioooes Besos 33 eee ees (@mmouradany Zz (lilanemirandao40s @ateiereapimliman Bianca oe sempre aessa publicagao da alma. ae — Gabriela Cerqueira @éehidorionessmpaio @carltunato FALE COM A GENTE srexomento PARA Assn sac PARA aNUNciAR enna econrevD0 sotson fea Pwacomncarmutana _Taeone Pacetsdereposie Entec erga, Arvatelecabcomr eras GODWTa0n/z0s/2i21——_etetane agin cicaresigetoespess —tueraeeral prs cursacee Ema pba fubleatos eon ‘sian ar Pesce Sendinentoa, Soessnecibacnde — edumeanncanbe Shur ae ‘tection 400, —decchicm eri umesalpra womabrcoteuacomsr {SrrndaccePoaseso00, Geena sa, Stendimentoa ‘Stora > cmat caeahasteh tune Sneha sombe panacommnan easimplese irharosas3 Seecpunassars fra, EDIGDESANTERIORES Ialetoncombr {Gand Seo Peu, dsohoroh ue pe Ug oeoo,7/s022 Sooz‘o2o(ouraccaptadou — tvarezansa Daoaginds eae coos 010 Gare Sacra, decmaoaarneo tml) 50094020 (artor ape ou (Gonna) Novemaro 2ot7 + vidasimpls 7 Compartilhe a= = A natureza do feminino Ensaio mostra forga e dignidade de mulheres que trabalham em pedreira na Chapada Diamantina oO 08 TRAPOS de camiseta que en- volvem orosto das mulheres as protegem do sol e das lascas de pe- dra quepodem cortaro corpo. Escon- dem orosto mas também marcam a forca das trabalhadoras em Itatime Taeté, na Chapada Diamantina, on- deo sol éforte e a chuva quase nao vem. Elas quebram blocos de pedras gigantes em troca de $5 reais acada mill paralelepipedos talhados. A ce- na chamou a atengdo do fotdgrafo e jomalista Alexandre Augusto, que registrou o cotidiano e a vida des- sas mulheres e agora traz sua expo: 40, Mulheres de Pedra, para a Uni- bes Cultural, em So Paulo. “O meu primeiro sentimento foi achar aqui- Jo tudo uma explorago. Foi quando uma das senhorasmais velhas dap dreira me disse: ‘Mogo, meu pai foi cortador de pedrase eufago issodes- demenina. Foi comapedra que criei ‘meus filhos e é com a pedra que ho- je eles criam meus netos”, relem- bra, Alexandre queria mostrar, ape- sardo trabalho duro eintenso, que as mulheres representam a dignidade, apoténcia ea delicadeza,a arideze abeleza. E a forga através das maos. “Senti orgulho principalmente das mulheres mais velhas, mesmo que nemelastenham averdadeira nogio daquilo que representam”, observa. —DEBORAZANELATO EXPOSIGAO MULHERES DE PEDRA De7/1/2017a10/3/2018 Unibes Cultural | http://bit.ly/2i4qwBL, 8 Vida simples - novewano 2017 © IDEIAS PARA ALIMENTAR 0 ESPIRITO E MUDAR 0 MUNDO eoipto Débora Zanelato Novewaro 2017 - vidasimpks 9 COMPARTILHE A luz dos mares Designers holandeses desenvolvem luminérias que o préprio usuario pode montar. Os acessérios so inspirados pelos animais marinhos, produzindo ambientes encantadores APAIXONADOS poriluminagio e inspirados por animais mari nhos — especialmente aqueles bio- luminescentes, capazes de gerar luz e iluminar as profundezas dos ocea- nos-,0s designers holandeses Vasi- iPopove Lidiya Koloyarskaya criam luminétias incriveis feitas com pa- pel, que voc’ mesmo pode montar emcasa, “Muito da nossa inspiragio 10 vida simples « novewano 2017 est na beleza dolitoral nérdico.Ea forma das nossas lampadas aquiti ‘cas vem dessa natureza selvagem do ‘mar, seus grandes sons, ruidosee flui- dez”, diz Vasili. Os papéis pré-mol- dados chegam em casa ja cortados eas instrugdes permitem que o pré- priocomprador faga tudo se transfor- mar em uma luminéria 3D encanta- dora principalmente pelos reflexos ‘que produzem nas paredes. “Acredi- tamos que o envolvimento de quem ‘usa o nosso produto no processo de criagio faznascer umarelagio emo- cional extra. Por isso dizemos que 6 projetado por nés, mas feito por ‘quem compra”, observa Vasi VASILILIGHTS | STUDIO POP OBBJECT https://g00.91/BLpekh © Hora do desapego O Give Get Spin é um aplicativo para celular cuja proposta é ser uma plataforma de desapegos totalmente gratuita O app conecta pessoas que precisam de algo com aqueles que tém objetos para doar, sem envolver nenhum pagamento. “Acreditamos que 6 possivel as pessoas se sentirem mais felizes porque esto ajudando”, diz Andréa Ferraz, cofundadora da start-up. Give ceTsPIN © ‘TOCAR UM INSTRUMENTO mu- www.givegetspin.com sical, dividir essa experiéncia com outras meninas e, no meio de tudo isso, entendermais sobreo uni- verso feminino, sua orga e sua capa- cidade demudara realidade. ORock ‘Camp, acampamento para meninas de10 a17 anos com focoem miisica, isso eum pouquinho mais. O proje- tonasceuem Portland, Estados Uni- dos, ha pouco mais de1s anos, Eaca- bou se transformando em uma or- ganizagio internacional. Por aqui, a GGS Elas cantam e se fortalecem ‘Acampamento sé para meninas ensina a tocar, a cantar e a se encontrar proxima edig&o aconteceem janeiro, em Curitiba. Na pritica, as meninas témaulas de miisica cominstrumen- tosvariados, de guitarra a bateria ou teclado, e até canto, “Elas desenvol- vemvalores como criatividade, cola- boracio, pensamento critico eores- peito as diferengas”, conta a produ- tora cultural eumas das responséveis pelo projeto Roberta Cibin. ‘GIRLS ROCK CAMP CURITIBA http: //ailsrockeampeuritibaorg/ POR BANCOS PREFERENCIAIS NAo € CURIOSO que $6 alguns bancos precisem trazer a indicagao de assento preferencial para garantir que idosos, gravidas, pessoas com criangas de colo e pessoas com deficiéncia ou mobilidade reduzida tenham onde se sentar no transporte puiblico? Mas e quando esses bancos ja estéo ocupados, o que acontece? Pois o Distrito Federal sancionou uma lei que prevé que todos os assentos de 6nibus e metré daquele estado se tornem preferenciais a partir de dezembro. i, nao tem mais a desculpa de nao ceder lugar a quem precisa. vom avitcags Ho COMPARTILHE Para voar longe Inmas criam asas em tecido para estimular criancas a desenvolver a prépria imaginacao AJUDAR CRIANGAS aalgarvoos longos, rasteiros, profundos, coloridos. Esse é o objetivo do Asas da Imaginago, marca que produz asas de tecido para meninos e meni- nase que nasceu da ideia e da von- tade das irmas Tati Palladino e An- drea Mancusi, de Sao Paulo. Os aces- sdriossio graciosos, feitosemtecido colorido e costurados pacientemen- tepelas mios de Andrea, na maqui- nade costura queherdou da avé ma- terna, Dali surgem asas de dragio, de borboleta, arara e unicémio, en- tre outros pissaros e seres magi- cos. Tudo feito delicadamente para que as criangas nao tenham receio de voar. “Comemoramos 0 voo de ‘cada uma das nossas asas”, conta Ta- ti, que escreve textos graciososede- licados para acompanhar ada aces- sério. Feitos em trés tamanhos, a partirde R$199. [ASAS DA IMAGINAGKO http://instagramcom/asas imaginacao CRUZANDO HISTORIAS UM DIA, ao assistir a uma reportagem sobre desemprego, a paulistae consultora de RH Beatriz Marques Diniz ficou indignada. “Cansei de ver familias sendo enquadradas em nuimeros e graficos. Sempre me Pegava pensando quais histérias estavam por ts daquilo”, conta. Foi quando teve a ideia de escrevé-las e, ‘quem sabe, mudar a realidade do outro. Assim nasceu 0 Cruzando Histérias, uma iniciativa que enfatiza as 12. vida simples « Novemano 2017 pessoas, por meio de textos tocantes, em que a trajetéria, decadauméoquerealmenteimporta.“Todoomovimento ‘tem como foco humanizar os processos de recrutamento @ selegio, aproximar as empresas dos candidatos e funcionérios e resgatar os verdadeiros valores que ‘carregamos com a gente’, diz. ‘CRUZANDO HISTORIAS | facabook com/cruzandohistorias vara nrrtcagss © Festa de crianga Que todas as criangas tenham uma ‘comemorago de aniversério bonita, com alegti Essa é a proposta do Projeto Parabéns, que faz festas de aniversério incriveis para os pequenos que vivem em situago de vulnerabilidade social. As ‘comemoragées encantam por cada detalhe. “Cada ‘parabéns’ tem um poder imenso na vida dessas criangas e, em especial, nna dos adolescentes, pois muitos chegam aos 18 anos sem nunca terem assoprado uma velinha, ganhado um presente de aniversério ou mesmo sem terem ouvido de alguém querido o quanto so amados e importantes’, diz Lilian Ambar, uma das idealizadoras do projeto. PROJETO PARABENS http: //bitly/2vbiTpa pom | ary tneseon pvecagh Embalagem sustentavel Casal de brasileiros desenvolve produto que conserva e protege os alimentos sem precisar de plastico filme ou papel-alu QUE TAL SUBSTITUIR oso do ® plastico filme para conservar alimentos por uma opco mais sus- tentivel e duravel? Um tecido, feito com algodio, mel, resina de arvore @ dleo de coco é capaz de preservar 0s alimentos, mantendo a hidrata- ‘sao necessaria por mais tempo — dentro ou fora da geladeira. O Keep Eco foi criado pelo casal de brasilei- ros Lucas Bastos e Carla Enero e dis- pensa o uso de plastico filme, alumi- io nio ou qualquer outra embalagem niio reciclavel na preservagio da co- mida. Eles também desenvolveram ‘uma versio veganae,em vezdomel, utilizam a cera de carnaiiba. Reuti- lizavel — basta lavar e deixar secar —, dura até um ano, pode ser com- postado e tem opcdes de estampase tamanhos diferentes, Pritico lindo! KEEPECO http://wowfacebookcom/keep.eco ovewano 017 » vidasimples 13 COMPARTILHE UM CAFE COM Gustavo Tanaka Homem n@o sabe chorar E cada vez maior o interesse de homens em falar sobre suas emogies. 6 que, antes disso, eles precisam aprender a reconhecer esses sentimentos, perder o medo e romper o siléncio— ANAHOLANDA HAPoUCOMaIsdedois anos, opaulista Gustavo Tanaka promove cursose palestras de autodesenvolvimento, Seunome setomou conhecido depois de Jangar 11 Dias de Despertar -Uma Jornada de Libertacéo do Medo (Idea Editora), em 2015. Gustavo teve uma educagio tradicional. Como muitos garotos, cresceu ouvindo que homem nao chora. Mas, depois de alguns sucessos e também fracassos como empreendedor, comecou falar sobre sentimentos eniioparou. Neste ano, esta se dedicando a darvoz a0 universo ‘masculino. Por conta disso, tem sido apontado como “cara do sagradomasculino”.Nappritica, criowum grupo de encontros, Brotherhood, onde os homens falam sobre suas emogGes. Nesta conversa, ele conta como esse olhar podenos|evar auma igualdadereal. Por que éimportante queos homens falem sobre as emocies? ‘Ohomem nao é ensinado afalar 14. vidasimpls - noveweno 2017 sobreo que sente e porisso nao sabe faz8-lo, Seele falar, provavelmente, vai ter vontade de chorar.Ehomem também no pode chorar. Entoo que ele faz? Reprime. Eisso faz mal para simesmo e para as pessoas com quem convive, porque provoca oafastamento. Issoécomumem qualquer sociedade? Tssotemaver coma sociedade patriarcal, na qual ohomemtem que ser forte, provedor, nao pode demonstrar sentimento. Porque, seele demonstra, é gay, éfraco.E aiexisteum conflito grande, porque todomundo temumaenergia masculinaefeminina. Eo equilibrio para ohomemtambém vem de saber expressar seu lado feminino, Mas, quando isso vem & tona, ele reprime.Eum ciclo que aprisiona. Elendoreconhece aenergiafeminina? Nio. Ele nao sabe lidarcom elaereprime, dentro eforadele. Avioléncia contraamulhereo preconceito com homossexuais vem dissotambém, da faltade aceitagao de uma energia feminina quelhepertence, que é dele, que existe em qualquerpessoa. Ele projetaissona mulher, masnéo reconhece como algo dele. Por isso euacredito ser tio chave hojeum trabalho de autoconhecimentonos homens para a nossa sociedade. Semtercontatocom o feminino que ohabita, ele nao consegue ter um masculino saudavel. Somente assim é que vamos, de alguma forma, romper essa estrutura patriarcal. O Brotherhood surgiu dai? Brotherhood éum grupo de encontro de homens. Ele surgiu, naverdade, da busca pela minha propria cura, da necessidadeem falar sobre as minhas emosées. Quando percebi, maise mais pessoas também quiseram ouvir falar sobreisso. Entaoentendi que esse é0momento dereuniras pessoas para abordar essa questio. warn Ftsncanne Ais / ero Sem ter contato com o feminino que o habita, o homem ndo consegue ter um masculino saudavel. Somente assim é que vamos romper essa estrutura patriarcal Como é olhar parao seu feminino? Esaberreconhecer eacolher osmomentosem que sou preconceituoso emachista. Somente assim é quevoeé cresce eamadurece. Gomeceicomum grupo experimental de encontros quinzenais. Faziamosrodas de conversa para falar sobre os nossos sentiments, Edai comegaram a aparecerhistérias sobre a relagio com pai, como companheiro ou companheira, comofilho, sobrea sexualidade. Além da conversa, faziamos uma vivéncia para ancoraraenergia masculina, com meditagdes erituais. Essa é apartedo sagrado, arelagio que voc’ tem coma suaespiritualidade. Fazemostambém alguns retiros junto anatureza, Agora que estou também fazendo é criar grupos em varias cidades para disseminar esse olharpor ai. Eum movimento aberto de homens para os homens para abrir espago para falar sobre aquilo que nioé falado. Forma-se um vinculo de igualdade? Quando voeé encontra um espago para dividir aquilo que nuncateve coragem de compartilhar é muito libertador. Eu descubro que posso falar sobre algo que escondia vida toda-ea gente guarda muita vergonhae culpa. Oshomens niiofalam sobreos abusos sexuais que sofreram na infincia, as vezes de pessoas préximas;sobre a dificuldadede se relacionar com acompanheira. Seo carafala para osamigos, ele é sacaneado. Num espacoacolhedor, ele encontra essa abertura para se expressar, ¢ o que aconteceé uma curacoletiva. Vocé desconstrdia visio dohomem violento, competitivo. Vocé percebe quetem muitohomem que nioé assim. O queele fazé se esconder atrés dessa mascara para ser aceito. Existe alguma maneirade quebrar esse padrdo mais precocemente? Estamos comegandoum grupo para jovens com menosde 18 anos. Porque é dessa maneira que conseguimosalterar esse padrio maisrapido. Incentivandoneleso autoconhecimento, a percepgio das emocdes-ecomoacolherisso.O. universomasculino é muito nocivo. Emuito bullying o tempo todo. Arepresstio comega desde que acrianganasce. Eas pessoas nio témconsciéncia sobre amaneira como essesconceitos vio sendo embutidos}é nos primeiros anos devida. Outro dia, fuivisitarum amigo que temum bebé, uma ‘menina de 6 meses. Chegou outro casal com um{filho de 3 anos. Eles presentearamameninacomuma boneca. Entfioomenino pegou obrinquedo. O pai dele puxou aboneca, orepreendeue entfiou um carrinhona mio da crianga. Olhao conceito que a gente jéest imprimindo ai. meninodesde novo jéno pode se expressar. Amensagem que ficaé “isso eunao posso”.Eessafala interna vaise repetindoavida toda. Ogrupo ndoacabariasendo um clube do Bolinha? Agora a gente precisa disso. Para, depois, nao falar apenas de homens ou de mulheres, mas de pessoas. $6 que os homens esti to pra tris. As mulheres estioha décadas falando sobre suas emogées,e agente nem comegouainda, Entio ¢importante ter esse espago protegido para que todos e sintam & vontade para falar. ‘Num segundo momento, vamos abrirpara acolheratodos. BROTHERHOOD BRASIL facebook.com/brotherhoodbrasil Novewano 017 - vidasimples 15 COMPARTILHE TRANSFORMAGAO Terapias e préticas para manter a mente sempre aberta Consciente para mudar A Constelagdo Sistémica langa luz sobre nossa historia de vida para trazer solugdes ao que nos impede de viver plenamente DENTRO DE CADA UM de nés ha comportamentos ou cren- as que, por vezes, nfio temos cons- ciéncia de onde vém e que nosimp dem de levar a vida de um jeito mais pleno e feliz. Sio herancas emocio- nais danossa familia, que repetimos ‘sem nem perceber o quanto elas nos limitam. E a Constelagao Sistémica éum método que joga luz sobre essa nossa histéria, ajudando a entendé- -lae apontando caminhos para mu- dar nossojeito de viver. “A Constela- fonos ajuda abuscaracausadeum problema que oclientetenha e,apar- tirdai, mostrar para essa pessoa um caminho para a solugao. Podem ser questées diversas:relacionamentos, problemas financeiros e profissio- nais, autossabotagem, compulsdes, vicios e até mesmo doengas”, me conta Paulo Curi, constelador sist8- mico que me recebeu para uma ses- fio, em Sao Paulo. E realmente sur- preendente o quanto a terapia é po- derosa. O trabalho nio acontece sé entre terapeuta e cliente: outras pes- soas participam da sua constelagiio, que trata a quest’io em um encontro. O que a principio me soou um pou- codesconfortavel-afinal, sio pesso- as que voc’ nio conhece envolvidas, emum problema tio intimo seu-,de- 16 vidasimples - wovewano 2017 pois me mostroucomoé acolhedore importante para que a terapia tenha tanto resultado. Primeiro, apresentei ao Pauloum aspectoqueme incomo- dava. Ele fez algumas perguntas so- bre a minha infincia e, em seguida, pediu que eu escolhesse pessoas para representarem os integrantes da mi- nha familiae os posicionasse na sala (até adisposigo que fazemos diz al- go sobre a dindmica da casa).O que acontece nos préximos momentos é realmente incrivel: 6 como se ca- daum assumisse a energia e 0 senti- ‘mento dos meus familiares e repro- duzisse suas ideias para que, juntos, pudéssemos entender o quanto aqui- Jo impactou a minha forma de agir. “Nossos pais sto a maior referén- cia na nossa vida, seja como mode- los de pai, me, casal, homem, mu- Iher, profissional, e assim por diante. Assim, sem perceber, na maior par- te do tempo repetimos seus padres comportamentais ou fazemos exa- tamente 0 oposto”, diz. Paulo. “Mui- tos padrées no sao positivos, mas 6 importante destacar que nioéculpa deles; oi algo que também aprende- ram com os pais.” Assim, a Conste- Jago nos permite olhar para.a cria- so com olhos criticos, mas sem jul- gamento, recebendo com gratidao aquilo que foi bom e deixando pa- ra trds o que foi ruim, sem mago- as ouressentimentos. E um proces- so libertador e também emocio- nante. Para mim, a Constelagao me mostrou que certas ideias nao eram minhas e me trouxe mais seguran- a para agir de uma nova forma. —DEBORA ZANELATO PAULO CURI— CONSTELADOR SISTEMICO. ‘paulocurit6@gmailcom (16) 99373-4293, terngio SIUTTERSTOCK/ANASTASEASKLIAROVA a KIA PICANTO JA TEM DONO. “OKM 0 PROXIMO PODE SER SEU! CONHECA 0S eens au a BATAGIM SONIA ee MARATEA MARIA JOSE DE An ae = = = MIRIAN AKAHOSHI ALIERCIA DE FATIMA PIRES ISABEL HULDA KINCHESKI ACESSE E SAIBA MAIS: WWW.CARAS.COM.BR/PICANTO CLOMPRE NAS BANCAS OU ASSINE dA! COMORANDO NAS BANCAS OU ASSINANDD CAPITAIS E REGIDES METROPOLITANAS AREVISTA CARAS E CADASTRANDO 0 CODIGD 3003-1020 ALFANUMERICO CONSTANTE NA REVISTA, VOCE GANHA 0800 449 1010 CUPONS E CONCORRE A1KIA PICANTO ZERINHO. ASSINECLUBE.COM.BR CAPA Aprenda a ouvir a intuicao Dar valor & nossa voz interna nos traz sabedoria para tomar decisdes e escolher caminhos que tragam mais sentido e felicidade Texto Débora Zanelato AMANDA MOL era uma garota sonhadora que havia chegado ao Rio de Janeiro para estudar design de moda. Tinka saido de Varginha, ci- dade pequenanoiinterior de Minas Gerais, para morar com seus padrinhos e construir sua car- reira na capital carioca. Boa aluna, terminouo curso antes mesmodotempo regulareerauma promessa entre os alunos da sua turma. Mas Amanda nio estava feliz. “Foi quando eutivea conversa mais profunda coma minha intui Ela me dizia queeu tinha que retomar minha esséncia, voltar para a minha casa. Que eu se- ria capaz de construir um trabalho com signi ficado por ld.” Mas voltar para uma cidade tio pequena enada promissorae dar ascostas para oportunidades da cidade grande ou mesmo de estudos fora do pais parecia algo inconcebivel. “Muita gente dizia que Varginha nao era para mim, que eu nao deveria voltar. Sé que eu sen- tia que precisava seguir aquela voz dentro de mim. Que minhasraizes estavam la.” Amanda tomou um impulso de coragem e decidiu con- trariar o script proposto, retornando para sua cidade. Com um dinheiro que a avé Ihe deu de presente, construiu um atelié em cima da casa 18 vidasimples - novemano 2017 coLacem Tiago Gouvéa em que mora, no subiirbio da cidade, e come- ou ilustrar. Queria viver do seu trabalho co- moilustradoraecriadora de produtos, algo pelo qual ela era apaixonada desde menina, quando faziaimas de geladeira com chapas de radiogra- fine pintava em telas comtinta a dleopara expor nas feirinhas de artesanato. Essa sabedoria in- tera aque Amanda resolveu dar valor, ela diz, ajudou-a a seguir seuverdadeiro caminho,mes- mo semter garantias de que tudo daria tio cer- to. Hoje ela vende objetos de decoragao, papela- riae acessdrios em sualoja online, tem cercade 37 mil seguidoresno Instagram (@molamanda) @, em breve, vai abrir a sua primeira lojafisica, no mesmo bairro em que nasceu. Em cada car- tio, camiseta ou objeto, vé-se o quanto de pai- xo vaialiembrulhado. Para Amanda, sua intuigdo é como uma buissola, uma ferramenta interna que a ajudaa criar tudo o que faz.no mundoe a coloca mais pertoda sua esséncia, “E a ela que eu recorro. Elame diz quando estou indo porum caminho que no é omeu. Ela me leva parao meu foco, me ajuda atomar decisdes coerentes comaque- lameninade20 anos sonhadora que resolveu »» couAcene PaTAS COM MUAGENSLNGPLAS, STTERETOCRE STOCK Entre tantas vozas que ditam como precisamos agir e como acertar sempre & primordial, aintuigéo pode acabar ficando de lado CAPA » voltar para Varginha em busca deum sonho”, meconta, por telefone, uma mulher de27 anos com um sotaque mineiro sincero, ‘Quem se sente bem conectado com asua intuigo sabe que ela é a sua voz mais sabia e segura, ainda que muitas vezes possa trazer ideias desconcertantes, ou apontar para cami- nhosnem sempre tao confortaveis, como acon- teceucom Amanda. Talvezvocé acredite que in- tuir soja algum dom especial de pessoas misti- cas,mas éuma.capacidade humana coma qual todos nés nascemos, capaz de levar informa- go e conhecimento & nossa mente sem passar pelo filtro dos modelos racionais. Ela pode nos ajudar a tomar pequenas decisdes didrias, as quais nem percebemos, bem como nos assopra aos ouvidos um comando que por vezes teima empermanecer ali, nos guiando para outra di- rego que tem mais aver coma nossa natureza. Eo que o psiquiatra italiano Mauro Maldonato me descreveucomouma “antiquissima sabedo- ria biolégica”, Mauro tem sededicadoaestudar o processo de tomadas de decisao e seu traba- Iho se tomou o recém-publicado livro Na Hora da Decisao (Sesc). “Nada nos ajudoumais a en- frentar ea resolver dificuldades e problemas do que aintuigao, Essa forma inconsciente de co- nhecimento entra em jogo em todas aquelassi- tuagSes nas quaistemos dificuldade para refle- tir, Ela sabe desde sempre que mesmo as evi- déncias mais laras podem ser enganosas. Ela é,naverdade, uma aliada formidével da nossa sobrevivéncia”, diz. Intuigdo versus razio Mas ouviela pode ser um desafio especialmen- temaior nos dias de hoje. Isso porque estamos mergulhadosem uma cultura ocidental que hi- pervaloriza arazao ea légica, os argumentos su- postamente baseados em dados concretos, esu- bestima o valor desse processo interno tio su- tile subjetivo, prejudicando a nossa conexio com o que é mais profundo e interno. 0 erro é tido como sinal de fracasso. entio somos sem- pre chamados a decidir da forma mais acerta- da, clara, produtiva.e certeira. Ai, os dadose as informagdes légicas se tornam elementos mais sedutores para nos ajudar a fazer a suposta 20 vidasimples « novemano 2017 melhorescolha. “Somos seres complexos, men- te, corpoe espirito. E, quando ha pressio, ten- demosanos focarnaparteracional, eainosfe- chamos. Se nao podemos olhar dentro de nés ‘mesmos, no podemos usar nossas maioresca- pacidades e jamais deixaremos nossa intuigao fiuir. Acho que, num nivel mais alto, todas as decisdes sio intuitivas. Se nao fossem, poderi- amos procurar qualquer resposta no computa- dor, e estaria tudo Id”, observa o professor da Universidade de Harvard, Bill George, no do- cumentirio Innsaei, que abordao poder da in- tuigo eda empatia. “Temos visto o predominio do pensamento racional, que domina muito de nossas instituigdes académicas e a midia, mas que afasta acapacidade de avancar com habili- dade intuitiva, Masacho que é delaque grandes decisdese grandesideiasvém”, ele diz. A intuig&o pode nos ajudar a tomar pequenas decisées diarias, as quais nem percebemos, bem como nos assopra comandos que est&o mais conectados com a nossa verdadeira esséncia E curioso pensar que Albert Einstein, um dos cientistas mais importantes de todos os tempos, tenha se apoiado tanto na prépria in- tuigdo para avangar em seus experimentos ¢ descobertas. Ele disse: “A mente intuitivagum dom sagrado, e a mente racional é um criado fiel. Nés criamos uma sociedade que honra 0 criado e esqueceuo sagrado”. Em umaconver- sa como professor alemio William Hermanns registrada no livro Einstein and the Poet Einstein € 0 Poeta, em traducio livre), 0 cientista diz.0 quanto escuta sua voz interior. “Se eu ndotives- se féabsoluta na harmonia da criagio, nao te- riatentado durante 30 anos expressé-la emuma formula matematica”, disse, sobre a equivalén- cia que fez entre energia ematéria. Mauro, o psi- quiatraitaliano, defende quemesmono campo das iénciasa intuigao 6 valiosa. Equeasnossas escolhas nao teriam o mesmo efeito se fossem tomadas apenas de forma légica. “O que nos » CAPA » levaaconclusées eficazes nao so raciocinios cansativos, mas sensagSes viscerais, emotivas, instintivas. Sao elas que resolvem nossas inde- cis6es nos fazem dizer: “Muito bem, agoraeu sei oque fazer!”. Por acaso a légica poderianos dizer com quem devemos nos casar, em quem confiar, qual trabalho escolher? E preciso ouvir e confiar Aterapeuta paulista Larissa Souza passouacon- siderarmais asuavozinterna quando terminou umrelacionamento abusivo, anos atrés. Na épo- ca, Larissa estava acostumada atomardecis6es muito mais sob o chamado aspecto racional. “Bu era engenheira, e fui adquirindo muito es- sa mente pensante, de classificare colocar tu- doem caixinhas. Eu estava mal no meu relacio- namentoe nao sabia como terminar. Ai, senti que precisava deixar meu coragio falar. Percebi que ainda nao tinha terminado porque aminha ‘mente estava racionalizandodemais, commui- tosmedos”, ela lembra.“‘Viajeisozinha para os Estados Unidos e, durante aquele més, apren- dia me ouvirea me amar mais. Como eu esta- -vaem umlugar onde nao sabia como me loco- mover, eu fechavaos olhos edeixava aresposta vir sobre qual diregao tomar, e seguia, confian- dona minha intuigio. Nao ficava me perguntan- do se aquilo era verdade ou nao”, lembra. Mais tarde, quando deixou a engenhariae se tornou terapeuta, Larissa escutoude uma professorao quanto ela era intuitiva. “Ai eu entendi que na- queles momentos que vivi eraa minha intuigao funcionando”, ela diz. Larissa acredita que sua voz interna a ajuda em todas as decisdes. Des- de aroupa que escolhe até nahoradeatendera ‘um pacientenovo, Elavé que o racional, apren- dido com a engenharia, nio precisa ficar longe do seu trabalho intuitivo, e sim que um pode se tomar aliado do outro na hora de decidir. “En- tendo que pessoas muito racionaisprecisam re- fletir sobre a intuigao antes de sair agindo. No caso de uma decisio muito importante, voc’ es- cuta a sua intuigdo, mas, se quiser, pode colo- car em um papel os prés os contras”, ela suge- re. “Ai, respire profundamente algumas vezes, buscando esvaziar amente. Ao olhar paraosla- dos negativos da decisii, veja se aquilo que é 22 vidasimples « novemano 2017 negativo pode trazer experiénciasvaliosas. Em vez de olhar para o lado negativo com olhos de negativo, procure ver com olhos de aprendiza- do”, diz. Isso ajuda arefletir sobre aquela ques: ‘fio que prejudica ouvir nossa voz interna, queé omedodeerrar e fracassar. De onde isso vem? “Vocé pode sentir se éum temor verdadeiro, se foi algo que a sociedadeimpés oumesmouma crenga que veio dos seus pais. Consciente des- sespadrdes, vocé setorna capaz de tomar ade- cistio que vem do coragio”, observa Larissa, Desenvolvendo aintuigao Talvezuma das grandes questdes de quem deci- de ouvira suaintuigio tera certeza de que, de fato, esta ouvindo essa voz, ou se tudo niio pas- sade emogdes confusas, medos eansiedades gi- randoemnossa cabega. Como saber se estamos O que nos leva a conclusées eficazes nao s&o raciocinios cansativos, mas sensac¢ées viscerais, emotivas, instintivas. So elas que resolvem nossas indecisées e nos fazem dizer: “Agora sei o que fazer!" mesmo escutando a coisa certa? Fiz essa per- gunta ao escritor e palestrante Bruno J. Gime- nes, com livros publicados sobre autoconheci- mento.“ Intuigio & 0 que somos em esséncia. E ego ouamenteconfusa é0 que nostornamos deacordocom omundoquea gente tem que en- frentar” observa. “Nao que ogo sejauma coisa ruim, masse ele trabalhar sozinho vird carrega- do de sentimento de exclusio, de comparagio. Dentro daintuigio, vocé fazparte de algo maior, deumtodo. Noego, vocé pensa deforma escas- sa, que aquilo nao vai dar. Para identificarmos esses conflitos, importante reconhecero queé “pressdo interna” e “pressio externa”. “A pres- so interna é 0 que vocé pensa, sente e acredi- ta. E.asua espiritualidade. A ressio externaé © que o mundo fala, o que as pessoas esperam, oque asociedadeimpée. Se voc’ é capaz de ou- virmais sua intuigo, vocé vence a pressio ex- temaeda voz ao que esta dentro de vocé”, diz.» Muitas vezes 6 preciso acalmar a mentee silenciar tantos ruidos para encontrar a nossa voz mais sabia e profunda CAPA » Assim, pode ser que algo lino fundo diga que voc’ precisa tomar determinada decisio ou se mover em uma diregdo, mas a presstio externa ainda oesteja impedindo de seguir essa voz. Ai, vale observar se faz mesmo sentidoe sevale a pena deixar de manifestar o que vocé acredita pelo medo de aquilo nao ser condizente com o que acha que asociedade quer. “Quando apes- soa se conecta com onovo, acredita que pode serloucura, entra nomedo, noescuro. Achan- do quenaovaidar certo. Confieem si, saiades- sa caixinha que diz que nao pode fazer isso por- que ndovai darcerto”, observa Larissa. “Quan- tomaisvoc8 exerce aintuigio, mais se aproxima dessa sabedoria universal e consegue seguir o fluxo.” Mauro Maldonato também reforca essa ideia. “Precisamos perceber queaessénciaver- dadeira se encontra no fluxo. Por isso, a cons- cigncia deve prestar atengiio aquilo que é mais profundoe primordial. Aintuigo, como vor.in- terna, muitas vezes ¢inexplicavel”, diz. “Mes- ‘mo quando sofremos de incerteza ehesitacio, ¢ preciso prosseguir aprendendo a ouvi-la” Bruno também sugere uma pratica simples (mas poderosa): respirar profundamente por dez vezes. E, de olhos fechados, fazer uma per- gunta para si: “Qual inspirago eu tenho ago- a2”, ou “Que forgas eu posso ativar para resol- verisso2”. “Espere. Nao exija que respostave- nha imediatamente. Eotreino que ard com que asuaintuigao comecea aflorar”, diz. Distanciar-se de muitos ruidos estimulos externos que nos fazem permanecer emcons- tante distragio também nos aproxima daintui- fo. Quando a ilustradora Amanda Mol sente que precisa se alinhar melhor com essavoz.den- tro de si, busca se recolher e desacelerar. “Fico menostempoem eletrénicos, evito ocomputa- dor eo celular. Nao levoisso para o quarto. An- tesdedormirfago leituras, escuto misicas epe- gonas minhas orages que eu receba respostas para.o que preciso. Fico nessa frequéncia mais calmae nos dias seguintes eume sinto maisre- conectada.” A pritica fezcom que Amanda ga- nhasse mais seguranga sobre quando a voz da intuigo aparece. “Eu reconhego os momentos em que osinsights chegam. Sao sempre pela ma- hi, como se fossemum soprinhode vento. Ea 24 Vida simples - novemano 2017 partir disso que guioo meu trabalho a minha vida”, conta ailustradora. Aprender a desaprender Innsaei, nome do documentirio que contei no inicio desta reportagem, é uma palavra que tra- duza filosofia islandesa cuja proposta é conec- tar aspessoas através da empatiaedaintuigio. Ever de dentro para fora. E enxergar um mar de respostas dentro de nés mesmos. A ameri- cana Marti Spiegelman, xami e coach espiritu- al, sugere a seus pacientes que busquem expe- rimentar um momento nanatureza através dos cinco sentidos, sem racionalizar. “As pessoas modernas em geral nao estfio em contato com a intuigdo, Temos que deixar nossa conscién- cia deriva domundoque nos rodeia. Domun- do das formas, dos mapas, do A ao B, a0 CO Precisamos perceber que a esséncia verdadeira se encontra no fluxo. Por isso, a consciéncia deve prestar atengao aquilo que é mais profundo. A intuigao, como voz interna, muitas vezes é inexplicavel mundo da estratégia, das marcas. Dos prazose dos pontos-finais.” E preciso estar desperto pa- ra dados sensoriais e outras tantas dimensSes davida, Marti afirma, Durante nossa jornada para nos aproximar- mos da intuigao, encontraremos dtividas, des- crengasoumesmoumanecessidadede encon- trarlégica em tudo oque essa vozdisser. Nesse sentido, abrir onosso portao intuitivo teré mui- tomais aver com desaprender e desconstruir. Nem sempre tudo precisa fazer sentido, e po- demos aprender a ver a beleza disso. “Ha um salto da consciéncia, chamemos isso de intui- fio ou do que quer que seja, ea solugo surge & sua frente, sem quevoc’ saibacomoe porqu’”, disse Einstein, o que me sugere acreditarna pro pria magica portrisda vida. Se anossaesséncia semprevai nos evar peloscaminhos que forem. certos para a gente, a intuigo definitivamente nuncapoderd estar errada. = intuigo, somos capazes de seguir um fluxo mais harménico, que traz mais alegria e felicidade Alinhados com a nossa i HORIZONTES. O homem e a montanha Ao percorrer as trilhas para alcangar o topo de uma serra é possivel encontrar, além de belas paisagens, a si mesmo TEXTOE FOTOGRAFIA Rodrigo Dallano di Falco 26. vida simples » novemano 2017 HORIZONTES. ME EMBRENHANDO pelas trilhas que levam ao topo de uma paisa- gem montanhosa, vivenciei, entre ‘um passo e outro, um encontro.co- migo mesmoe coma natureza. Per- correr esse tipo de terreno causa is- sona gente. E um misto de medo, curiosidade, descoberta e peque- nas conquistas que nos permite en- tendera importancia da subida pa- raalcangar o cume. A montanha é uma escolha e uma escola, Ela me fezcompreender o que minha mie jacostumavame dizer, que “somen- tecomesforgose conquista os obje- tivos e que muitos dos sofrimentos nos ensinam e nos preparam para algo maior”. Foi durante o percur- so que aprendi a me ouvir, a escu- tar meus medos e a entender que 28 vidasimplas - noveMano 2017 havia um tempo certo para enfren- té-los, Foild também que aprendi a lidar com as minhas fraquezas, e a buscarforgasque eu nioimaginava ter. Anatureza me abrigou, me ensi- nowuma porgaode coisas sobre avi- dae permitiu me conhecer um pou- comnais. A singularidade dessesmo- ‘mentos coloriram meus olhos com leveza dealma, Uma vezme pergun- taramoqueeusentia quando chega- vaaomeu destino, ao ponto mais al- to: “Sinto que sou parte daquilo tu- do. Que sou parte damontanhaeela faz partede mim”. Ereencontro.m RODRIGO DALLANO jd percorreu quase toda a Serva da Mantiqueira. Para sa- ber mais:instagram.com /rfdallano/ Dols momentos: Pedra da Mina, em Passa Quatro, Minas Gerais (na pagina ao lado e acima na foto mal f paisagens do Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro, NovemBRO 2os7 « videsimples 29 HORIZONTES. 30 vida simples - novemano 2017 Na tha, a mochila 8 pesado a subd 6 dura, mas o quo ica nog o cansago do coro rents as cificuldades do terreno, ‘mas sim 0 encontro provocado pelo caminho, com a natureza ao redor e dentro de ovewano 2017 + vidasimples 31 PENSAR A porcao de infancia que nos habita Um resgate a crianga que um dia fomos pode revelar capitulos da nossa histéria e ajudar na construgao da narrativa cheia de sentidos que queremos contar sobre nds mesmos texto Lais Barros Martins wustrago Julio Giraldes APARTIRDE 1987 eu existia, Minha infincia foi compartilhada com doisirmios. Filhado meio, precisei aprender a ocupar essa posigo tantas vvezesapertada, masincrivel deserentre. Minha mie conta que um dia, depois de me dar banho eme trocar, foi fazer o mesmo ainda com os ou- tros dois, como de costume. Quando acabou a tarefa, chamava, chamava por mim, enada. Eu ouvia, mas nao respondia. Estavabrincando de me esconder. Uma foto registra essa histéria, ¢ aminha carinha, sério, éimpagavel. Tenho disciplina rigorosa em nio deixar que essa crianga que um dia fui se esconda de modo definitivo, fuja ou seja esquecida. Sigo risca a missio de manté-Ia por perto. Ainda se- mana passada fui crianga. Enquanto escolhia 0s tomates na feira, a0 sentir 0 sol fazer festa em mim depois de um periodo de frio chuvo- so ou quando corri ao encontro dele, me jogan- donum abrago gostoso. Os dias pedem aespon- taneidade da graga de crianga. A gente precisa cuidar desse espagode afeto, aporgode infin- cia que nos cabe. Eurgente. O cantor canaden- se Leonard Cohen também escreveu livros; em A Brincadeira Favorita (Cosac Naify), ele alerta 32 vida simphs - NovemeRo 2017 que, “conforme os olhos vio seacostumandoa ver, blindam-se contra a fantasia”. A brutalida- deda'“adulteza”, essa forga impositiva que tor- na tudo téo banalmente comum. Contra isso, fica aquio meu manifesto em defesa das coisas (extra)ordindrias e como ¢ importante recupe- rare conversar com a crianca que ainda nosha- bita para evitar o desastre iminente de uma dafeita sé derealidade. Redescubraotempo das coisas Mas, “para resgatar a crianga que um dia fo- ‘mos, precisamos primeiro té-la perdido”, cha- maa minha atengio o fildsofo e educador Ga- briel Limaverde, da equipe de Educagaoe Cul- tura da Infincia no Alana, organizagio que busca a garantia de condigdes para a vivéncia plena da infancia. E queen estavatentandopen- sar ainfincia mais como um modo de sere es- tarno mundo do que uma fase ou idade, e ele me ajudou a entenderesse paradigma de tem- poralidade recuperando asraizes gregas das pa- Javras usadas para designar o que hoje chama- mosde “tempo”, chrénose aidn: “No nossotem- pode adulto, de relégios e agendas, contado » PENSAR t eh gb genny » cronologicamente de forma ordenada e con- tinua, vemos nossa crianga interior como pas- sado, portanto ela jé nao existe, Mas, notem- po aiénico, repleto da nossa meninice, nunca deixamos de ser crianga. Nele, estamos sem- predispostosis descobertas como quando éra- ‘mos pequenos, tudo pode ser (re)feito e (re) construido. O tempo aqui nao é numervel ou sentido como uma sucesso de acontecimen- tos, mas como encantamentos vivenciados”,ex- plica. Para ele, essa visio cronolégica marcada poruma divisto entre passado, presente e futu- roéque contribuiparaa sensagio de queperde- ‘mosnossa criangainterior. Assim, “recuperd-la em grande parte exercitaros sentidos e reno- var uma forma de experimentar a vida a par- tirdas intensidades que sentimos, mais do que com baseno calendatios”, concluio filésofo. Manter a nossa crianga interior é um desafio, sobretudo neste acumulo de passado que os dias vao nos impondo. Mas so até percebermos que isso tem a ver com cuidar da nossa esséncia “B isso!”, penso. A gente nio se perde no meio do caminho, continuamos sendo apenas. ara facilitar esse processo de renovagio pe- riddica, uma boa estratégia a ser considerada 6 observar de perto as criancas de hoje, fonte de inspirago inesgotivel, com acesso perm tido e recomendado, Elas, que ainda sio, po- dem nos fazer lembrar que a gente segue sen- dotambém. Umconvite, enfim, aredescobrire provar as sensagdesjé conhecidas comoetenas novidades, mantendo aquele assombro inicial que toma tudo tao mais colorido e quase inédi to. No livro de ensaios E Se Obama Fosse Africa- no? (Companhia das Letras), oescritor mogam- bicano Mia Couto me ajuda a entender defini tivamente ainfancia néocomoumtempo,uma dade, uma colegio de memérias. Ele escrev. “Ainfincia é quandoainda nioé demasiado tar- de. E quando estamos disponiveis para nos sur- preendermos, para nos deixarmos encantar .. a infaincia nao é apenas umestigio para a ma- turidade. Eumajanela que, fechadaouaberta, permanece viva dentro de nés”. Cuide bem da suahistéria Anda que haja sucesso em levara vida coma presenga da infincia nfo como tempo marcado pelotique-taque, mas como uma forma deexpe- rimentar os acontecimentos com oencantodas novidades e surpresas boas, seguimos sujeitos atransformagdes. Manter amenina ouomeni- no que um dia fomos é um desafio e tanto, so- bretudo neste actimulo de passado que os dias vaonosimpondoe com o peso darotina. Mas sé ata gente entender queissotema ver com cui dar danossa esséncia. Por mais que mudemos, isso é bom, sempre seremos essencialmente ‘osmesmos. Acho quea construgio de um euau- téntico vem dai. O tempo vai nos moldando ca- daumauma forma, eospadréesnuncaserepe- tem, Além da agai transformadora do tempo, somos um apanhado de nossos antepassados e resultado de trocas estabelecidas com todos aqueles com quem nos relacionamos e que con- tribuem para odesenvolvimento doqueagente E neste dado momento, mas que pode receber nova configurago em breve. Ajungio de cada “eu” resulta em um todo comum feito de “nds”, uma riqueza universal que nio pode ser perdida. Ea isso que se dedica © Museu da Pessoa, que tem como objetivo co- lecionar historias de vida de homens e mulhe- rescomunsem seu acervoe reconhecerque to- dahistéria tem valore deve serconsideradaum patriménio. “[... ouviro outro é também uma forma de cuidado. Um cuidado que nos leva a aprender com cada historia de vida ea desco- brir, por trés de cada narrativa, um poucoda al- ma humana’, diza frase extraida de um texto ‘em comemoragiio aos 25 anos do lugar. “Esta- ‘mos ontinuamentereelaborando nossas expe- rigncias, O que define a individualidade, o que nostornatinicos, no é apenas nossa trajetdria, ‘mas também a forma como elaboramos nossa narrativa pessoal, selecionando o que ecomo contar”, expde Lucas Ferreira de Lara, mestre em histéria social e coordenador do Programa Conte Sua Histéria, do Museu da Pessoa,em » Novemero 2oi7 + vidasimplas 35 PENSAR » Sio Paulo. porisso que, para construiruma narrativa coerente capaz de dar propésito anos- savida e que, ao ser compartilhada, possa gerar entendimento, escolhemosas palavras,reinter- pretamos trechos e editamos capitulos, de for- malivre e passivel de alteragSes sempre quene- cessério. O historiador completa considerando que “nao existe uma histéria de vida igual a ou- tra, enoexisteuma tinica histéra,fixa. estati- ca, para cada um denés”, Paraele,"contar ere- contarnossa histéria éum exercicio fundamen- talparanos ajudara entender quem somos”. Nesse processo de construgai das préprias narrativas,ofilésofo e educador Gabriel Lima- verde diferencia como podemosagir inspirados pela medig&o do tempo cronolégico ou por vi- véncias: “A narrativa biogréfica éaque ria para nossavvida parte do lugar em que estamos hojee entende ainfincia como um elemento que con- tribuiupara chegarmos até aqui. Vemosa infin- ciacomoum tijolo que, somado a outros, forma acasa que construimos. Numa outra visdo, me- nos comum, nao deixamos de sercriancas. Nes- sas biografias, ainfincia no éum tijolo, masa vontade de construir uma casa, que nunca esta pronta—semprehé uma mudangaa fazer, uma parede para derrubar”, explica, Preservar anos- sa histéria e passé-la adiante é uma forma de destacar anossa esséncia,o quenos aproximae nos fazparte de um todo compartilhado. Ha po- esia em olhar para as pessoase reconhecer essa histéria comum, porque carrega oqueé meue seu, mas também detodo omundo, Colecione mais experiéncias Oatode criagdo da composigio da nossa vida esta emconstante movimento. Depende da gen- tepermanentemente selecionar as experiéncias parair ordenandooque deve icar registradona memiéria de modo que, ao recontar anossahis- toria, estejamos dispostos a botar aquele sor- riso no rosto para passear, satisfeitos. Porisso, dar um novo significado é um processo impe- rativo, que pode nos ajudar a cuidar da crianga que existe dentro da gente — todo mundo tem a sua. O escritor carioca Marcio Vassallo, mes- tre em reconhecer a serventia do encantamen- toque se manifesta nodiaa dia, compartilha os 36 vidasimples - wovewano 20:7 truques que desenvolveu para que aquele gosto bom deinfincia nos acompanhe. “Sempre ca- rego botar reparo no olho e parar para vertudo A minha volta, sem pressa, com assombro, per- turbagao, estranheza.e sobressalto, Numa épo- caem que contemplar se tornou um verbo fos- silizado, escavar brechas dentro da gente para reparar com autenticidade nas coisas aparen- temente mais simples e banais éum vicio irre- sistivel”, confessa, Para le, “ressignificar pala- vras” é um exercicio que traz a meninice para avida. “E tudo o que traz infancia me tira 0 so- no, me devolve a asa, me reaproxima da poesia que esta em toda parte”, diz. Deve ser porisso que as criangas, ao atribuirem novos significa dos spalavras, nos ajudam anosredirecionar- ‘mos por dentro. E que elas ainda t8ma presen- gado descuido muito viva. Esse exercicio pode Numa época em que contemplar se tornou um verbo fossilizado, escavar brechas dentro da gente para reparar com autenticidade nas coisas aparentemente simples e banais é um vicio irresistivel nostrazer aquele centro desequilibrado que nos devolveandsmesmos, fazendo-nos “sentir ain- damaispréximos das nossas gostagens mais au- ténticas, dos nossos desejos essenciais, dasnos- sas verdades mais intimas”, aponta o escritor. Afinal, “no sou eu quemantenhoomeu meni- nopordentro. Eele que memantém”, confessa, Tao bonita essa ideia de troca com a gente mesmo. Elanoslembra que aquilo de que preci- samos est bem guardado dentro denés, basta permitir que semanifeste etome conta. Um re- forgo para entender queacrianga de ontem ain- da somosnés. Hoje, com 30 anos, estaéahisté- ria que resolvi contar, sobre a menina que ain- daviveem mim de olhos atentos espreitando o questa por vir,echeios daquele mesmo brilho de quando eu me escondi para ser encontrada. LAIS BARROS MARTINS é autora do livro A Infancia dos Dias (Laranja Original). « Ge esse encontro ver a forga para se refazer, se reencontrar fazer as pazes e, a partir dai, aproveitar tudo com mais intensidade ovewano 2017 + vidasimples 37 & dilei oY mas ><) i Parar de fumar, emagrecer, se exercitar. Ter uma vida mais saudavel, enfim. Essa parece ser a busca de muita gente, mas poucas pessoas conseguem, de fato, alterar sua rotina, no mundo. A boa-nova é sua maneira de ser e estar que isso é possivel, mas demanda algo além do que simplesmente uma boa dose de forca de vontade TEXTO Raul Aparici COMER SEM PRESTAR ATENGAO, procrastinar, fumar, usar excessi- vamente o celular, beber. A lista 6 imensa. Todos temos alguns maus habitos e nos sentimos, na maioria das vezes, péssimos em relagdo a cles. Acreditamos que, se conseguis- semos controlé-los, seriamos mais felizes, saudaveis, presentes e fari- amos tudo. Nossas relagdes melho- rariam e isso causaria um efeito do- miné ao nosso redor e, entdo, 0 tra- balho e atéa cidade onde moramos se tornariam mais agradaveis. Entio por que insistimos em fa- zercoisas que sabemos serem mains parandse para quem est préximo? ‘Como podemos mudar de destruti vvos para produtivos? Porque, depois e determinagao LETTERING Tiago Gouvéa de diversas adverténcias de satide, fotos explicitas em magos de cigar- ro, campanhas do governo sobre alimentagao saudavel e exercicios e anos de pesquisas em psicologia comportamental, ainda escolhemos nos autodestruirlentamente? O que podemos fazercom relagio aisso? Temos forga devontade, obvia- mente. Instintivamente, sabemos que ela, no final das contas, 6a tini- cacoisa que fara diferenga, masis- s06 sé metade da historia. Parater- mos a melhor chance possivel de eliminar habitos ruins, precisamos do que chamo de DCC da forma- gio e eliminagio de habitos: De- fensores, Curiosidade e Compa ‘xo. Vou explicar. Ha duas questes {4 SERIE DILEMAS 6 uma parceria entre a rovista VIDA SIMPLES @ a The School Of Life o raz artigos assinados por professores da chamada “Escola da Vida’. A Série tm como objetivo nos judar a entender nossos medos mais Frequent, ‘angiistias cotidianas e dificuldades ara lidar com os percalgos da vida. + vida simples. 39 DILEMAS. Aceite que, independentemente do que ja tenha lido ou ouvido em reportagens ou de colegas bem- -intencionados, eliminar maus habitos é um trabalho duro importantes a considerar quando decidimos deixar um habito dano- so para tras, seja emagrecer, seja pa- rardefumar: comoe por qué. E aqui que juntamos a forga de von- tade e outras fontes de apoio, in- cluindo amigos, colegas e qualquer outra pessoa que possa ter passado pelo mesmo problema com o qual Iutamos, bem como todas as outras ferramentas e recursos que conse- guimos encontrar: de livros a vide- os motivacionais no YouTube, apli cativos, planos de exercicios. Tudo isso é vilido para ajudé-lo a cons- truir uma estrutura que fard a forga devontadetera melhor chance pos- sivel de sucesso. Coletivamente, sio. oquechamo de Defensores. ‘Ocomoé incrivelmente impor- tante: semum mapa claro de quais io nossos objetivos e recursos, pro- vvavelmente vamos fracassar. Embo- ra, para alguns de nés, possa pare- cerrestritivo microgerenciara vida enquanto passamos dehébitos ruins para positivos, paradoxalmente nessa estrutura que encontramos a liberdade para prosseguir. Pensena forgadevontade como um misculo: 40. vidasimpls - NoveMBRo 2017 quanto maisvocéusa, mais forteele fica. Noentanto, também comoum muisculo, voc’ pode cansé-lo se 0 usaremexcesso ecedo demais. Ten- teevitarsituagdesnas quais sua for- ga de vontade estard fracae pense emestratégias queo ajudema seguir emfrente. Emaisdificil dizer “nao” para uma fatia de bolo se vocé pu- Jouoalmogo, ourecusar um cigarro depois do terceiro drinque, na happy hourda sexta-feira. Até desenvolver habitosmais saudaveis, seria bom se manter longe de situagSes que 0 fa- am recair. Ou, ainda, se preparar do melhor jeito possivel enquan- to sente que ainda est no controle. Levantar para correr as seis da ma- hi é muito mais ficl se vocs tiver ido dormir cedo. E ter A mao petis- cos saudaveis sera itil para driblara vontade de comer o cupcake ofere- cido pela colega de trabalho. HA muitos caminhos para aju- di-loadescobrir comovocé deveria mudarum mau hibito (e, is vezes, fazervocé se sentir um fracasso por- que ainda nio conseguiu!). No en- tanto, minha experignciajémemos- trou que o como sé deveria vir de- pois de vocé passarum bom tempo trabalhandono por qué. Appergunta que deverfamos nos fa- zer 6:por que precisamos romper 0 habito e por que ocomegamos? Pre- cisamos, antes demais nada, desen- volver uma nogio de curiosidade emrelagioa ele. A sociedade rapi- damente nos diz que nossos habitos nos matardo e o quanto somos um fracasso por nao conseguir muda- -los, mas no aborda o motivo pelo qual fazemos o que fazemos. Preci- samos aceitar que estamos tirando algo bom de nossos maus habitos, mesmo daqueles que nos matam. Sempre ha uma recompensa. To- davez que falhamos em nossas ten- tativas de mudar, devemos evitara culpaeavitimizagio e, nolugardis- s0, pegar nosso chapéu de arqueé- logo. Como Indiana Jones, precisa- mosentraremum processo sistem’- tico de seguir sinais e pistas externas para desvendartesouros escondidos nas profundidades esquecidas de nossa mente. Precisamos confiar que ha um motivo enraizado para nossos comportamentos e que ten- taralterd-los sem entender o porqué deles nao nos trara sucesso. Pense em seusmaus habitosco- mo supervildes: sé revisitando seu passadoe entendendo sua historia e escolhas é que eles conseguem, depois de muita uta e determina- gio, voltar a ser “bons”. No final, podemos sentir compaixao pelo vi Jo, que, bemno final, antes de mor- rerem umato de sactificio préprio, alcanga a redengio ao se reconec- tar com quem era antes de se tor- nar mau. E altamente provavel que tenhamos iniciado um mau habi to porque, na época, ele nos trouxe algum grau de conforto e protecao. Talveztenhamoscomegadoa fumar na adolescéncia para nos encaixar- ‘mos no grupo, oucomidoum tablete enorme de chocolate ao terminar 0 primeiro namoro sério, mas, embo- ra nossas necessidades possam ter mudado desde entio, ainda repeti ‘mos os mesmos comportamentos: somoso que fazemos repetidamen- te. Umelementoessencial dos hibi- toséque ele éautomatico. Aotentar adquirir um bom habito (exercicios regulares, por exemplo), 0 objetivo é garantir que nao se precise mais pensarnisso. Ele éincorporadoe se integraavida, Em ver de usar todasas armas e,20 ‘mesmo tempo, tentar parar de fu- mar, fazer dieta, comegar ase exer- citar, recomendo uma abordagem mais comedida. Primeiro, aceite, desde o comego, que a chance es- td contranés; independentemente do que tenhamoslidoououvidoem reportagens ou de amigos ecolegas bem-intencionados, eliminar maus habitos éum trabalho duro. Lembre que temos apegosemo- cionais diferentes a nossos habitos; s6 porque foi facil para um amigo rio significa que sera para voc’. A preparagio para essa realidade é crucial e permitiré demonstrar au- tocompaixiio quando as coisas fica- rem dificeis e vocé fumar um cigar- 10 ou comer um biscoito. Isso aju- dardadizer anésmesmos: “Ok, era de esperar, tento de novoamanha’. Queremos mudar o tipo de pensa- mento que diz.“bom, comiolo, en- 800 dia/semana/mésjé esta arrui- nado” para “bom, da para enten- der por que comi bolo agora: aquela reunido foi emocionalmente cansa- tiva. Eume perdoo e ainda consigo ‘me manter nos trilhos com um jan- tar supersaudavel hoje”. Essa auto- compaixo nos permite seguir em frente apesar de nossas alhas. Acompaixio também éessen- cial para adquirir habitos mais sau- daveis;embora acultura popularin- sistaem afirmar que so necessérios 21 dias para queum novo bom habi to“pegue’”, sabemos, por pesquisas, que esse nio é 0 caso para a maio- ria de nés. Estudos mostraram que, embora desenvolver um novo habi- to simples, como beber um copo de gua ao acordar, possa ser atingido em 21 dias, a quantidade de tempo queuma mudanga leva para sefixar esté relacionada a quai ficil ou dif cilseja executé-la, Para alguns parti- cipantes de um estudo, inserir exer- cicios na rotina levou a maior parte doano. Portanto, se dé um desconto, Segundo, decida sobre uma coisa que vocé queira enfrentar pri meiroe comece acbservarcomoela acontece em sua vida. Antesdemor- der aquele bolinho, se faga pergun- tas: “Que horas so? Sempre como algo ruim nesta hora? Estou com fo- me?”. Observe o que esta aconte- cendocom vocé emocionalmente, a0 seu redor e em seu corpo pouco antes demordiscar odoce. Comece amontarum retrato, sem julgamen- to, de quais sio as constantes quan- dovoc8 come distraidamente. Lem- bre que habitos dependem de auto- magcio, ent&o nao ignorenada. Terceiro, mergulhe fundo. Fa- aa si mesmo as maiores pergun- tas, Use um amigo ou terapeuta pa- racomesarairalém da superficiede suas ages. Lembre-se de que mui- tasrazdes para termos habitos ruins sio inconscientes, 0 que significa quendo temos muita chance de mu- dara no ser que possamos come- ara iluminar os motivos frequen- temente dolorosose esquecidos por tras de nosso comportamento. As vveres, pode ser verdade que faze- ‘mos ascoisas simplesmente porque gostamos, mas te encorajo a olhar mais fando e pensar na possibilida- de de haver outras razes ocultas em jogo. Se esse tipo de questiona- mentonao gerar nenhum resultado e no conseguirmos compreender araiz do habito, podemos olhar pa- maarepetigioem si. Uma das coisas mais fascinantes nosmaus habitos 6 arepetigio. Ficamos envolvidos no comportamento, sabendo perfeita- mente bem que ele nos prejudicade algum jeito. Pergunte-se:“Quemes- tou ajudando com esse comporta~ mento? Quem estou machucando? que diria para minha versio mais jovem antes de iniciar esse habito?”. Enesse momento que, armados comasferramentas do autoconheci- mento eda autocompaixo, deveri- amosiniciar honestamente ajorna- dade como romper um habito. De- ‘vemos voltar recorrentemente 20 nosso por que, adaptar e nos ques- tionar a todo momento. Finalmen- te, hd mais uma coisa a fazer quan- do conseguir eliminar o mau habi- to. Em muitos casos, nossa relacio com ele pode seruma das maislon- gas que ja tivemos, entio é impor- tante reconhecermos isso traté-lo como farfamos com qualquer outro rompimento: agradecemos nossos ex-parceiros pelo que trouxeram & nossa vida, aceitamose lamentamos aperdaecomegamosaprocurarum encaixe melhor para nossas futuras relagdes, armados com um conhe- cimento mais profundodenésmes- ‘mos, nossos pontos fracos, gatilhos e, 0mais importante, nossa capaci- dade deter sucesso. RAUL APARICI 6 professor da The School ef Life em Londres. €trabalha, ante outras eoises, om programas ds equoterapia para mulheres com problemas de abuso de substancias fo sistoma carcerario do Roino Unido. wovemsro 2017 vdasimples. 4 EXPERIENCIA O que aprendi no Caminho Andar por muitos quilémetros, como um peregrino, pode ser uma maneira de fazer as pazes com sentimentos doidos e profundos. No trajeto, 0 corpo cansa, a cabega amansa e 0 coragao acalma Texto Silvia Prevideli PERDIMINHA MAEno dia 26 de ja- neiro desteano. Depois que ovazioe ador se acalmaram um pouco, sen- ti muita necessidade de conversar com alguém|é de cima e expulsar os sentimentos ruins que estavam den- tro de mim. Precisava de isolamen- to, ficar longe da rotina parame ocu- pardemim. Muito movida por isso decidi, em julho, seis meses depois que ela se foi, encarar uma peregri- nagio, como muita gente chamaes- se tipo de jornada. Emgeral, as pes- soas optam pelo Caminho de San- tiago de Compostela, mas épossivel realizarisso por aqui,na rota conhe- cida como CaminhodoSol. Eu poderia buscar formas mais brandas oumais ficeis, afinal foram ui diasde caminhada (apé) nomeio do nada — alguns poucos trechos eam urbanos — percorrendo 219 quilémetros, exposta.o sol eao rio do inverno. Escolhi uma atividade que ocupassea mente comodesafio 42. Vida simples - novemano 2017 de chegar, cansasse 0 corpoe fosse uma opgio no Brasil, mais precisa- mente no interior de Sao Paulo. Na- quele momento, eu nao estava pre- ocupada em fazer turismo ou me preocupar com outro idioma. Que- ria apenas seguirasetaamarela, Eu precisava justamente me livrar das amarras, pois qualquer dificuldade me faria desistir ouadiar. O.tiltimo suspiro Apartida da minha mie machucou demais. Estévamosna minha casa, onde foi passar alguns dias, e na- quela manhaela acordou sem qual- quer tipo de queixa, como uma dor ou dificuldade para respirar. Horas depois, as 11h3o, ela partiu. Assim de repente, num suspiro que nao se completou, Foram muitos sen- timentos doidos dentro de mim © choque, a culpa, a perda e ainda reviver a morte do meu pai, que se foiem 2010, e a da minha av, em iLustRagho Tiago Gouvéa 2013. Repassei todos os utos no co- rag&io. Euestava procurandoum di- visor de éguas, do tempo do ontem para o amanhi, uma pausa para re- tomar ofélego e resgatara vontade de sonhar. Entio acreditei que o si- léncio ea solidao iriam me ajudara extrair uma mensagem dessa expe- rigncia dura, Sempre adorei andar, fizdiferentes caminhadas—conhe- ci cidades inteirasa pé. Todas sem- pre fizeram bem para o meu corpo e para aminha alma, e fui aris dis- 0. Eujatinha ouvido falar dos cami- nhos de peregrinagio noBrasil, mas nada com profundidade. Nos meses que se seguiram & despedida da minha mie coloquei muita coisa para fora: chorei, pedi ajuda divina, conversei muito com osamigos, fiztratamento espiritual, mas dentro de mim havia algo que me impulsionava para andar, sair por ai para pensar, refletir sobre tu- dooquehavia acontecido. » zosr + vidasimpes 43 EXPERIENCIA Ao longo do caminho, a preocupagao nao era bater uma meta de tempo ou chegar mais rapido. Era chegar. Procurava apenas me manter proxima de alguém, caso precisasse de ajuda OCaminho Oatode peregrinar convida a refle- xiio, sea pela solidao nas estradas, pelas dores no corpo, pela influén- cia dos companheiros de trajeto que seguem na mesma toada, seja pela distancia de casa. E tudo issoeleva ‘opensamentoe alma. (© Caminho do Sol nao é uma romaria, nem uma peregrinagio para pagar promessa, pelo menos niio como um objetivo declarado. Eu me inscrevie fiquei esperando termais interessados, pois, mesmo buscando asolidao, queria ter gente por pertooupelomenos saber quea alguns quilémetros haveria alguém para pedir socorro. Fui abengoada em tudo:0 Caminho me deu12 no- vvos amigos e pude escolher andar sozinhaalguns trechos e, emoutros, tive conversas deliciosas com os di- ferentes companheiros. Sempre ha- viaalguém proximo. Enxergivamos e éramosenxergados. 44 vdasimples - wovewsno 2017 No grupo, havia gente de to- dasasidades. Muitas geragées, his- tdriase memérias, poucas manias, preconceitos ediscdrdias. Todos de Sao Paulo, amaioria dacapital, mas também de cidades do interior do estado, como Conchal, Americana, Jundiaie Tatui. Gente dobemeque 86 colaborou para uma jornada de pazeespirito coletivo. Cada peregrino tinhao seumo- tivo paraestarlé, foi bom ouvir ato- dose ser ouvida. Fiz.contissées, ou- viconfissdes. A troca de energia foi reconfortante, além do apoio mo- ral para aconclusio de cada trecho edo cuidado de cada um comos que semachucavam ou estavam fragili- zados emocionalmente. No final do terceiro dia, por exemplo, euestava acabada. Infelizmente aminhabota se mostrou inadequada. Ela sempre foi minha companheira de viagens, cujo objetivo nio era somente ca- minharmas fazer turismo também, assim andava um dia, descansavano ‘outro, Fazia trechos de nomaximo7 quilémetros, Elaera do meuntimero decalgado. E, depois de s2quiléme- tros, abota comesoua apertar meu é,que estava massacrado ld dentro, Ele, com certeza, estava ocupando mais espago do que o de costume, em fungao da meia mais grossa — indicada para essas caminhadas— euma camada sobressalente da fi- tamicropore, usada para protegeros dedos. Além disso, ele deve ter in- chadoum pouco. Comecei a pisar torto eo resul- tado foram dores na tibia e no joe- Iho, partes do meu corpo que nun- ca tinham me trazido problema an- tes. Nessedia, otrecho inteiro de 24 quilémetros foi sofrido. Cada pedra no caminho doia a pisada, 0 sol for- te incomodava, a sede aumentava, amochilaparecia pesar ainda mais. Mesmo tendo um grande apoio de ‘uma amiga, que esteve ao meu lado foro ARQUNO EEA em todo o trajeto, e uma outra que veionosresgatarelevouminha mo- chila, eu quis concluir aquelettrecho. CCheguei is16h, o que saiatotalmen- te da programagao. Fuirecebida por todos, aplaudida, acolhidae até mi- nha refeigdo me levaram no quarto. No quintodia, oprogramadoera cumprir 28 quilémetros. Mas eu sa- bia que no conseguiria, ja queodia anterior ja havia sido muito duro e ‘meus pés seguiam doendo. Decidi, entio, fazer o trecho de carro com outras companheiras, que também no puderam seguir a pé.A pausa foi meujeitodenio abandonar acami- nhada, Eurecomegaria no sexto dia. Mesmo assim, fiquei triste, porque euqueriacompletar os 241 quiléme- tros do Caminho, mas aproveitei o dia para conversar e refleti sobre o aprendizado da humildade: faltou forgae planejamento. A preocupa- g&ondoera baterumametadetem- po ou chegar mais répido, Era che- gar. Procurava apenas me manter proxima de alguém, caso precisasse de ajuda, O grupo tinha excelentes caminhantes, muitos faziam 4 qui- émetros porhora, mas que estavam dispostos a “piorar” essa marca se precisassem ajudaralguém. No sexto dia, retomei a cami hada. Me senti mais confiante, pois otrecho eracurto, 14 quildmetros, ¢ ‘uma alma salvadora me emprestou ‘uma papete confortavel eum mime- romaiordo queo meu, Nao a larguei maisaté ofinal, Dessa maneira, con- segui percorrer todos os quiléme- tos restantes sem dor fisica e pu- de me dedicar totalmente as dores da minha alma. Entre aclives e de- clives, venci os trechos de terra ba- tida, de pedregulhos, de areiao, de asfalto, comtemperaturas oscilando de 12 a 30 graus (com sensagio tér- mica de 53s, pelo menos eu sentia isso), passando por paisagens urba- nas e rurais. Muitas aves cantando, alguns cachorrosnos acompanhan- do, vacasnos assistindo, entre aari- dez da falta de tudo até a sombra das poucas érvorese das plantagSes de milho, eucaliptos, pinus e cana. Muita cana-de-agiicar. Balancofinal Erapreciso seguiruma rotina de dis- ciplina para poderchegaraofim. Ela seresumia em acordar is sh3o e sair as7h3o —os preparativos da turma todaem proteger devidamente opé, passarvaselina, protetor solar, colo- cartodo o aparato, ouso de banhei- rocompartilhado e tomar café no era algo rapido. Depois andar, an- dar, andar, seguir as setas amarelas chegar, finalmente, em torno das 13h, para algunsum poucoantes,pa- raoutrosmaistarde. ‘Nas pousadas cumpriamos um ritual:tirarasfitas que protegiam os dedos, lavar eestender roupa antes que o sol se pusesse —somente as- sim a roupa poderia secar até odia seguinte—, tomar banho, almocar, algumasvezes desmaiar tarde, ler, conversar porttelefone coma fami- lia, recolher roupa, pesquisar sobre co caminho do dia seguinte, jantar. amos dormir as 2h para descansar © corpo por oito ou nove horas. Fo- ram 11 dias, 12 cidades, mais de 25 carimbos no “passaportedoperegri- no”, dois cachorros seguidores, du- asbolhassemcomplicagdes, nenhu- ma gota de chuva, muitas de ligri- ‘mas, 12 amigos para compartilhar a jomnada, Saimos de Santana de Par- naiba no dia sdejulhoe chegamos a Aguas de So Pedro em 1s de julho, cansadosmas elizes. Fiz213 quilémetros dos 241. De minha parte, serenidade e gratidaio por ter encontrado um pouco de tudo o que eu procurava: siléncio, solidao, reflexio, compaixio. Mui tas pessoas gentis pelo trajeto: as quecaminharam comigo, dividindo tudo, delanchese frutasa remédios, de protetor dejoelho & papete, com- partilhando fraternidade; pessoas que encontramos pelaestradae ofe- receram ajuda, informagio e sorri- sos. Semcontar os anfitrides que en- tregaram comida boa e conversa far- ta. Nocaminho, muitasvezesfomos clogiados, aplaudidos e homenage- ados. Na chegada fomos recepcio- nados por muitos familiares e pelo idealizador do Caminhodo Sol, que nos den um certificado, o Ara Solis, enos lembroua raziio de estarmos ali, Gratidio especial ao meu com- panheiro de vida, Lincoln Barbosa, queme apoiouna iniciativa, meem- prestou varios itens de caminhada, preparou amala comigo e torceupor mim, otempotodo. Nio sei do futuro, se farei outra peregrinacao ou realizacdes de ou- tra ordem, mas sei que hoje estou em paz. Naotive nenhuma visio ou recebi qualquer mensagem clara e objetiva, mas conversei muito com aminha mae, com meu pai, pedifor- gae me reconectei. Tenho vontade de fazer outros caminhos, mas an- tes disso precisei contar esta hist ria para incentivar outras pessoas a buscar seus caminhos, se afastan- doum pouco da realidade que nao hes completa para que possam reto- mar seurumo. Quem sabe, quando eusentir que estoume distanciando daminha crenga na vida ou precisar expulsarmeus deménios, caireino- vamentena estrada.» SILVIAPREVIDELI sempre gostou de es- ‘rever, masrecentemente resolveures- ‘gatar seusrelatos em primeira pessoa. Vida simples 45 COMER 46 vida Sem menu infantil Nada de nuggets com arroz e fritas ou macarrao na manteiga. Entenda qual a real importancia de acabar com a chamada “comida de crianga” nos restaurantes Texto Rafael Tonon BIFINHO COMRATATA FRITA, nuggets, hambur- guer em miniatura com mais batata frita—s6 que desta vez em formato de carinha sorrindo— emacarrio com molho vermelho ou, em alguns casos, molhobranco. Pode reparar:0 repertério do chamado menu kids nos cardapios dos re taurantes dificilmente vai além disso. Mas sera que todas as criangas gostam de comer apenas esses tens nos lugares que frequentam? Chefs especialistas em alimentagio acre- ditam que, a0 perpetuarem a repetigao, os res- taurantesestio ajudando a criaruma cultura de deseducago do paladarinfantil—apoiada pelos pais, que sio os maiores responsaveis pelo que a meninada come. “A maiorparte é da conta dos pais, que, por comodismo, querem aquilo queas criangas aprenderam a achar mais gostoso, pa- raniodarem trabalhono restaurante”, afirmaa paulista Patricia Feldman, ou Pat Feldman, co- mo é conhecida, culinarista e criadora do pro- jeto CriangasnaCozinha. “Pelo lado dorresta rante,o custo dos ‘cardépios infantis’ também é bem menor. Jo prego para o cliente nem sem- preacompanha esse menorcusto, o que explica ainsisténcia de algumas casasem té-Ios”, diz. simples - wovemano 2017 Oprojeto CriangasnaCozinhatem por ob- jetivo aproximar meninos e meninas da comi- da, para que na hora de sentar & mesa eles te- nham uma experiéncia prazerosa, repleta de descobertas, “Muitas pessoas ainda preferem manter as criancas longe da cozinha alegando que ali nao um ambiente seguro para os pe- quenos, ou que elas podem fazer muita bagun- aporlé, além de semachucarem. Mas, orasbo- las, aprendera cozinharnao é apenas aprender a fazer comida”, afirma ela, na apresentagio do projeto. “O seu filho pode comegar a frequen- taracozinha desde muito cedo, desde sempre! No inicio ele aprende a reconhecer as cores e os cheiros. Com o tempo, vai se familiarizando com texturas e gosto”, diz ela, que é mae dedois meninos. Isso ajuda a desenvolver a personali- dade e gostos do pequeno, desde muito cedo, in- clusive para quando se sentar&a mesada casade um parente ouem um restaurante. Habituando-se com oscheiros que saem da cozinha, aproximando-se dos alimentos com familiaridade—vale ir &feira, a0 supermerca- do, ajudara arrumar a despensa—, elesvao, a0s poucos, sentindo que aquilo é parte da vida. » Ao sair para comer. vale incentivar 0 ‘ara ad criangas” qe so roplotas de mesmicas © de opcBes monotematicas yequeno a passar os olhos polo cardapio inteiro e ndo ficarrestrito as versGes COMER » Umacrianga que colhe alecrim, senteo chei- roda folha, ajuda a lavé-la ea misturé-la com os temperos da came de porco, por exemplo, ird, ao menos, ter curiosidade em experimen- tar aquele prato depois de pronto—porque ela também ajudoua fazer e por isso sente que & parte integrante daquilo. E, desse jeitinho, ela vai conseguir determinar se o sabor dotempe- rolhe agradouou nao. E assim, dessa maneira, que as criangas comegam a desenvolver seus proprios gostos e a formar seu repertério ali- ‘mentar, que vai muito além do mini-hambur- guer com batata frita. A especialista Pat Feldman defende, ain- da, que o restaurante seria um étimo lugar pa- ra pequeno desenvolver alguns desafios gus- tativos, endoum lugar para cairnas mesmices do cardapio monotematico. “Nao precisa che- gar com megapreparagdes ou ingredientes su- perexéticos para as criangas. Nao éum crime comer macarrio, mas, em vez do molhoverme- Ihode sempre, nao seria interessante desafid-lo comum molho de aspargos ou cogumelos? E se trocar o bifinho grelhado por uma care assa- dacomalgum tempero mais caprichado?”, pro- poe ela. “Nao da paramudar essa cultura de bi- fe com batata frita de uma hora pra outra, mas épossivel fazerpequenas mudancas, pequenos incrementos, © que nao podemos élimitar opa- ladar das criangas. Elas querem aquilo que al- guémasensinowa querer”, argumenta, Tudo é comida de crianca No Bar da Dona Onga, no Centro de Sao Paulo, achef Janaina Rueda nioacredita em distingSes entre opaladarde criancas e adultos. "Eu acho ‘um absurdo esse preconceito como que crian- gascomemoudeixamdecomer. Tudo comida decriangaedeadulto”, ela defende. Comonao temum menu kidsem seu restaurante, decidiu adotar ameia porgio de varios pratos como for- madeatenderaopiblicoinfantil, que comeme- nos. “Para as riangas de menos de 5 anos, leva- ‘mos na mesa como cortesia um mexidinho ca- prichado, de arroz, feijéo, carne moida,couvee farinha de mandioca. Os gargons deixam claro que é um presente especial, elas adoram e co- mem tudo”, conta. 48. vidasimples + woveMano 2017 Para agradar o paladar dos pequenos ela também criouos nuggets de dobradinha, queé processadae empanada como os nuggets tradi- cionais, “As criangas adoram, E um eitode ser- viralgo que elas gostam semcairnosindustrali- zados eainda fazer com que experimentem pra- tosa que no esto acostumadas”, afirma. Entre asespecialidades que maissaem paras peque- nos esto o estrogonofe e o fusili com ragu de linguiga. “A crianga precisa olhar para o cardé- pioe escolher o que gosta, semprehd algo”, diz ela, que émaede dois. No restaurante Obé, também em So Pau- o,osmenus sio entregues primeiro para ospais paraeeles decidirem se vao mostrar aos filhos as op¢des do menu infantil, que vai além dasalter- nativas convencionais, como bolinhos decane feito com barreado — um tipico cozido de car- O restaurante seria um dtimo lugar para o pequeno desenvolver alguns desafios gustativos, e nao um lugar para cair nas mesmices do cardapio monotemiatico do bife com batata frita ne paranaense, preparado por horas em pane- lade barro. “Fico triste quando vejo numa me- saumacriangacomendo bife com fritas ao lado dos pais saboreando arroz de pato oumoqueca decamarao”, arma Hugo Delgado, um dos s6- cios. “Nés temos menu infantil principalmen- te porque ainda existem pais que educam seus filhos para comer comidas de crianga. Como restaurante, preciso atendé-los”, diz. “Mas sin- to orgulho dos pequenos que nos visitam para provar nosso menu tradicional. Percebo que ¢ cada vezmaior a quantidade de meninos eme- ninas que comem arroz.de pato tailandés, tacos decarnitas e outras opcdes”, conta, A ligdo comecaem casa Acostumar a crianga com sabores diversos— dos frutos do mar aos temperos picantes ou agridoces—éum movimento que precisa come- garemcasa, Nao se pode esperar que ela seja » perimentar algo diferent, ele val, aos poucos, losidade por novos sabores. Ao exp ‘chelo de possibilidades wote a sida para incontivar nolo a cui ssenvalvendo um plader mats rico Apro COMER » capaz de apreciar um prato de origem tailan- desa ou um feijao-de-corda com came-seca se, narefeigo do diaadia, repete exaustivamente os mesmos cardapios e sabores. Ela, provavel- ‘mente, nfo vaise interessar por provar algono- vo, diferente do tradicional, quando entrarem ‘um restaurante, Nao existe magica para isso. E preciso que o paladar seja educado também. E essa ligao precisa ser dada dentro de casa. Em seu ivro, recém-langado por aqui, Co- mo Aprendemos a Comer Zahat), a escritora e jornalistainglesa especializada emcomida Bee Wilson conta como nao é uma tarefa tao facil ensinar seus trés filhos a fazer boas escolhas. “Como mie que tenta alimentar trés filhos de forma saudavel, mas sem exageros, asvezesme sinto tao perdida quanto me sentia com minha propria alimentagao. Depois da fase do leite,ne- nhuma dashabilidades de dar de comer me veio naturalmente”,escreve elana abertura da obra. “Na correria da rotina, depois da escolae antes dahora de dormir, preparo uma refeigao rapida que espero que agrade atodos. Talvez uma das criangasreclame da berinjela grelhada, outra di- ga que elaéamelhor parte do jantar, ea tercei ra chore baixinho porque, embora goste de be- rinjela, a sua esta encostando num pedago de frangoe, portanto, passouaserincomivel”, diz ela sobre a realidade que muitas maes enfren- tam, cotidianamente, para oferecer alimentos variados e abrir novas possibilidades de sabores aos filhos. “Talvez o argumento mais forte pa- ra descobrir novas formas de se alimentar seja oprazer. Comer é— ou deveria ser—uma fon- te didria de satisfagdo, eniouma batalhaatra- var”, argumenta ela. Em seu livro, Bee dedica ‘um capitulo inteiro a “comida de crianga”. Ne- le, ela mostra por meio de pesquisas, da hist6- ria, e de sua propria vivéncia, oquantoochama- do sabor infantil tem relago direta com aquilo que os pais apreciam. Sao os pais, direta ou in- diretamente, que ensinam seus filhos a comer, © que comer e como comer. Se estamos aber- tosa experimentar novas possibilidades de sa- bor, com prazer e curiosidade, as criangas vio perceberisso e iro se aventurarnessesterrité- rigs com mais coragem. Isso também nao sig- nifica que vio amar pato no tucupi na primeira 50 vidasimeles « Novewano 2017 garfada. A ciéncia mostra que a repetigao ées- sencial paraa lapidagao do nosso gosto por isso ou aquilo. As vezes é preciso ofereceruma, du- as, trés, varias vezes enfim até que a crianga per- ceba todas asnuances esabores de um alimen- to. E passe nao apenas a gostar daquilo comoa incorporé-lono seu cardapio. Para culinarista Pat Feldman, “a refeigdo 6 algo para ser feito em familia, uma atividade que seja legal pra todo mundo”. Paraela, algoa ponderar é que um restaurante pode ser um pro- ‘grama bem chato para ascriangas. Masé possi- vel deixar essa experiéncia mais gostosa se per- miitirmos que experimentem, de verdade. Se deixarmos que eles provem e possam concluir, eles mesmos, se gostam ou node comidasmais apimentadas,adocicadas, ede sabores exéticos. E que, sendo gostarem, tudo bem. O importan- So os pais que ensinam os filhos a comer, 0 que comer e como comer. Se estivermos abertos a experimentar novas possibilidades de sabor, as criangas vao perceber e se aventurar com coragem te é,nominimo, que tenham se proposto a pro- var. E, por favor, evite considerar as experién- cias gustativas como tabus definitivos: se vocé comeuostraenao gostou, talvez isso nao signi- fique exatamente que vocé nao gosta de ostra: Sem generalizages, sem imposiges e mais berdade de escolha, as criangas vio se sentindo mais&vontade com a comida ecomo que é di- ferente. De umjeito leve, gostoso, como numa brincadeira. “Deixar a crianga de fora do pro- grama estandonele é pedir para ela nio gostar. Aia ‘comida de crianga’, nada saudével e esti- mulante, acaba virando apenas um ‘prémio de consolagao’ para la aguentar a chatice do pro- grama”, concluiPat Feldman.» RAFAEL TONON ¢ jornalista de gastronomia ¢ nos restaurantes sempre comia o que seus pais pediam —ou ao menos fingia fazer isso. 1 se aventurar em algo diferente, que foge da rotina, PENSANDO BEM Na mesma pagina A raiz dos desentendimentos pode estar também na desigualdade da linguagem, e nao apenas nas diferencas de opiniao POR EUGENIO MUSSAK ‘QUANDO EXPLIQUEI COMO eu queria que fos- se a organizagio de cada capitulo, Leandro as- sentiu coma cabega enquanto anotava no lap- top, provavelmente ja criando imagens, como é de seu jeito. Conversar com um criadorde tese portais é um exercicio deimaginagao, pois a cabega desses jovens, que exercem uma pro- fisso que ha poucos anos nio existia, funcio- naem permanente estado de prontidao criativa. Eles sao os responsiveis por criar mundos vir- tuais que representam fatos reais, como produ- tos, processos, servicos, histérias, etudoo mais que fazparteda vida de uma pessoa ouempresa. Leandro é um webdesigner, portanto em sua cabega que comega a tradugio do real para ovirtual. $6 depois entra em agio o programa dor, Enquanto o primeiro imagina como ser, o segundo traduz para a linguagem de progra- ‘magio. Niog incomum que nesses doisproces- sos trabalhem grandes equipes, como também no éraro que apenas uma pessoa possa fazeros dois trabalhos. Estamos falando do fantastico mundo daweb, essa realidade paralela que inte- rage com quase tudo oque fazemos atualmente. Estévamos trabalhando na criagdo de meu novo site, que ter uma parte dedicada a con- tetidos de conceitos jé consagrados e também de concepges pessoais sobre virios aspectos, especialmente sobre o comportamento na vida profissional da atualidade, apresentados em for- ma de videos curtos. Quando falivamos sobre essesvvideos, Leandro, como que dirigindo-se a 52. vida simples » NoveMeRo 2017 simesmo, disse: “Cada capitulo ter um mini- mode dois eum maximo de quatro minutos..”. ““Nio”— corrigi. “Cada capitulo terdum niime- rovaridvel de videos de trés minutos em média’, disse. Foi quando ele me olhoucomoquemolha para alguém que ainda nao entendeu, no caso, eu, Eemendou: “Nao, capitulo é 0 mesmo que episddio, portanto, cada video”. “Nao!” —insis- ti. “O capitulo é oconjunto de videos, que, aliés, esto agrupados em séries.” “Mas as séries no seriam astemporadas?” —perguntouowebde- signer com gennino sentimentode divida. ‘Nossa reunido jé levava mais de meia horae de repente percebi que estivamos patinandono vocabulério técnico escorregadio e dando vol- tas sem fim. Nossa dificuldade, conclui, nao es- tavano entendimento do que deveria ser feito, da estrutura que deveriamos criar. A dificulda- deestavano vocabulario, na confusio de comu- nicagao entre dois eérebros que tinham, clara- mente, programagées diferentes, Para mim, capitulo era cada divisio de um livro. Para ele, capitulo eraum episédio de uma série de TV via streaming. Geragdes diferentes tm visdes dife- rentes da ida. Simples assim. Poderiamos ficaro resto do dia debatendoe niio chegariamos auma conclusio, pois estava- mos falando linguas diferentes. Enquanto nio cridssemos um consenso, de pouco adiantava continuarmos a falar sobre a estrutura do por- tal. Aretdrica deveria anteceder a discussio so- breaestrutura, naverdade. Para se fazer entender é preciso, antes, se esforgar para que todos habitem a mesma esfera de compreensao, 0 que pressupde humildade, a condi¢ao basica para a percep¢ao e o crescimento conjunto Felizmente nos demos conta dessa dificul- dade. Ambos rimos e concordamos em “pas- sar arégua” (esse ditado ambos conheciamos). “Vamos comegar do zero”— disse eu, a0 mes- ‘mo tempo em que me levantava em diregio a umflip-chart. Em comum acordo, criamosnos- sopropriovocabulério. A partirdesse momento, a reunifio foi superprodutiva, e chegamos rapi- damente & estrutura que queriamos. ‘Voltando para casa nao pude nao pensar so- breo acontecido. Areuniio havia durado cerca detréshoras, mas pelo menos ametade dela foi dificultada pela diferenca de vocabulirio. Pode- riater sido mais répida e produtiva ce, antes, ti vvéssemos nos colado “na mesma pagina” ver- nacular. Foi quando olhei pela janela e vio car- roaomeulado, parado no farol. Parecia ser um casal. Talvez.fossem colegas de trabalho, irmios ou amigos, masque parecia ‘um casal, parecia. Ele estava dirigindo, com as mis apertando ovolante e balangando.acabe- ga-Elaolhava para le e gesticulavacomamio, dedo indicador em riste. Eu nio conseguia ou- vir (nem queria), mas fiquei com a impressio de que ela falava alto, Alguns decibéis a mais do que o necessétio para se fazer entender dentro de um carro em movimento. Jamais saberei o que se passava ali, mas parecia um momento tenso, uma discussao séria, Torgo que tenham encontrado o consensoeapazrapidamente. O farol ficou verde e seguimos nossas dest ages e nossos destinos. Seguimos iguais ou diferentes? Como a vida é um eterno aprendi- zado, eacada instante acumulamos algonovo, somos diferentes do que éramos no instante an- terior. Para mim isso foi evidente naquela oca- {0 Eu nfo pude parar de pensar sobre o que havia visto naquele farol fechado, por causa do que tinha acabado de viver na reunio um pou- coantes. Seré—pensei—queas discussdes, de- savengas, brigas acontecem por diferencas de opinido, mesmo? Ser que a causa disso nao te- riaa ver comasinfinitas variagdes de modelos mentais que antecedem o momento em ques- {iio? Passamos a vida construindo um modelo de pensamento, uma maneirade ver os fatos.e, principalmente, de comunicaroque pensamos e sentimos. E todo esse repertorio, elaborado lentamente a partir de experiéncias anteriores, 6 despejado sobre abandeja da discussiodeum fato pontual. A chance de haver distirbios de entendimento é grande. A partir daquele dia, comeso as reunides tratando de colocar todos “namesma pagina” dos temasa seremtratados, dos objetivos aserematingidose, principalmen- te, do significado de cada abordagem. Ou seja, pessoal, vamos falara mesma lingua, por favor... Jase disse que é mais comum, em uma dis- cussio, principalmente de um casal, que ca- da um tente impor sua razo, que passa, a par- tirde determinado ponto, a sermaisimportan- tedoque encontrar uma solugio. Talvez esteja aja fonte da maior parte dasdesavencas. Asdi- ferencas de visio, de percepgio e de opinigio so importantes, caso contrério nao poderia- ‘mos evoluir. Ficariamos na mesmice. Mas, pa- raqueessa fantastica diversidade do coletivo se- ja aproveitada, é preciso, antes, fazer com que os espiritos habitem a mesma esfera de compre- ensio, o que pressupée, acima de tudo, oexerci- cio da humildade, a condigao basica para o en- tendimentoeo crescimento conjunto.= EUGENIO MUSSAK sempre pensa na melhor maneira de levar uma reflexdo aos leitores. movewano zosr - videsimples 53 EM ANALISE O resgate dos botées perdidos Acreditamos que nossos pensamentos so apenas divagagdes, mas eles so parte de nés e, de vez em quando, eles nos reencontram POR DIANA CORSO EMUMADATAqualquer, ela chegoucomum pre- sente daqueles que mostram umaconexio mé- gica entreduas pessoas. Mesmo que nosencon- tremos pouco, sempre tive muita empatia com Elza, que ¢ tia do meu marido. Ela vin em uma vitrine uma bola de isopor recoberta de botdes antigose, sem saber por que, decidiu que aquilo tinhaque sermeu. Muitos,variadose coloridos, estavam distribuidos com arte, de modo que a0 girar abola erapossivel apreciar como eraricoo mundodosbotdes de roupa. Elesreinavam qua- se absolutos até a popularizagio doziper. Acompra da tal bola foi uma aventura & par- te, pois ela nio estava & venda, era decoragio da vitrine. Para pioraras coisas, a proprietiria do estabelecimento alegava que havia sido fei- taapartir da colegio de botdes queherdara de sua avé, portanto, impossivel cedé-la. Nao te- ho ideia de como conseguiu convencé-la, mas Elza acredita quevenceu gragas & sua determi- nagio, Sabia que devia levé-la para mim, embo- ranio compreendesse o motivo. Aoreceber aquela estranha bola, quase des- ‘maiei. Perguntei-Ihe se algumavez havia lhe di- to da falta que sentia da “meia de botdes” da minha avé. Eu nao tinha registro dessa conver- sa, nem ela. Mas, sabe-se li vai ver que ambas esquecemos, jé somos meio velhuscas. O fato é que existia uma maravilhosa meia velha, re- cheada dos mais variados e incriveis tipos de botdes, que moravaem uma gaveta da miqui- nade costura da minha av6, Eraum desses car- pins masculinos, agora encardido, um envolté- rio feioso que guardava seu tesouro multicor. Quando crianga, fazia qualquer coisa com aqueles botées: composigdes, classificagées, personagens, eles eram bons companheiros da minha imaginago. Posteriormente, quan- do minhas filhas chegaram & idade de apren- der a costurar, usamos alguns deles para fazer olhos e roupas de bonecas de pano, Umbelo dia, ameia desapareceu e minha mae admitiu té-la postofora em um arroubo de limpeza. Admito que meus pensamentos foram matricidas, mas fique tranquilo, ela sobreviveu. ‘Quando Elza se obsedou pela bola, pensou: “A Diana é psicanalista, escuta o que as pesso- as s6falam com seus botdes”.O que elaniosa- bia conscientemente era que, no meu caso, os botdes eramliteralmente memeérias de infancia perdidas, que ela resgatou. Telepatia entre du- as pessoas que se gostam? Meméria de um di- logo esquecido? 0 fato é que hoje abola mora nomeuconsultério (endo.esta a venda). Elame lembrao tempo todo que ninguém perde defi- nitivamente seus botées. Elesvoltam dealgum jeito, através das mios daqueles querealmente nos escutam. Afinal, os assuntos sobre os quais “falamos com nossos botdes” costumam girar emtomo dosnossos “botdes perdidos”. DIANA CORSO é autora dolivro Tomo Conta do Mundo—Conficcdes deuma Psicanalista. 54. vidasimples - wovemano 2017 QUARTA PESSOA “Nao vou dar conta” Nossa vida parece mais complexa, mais exigente e mais pesada do que podemos suportar POR GUSTAVO GITTI ‘QUANDO vocé percebe que nio vai dar con- ta. Quando vocé percebe que tem muita coi- saacontecendoao mesmo tempo, muitas tare- fas para uma sé semana, muitos entraves apa- rentementeintransponiveis, muitos problemas envolvendo todas as estruturas sociais, muitos movimentos em diferentes ambitos e escalas (endo que vocé poderia passar uma vida intei- ra apoiandocada um deles). Quando voeé percebe que mencionou ou- tros continentes, comunidades inteiras, gran- des mestres espirituais e até seres sem nome que ainda nao nasceram ao fazer uma simples reunido detrabalho para conciliar trés agendas pessoais nos préximos meses. Quando tudo se expande mais do que esperado, ats mesmovo- 8, Quando cada e-mail que chega em suaconta 6 direcionado a pessoas diferentes, de mundos diferentes, com nteligéncias diferentes, comli- has do tempo diferentes, ainda que todos co- ‘mecem com oseu nome. ‘Quando percebe que nao vai dar conta, voc’ pode reagir em dois extremos: se achar pra cima (como se fosse maior, comopoder de orquestrar tantos movimentos) ese achar pra baixo (como senio tivesse espago suficiente para presenciar tudoisso). Ambos os extremos vm defocar de- mais emnésmesmos. Orgulhoe desespero so contragdes do autointeresse, pensamentos des- necessirios que adicionamos a realidade. Aquilo quenos tensiona éjustamente aquilo quepode nos abrir. E como sopraruma bexiga: oar queesticaapele é0mesmo que estoura a bexiga. Masisso s6 acontece quando vamosem diregao ano mais dar conta (ndoevitando, nao contendo, niomoderando), tanto é que, para es- vaziaruma bexiga demodo que elanuncamais se encha, o método ni é esvaziar, mas encher até estourar. Se tentamos fugir, o mero fiuir do rel6gio do cotidiano parece nos perseguir, nos coprimir, nos castigar, nos esmagar, nos soterrar. Esse no mais dar conta nao precisa seruma sobrecarga de estimulos hedénicos, tarefas, ocupagées, distragdes, fugas, entorpecimen- tos. Esse nio mais dar conta pode ser uma co- nexio com a realidade complexa da vidauma mistura inconcebivel de sofrimento com luci- dez, ambos incomensuriveis. Eum simples re- conhecimento de que a vida nao se contém. E um relaxamento: no temos como dar conta— nem precisamos! Nésniio somos esse que nunca da conta, so- ‘mosisso que parece nos demandar de um lado parao outro, somosisso que parece nosesticar, no somos bexiga, somos ar. Aeexpressio que primeiro usamos para falar datensio, da frustragao, do estresse, da sobre- ‘carga —““Nao consigo dar conta!” —éamesma expresso que podemos usar para nos alegrar com tamanho alivio! ‘GUSTAVOGITTIé coordenador de uma comunidade de florescimento humano: olugar.org ovewano ao17 - vidasimples 55 SANTA PAZ Adolescentes A relagao com um filho nessa fase pode nos ajudar a compreender mais sobre a gente mesmo POR LUCAS TAUIL DE FREITAS. VELEJADORES SAO, de certa forma, etemnos ado- lescentes, em especial os que seguem sempre para este. Diz alenda que aonavegarno senti- do contrario ao movimento do planeta no en- velhecemos, © comportamento demuitosden- tre nés é prova disso. Exemplo vivo da puber- dade marinheira é a disputa acirrada entre os adeptos de monocascos os defensores de cata- maris, embarcages de dois cascose sem lastro. Acompetigio tem o fervor das torcidas de fute- bol em {fim de campeonato, nao é preciso muito tempo em um boteco de beira de cais para tes- temunharuma delas. Averdade éque os dois modelos sio bringue- dos diferentes, um pensado para resistiraosele- ‘mentos e o outro paravoar sobre eles, Um mo- nocasco com lastro e quilha é construido para darcontadomautempoquando ele chega;oca- tamara éfeito para velejarrdpido e ficar rapida- mente longe da tormenta. A disputa éum pou- cocomo compararum rinoceronte aumagaze- Ia, Nao azo menor sentido. Mascomoa genteesti afalardebarcose ado- lescentes e conversar sobre politica nfo adian- tanada mesmo: ou a gente vai para a rua e pa- raeste pais ou tudo vai seguir como est. Vou explicar. Quando veioa adolescéncia daminha meninamaisvelha, foi como encarar aprimeira tempestade, masuma sem previsio:nio sabia- ‘mos quanto tempo ia durar, e tome onda na la- ta. A pequena vestida de preto de cara amarrada sempre comolhar de enjoo. Entrealtos ebaixos, um marpicado que levouum bom anoapassar. ‘Nunca peguei uma tormenta de maisde seis dias, e essa uma nfo deixou saudades. Agora, a verdade é que as ondas na casa dos 8 metros e asrajadasparala dos100 quilémetros porhora foram bolinho perto do primeiro ano deadoles- cente da mora. Alguns mesestormenta adentro, pedi socorro para uma mentoraem quem con- fiomuito na escola waldorf que as meninasfre- quentam. Elariue brincou comigo: problema Equando sio dois adolescentesnasala, ‘Umpar de conversase me dei conta: a peque- na ia muito bem obrigado, caso era comigo, que me comportava como outro adolescente. Mais presente e ciente do caso, encontrei pos- turas mais maduras e, com alguns escorregées, mantive firmeza no que importava. Devagar 0 céuclareoueo ventoamainou, um pouco mais eatéomarcedeu. Volteia recebersorrisose até um abrago ocasional. Como bom velejador de ‘monocascos, invernei a tempestade. Ha quem diga que existem pais que velejam para longe da tormenta. Turrio que sou, séacre- ditovendo, mas averdadeé que, agora quenos- sa segunda menina se aproxima das aguas da puberdade, jénido vamos tio grumetes ao mar. Sei que dolado de ahi bom tempo e que obar- co aguenta mautempo. Todos ao convés!m LUCAS TAUIL DEFREITAS é pai, cidadio e navegador, nessa ordem. E gosta de alar sobre tudo isso. 56 vidasimples » wovewsno 20:7 SUAS ESCOLHAS Onde esta o seu lencol? Precisamos resgatar a crianga que fomos e voltar a acreditar que é possivel ser o heréi da propria jornada POR PAULA ABREU QUANDO UMA CRIANGA escuta um conto de fa- das, vé um desenho animado, assiste a um fil- meno cinema oulé um livro, ela enxerga ali ex- presses metaféricas de seus desafios cotidia- nos. Ela adora os herdis corajosos, sortudos ou habilidosos,e se identifica imediatamente com eles. Tente perguntar para uma crianga qual per- sonagem ela gostaria de sernahistéria que aca- ou de ouvir, ea resposta quase sempre sert: protagonista. A crianca nao quer sero amigo do herdi, a irma do herdi, o ratinho de estimago doherdi.A crianga sempre se vé como oherdi. Certa vez, o americano Harvey Cox, um te- logo da prestigiada Universidade de Harvard (BUA), estava falando para uma plateia de cerca de 600 pessoas, todaselas cristis. Ele lhes con- tou uma histéria biblica na qual Jesus era abor- dado porumhomem extremamente rico cujafi- Ihaestava bem doente. A caminho da casa des- se homem, porém, Jesus foi abordado por uma pobremulher que toca noseumanto para, dessa maneira, se curar de uma hemorragia. Em vez de sezangar, Jesusa socorre. Quando chega fi- nalmentena casa do homem rico, a filha jé es- tava morta, Mas Jesus ordena queelaacorde. E elacbedece evolta aviver. Nomeio dapalestra, Cox pediu, entio, que as pessoas ali presentes que se identificassem com os personagens da histéria se levantassem. A maioria seidentificou coma pobre mulher que teve a hemorragia es- tancada, ouo pai que saiuem buscadeumacura para afilha, ouameninamorta, Emumaplateia de 600 cristios—para quem Jesus éum gran- de herdi que deve serimitado o maximo possi- vel—, apenas seis pessoas afirmaram se identi- ficar com Jesus. Ou seja, um porcento. Em algum momento, entre a infincia dos nossos super-herdis eavida adulta, aquelavon- tade de amarrarum lengol no pescogo e sai vo- ando de cima do sofé se transforma em um de- sejo de que o outro, em vez da gente, seja ohe- r6i. Porque é mais facil adorar os herdis do que imité-Los, como escreveuo psicoterapeutaees- critor Scott Peck. E se, apenas por esta semana, voc’ escolhesse sero protagonista da sua histé- ria? Se encarasse os seus problemas como de- safios, como oportunidades de usar a sua cria- tividade, de aprender novascoisas, desenvolver novas habilidades? Se vocé mudasse a sua for- ma de ver asi mesmo e comecasse a perceber que esta semana é apenas uma semana dentro deumajornada muito maior? Quem serio osvi Ioesda sua histdria nesta semana? Eos eusalia- dos? Osvelhos sibios que vocé vai encontrar no meioda floresta e que vio lhe darexatamentea informagio de que voc’ precisava? Como seria a sua semana se vocé se permitisse voltara ser crianga, amarraro lengol no pescogo esaltar? Se dé essa oportunidade. O mundo precisa dos herdis, e precisa muito, PAULA ABREU é coach e autora do livro Escolha Sua Vida. Oferece meditacio gratuita no acreditaemedita.com br vida simples 57 cENaS “Bu sempre tirel multas fotos do meu gato Prince, masnesse dla ele me encarou diferente, como secu estivesse saindo de casa sema autorizagao dele. Nesse instante, afrase VIDA SIMPLES quer ‘um olhar dizmais que mil palavras’fezbastante sentido pra mim. Ok, Prince, registrel saber como voce em uma foto para que euentenda que quem regula aentradae a saidaé voo8.” cenxerga as muas, as _ cenas, 0s personayens Antonio Duarteda Sitva Junior, tajat, SC pean Mandesua fotografia pata vidasimples@ ‘maisleitorcom.br 58 vidasimpls - vovewsRo 20:7 SLUR NTT Rare AOLLINGSTONE.UOL.COW.BR/MUSICRUK CAIXA PRESENTA: sho PA rer sania debi SOT AON rire y=. ne LJ INPERIO a & ae Conectando vocé com a sua paz. praticar a meditagdo aquiser, Através de nples desenvolvido pelo mestee Satyanatha, voce ‘tem mais de 1.000 meditagses que levam & consciéncia respirator e ensinam a lidar com o stress ¢ a ansiedae

Você também pode gostar