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capiTuLo! | ANTECEDENTES TEORICOS E FILOSOFICOS, Sumario: |~ & teotia Diveito, ll Ascensdoe sb0 € decodéncio do pos [A TEORIA JURIDICA TRADICIONAL! © Direito € uma invengéo humana, um fendmeno histérico ¢ cultural, concebido como técnica de solucio de confltos ¢ instrumento de pacifcacse Coal, Onde quer que haja um ageupamento humano, normnas de organyzaGas smenduta terdem a desenvolver-se, ainda que de forma técita ¢ prevéri. 0 Sreto praticado em Roma ~ que vicejou em torno das rlacbes privades, com Dirento civil no centro do sistema ~ espalha-se pelos vastos territ6rios con- Gaistados, sobrevivendo como base jurdica comum mesmo apos 2 decadéncia seappério, Desenvolvido em seus conceitos pelos comentadores, sobretudo fela chamada escola das Pandectas, de origem germanica, daria origem & farni- {f juridca rornano-germanica, domminante na Europa continental € posterior mente exportada para os dominios sob sua influéncia ‘0 Estado moderno surge no século XVI, a0 final da Idade Média, sobre as ruinas do feudalismo ¢ fundado no direito divino dos reis. Na prética juridica Fredomina a heranga comum do direito romano, ainda nao reunido em diplo- ts legislativos sisteméticos. Na passagem do Estado absolutista para o Estado wal o Direito incorpora 0 jusnaturalismo racionalista dos séculos XVII ¢ XVII matéria-prima das revolugBes francesa ¢ americana, Comega a era das Miifcacoes, inaugurada pelo Cédigo Napoleénico, de 1804. que espelha 2 pretensgo racionalista da €poca, O Dircito moderno, em suas categorias Prin Eipais, consolida-se no século XIX, j6 arrebatado pela onda positivista, com status e ambigao de ciéncia. Surgem 0s mitos. A lei passa a ser vista como expressdo superior da razio. Adencs do Direito ~ ou, também, teoria geral do Direito, dogmatica juridica = € Jo asséptico da seguranga € da justica, © Estado € a fonte sinica do poder ¢ do Direito. O sistema juridico é completo ¢ autossuficiente: lacunas Pentuals 580 resolvidas internamente, pelo costume, pela analogia, pelos principio geras. Separada da filosolia do Direto por incisio profunds, a dog. price juridica volta seu conhecimento apenas para a sua prépria esteutue, Tuas ice 0 ordenamento positivo, sem qualquer reflexdo sobre 8eu proprig Sober e seus fundamentos de legitimidade. ‘Na aplicagio desse direito puro ¢ idealizado, pontifica 0 Estado como debi tro impatcial, A interpretagio juridica € um process silogistico de subsungio dos fatos 4 norma. O juz ~ la bouche qui prononce tes paroles deta lo? ~ & um revelador de verdades abrigadas no comando geral ¢abstrato da lel. Refém da Separagao de Poderes, nao Ihe cabe qualquer papel ctiativo, Em sinteses ficadora, estas algumas das princip ticas do Direito na perspec classica: a) caréter cientifico; b) emprego da légica formal; «) completude; d) pureza cientfica; e) racionalidade da lei e nev Lérprete. Tudo regido por um ritual solene, que abandonou a peruca, mas conservou a tradigéo 0 formalismo, Témis, vendada, balanga na mio. € 9 bolo maior, musa de muitas geragies: o Dieito produz orem e justia, com equilibrio¢ igualdade (Ou talvez nao seja bem assim, IL a TEORIA CRITICA DO DIREITO? Sob a designacéo genérica de teoria critica do direito, abriga-se urn con- junto de movimentes ¢ de i maior parte de suas premissas: cient a aldade, completude. Funda-se na constatacao de que o Direita nao tida ca fendmenos que se ordenam independentemente da atuacio do su Se cleo legisiador ojuiz ou 0 jurista. Esse engajamento entre sujelto se mpromete a pretensio centilica do Direto e, como consequéncia, se weal de objetividade, de um conhecimento que nao seja contaminado por rinides,preferencias, nteresses ¢ preconceies. ‘A teoria critica, portanto, enfatiza o cardter ideoldgico do Direito, equipa- rando-0 politica, a um discurso de legitimacao do poder. O Dircito surge, em Togas as sociedades organizadas, como a institucionalizagio dos interesses Jominantes, 0 acess6rio normativo da hegemonia de classe. Em nome da ra~ Sjonalidade, da ardera, da justica, encobre-se a dominacdo, disfarcada por uma jquagem que a fa7 parecer natural e neutra. Contra iso, a teoria critica pre qoniza a atuagao concreta, a militincia do operador juridico, a vista da concep- {goede que o papel do conheciiento nao é somente a interpretagio do mundo, nas também a sua transformacao* Uma das teses fundanentais do pensamento critico é a admissao de que o pireito possa nao estar integralmente contido na lei, tendo condigao de existir independentemente da béngao estatal, da positivacao, do reconhecimento ‘expresso pela estrutura de poder. O intérprete deve buscar a justiga, ainda quando no a encontre na lei. A teoria critica resiste, também. 3 ideia de com- etude, de autossuficiéncia © de pureza, condenando a ciséo do discurso juri- tico, que dele afasta os outros conhecimentos teéricos. O estudo do sistema rormativo (dogmética juridica) nao pode insular-se da realidade (sociologia do direito) e das bases de legitimidade que devem inspira-to ¢ possibilitar a sua propria critica (filosofia do direito)’. A interdisciplinaridade, que colhe elemen- fos emn outras dreas do saber ~ inclusive os menos dbvios, como a psicandlise ‘ou linguistica ~ tem uma fecunda colaboracdo a prestar ao universo jurfdico (0 pensamento critico teve expresso na produgdo académica de diversos pafses, notadamente nas décadas de 70 € 80. Na Franga, a Critique du Droit Influenciada por Althusser, procurou atribuir carater cientifico ao Direito, mas uma ciéncia de base marxista, que seria a tinica ciéncia verdadeira*, Nos Esta- , difundliram sua crenga de ‘operadores juridicos a recompor a ordein legal ¢ humanisticos ¢ comunitérios’, Antertormente, na Alem: langara algumas das bases da teoria ha, a denominagy boragio de duas categorias nucleares ~ a ideal ate 2 ideologia ¢ a préxis# -, bem o cannon de ns ads de i send Gitica’. A produce filoséfica de pensadores como Horkheimer, Marcia. Adorno e, mais recentemente, €, mais recentemente, Jigen Habermas, ted sido a principal influey, cia pos-marxista da teoria critica. La teoria critica do direito com partilliou dos mesmos fund: icos que a inspiraram em sua matriz europ sede em diferentes vertentes de pensamento: episte logico", psican: tendo se manifestady igic0, sociol6gico, semig. ssicas da investg ir, ao mesmo tempo, sobre as condicbes da su ira, Roberiy Mangabeira Unger. que prodh anal base, juzin um dos textos mais difen 3 de pensamento: The critical legal studies movement, 1986. Para una 12 Luiz Fernando Coetho, Teoria erica do Di 1991, p. 396-397 266 en pli, conocer a al com base em pring ne itica, questionay = ada separacio ene inca éica, completande aaa Uo Direito como instincia de poder Jatizando 0 papel da ideotogia na ocul ico no pais algou voos de ica. Mas 10 foi um su~ 9 comum a dentin rye dominiagao de classe, nagdo dessas relagdes. ide € prestou inestimavel contribuicao cic feria ter sido diferente. O embate para ampliar o grau de conscien- © gaqio do operadores jurdicos foi desigual Ali da hegeronia quest to sta conventional ~ beneficiia da adic e da ine 9 1. também, com um inimigo poderoso: a ditadu i institucional, censura e dissimulagao. A atitude {ene ela &ordesnjurdica era afetada pela existéncia de uma eye sie gle ~ dos ats institucional eda seguranse nacional ~ que, frequette, | ie desbordava para um Estado de favo, No eram tempos amenos Pars 9 F Miramento de esquerda e para o questionamento das estruturas de poder pritco ¢ de opress20 social. xa visio de curto prazo, 0 trabalho de desconstrugio desenwvolvido pela teo- crt, voltado para a desmistiticacao do conhecimente juridico conve Toure algumas consequéncias problematcas”, dentre as quais: a) o abando~ ae Direito como espaco de atuaga0 das forcas progressistas, menosprezado so eu papel ransformador; b) 0 desperdicio das potencialidades interpretat- or Gas normnas em vigor Disso resultou que o mundo juridico se tornou feudo ‘Mepensamento conservador ou, no minimo, tradicfonal. E que nao se explo- vada as potenciatidades da aplicagio de normas de clevad cunho social, a fgmasinscritas na pr6pria Constituigéo outorgada pelo regime militar, Sobre © ponto, averbei em outro estudo: Mora critica convive > Gseu arsenal de viol€ “No inicio e em meados da década de 80, na América Latina, ainda sob 1 € do anticomunismo truculento, 0 direito idos de ‘o signo do autoritarismo constitucional vagava errante entre dois extremos, ambos dest hormatividade, De um lado, plena de razdes € em nome da causa da hu imanidade, a teoria critica denunciava o direito como legitimador do status (quo, insteumento puramente formal de dominacéo, incapaz de contribuir para o avango do processo sociale para a superacio das estruturas de ppressio e desigualdade, De outro lado, o pensamento constitucional con Nencional, mimetizado pela ditadura, acomodava-se a uma perspectiva historicista e puramente descrtiva das instituicbes vigentes. Indiferente 3 ia de uma verdadeira ordem juridica e ao silencio forgado das ruas, aust a-se a uma curricular desien ica € a convencional -, por fades da Constituigdo con esis veteng 1 opOtOS, despre7zaVa as poten 1 verdadeito di " Porém, dentro de uma visio histérica mats ampla, ¢ impossivel descons. derar a influéncia decisiva que a teoria critica teve no surgimento de uma ge. ragio menos dogmatica, mais permeavel a outros conhecimentos teéricos ¢ sem os mesmos compromissos com o status quo. A teota critica deve set visi, nesse inicio de século, na mesma perspectiva que a teoria marxista: apesar de seu refluxo na quadra atual, sobretudo apds os eventos desencadeados a paniy de 1989 (queda do muro de Berlim e fim da Unido Soviética), conserva ag hontas de ter contestado, m: convencional. Ness cesquerda em gera -ado € clevado o patamar do conhecimenty inicio de milénio, ela vive os dilemas do pensamento de A redemocratiza¢ao no Brasil impulsionou uma volta a0 Direito". E ceno (que jd ndo se alimenta a crenga de que a lei seja “a expressao da vontade geral institucionalizada’™ e se reconhece que. frequentemente, ela estaré a servigy de interesses poderosos, e nao da justiga ou da razio. Mas ainda assim ela sig. 14 Luis Roberto Barroso, O dretoconstiucional ¢ a efeividade de suas normes, 2006 (I ed, 1990), Nota Prévia aventura de Souza Santos, Para um nov see na transigéo paradigmstica, 2002. p. 35, que, apds andlise: “A teora crtca lonar a dominacio e ci © impulso de lutar contra ela. Como proceder numa situacio em que o consenso deixou de ser necessério e, portanto, a sua desmistificagio deixou de ser a possivel lutar contra a resignagéo com as mesmas armas te6ricas, ana ue se lutou contra 0 consenso?”. ne, fiza travessia do pensamento critic para a uti iética jurdica em um trabalho escrito em 1986 ~ A efetividade das normasconsitucionais (Po ‘que ndo uma Constituigd para vler), apresentado no Congeesso Nacional de Procuradores Je i Anais do Congresso Nacional de Prcuradores de Estade, 1986) ¢ no VL Constitucional, Porto Alegre, 1987. Esse texto foi a base de minha tese de livre-docéncia, concluida em 1988, e que se converteu no livro O dirt const tucional ea efecivdade de suas normas (1 ed. 1990). Mais frente, no Interpretadoe apliagéo da CConstiuigdo, 2006, p. 301 (I#ed. 1995), expressei minha convicgao sobre o ponto: “Sem abrir mio de uma perspectiva questionadora eertica, €possivel, comm base nos principios malores a Constituicio e nos valores do process civlizaério, dar uin pass & frente na dogmatica constitucional, Cuida-se de produzir um conhecimento e uma prética assegutadores das istashistoricas, mas igualmente comprometidos com 0 das es- ‘truturas vigentes. O esboco de uma dogmética auto de gerar riquezas¢ distribui-las adeqt do Homem ¢ do Cidadio, 1789, at. 8: “A lei €a expressio da da" = pie Gentiva sm avango hist6rico: fruto do debat rsp do poder ea instucionalzagin da vootade politica. © tempo das Pace solutes passou. Nav existe compromisso com o outro sem a lei E ne portal \dades positivas da dogmatica juriica, soi interpretacdo principioldgica, fundada em valores, na ética € si mnvel. A liberdade de que © pensamento intelectual desteuta hoje sae Perapeomissos tanto com a legalidade democrtica como com 2 ie corey a emancipacao. Nao hé, no particular, nem incompatil em exclUsdo. sonal II] ASCENSAO & DECADENCIA DO JUSNATURALISMO” Oo termo “jusnatural «as principais correntes fl que tem acompanhado 0 Dieit ao longo dos sécuos, fundada na existénc grim direti natural. Sua idea basica consiste no reconhecimento de que hs oe ociedade, um conjunc de valores ede pretensbes humanas legitimas que ma gecorrem de uma norma juridica emanada do Estado, isto é, independem Jaleo positivo, Esse direito natural ten validade em si, legitimado por ume dee superior, eestabelece limites & prpria norma estatal, Tal crenca contrap se outta cortente filosotica de influéncia marcante, 0 positivismo juridico, que sera examinado mais a frente. (© rétulo genético do jusmaturalismo tem sido aplicado a fases hist se a contetidos heterogencos, que remontam Antiguidade Clissica™™ diversas perio Warat, O uito lado da dogendtica juriica, in Leonel Severo Rocha (0"8) 1994, p. 83:85. 19 Sobre jusnatralismo ‘posits gr, 1965.

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