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Audrei Gesser LIBRAS? que lingua é essa? (CRENCAS E PRECONCEITOS EM TORNO DA LINGUA DE SINAIS E DA REALIDADE SURDA * De um ideal precario a articulagao do 6ébvio que ainda precisa ser dito Prowo M. Gancez celebrado sociélogo Erving Goffman, na madureza de sua obra final, articula 0 ideal de todo palestrante de que a platéia esteja de fato engajada na escuta do que ele diz, pelo que diz, e que assim seja levada bem além do auditério para os cenérios e ocast- es no mundo onde o tema de que trata se faz vividamente relevante. Além de ser um ideal, esse & ainda um ideal precério, por- aque escutar é bem mais que ouvir Foi num encontro de sala de aula em meados da jé distante década de 1990 que, hoje sel, fui escutado, e 0 meu ideal precério tomou con- tornos definidos, Tratava da natureza da linguagem natural humana, me dirigindo a ingressantes no mestrado em inglés da Universidade Federal de Santa Catarina, quando surgiu a questo — fascinante e ainda incrivel- ‘mente desconhecida da platéla — de que as linguas de sinais sao linguas naturais tio humanas quanto as demais e que nao se limitam a um cédigo restrito de transposigao das letras do alfabeto. ive indicios de ter sido escutado logo quando se apresentou diante de mim uma aluna com sua curiosidade, que resulta na presente obra, De um ensalo sobre as questées suscitadas pela discussao na discipli- na, ela seguiu para localizar os espacos antes Invisiveis na universidade, B ness quiinaa res onde a tipras poderia estar disponivel, af encontrando a propria lingua, seus usudrios protagonistas, os surdos, bem como pais e educadores de surdos, uma prosaica gente como a gente, interessada em conceber um mundo feito também por quem, sem ouvir, pode escutar. 0 percurso nao parou af, e Audrei engajou-se em pesquisa sistemé- tica que indagava como se organizaria uma aula de LIBRAS como lingua adicional para pais e educadores de criangas surdas. 0 trabalho mostrou cenas de sala de aula, como a que tenho registrada na meméria, do profes- sor surdo virado para alousa, de costas para a turma, espera de atengo para ser escutado, Aprendemos todos a ver como era preciso que esses aprendizes ouvintes antes de tudo construfssem um entendimento do ‘que seria uma lingua nessa até entio insuspeitada modalidade espaciovi- sual. Em meio a isso, Audrel visitava escolas e se aproximava das comuni- dades surdas, de Campinas, SP a Washington, DC. [Nessas cidades, as reflexdes no IEL-Unicamp sobre as diversas comu- nidades sociolinguisticamente complexas no Brasil ea convivéncia em meio @ uma comunidade académica protagonizada por surdos na Universidade Gallaudet ampliaram o universo de escutas proveitosas da autora, amadure- cido em sua tese de doutorado sobre as identidades em jogo quando ouvin- tes aprendem LiBras. Por isso, 6 mais que oportuno que ela venha a piblico nesta obra para dizer um pouco do que, como ela mesma afirma na introdugao, 60 ébvio que ainda precisa ser dito para que mais ouvintes tenham conhecimento do rico ‘universo humano que se faz nas linguas de sinais, com as linguas de sinais,e particularmente com a Lingua Brasileira de Sinais, essa LIBRAS que nos toca de perto, se soubermos escutar para vé-la, & grande a satisfac de ter sido escutado naquela tarcle na UFSC e de ter participado do inicio do percurso que se revela aqui para tantos quantos venham a escutar PoRTO ALEGRE, AGOSTO DE 2009. Introdugao “Nenhums opto vedas ov aka, mas conc opi dominate ged, extabdeceu-se no rn isantaneament @ cam base rama emonsragio ice ple mas 8 orga de repetses porta de hibio" (eon peas £ Itmgua.” Fol este 0 titulo escolhido para a palestra apresentada por uma linguista em ‘um evento cujo piiblico alvo era o estudante do curso de letras. Uma professora que trabalha na drea da surdez, mencionando o titulo, fez 0 seguinte comentario: "De novo? Achei que essa questi j@ estava resolvida!” Fol esse epis6dio que me veio 8 mente no momento mesmo em que co~ mecel a reler este livro, eno j rematado, e que me fez,recomesar justamente partir desse protesto. De fato,o comentario faz.sentido, ea sensa¢ao émesmo ade um discurso repetitive. Ainda é preciso afirmar que L1BRAs € lingua? Essa pergunta me faz pensar: na década de 1960, foi conferido a lingua de sinais 0 status lingulstico, e, ainda hoje, mais de quarenta anos passados, continuamos. aafirmar e realirmar essa legitimidade. A sensagao é mesmo a de um discurso repetitive, Entretanto, para a grande maioria, trata-se de uma questao alheia,e pode aparecer como uma novidade que causa certo impacto e surpresa: ‘Na adianta, ésempreamesma coisa. Quando estamos em um evento que fla para ‘quer esté fora do meio da surdez, tudo é novidade mesmo! As pessoas cam espan- fadas quando tomam conheciment,e para quem est dentro da Grea o discurso é sempre a mesma coisa, ica esta cosa bata, ends ficamos nos repetindo.. Esse comentario pe em palavras minha propria surpresa. Uma sur presa "de dentro", que reclama também agora essa mesma repetiea0. 0 que vemos 6 que o discurso aparentemente “gasto” faz-se necessério, precisando ser repetido intimeras vezes para que a constituicao social dessa lingua mi noritéria ocorra, ou seja, para chegarmos & legitimagao e ao reconhecimen- to, por parte da sociedade como um todo, de que a lingua de sinais £ uma \ingua. Certamente a marca inguistica nao €tinica questo nas discusses sobre a surdez, mas 64 legitimidade da lingua que confere ao surdo alguma “libertago" e distanciamento dos moldes e representagdes até entdo exclu- sivamente patol6gicos. Tornar visivel a lingua desvia a concepcao da surdez 1D esque wnane ss como deficiéncia — vinculada as lacunas na cognigo e no pensamento — para uma concepgao da surdez como diferenga lingufstica e cultural. Qual é, pois, 0 objetivo de escrever este livro? Em primeiro lugar, 6 criar um espago em que esse tipo de discussio seja pensado. De forma mais geral, 0 desejo do livro origina-se de reflexdes sobre algumas ques tes relativas a area da surdez, pensando especificamente a relacao do ‘ouvinte com esse outro mundo. 0 momento parece oportuno e particular mente pertinente, na medida em que decisées politicas tém propiciado um olhar diferenciado para as minorias linguisticas no Brasil. Percebe-se que 08 discursos sobre o surdo, a lingua de sinais ea surdez, de uma forma am- pliada, “abrem-se” para dois mundos desconhecidos entre si: 0 do surdo em relagio ao mundo ouvinte e 0 do ouvinte em relagao a0 mundo surdo, 0 conteiido aqui esbogado pode alcangar diferentes leitores: surdos, ‘ouvintes,leigos, profssionais da surdez, estudantes, professores ou simples ‘mente curiosos. Varias so as preocupactes aqui delineadas. A principal é a de ilustrar falas recorrentes e repetitivas advindas de algumas situacées de interagao face a face com/entre surdos e ouvintes para trazer & tona algumas ‘erengas, preconceitos e questionamentos em tomno da lingua de sinais e da realidade surda. Essa discussdo é crucial, pois na e através da linguagem esta- ‘mos constantemente construindo representagies,crengas e significados afit- mados, consumidos, naturalizados e disseminados na sociedade, nos espacos escolares e familiares, muitas vezes como “normas’ e "verdades absolutas’ 0 leitor encontrara neste livro manifestardes discursivas organiza~ das em trés capitulos sob forma de perguntas ou afirmagdes que venho registrando e acumulando — por meio de conversas formais e Informais —nas minhas idas e vindas em contextos de ensino de LIBRAS para ou- vintes, em eventos académicos e em interacdes cotidianas. 0 leitor po- der vistumbrar no livro um ponto de partida para evocar o Repensar de algumas crengas compartilhadas, praticas, conceitos e posturas & luz de algumas transformacbes que marcam a érea da surdez na atualidade. Ou ‘eja, oque se espera é poder promover um direcionamento para um novo olhar, uma nova forma de narrar a(s) realidade(s) surda(). ‘Ao recuperar, no titulo, a fala de um pai que confessa seu estranha- mento em relagao a lingua do filho surdo, 20 dizer “Libaas? Que lingua é essa?" quero flagrar o total desconhecimento dessa realidade linguistica, tanto por parte daqueles que convivem de perto com a surdez, quanto por parte da sociedade ouvinte de maneira geral. Além disso, prope-se um es- pago de articulacao em que questdes similares possam ser pensadas e, sem evitar seu estranhamento, tornadas mais familiares, Essa fol a forma en- contrada para também sensibilizar ouvintes sobre um mundo sudo desco- rnhecido e complexo. Como disse o poeta Leopardi, ’8 forga de repetisdes, e, portanto, de habito’, podem ser criadas oportunidades para reflexdes e mu- dancas sobre algumas opinides e também crencas daqueles que nao esto ‘ou nunca estiveram em contato com o surdo, a lingua de sinais e a surdez. lingua de sinais cad vex que crm rae sues segura seu babs em seu peto eshalza sara cle (Hoss Ls A lingua de sinais é universal? ma das crengas mais recorrentes quando se fala em lingua de sinais é que ela é uni- versal, Uma vez que essa universalidade est ancorada na ideia de que toda lingua de sinais é um “c6digo" simplificado apre- endido e transmitido aos surdos de forma geral, 6 muito comum pensar que todos os surdos falam a mesma lingua em qualquer parte do mundo. Ora, sabemos que nas co- ‘munidades de linguas orais, cada pats, por exemplo, tem stia(s) prépria(s) lingua(s). Embora se possa tragar um his- t6rico das origens e apontar possivels parentescos e semelhancas no ni- vvel estrutural das linguas humanas (sejam elas orais ou de sinais), alguns fatores favorecem a diversificagdo e a mudanga da lingua dentro de uma comunidade lingulstica, como, por exemplo, a extensio e a descontinul- dade territorial, além dos contatos com outras linguas. Com a lingua de sinais no 6 diferente: nos Estados Unidos, os sur- dos “falam” a lingua americana de sinais; na Franga, a lingua francesa de 12 unas queinanessa sinais; no Japao, a ingua Japonesa de sinais; no Brasil, a lingua brasileira de sinais, e assim por diante. Vejamos abalxo a diferenga do sinal “mae” em 4 diferentes linguas de sinais: ‘Ungua panicle | Ung japoners Ung stata | Lngunamencane dese ‘eam sna os Reto aiptod de Mout Lian (38, ” Em qualquer lugar em que haja surdos interagindo, haverd linguas de sinais. Podemos dizer que 0 que ¢ universal 6 0 impulso dos individu- 0s para a comunicagao e, no caso dos surdos, esse impulso é sinalizado. A lingua dos surdos nao pode ser considerada universal, dado que nao funciona como um “decalque” ou “rétulo” que possa ser colado ¢ utili- zado por todos os surdos de todas as sociedades de maneira uniforme € sem influéncias de uso. Na pergunta sobre universalidade, esta também implicita uma tendéncia a simplificar a riqueza lingu(stica, sugerindo que talvez para os surdos fosse mais facil se todos usassem uma lingua tnl- a, uniforme. 0 paralelo é inevitavel: e no caso de nossa lingua oral, essa perspectiva se mantém? Mesmo que, do ponto de vista pratico, tal unifor- midade fosse desejével, seria possfvel a existéncia, nos cinco continentes, de uma lingua que, além de inica, permanecesse sempre a mesma? A lingua de sinais é artificial? renga. A lingua de sinais dos surdos é natural, pois evoluiu como parte de um grupo cultural do povo surdo. Consideram-se “artificais" as linguas construidas e estabelecidas por um grupo de individuos com algum propé- sito especifico. 0 esperanto' (lingua oral) e o gestuno (lingua de sinais) sao 7 awamente a igus aula planejada mas falada 6 o esperanto,OrussoLudhik Leer Za ‘menkoofalmologseflog,publico, om 1887, 2 verso iniial do idioma, com o objetivo de Nas De SNA 1B cexemplos de linguas “artficiais",cujo objetivo maior é estabelecer a comu- nicagdo internacional. Esse tipo de lingua funciona como uma lingua auxiiar ou franca, 0 gestuno, também conhecido como lingua de sinais intemnacio- nal, 6, da mesma forma que o esperanto, uma lingua construfda, planejada, (0 nome é de origem italiana e significa “unidade em lingua de sinais’, Fol ‘mencionada pela primeira vez no Congresso Mundial na Federacdo Mundial dos Surdos (World Federation of the Deaf - WFD) em 1951. Em meados da ddécatia de 1970, 0 comit da Comissdo de Unificacao de Sinais propunha um, sistema padronizado de sinais internacionais, tendo como critério a sele- fo de sinais mais compreensiveis, que facilitassem o aprendizado, a partir da integracao das diversas linguas de sinais. A comunidade surda, de forma geral, nfo considera 0 gestuno uma lingua “real, uma vez.que foi inventa- a e adaptada. Atualmente, entretanto, cursos so oferecidos, ¢ os adeptos, do movimento gestunista divulgam os sinais internacionais em conferéncias, mundiais dos surdos (Moody, 1987; Supalla & Webb, 1995; Jones, 2001). A lingua de sinais tem gramatica? Absolutamente. O reconhecimento linguistico tem marca nos estu- dos descritivos do linguista americano William Stokoe em 1960. No to- cante s linguas orais, as investigagdes vém acontecendo hi muito mais tempo, j4 que em 1660 (ou sea, trezentos anos antes) desenvolveu-se uma “teoria de lingua em que as estruturas e categorias gramaticals po- iam ser associadas.a padrdes Iégicos universais de pensamento” (Crystal, 2000: 204), postulada na Gramitica de Port-Royal’. As lnguas de sinats, ‘iar uma lingua de apendizagem muito fei que fntonasse come lus Franca Internacional ‘arn os powos de todos os cantos do mundo, Sabe-se entretanto, que nena napio aot © ‘esperanto como sua lingua, na regstrase um us por uma comunidad de mais de 1 mio de folate, lingua 6 empregadnem vrasstuagies eos adeptos do movimento esperatstaimple- mentam e desenivens curses do espersnta em alguns sitemaedeedvcas (Sintingo 1992). 2° Os seguldares do movimento esperanista nao vilizam o termo “artificial pois cream ‘que hi sim, aspectos ature na comuinicagio no esperato, epeferem termes como lingua- om piaejada ov auliar para defin-o Ele argumentam que as linguagens natura também ‘tm “certaarficlidade quando se pensa nas medidas normatvas(gramatlcas normativas) ‘ave postam regras para as lings de uma forma geal. Trata-se de uma quest concetval, polmica om constante debate (Santiago, 1992} 2° se nome é dado a um grupo de estudisos do século XVII que segula as Hela de René Descartes, Pare Royal era um convent 20s de Versailles, na Franca. nsatseltos com ome meas ue un Es como se vé, vieram a ser contempladas cientificamente apenas nos iltimos quarenta anos: antes, “sinal ndo era visto, mesmo pelos sinalizadores, como uma lingua verdadeira, com sua prépria gramatica’ (Sacks, 1990: 76), Ao descrever os niveis fonolégicos' e morfol6gicos da lingua ame- ricana de sinais (ast. daqui por diante), Stokoe apontou trés parametros que constituem os sinais e nomeou-os: configuragiio de mio (ci); ponto de articulagéo (PA) ou locagao (t), delimitado no desenho por um circulo; ‘emovimento (+4), cuja diresdo é indicada por uma seta. 0 exemplo a seguir ilustra esses trés parametros no sinal “certeza’, realizado em LIBRAS: “ oo Deseo apa cam ve em Capos & Raph 20D BA A partir da década de 1970, os linguistas Robbin Battison (1974), Edward S. Klima & Ursulla Belhugi (1979) conduziram estudos mats aprofun- dados sobre a gramitica da ast, especificamente sobre os aspectos fonolégi- 0s, descrevendo um quarto parametro: a orientagdo da palma da mao (0). Ficou demonstrado que dois sinals com os mesmos outros trés pardmetros iguais (coy, 1, mi) poderiam mudar de significado de acordo com a orientagiio ‘odo das gramitcas, ena busca de rigor clei, a Gramstica de Port-Royal &considerada © age da orientagio lca nos estudos. Noam Chom tom difundido a elas dass escola de Densamento e cassifica-a come “inguistica cartesian fondo “paralelos entre a deias do {grupo esua propria concepsto da rlacio ntrea lingua ea mente” (Crystal 1988; 204) 0p fonolgla da linguas de snais fi inicilmenteroferida por Stokoe como quirologia [auir- do prego, significa mio), © querema para o correspondents de fonema. Entretanto, esses termosnido vingaram Naliteraturs, font fonologla continua sendo usados para falar das unidades minimas daslinguas de sins Auscus ce suas 15 dla mao, Esse contraste de dois tens lexicais com base em um tinico compo nente recebe, em linguistica, o nome de "par minimo", Nas linguas oral, por cexemplo, pata e rata se diferenclam significativamente pela alteragdo de um “inico fonema: a substitulgéo do /p/ por /r/, No nivel lexical temos em Liseas pares minimos como os sinais grtis e amarelo (que se opdem quanto a cx), ‘hurrascariae provocar (diferencados pelo M), tere Alemanha (quanto a} Opasigio de CM Oe oe Arabs Oposicgo de M: Secs prnoar Resta aaa de Capt & Raph 200 25 16 une qQemanease Poclemos testar os pares minimos com varias outras palavras, mas vvejamos a seguir uma ocorréncia em LIBRAS no sinal “ajudar’, em que a orientagdo da palma da mio faz a distingao de significado, sendo val da, portanto, como mais um parimetro: 2 2 ‘LAjudar alguém 2.Ser ajudado eset aad nck ce Cp & Raped 200 OL 0 exemplo ilustra a diferenca marcada entre 0 sentido em (1) “eu ajudo X" em (2) “X ajuda a mim” Varios outros verbos fazem a flexao verbal dependendo da orientagdo da palma da mdo: respeitar, respon- der, telefonar, avisar etc. Esse parametro no serve apenas para marcar a flexao do verbo, mas também para a marcacio, por exemplo, de nega- tivas como em “querer” e “nao querer’, “saber” e “ndo saber’, “gostar* endo gostar”. 0s sinais também podem ser realizados com uma ou duas mios. Vejamos primeiro o exemplo da composigao, a partir da segmentagao dos quatro pardmetros, do sinal "conhecimento” em LisRas (uma mao apenas): Para uma eitra nas detahada sobre a estrutara linguists da uinmas, cf Ferreira Brito (1995), Quadtos Karnopp (2003), Xavier (2006), Leite (2008); eda ast, c Stokoe (1960), Friedman (1977), Klima &Bellugi (1979), Lidell (1984) e Liddell & Johnson (1986). a unaus or ns 7 Contgagio | _ Orertagio da tocagao Movinento demon | pa dio) o oo OF eae Deseo ata com bas rm Capt & Rapa 28:7, ‘A configuracdio de mao diz. respeito & forma da mao — na palavra “co- nnhecimento’, um sinal realizado com uma méo em numeral “4” ou na forma [52]. A orientagto de paima da mao indica que os sina tém diregao e que sua inversio, em alguns sinais, pode alterar o significado do sinal. A orientacao é a direcdo que a palma da mao aponta na realizacao do sinal — e no caso de “conhecimento’, para o lado direito (contralateral). locagdo refere-se ao lu- gar, podendo ser realizado em alguma parte do corpo, e no exemplo pademos verificar que ocorre em frente ao queixo, Finalmente, o movimento, que pode ‘ou nao estar presente nos sinais. No caso de “conhecimento’,alateral do dedo indicador bate préximo ao lado direito do queixo. Vejamos, a seguir, compo- sigdo dos quatro pardmetros do sinal“verdade’, realizado com as duas maos: ‘Configuasio da | Ofertaco da palma tocacio Mento mio (Go) aioe) 0 0 ws, a al SS 120) eset atc oom as Capi & Raphael ‘As maos nao so o ‘inico vefculo usado nas linguas de sinais para produzir informagdo linguistica. Os surdos fazem uso extensivo de mar- cadores ndo manuais. Diferentes dos tragos paralinguisticos das linguas 1B tans cues ese orais (entonagio, velocidade, ritmo, sotaque, expressées facials, hesita- sées, entre outros), nas linguas de sinais, as expressbes faciais (movimen- to de cabesa, olhos, boca, sobrancelha etc.) sao elementos gramaticais que compéem a estrutura da lingua; por exemplo, na marcagao de formas sintéticas e atuago como componente lexical: EXPRESSES NAO MANUAS, Component cl GAGES (Cha xe cna inna un pc pode aterano em confide com a cengresio faa por exempa Ae io se peso fal nog. ese atid com se em Cpls Raph 204 1-7 A partir da andlise desses parmetros, podemos perceber que as lin- {guas orais e as Iinguas de sinais so similares em seu nivel estrutural, ou ‘sas expresades nfo manuals, na funcosintitica, podem ser as perguntas retiica, or es relatives, topicalzagoes, Na constialg de components lexical, funciona como “ut feferénca especie ou como uma referéneia pronominal, uma partculanegativa, um adver bio, um movie ou una mares de aspect (ereera Brito, 1995: 240), A uNCUA pe sna 19 seja, séo formadas a partir de unidades simples que, combinadas, formam tunidades mais complexas. Como observa Noam Chomsky, todas as linguas funcionam como sistemas combinatérios discretos: “Sentencas e frases sio construfdas de palavras; palavras sao construidas a partir de morfemas; ‘© morfemas, por sua vez, so construfios a partir de fonemas” (Pinker, 1995: 162), Em que, entdo, as linguas orais e de sinais diferem? Diferem quanto a forma como as combinagées das unidades sao construfdas, Enquanto as linguas de sinais, de uma maneira geral (mas ‘nao exclusiva!), incorporam as unidades simultaneamente; as linguas orais tendem a organlzé-las sequenclalmente/linearmente”. A explicagao para essa diferenga priméria se da devido ao canal de comunicagao em que cada lingua se estrutura (visual-gestual x vocal-auditivo), pois essas ‘caracterfsticas ficam mais salientes em uma lingua do que em outra (Fer- ‘eira Brito, 1995; Wilcox & Wilcox, 1997). As investigagdes linguisticas apontam e descrevem a existéncia de caracteristicas linguistico-estruturais que marcam as linguas humanas naturais. A crenca, ainda muito forte na sociedade ouvinte, de que a lingua de sinais dos surdos nao tem gramatica est ancorada na crenga de que falamos a seguir: a de que elas nao passariam de mimicas e pan- tomimas, A lingua dos surdos é mimica? Falso. Para demonstrar a diferenca entre a mimica e os sinais, Klima ‘& Bellugi (1979) conduziram um estudo a partir da observagao de narra- tivas que necessitariam de pantomimas durante a contacio da historia, Nesse estudo, a narrativa estudada foi “O unicérnio no jardim’ de James ‘Thurber: Nela foram constatadas “invengdes” de sinais para a palavra *ca- misa de forea’ — em inglés straitjacket. Embora, em alguns momentos, + Noinfeo dos anos 1980, entretanto, ha formulagbes de alguns lngulstas quanto incorpo ‘ago motto evidente da sequencalidade n onologi da At. O mest éverdadeir em LisRAS (cf Witeox& Wilcox, 1997; Klima & Bellu, 1979; Ferrers, 1995; Quadros, 19973), 20 imma que incan Eessn os surdos usuarios de ast langassem mao desse recurso para sinalizar 0 conceito, ¢ cada sinal tivesse um jeito, fol possivel constatar que, no an- ‘damento da histéria, e mesmo em situagies de sua recontagem, o conceito supracitado na sinalizagao continuava icOnico, Entretanto, as investigacées ‘mostraram que houve uma simplificagio e uma estilizacao nos movimen- tos — os sinais pareciam mais sistematizados e convencionados, Veja abai- xo. progressao da pantomima em (a) para. sinal “inventado” em (b) (a) Pantomnima ce “camisa de fore” Read dea & Bai, Na sequencia, os pesquisadores procuraram estabelecer um critério especifico para fazer a distingao entre Asi. e pantomimas, Para tanto, in vvestigaram dez individuos nao sinalizadores para demonstrar em gestos algumas palavras do inglés. Veja 0 exemplo da palavra “ovo" (retirado de Klima & Bellugi, 1979: 17): (b) Tipo de reduc do sinal Rea de & Gai, ‘unas oe as 21 (Panis de no 1) Sal deo" em ASL. Constatou-se que, para o exemplo acima, as pantomimas observadas t- nnham muitas possibilidades, variando de um individuo para outro; enquanto nna lingua americana de sinais permanecia apenas uma variedade, ou seja, a variedade legitimada ¢ convencionada pelo grupo de usuarios estudados. utra diferenga é que as pantomimas ou mimicas — uma vez que tentavam representar o objeto tal como existe na realidade — eram muito mais deta- Thadas, comparadas aos sinals americanos, levando muito mais tempo para sua realizago. A pantomima quer fazer com que vocé veja 0 “objeto, en- ‘quanto o sinal quer que voce vejao simbolo convencionaclo para esse objeto. Quando me perguntam, entretanto, sea lingua de sinals 6 mimiea, entendo que est implicito nessa pergunta um preconceito muito grave, que vai além da discusséo sobre a legitimidade linguistica ou mesmo so- bre quaisquer relagdes que ela possa ter (ou no) com a lingua de sinais. Esta associada a essa pergunta a idela que muitos ouvintes tém sobre os surdos: uma visio embasada na anormalidade, segundo a qual o méximo que o surdo consegue expressar é uma forma pantomimiea indecifravel ¢ somente compreensivel entre eles, Nao A toa, as nomeacdes pejorativas anormal, deficiente, débil mental, muco, surdo-mudo, mudinko tm sido equivocadamente atribuidas a esses individuos*. A lingua de sinais tem todas as caracteristicas linguisticas de qual- quer lingua humana natural. £ necessério que nés, individuos de uma cultura de lingua oral, entendamos que o canal comunicativa diferente 5 Ca diseassio do capitulo 2 22. was quetnan ESN (visual-gestual) que o surdo usa para se comunicar nao anulaaexisténcia de uma lingua to natural, complexa e genuina como € a lingua de sinais, Aeesse respeito quero salientar trés definigées encontradas no Diciondrio diddtico de portugués (Biderman, 1998: 630-645): imimica sf mf-mi-ca. Expressio de idéias, palavras ou sentiments através de gestos expressivos que acompantam ou substituem a fala. Os mudos tusam mimica para comunicarem suas idéias. Durance o piquenique a tur- ‘ma fez varias brincadeiras; uma delas fo! o jogo de mimica./ pl: minvicas. [enfase minha) ‘muder sf mu-dez, Qualldade daquele que ¢ mudo, de quem néo fala. Mui- tas vezes, « mudez é provocada por problemas de audlirfo.// Nao se usa no pl adj: mudo/ cf: surdez. ‘mudo ad}, mudlo. 1. Que nao fala por problemas fisicos ou psicolégicos. [As definigdes inter-relacionadas acima perpetuam as ideias de que 0s surdos no tém lingua, e os desdobramentos dessas definices contri- >buem para que acreditemos que eles no podem produzir fala inteligivel ede que nao tém cordas vocais. Os surdos sao fisicamente e psicologica- mente normais: aqueles que tém 0 seu aparato vocal intacto (que nada tem a ver com a perda auditiva) podem ser oralizados® e falar a lingua oral, se assim desejarem, Entretanto, o que deve ficar registrado é forma pela qual constantemente se atribul a lingua de sinais um status menor, inferior e teatral, quando definido e comparado & mimica. E possivel expressar conceitos abstratos na lingua de sinais? Claro que sim! Nevamente,a pressuposigao de que nao se consegue expressar ideias ou conceitos abstratos esta firmada na crenga de que a lingua de sinais ¢limitada, simplificada, e nd passa de um e6digo prim tivo, mimica, pantomima e gesto. No Dicionério de linguisticae fonética, por exemplo, gestos sao considerados trapos paralinguisticos ou extralin- _guisticas das linguas orats Oras & um treinamento, com orintagio de foneaudléloges, pare que uma pessoa surda poss produzir as sos vocals da lingua oral. ssa praca €relizadajuntarente com pres deletura aba sas oe swas 23, Em seu sentido mais amplo, o termo se refere a qualquer coisa do mundo (que nio seja a Lincua) em relago& qual a lingua esta sendo usada —a''si- tuagdo extralingufstica’ A expressdo "trapos extralinguisticos” pode signifi- car qualsquer propriedades de tals situar0es, ou, em termos mais especifi- 0s, propriedades da comunicagao que ndo saa claramente analisaveis em termos LiNgulsticos (gestas, tom de voz etc). Alguns linguistas nometam a primeira classe de tragos como MsTALINGUISTICOs; outros nomeiam a se- ggunda classe como paraLinGufsticos (Crystal, 2000: 105-106), Para nos desvincularmos da acepeao exposta acima, devemos enten- _gestos. Pelo menos ndo se pensarmos gestos de acordo com a definicao anterior. Assim, é correto afirmar que as pessoas que falam linguas de sinais expressam sentimentos, emogies e quaisquer ideias ou conceitos abstratos. Tal como os falantes de linguas orais, os falantes de linguas de sinais podem discutir filosofia, politica, literatura, assuntos cotidianos ete. nessa lingua, além de transitar por diversos gé- neros discursivos, criar poesias, fazer apresentagdes académicas, pecas teatrais, contar e inventar histérias e piadas, por exemplo. Emmanuelle Laborrit, surda francesa, em seu belissimo livro 0 voo da gaivota, afirma: der que sinais Os sinals podem ser agressivos, diplomaticos, poéticos, floséficos, mate- rmaticos: tudo pode ser expresso por meio de sinais, sem perda nenhuma de contetido. E uma Ifngua exclusivamente ic6nica? renga. 14 uma tendéncia em pensar assim, e essa visio relaciona-se como fato de a lingua de sinais ser uma lingua cle modalidade espaciovisual; ou seja, a lingua, quando sinalizada, fica mais “palpavel’, “vistvel: Nesse sen- tido, relagdes entre forma e significado parecem ser mais questionadas. Essa associagao incorre, muitas vezes, em cairmos no risco de reforear a crenga de que a lingua de sinais seria apenas uma representagdo pantomimica — 0 que nao procede, pois, como argumenta Ferreira Brito (1995: 108), “a icon cidade 6 utlizada [na lingua de sinais] de forma convencional esistemitica’ Embora exista um grau elevado de sinais icOnicos (beber, érvore, casa, avido..}, & importante destacar que essa caracteris siva das linguas de sinais, As Inguas orais incorporam também essa ca- do 6 exelu-

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