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soko Neto comecar, Mais surpreendente ainda foi resposta da ‘Natasha a0 meu sabito ¢ estupefacto siléncio, frat aque Ets a perguns ‘Como & que vim ‘que me quesia fazer? ito simples... O efeito estufa Charles Dupret. Apesar de ter este nome, clara- ‘mente anglo-afrancesado, cle era 0 mais acérrimo defensor da autenticidade angolana. Angola é um ‘pais de pretos! Esta frase contundente e absoluta es- {ava presente em todos os discursos que fazia, mes- mo quando falasse apenas do estado do tempo. Estava totalmente a vontade para brandir a referida sentenga contra tudo e contra todos, pois ndo era um desses pretos suspeitos, meio acastanhados, cujo belo, quando cortado bem rente, se toma liso e do- cil ao tacto € que, um tanto equivocadamente, se chamam a si préptios ¢filos, mas que todos os ou- {10s (os pretos efectivos, especialmente os que usar <éculos, os mulatos conelenados, sem santo e sem san- gue, 08 -cabritos. angustiados e os brancos que aprenderam a remexer a cintura quando dangam) gostam de chamar ¢fronteiras perdidas,, o que € uma not6ria sacanice (palavra que, caso sejam sensiveis a escatalogia, podem substitur, por exemplo, por per- fldia). Pelo contrario: ele era um preto genuino, sem. qualquer pigmento a mais ou a menos! Um verdadei- a 300 eto ro atctone glans Pi, pi, procane® Yon fade que angola 8 pas de prea! Capen ntoecniako baie Doetoee— die mesmo minha verdade!—~prefiroa prose rpc es tem, adanto fs que Chasis Dupretacabardexta ext- fia completamente malaico (para quem 930 sabe, smalaco® um ajectivo nod pelos clans 0 Portugués de Angola equ ea prefiro a nsossa eu {ano efeminada palsy doido um malaio, porta to, €alguem cups fuses ead complement roc Ges, isso para no recorrer — Das me lve! — a nigh e Vetustapalavra alienado) dentro de um ontenior de lixo, dos inimeros abandonacis nesta Sea cade charade Luanda ¢, al como os demas, totalmente repleto de dcecos, na sua mato slides, fms tbe iquidose outs assim asim. (Parente: primeia vista a expresstootlmen- te repleos parece una redundncla, mas aqueles que if vitam un contentor de lxo em Landa saber do {que estou falar, pois, igor, ocito uj refro-me {0 liso] nio se limita a encher completamente esses Feaplentes que os servos carats, com eansado Gesvelo, mal conseguern espalhar pela cidade om ‘mero sufciente, mas transborda sem hestacdes nem podor até a0 ch, deramse, espalha-se peo Asfao ow pelo areal st formar va expécte de cor tho dganos asim, an-nio, 2s vere de alguns mewos de didmetro, 4 volta do proprio contentor, Cnitetanto, © talver contraitoramente, 0 lo asi dlerramado, depois de ja ter aleangado 0 chao, de- tmonsta usa inesisvelatracgo plas ators, poden- Go tansiormar-se em monticulos, equenas colinas¢ Sé-— pasmem se os letores, que ns estamos vt ‘cinados! — montanhas, mas o que havemos de fazer, se aida € chen de contmadiges) @ Ee unos pa parma Reconhego que, seja como for, esta técnica de anteeipar o fim das est6rias, além de nao ter nada de ovo, no anula 0 facto de que todo o desenlace, ainda que (ou sobretudo) simbolico, tem os seus ques © porqués, ruzio por que, ¢ embora pessoalmente ‘io tenha grandes motivos para gostar de Charles Dupret, serei obrigado (espero e confesso: com secre~ ‘to goo...) a transmitirthes 0$ resultados da minha in- vestigagio ficcional, se ¢ que isso existe... Os letores ido, no final, se fiz dele um retrato sereno e objec~ tivo ou uma mera e grotesca caricatura, motivada pelos meus eventuais e humanos preconceitos. £ que, como se sube, a verdadeira distineia entre autor € nasrador depende somente do grau e do tipo de dis simulagao, Como, igualmente, toda a narrativa tem as suas armadilhas, tentarei ndo cair na facil tentacao dos haves. Nao afizmarei, por conseguinte, que Charles, Dupret era um esposo dedlicado e fiel, um pai atento, ‘e sempre bondoso e um chefe cle familia exemplaris- sino, como sao todos os mortos, até porque ele ape- has ficou completamente cacimbado, mas, que cu viba, no chegou a, como se costuma dizer, abando- har 0 mundo dos vivos. E s6 olhar & volta, que voce ‘eneontrari uma data de Charles Dupret’s, pretensa- ‘mente poderosos na sua arrogiincia, mas tertivelmen- le pateticos todos eles... Também no 0 acusarei, obviamente, de antes de pirar ter sido um grande fi- tho da puta, pois confesso que nao cheguei a conhe- vera mie dele, pelo que nao tenho nada contra nem. \lavor dela, Consta apenas que a mesma padecia ha huitos anos de uma febre sem cura e, quando sou- bye do lestino do filho, fez um comentario estranhis- no (ole que enfim!..) e tombou a cabega para 0 livlo, mas talver isso nto passe de maledicéncia dos yoko "810 seus (dele) inimigos, esses cosmopolitas ¢ luso-t10- picalistas sem patria, sempre prontos a divi a famt- lia tradicional angolana, para continuar a dominar os aut6crones. ‘Vamos aos factos: Charles Dupret era estilista O inico estilista preto, dizia ele, como se iss0 acres- centasse alguma coisa a criatividade dos seus dese- ‘hos, a qualidade dos tecidos que utiizava ou a0 detalhe dos seus acabamentos. O problema (ou sim- plesmente a questo, para nao comecar logo a dra- ‘matizar..) & que ele levava isso to a peito, que © cenitio de todos os dlesfiles que fazia era sempre 10- talmente preto, das passarelas aos cortinados, passan- do pelas cadeiras, pelas limpadas e todos os outros aderogos, Escusaria de acrescentar que, obviamente, (5 proprios modelos eram também todos pretos, se ilo fosse necessirio, pelo menos como cutiosidade, evocar a abertura esdrixula que costumava anus” ciar, através de um poderoso e oculto altfalante, a respectiva entrada na passarela: Senhoras e senhores, tio passar a seguir as pretas ¢ os protos auténticos de Charles Dupret, os intcos que so imunes ao efeito estufal ‘As opgdes estético-epidérmicas do estilista foram cconsideradas uma lufada de ar fresco no amorfo pa- ‘norama da moda local, © grito de Ipiranga dos jovens criadores aut6ctones ¢ até mesmo uma auténtica re- volugio politico-semitica, digna no somente de fi- gurar nas revistas especializadas de todo o mundo, ‘mas também de ser estudada por Barthes € Umberto Eco, se acaso eles fossem capazes de olhar um pou- co para lé (ou melhor, para c4) do Mediterraneo. Um jomalista chegou a apodi-lo, depois de um desfile ‘que acabou, como no podia deixar de ser, numa bbruta farra, da qual os repérteres foram os ditimos a “ natos ba PATRIA cain tae aaa ee ra ee ne lari det Fm casa, Charles Dupret era um ditador. £ claro specs PS, Siege arc was sen Siren, en peomdes B ‘quer dizer, dele, por mais vaga e imprecisa que fos, vragen he sp tse sacses pena Ac 6 oko we. unos ba Pima sofutamente serfico, como se caminhasse sobre ni- vveas diifanas e numurando pars si mes mma uma pergunta que Charles Dupret nao tin Capacidade para escutar:— Até quando, mou Deus, até quando? ‘Um di, estava toda a familia @ mesa — excepto a velha, que comia na cozinha, mas porque Fai et lembrar-me deste detalhe? —, 0 estilista poisou 0s Theres com um ar lento e grave. A principio, 0s ou- indo ligaram, pois ess ps an frcuamente eultvado por Charles ‘que continuazam entretdos com 0 de- com evidente e — aqui entre nés — desculpavel pra- 2er, o estilistainiciou uma longa ¢ confusa peroracao contra esse pobre animal conhecido no tiantico pelo ‘nome cientifico de gadis morrhwa, em todas as suas, digamos assim, vertentes, fresco ou seco, cozido ot, assado na brasa, «com todos: — griio de bico, ovos e legumes cozidos — ou apenas com salada, do ao Forno com uma elegante cobertura natas, tentando, com isso, passar por muito fino, quando a facilidade com que se deixa caprurar denuncia desde logo a sua origem e natureza humildes (Lin pete que se detxa apanhar assim pelas tugas sb pode ser um pei- xe miserivel, para ndo dizer execrivel!.),a qual, 20s poucos, se foi transformando uma vibrante catiini- Fia contra © colonialismo, em especial © portugues, tra 0 Diogo Cio, o Camdes, o Saramago (Ainda por 1 0 gajo), 0 Fusébio e outros emble- luntirios ou nko, até que, j& depois tirado para o chio 0 seu pra- Se levantou ¢ decretou de- Dupret, pel Tcjovo bacalha com natas preparsdo pela dora da casa (escuso de dizer, para nlo bate mais no cegui- ho, que -dona da case, aqui, ou seja, em casa do testlsta, era apenas forga de expressio..). Alem —que, para outros, consti ‘miliar — era um dos palanqy inca (pois, entaoD, sempre que, por lapso, Ihe Tagan cabecetma nore, estou far de que €a familia pelo menos no seu en- dizer que 0 meu lugar 6 na cabeceira norte. ( discurso desse dia, entretant, fol um dos mais surpreendentes jamais proferido por Cha Ghuanto nse no sejadevido ds chearstncs. a= 0 bacalhau detva de fazer pare da die- tar desta casa, declarou com tod & que podeis igualmente imaginar,silaban- as palavnis como se estivesse a medi alguma das Sas pegas de roupa, centimetro a centimetro, Antes {que 08 outros tivessem tempo, sequer, de ex apressadamente o bacalhau com natas que degustavamn dda autenticidade angolana, A partir de iam deta de frzer parte da ceta alimen- a filha mais nova de Chatles Du- lescente inquieta e arrogante, como scentes, que estudava em Londres mas férias em Luanda, depois de trés anos, -mbora timidamente, talvez. por jé « ° 300 E10 no se lembrar de que 0 pai odiava terrivelmente ser ‘uma raxdal, disse, Mais uma razdo! Como é que um (peive que tem a obrigacdo de ser civitzado se deixa ‘apanhar d toa polos portugueses, esse povo atrasaco 4 beira-mar plantado, essa raga de cambutas, que ‘ainda ontems eram camponeses e, hoje, sio pedrei- tos carpintetros e que, sem respeito nentuam pela ordem natural da geografia dos elementos, sai do seu cantinho junto ao Mediterraneo ¢ vai aié aos mares do Norie @ procura desse animal, que depois exporta abusivamemte como se tivesse nascido no Guadiana, 0 maior rio que, segundo dizem, nasce ‘¢ morre em Portugal? Quer dizer é com um alheio que os tugas nos querem continua ‘zar e, ainda por cima, pelo estGmago, que 6 0 nosso ‘ponto fraco, pots todo o mundo sabe que somos wma cambada de submutrides... Nao te rias, filha! Acre- dita no que fe digo: 0 bacaihau 6 0 cavalo de Triia tuilizado pelos portugueses para continuarem a ter 0s angolanas na mao... Com 0 bacathau vem 0 vt tnho, 0 chouric, as alhwias, 0 queio da Serra aman- feigado— enfim, todas essas porcarias que ndo ape- nas fazem mal do colesterol, mas também a nossa Identidadel. Mas, anal, o que é que te ensinars is em Oxfordet © discurso de Charles Dupret estava a chegar a um ponto perigosamente alucinante e para~ nico, mas, alguns dias depois, um jomal indepen- dente publicou um artigo absolutamente fantasioso sobre esse discus, tentando, i custa da distorgZo dos factos, adociar a imagem do estilista, o que demons: « uatos Da pkg tm ques chai objctvidade tals solids mists cts gun pat tigo acerca do violent Dupret cont to ico onde el mente, deixou de a 6 i le em destringar os factos implesmente as intrigase catinias do jor ves Dupret O material sem davida, uma entrevis ridor que der ms yoko ME raz3o até agora inexplicdvel, 0 pais sempre esteve fechado a qualquer influéncia mugulmana mais si nificativa. £ claro que as palavras do historiador fo- fam aproveitadas pelo jornalista para fazer uma imanchete arrasadora: -AUTEICIDADE DE DUPRET AFINAL B ‘Gadicamente, 0 jomalista complementou a entre vista com uma caixa contendo comentirios da sti pro- ria lavra acerca da propalada autenticidade dos modelos do estilsta, os Ginicos — recorde-se — que ‘so imunes ao efeito estufa. Segundo o ressentido re- actor, 20 privilegiar os modelos femininos de estatu- fa clevada, magros e, sobretudo, sem rabo, Charles Du- pret limitava-se a copiar servilmente os padroes de be- {eza europeia, -ofendendo criminosamente os cinones estético-camais da Angola profunda, Um subtitulo in- tciro — designado Charles Dupret despreza a bunda das angolanas- — foi dedicado as virualidades dessa jpeca anatémica, que © jomalisa, talvez. pensando no Brasil, dizia ser 0 material de exportagao mais antigo do pais, mas que © Gnico esiista angolano de tez es cura, embora de nome anglo-afrancesado, colocou lax meniavelmente no cxixote do lixo das suas escolhas-) Tsso tudo aconteceu dentro deste segundo parén~ tese, Conhecendo, portanto, todos esses anteceden- tes, no pude deixar de ficar surpreendido com © artigo acerca do discusso de Charles Dupret contra 0 pacalhau com natas (e nao 56). Como sabem, 0 est lista queria saber da filha o que € que esta aprendia fem Oxford, que nao compreendia os tervveis male: ficios causados pelo bacalhau a identidade cultural dos angolanos. Nao é Oxford, pai! £ um colégio, fem... respondeu ela, A resposta deixou-o gelado. Fe ta, ali mesmo, uma apuracio suméria, Charles Dupret descobria que Sandra Cristina tinka reprovado dus [LHS DA kT versus a famos nvenide, : edo, par a ual cart grec punmon ped ccs to de atin nivel cle quc ore Spear dave partum spe clei. A mates so caret dead, deseo po mas ins oe Sino odie adn ao fa Te eos co te peices mu cade, Ma lo evant deu um safando brutal na mesa e: " epi a oh At Baa iententominats es gO pesema Co bacatha!& pat de agora ndo quero mas bac th neta es pon efecto cpl ns jor“ va pes ete 2 ee ada “tnt un docu dsconexo come ee nto poder ser produ nan fra seo ae toc, Por uefa, nponnanene Sel nite pore com cl Siero ge etebeo aga ex Go potsdeclatara a pomenor ma ns ‘mentos mais exaltantes do discurso de Charles Duy contra 0 bacal cle tna “no ac sebou pr ener qu cle Crp» ha 4 muer Se caso tse Tey pve hs names pa tira comer pena aay cabo ssn Cima, desptante dos desplantes the queram ober ‘ira is ese rete amas em re Ail nto ot das quar; omlindss Sos hance segundo open, po ais hatte ag, ms teaver papel eek Int na defesa da dentidade cultura des angolanes) ‘load som Oxon athe te ue ‘osarrabulho é proveniente de Goa, na india, mas cle recusou-se a usar essa informagio, «para indo con- Iundir os leitores-, De igual modo, den iu de fazer 2040 eto qualquer trocadilho com as abrasileiradas ressondn- cias do nome da filha de Charles Dupret. Embora seja certo que 0 pensamento gosta, por vezes, de avangar por caminhios nem sempre rect neos, mas paralelos,obliquos,eliptioos e até circula- res, penso nao valer a pena deter-me em particular na atitude do joralsta em questo. & que, sendo igual mente certo que todo o ser humano € contacto, 08 jormalists, por lidarem com a fugacidade da existén- Gia quotidiana, sto-no, indubiavelmente, de mancira nis frequente ¢ relterada, de tal sorte (ou azar) que suit gente tem esses briosos profissionals na conta, vamos dizB-1o, de meros aldrabdes. A verdade € que, 4 partir dali, os acontecimentos precipitaram-se imeme- diavelmente, até ao fatidico dia a anunciado no inicio desta extria, quando — era 0 que fallava dizer — 0 estlsta foi visto em plena Mutamba, em cima de uma espécie de passarela colocada sobre una fila de cinco contentores de lixo, disfareado de Michael Jackson, com um pedago de gadus morrhua em cada mio, éensaiando uma coreografiaabsohutamente original. Nesse preciso momento, e tal como j disse, a mie dele, que ha anos padecia de uma febre sem cura, tombou a cabera para o lado, enquanto murmurava, AIé que enfin. Mas foi do perquit, esse bicharoco ladino, cuja presenga eu jétinha brevemente refer do, mas que 86 agora resolveu intrometer-se neste relato, o comentirio mas inusitado, feito, como niio podia deixar de ses, com aquela vorinha esganigada {que todos Ihe conhecemos: — Deve ser do efeito estufal Deve ser do efeto s- fat © homem que nasceu para sofrer 1 sta € a Gia viagem que José Carlos Lucas fay, mas ele ainda ndo o sabe. Por enquanto, estf sentay dlo.na pia do WC do aviao que o leva de Luanda para Lisbon expermertando una extordiies eee de lv, dedi que a sbundante aoe pstosn abandona em jones o seu organi ne I ds uns contacgbs abdominal das Consideraveimente © or soars os vig ne podco,desiprecendo, As clea tain ene a poucosminaton aes, sem quatque optee spares, pots no comer sbeclamonts tose his horas Tn aesbado de ena nosso es pois dese ter acomodado pero de un cat oe ins fasta poset doxientech aon Ihe det tempo de pedir hospedeie ¢ feat sino dequetanto gosavaseantowse nae tle, topepando ete as pone do ea veins, ae chogo x asustase masses ti stn cone paces cae de ban eae B

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