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66 A escoria em nova embalagem AMBIENTE | Sob criticas, as siderurgicas ampliam as vendas de seus residuos POR LILIAN PRIMI ENHO DoR de gargan tac ha pelo me- nos um ano, mas 0 mé- dico diz que nao adianta tratar enquanto ndo me mudar daqui’, diz o en- genheiro civil Reinaldo Scarpa, ao reclamar da poeira cin2 invade sua easa em uma rua trang da Praia da Enseada, no Guarui,litoral de Sao Paulo. A poeira vem da escéria de aciaria, residuo da cadeia do aco utiliz do pela prefeitura em obras de pavimen- taco nacidade. A escoria sidertingica v rou um bom negécio para o setor e tema de debate acalorado na area da saiide. Produzida em grande volume (600 quilos por tonelada de aco), a escéria provoca deseonforto aos executivos que lidam com o material no mundo todo. A opgio como substituto da brita na pav mentacio nao é novidade. Hé registros do uso com mais de 20 anos no Brasil. E est bastante disseminada no mun- a, no caso do Guaruj, é a ut aberto e as contradigdes na acao das agéncias ambientais e do Mi nistério Publico. Para nio ter de se mu- dar, Scarpa acionou a ouvidoria da pre- feitura, mas 0 inquérito foi arquivado com a justificativa de que as irregulari- dades nao foram comprovadas, “Aouvidoria perguntouaCetesb (agén- cia de fiscalizagao ambiental no Estado de Sa0 Paulo) se a escéria poderia ser usada na sub-base da pavimentagao. A Cetesb disse que sim e 0 MP arquivou © proceso”, explica. O engenheiro foi entio orientado a acionar os promoto- res locais em uma segunda acio civil, 0 que fez. Esse segundo inquérito, de acordo com a assessoria de imprensa 30 WWW.CARTACAPITAL.COMBR Cada tonelada de aco produz 600 quilos de sobras, usadas principalmente Na fabricagao de cimento. Médicos e ambientalistas veem riscos a sabde Lucero. £m 2011, as empresas venderam 99,28 da escéria do MP e para decepgio de Scarpa, deve ter o mesmo destino do primeiro. 0 uso da escoria na pavimentacio tem se expandido no Brasil, resultado do intenso e eficiente lobby da indiis- tria sidertirgica. Pressionado pelos vo- lumes crescentes e pelo custo ambiental e financeiro, 0 setor dedica-se a encon- trar formas de transformar o residuo em matéria-prima, Em outras palavras, co desperdicio em lucro. O principal des- tino tem sido paraa fabricacao do CPI, cimento mais resistente. O produto con- some atualmente 60% dos mais de 11 milhdes de toneladas de agregados si- deriirgicos fabricados anualmente. Em seguida, vem a pavimentacdo e o nive- lamento do solo, que consomem 29% da produgo, O uso como leito ferroviarioe em fertilizantes também se destaca Os resultados das vendas em 2011 mos- ‘tram ser este um mercado promissor. Se- sgundo o relatério de sustentabilidade pu- blicado pelo Instituto Ago Brasil, inancia- b_..J do pelas empresas do setor, a receita com aescéria somou 394 milhées de reais na- quele ano, mais que o dobro do custo de disposieao, que consumiu 117 milhdes. Em 2008, as sideriirgicas comercializa- ram 58% da escéria, Dois anos depois, 0 indice havia saltado para 99.2%. Do total, 17975 toneladas foram exportadas, emes- pecial para a China. “Registramos 0 no- me ago-brita (que substituird a denomina- ¢do escéria, considerada pejorativa) no In- pi, ea ideia é partir para uma norma que vai estabelecer os requisitos para todos os fornecedores desse produto da aciaria”, afirma Cristina Yuan, diretora de Susten- tabilidade do Ago Brasil Segundo a executiva, a partir da pu- blicacdo da norma, baseada em futuros estudos e testes em parceria com o Dnit €0 Instituto de Pesquisas Rodoviarias, quem quiser vender o aco-brita ter de se adequar ao padrio estabelecido, “Is sovaieliminaranecessidade de se faze- lises individuais. No Dnit, departamento ligado ao Minis- tério dos Transportes, a interpretagio parece tum pouco diferente. Os estudos, informa o departamento, néo teriam 0 objetivo de criar uma norma ou trans- formar o residuo em produto, mas ape- nas estabelecer critérios de utilizagao. registro da escéria como matéria- -prima no Inpi, diz o pesquisador Arsénio Oswaldo Sev‘ Filho, professor dapos-gra- duagao no Instituto de Filosofia e Ciéncias ‘Humanas da Unicamp, pode nao ter nada ver coma tentativa de dar destino segu- residuo sélido diversificado, originario de industrias distintas e com graus varia- dosde risco a satide, ao mesmo tempo que atende a um conceito ambiental de reci- clagem ou reaproveitamento, pode signi- ficar uma tentativa de escapar dos rigores da Politica Nacional de Residuos Sélidos.” Eduardo De Capitani, coordenador € pesquisador do Centro de Controle de Intoxicagées da Unicamp, com forte atuagioem casos comprovadosdeconta- minago por chumbo e outros materiais, diz.nio ter encontrado nenhum traba- Thode avaliagao de risco ecotoxicolégico referente ao uso da escéria de aciaria na cobertura de solos ou pavimentago no Brasil. “Chama muito a atengo essa au- séncia. Encontrei apenas um estuco que inclui essa avaliaglo, realizado nos Est dos Unidos.” Sua resisténcia a considerar 19.2 393 milhoes de toneladas (2011) | em 26 unidades CIMENTE Producao total de residuos Receita 393,83 milhdes dé reais _ Escoria (9! de toneladas Mi icy. i 13% NVELAMENTODETERRENO 08 dados do citado estudo est na li ional Slag Associa- io dos produtores de aco norte-americanos. Parte interes sada, portanto, Nas ciéncias, argumenta De Capitani, hi a necessidade de se ter sempre mais de um trabalho capaz dere- produzir os resultados. “Nao que haja al- guma manipulagio, mas existem muitos vieses possiveis em estudos desse tipo, e 6 possivel que parte deles tenha sido in- voluntariamente deixada de lado Cristina Yan rejeita a critica, Inime- ros trabalhos, garante, comprovam o contriio, que a escéria no causa danos A satide ou ao ambiente e também que 0 produto estéllivre da presenga de metais Ela nao indica, porém, quais seriam 0 cestudos, a excegaio da pesquisa do NSA. ‘Convivo ha muitos anos como que cha- mode forte preconceito...de pessoas que abordam a questo sem ter o conhec mento ou a informagio necessiria para embasar um posicionamento.” E preciso ressaltar: os estudos exis- ntes, no Brasil ou no exterior, salvo 0 ja citado trabalho patrocinado pela as sociagao das sideriirgicas dos EUA, nio trazem avaliagies ss dos riscos. “Pensei que a experiéncia em San- to Amaro da Purificagio tivesse servi- do de alerta, Embora li o grande pro- blema tenha sido o chumbo, nao tinha 6 chumbo naquele material. As escé- \dependentemente da sua origem, tém grande quantidade de substdncias eninguém sabe quais sinergias podem ‘ocorrer, seja em contato com o ambien- te, seja no organismo dos individuos”, diz.aengenheira quimica Maria de Fiti- ma Ramos Moreira, pesat sadora da Fundagio Oswal- do Cruz (Fiocruz) e doutora em satide piblica. A historia da baiana Sa to Amaro da Purificagao tor- nou-se emblematica, Entre 08 anos 1970 1990, a Plum- bum Mineragio e Metalur- gia produziu entre 11 mil e 32 mil toneladas de chumbo por ano, A empresa distribuia os residuos populagio e ao poder piblico local. 0 ‘material foi usado na pavimentagio da Tuas € em revestimentos de quintais ¢ jardins. A contaminagao nacidade, espe- cialmente por chumbo, é uma das maio- resda historia recente do planeta. GARTACAPITAL| 19 DE FEVEREIRO DE 201331

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