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COMO TIRAR PROVEITO DE SEUS INIMIGOS Plutarco Seguido de Da Maneira de Distinguir © Bajtulador do Amigo PER MARECHAL tiacugso INS HORGES BDA FONSECA, Martins Fontes S00 Paulo 1998 ons © Lian ates Eda Lt, Conrisi © Eons Pinot Roper, 188 para separ cries Hecigo mao de 097 teagem ns 8 "a obra tad do prego por 108 BORGES a Fonste Presario de rg Mowe Batter tea Revisit Twa Cua de Ore Ramos Pi Pagina Fotos a can Sam i eo nc pind Ds Ai te nena: Ma Bi ‘igor ha EE, iy ‘st pat ag ea ‘ie cent ema essa a res a? ai a Rat hay tt manna | ‘erie Indice proveito de seus inimigos. 1 ide dlistinguir o bajulador do amigo... 25 109 Dedicatéria: a administragdo politica, fonte fecunda ile inimizades e de bdios. | Yejo, Cornélio Pulquério', que escolheste a ma- ra mais doce de governar o Estado: sempre a te orcares em servir a comunidade, mostras uma ide benevoléncia para com aqueles que em par- lar te cirigem solicitagdes*. Pode-se certamente ontrar um pais onde nao haja animais ferozes, 0, entre oUrtras Coisas, se Fala a respeito de Cre- nis se viu uma administrago politica que nao exposto aqueles que a exerciam ao ciéme de i rivais, a inveja e A concorréncia, paixdes muito ix em inimizades (alias, na falta de outras cau- iis amizades reservam-nos inimizades. Tal era a to «lo sibio Quilon‘, quando cle perguntava a omem que se vangloriava de mao ter inimigo Ihém ndo tinha amigo)? As meditagdes de um am dle Estado devem apoiar-se, parece-me, na ilo dos inimigos encarada sob todas essas Face- dleve-se ter atribuide um vivo interesse a esta sentenga de Xenofonte*: que “€ proprio de um ho- ‘mem ponderado tirar proveito de seus inimigos”. Em conseqiiéncia, as conversas que tive recente mente sobre essa matéria, seuni-as aproximadamente ‘NOs mesmos termos € envio-as a ti, Tanto quanto pos- sivel, abstive-me de inserir © que tinha escrito em meus Preceitos politicos’, pois vejo que tens fre- qilentemente esse tratado entre as maos. Visto que & impossivel néo ter inimigo, é preciso saber tinar proveito dessa situagdo, 2. Os primeiros homens limitavam-se a nao cait en- re as garras de seres selvagens de uma espécie dlife- re © af estava 0 objetivo dos combates que eles travavam com animais selvagens. Depois, seus descendentes aprenderam a utilizt-los; 1ndo tiram proveito disso, quando se servem de sua carne para se alimentar, de seu pélo para se vestir, de seu fel e de seu coalho para se tratar, de seu cou- ro para se atmar? Em conseqUéncia, se os animais ferozes tivessem vindo a faltar a raga humana, é de recear que sua vida se tivesse tornado selvagem, in- digente e barbara’. Por conseguinte, visto que os homens comuns s¢ limitam a evitar a ma vontade de seus inimigos, e que os ponderados, no dizer de Xe- nofonte’, tiram proveito de seus adversirios, nao ponhamos sua palavra em divida, mas procuremos lum método, uma arte, gracas aos quais os seres da st ipazes de viver sem inimigos tirar’io algum ex- lente vantajoso. (0 laveador nao pode tornar fecunda qualquer &r- e, nem o cagador, domar © primeiro animal que gar; eles procuram, entio, outros meios de tirar weito, 0 primeira, da esterlidade vegetal 0 segun- da selvageria animal. A Agua do mar é pouco po- wel e tem mau gosto; mas sustenta os peixes, favo- ie 0s trajetos em todos os sentidos, & uma via de Jicesso © um vefculo para aqueles que a utilizamy. ‘Quando o sitiro contemplou pela primeira vez 0 fo- io, desejou beijé-lo € abragii-o; ento, Prometeu Ihe disse: ‘De tua barba de bode choraris a perda.” (© fogo queima quem o toca; mas fomnece luz € calor, serve a uma infinidade de usos para aqueles {que Sabem utilizé-lo, Examina igualmente teu inimi- {gor esta criatura, de um outro lado, nociva e intraté- Yel, nao di, de alguma maneira, ensejo de ser apa- inhada? Nao pode prestar-se 2 algum uso particular? vio & Gti?’ Muitas coisas so igualmente penosas, detestéveis, hosts, quando se encontram no nosso ‘caminho. Entretanto, notas que certos homens con- verteram sua doenga numa doce inagao fisiea. Mul- tos outros se forificaram se tornaram resistentes sob 0 império das provocagbes que tiveram de so- frer, ao passo que a perda de sua patria e a privacio de seus bens conduziram raros eleitos a um lazer come rrr Preeti de einige dedicado ao estudo € a filosofia, Foi a diregio que Comaram Diggenes” e Crates". Zenon", ao contririo, sabendo que 0 navio fretado por ele tinha nauffaga- do, exclamou: “Fazes bem, fortuna, em me recondu- zires a0 burel dos filésofos!" £ a mesma coisa para cesses animals cujo estOmago & dos mais encomreados € cuja sate € das mais vigorosas; nao engolem e no digerem serpentes © escorpides Allis, outras espécies se nutrem de seixos e de conchas, transfor mando-os pela forca e pelo calor de seu sopro vital Em compensacao, 0$ individuos delicadas e doen- tios tém clfculdades em suportar um pouco de pao ‘ou de vinho sem ter vontade cle vomita. Assim os Jmbecis maltratam suas amizades, enquanto 0s ho- ‘mens sensatos sabem dirigir para seu proveito mes- smo as inimizades, Visto que nosso inimigo observa curiasamente nnossas aigdes, & necessdrio que estejamos aientos a n6s mesmas, e essa vigildincia transforma-se insensiveimente em babito de virtude, A emislagdo é uma contengdo moral. 3. Em primeiro lugar, parece-me que 0 mais preju- dicial na inimizade pode tomaurse 0 mais proveitoso, se se quer atentar nisso. E de que maneita? E que teu inimigo, continuamente atento, espia tas agbes, za expectativa da menor falha, fica 4 espreita, em tomo de tua vida, nao vendo somente “através dos ‘ alhos’, como fazia Linceu!, nem “através de pe- telhas’, mas também através de teu amigo, dloméstico, ¢ todos aqueles com quem tiveres iliaridade, para apanhar de surpresa, tanto quan- Ihe for possivel, o que farés, € aprofundar ou mdr tuas resolugdes®. Com efeito, acontece fre- jentemente que nossos amigos adoecem e agoni- im, sem que saibamos, enquanto Ihes «amos pro- de desinteresse e de negligéncia, Tratando-se de JOSS0S inimigos, ao contrario, vamos quase em bus- aide seus sonhos. Doencas, dividas ou brigas con- jusais escapam mais facilmente & meméria de seus hervidores imediatos que 4 de seu adversério. Mas € sobretudo aos erros que este se prende, ¢ vai ao set. fenealgo; e da mesma maneira que os abutres S20, itraidos pelo odor das carcacas pitridas, mas nao fentem 6 odor dos corpos sos € vigorosos, assim umbém as partes de nossa vida que sic doentias, fracas, afetadas atraem nosso inimigo; de fato, 05 {que nos demonstram aversdo investem contra elas 11 passos largos, tomam-nas de assalto ¢ despeda gam-nas. E isso entao uma coisa efetivamente Gril? Sim, sem nenhuma ditvida, Isso obriga a viver com cautela, a prestar atencio em si, a nada fazer nem nada dizer estouvada e irrefletidamente, mas @ man- {er continuamente sua vida resguardada de uma eventual critica, como se se tratasse de observar tum regime draconiano. De fato, essa maneira re servada, que reprime as paixdes da alma e refreia ‘os desvios do raciocinio, inspira 0 cuidado € a vontace de viver de maneira vireuosa e irrepreensi vel! Com efeito, as cidades, que guerras de vizi nhanga e continuas expedi¢des militares tornaram sensatas, chegam a amar boas leis e uma politica salutar: da mesma maneira os homens, compelidos por certas inimizades a levar uma vida sObria, a resistr 2 facilidade e a presungao, a atribuir um fim itil a cada uma de suas agdes, sao levados, sem saber, rumo a infalibilidade, e seus costumes adqui- rem uma regularidade edificante, por pouco que a razio venha em seu auxilio, O pensamento; “Que prazer para Priamo e os filhos de Priamot"* quando 0 temos sempre no espirito, desvia, afasta distancia de tudo 0 que pode alegrar os inimigos ¢ suscitar seu riso, Considera os artistas que figuram nas Dionistiacas: n6s 0s vemos relaxados e indolentes em representagoes desprovidas de rigor, quando no teatro esto apenas entre eles; mas todas as vezes {que ha concurso ¢ rivalidade com outros grupos, eles redobram a atengio nao s6 na interpretacao de seus Papéis, mas também no uso dos instrumentos de mui- sica: afinam-nos, cuidam mais minuciosamente da harmonia do concerto ¢ do acompanhamento das flau- las", Em conseqtiéncia, aquele que sabe que seu ini- migo € um concortente, tanto no plano da conduta ‘como no da reputaglo, presta mais atengao em si, olha 0 efeito de seus atos com circunspeer2o, regula ‘melhor sua conduta. Com efeito, € jgualmente uma licularidade do vicio ter mais vergonha dos inimi- {que dos amigos, quando se age mal. Donde esse ‘de Nasica”, quando pessoas pensavam e diziam (0 poderio romano estava doravante fora de peri- ipOs a destruigo de Cartago e a sujeigio da Gré- *Pois bem! E agora”, disse ele, “que estamos em rgo, porque nio deixamos a nés mesmos rivais possam inspirar-nos temor ou vergonha." A inveja de nossos intmigos 6 um contrapeso & nossa negligéncia. Além disso, nds nos vingamos uttimente de um inimigo afligindo-o com 0 nasso proprio aperfeigoamento moral. 4, Acrescenta ainda a isso a resposta de Didgenes, tio digna de um filésofo ¢ de um homem de Estado: Como me defenderei contra meu inimigo? ~ Tor hando-te (proprio virtuoso." Se veem que so ipreciados 08 cavalos de seu inimigo © clogiados seus cies, as pessoas lamentam-se. Se véem suas temas bem cultvadas e seu jardim Mlorido, experi mmentam uma geande tristeza. Que sucederd, em tua opiniio, se dis prova de equidade, de bom senso, Ue solicitude, de probidadle nos discursos, de inte- igridade em teus atos, de decéncia em tua conduta, ‘colhendo os frutos em teu coracio dos enormes suleos, teatro de crescimento le nobrescesignios""? fs homens slo acorrentados a seu snutismo"®, diz Pindaro; essa observagio nao € nem absoluta nem valida para todos, mas conceme aos que se vem vencidos por seus inimigos em vigilancia, em civismo, em grandeza de alma, em beneficéncia ¢ em humanidade, Bis o que “paralisa a lingua’, como diz Deméstenes, “fecha a boca, sufoca, faz calar™, “"S@ diferente dos maus, isso depende de ti" Queres montficar aquele que te odeia? Nao o trates de homosexual, de efemninado, de dissoluto, de trudo ou de mesquinho; mas comportate real mente como homem, sé moderado, diz a verdade, procede humanamente e com justica com aqueles que encontras. Mas se crés que és obrigado a che- gar as injGrias, afasta-te © mais possivel das desor- dens que the atribuis. Sonda o Amago de tua alma examina suas falhas, para nao te expores a ouvir dizer baixinho, por algum vicio oculto nao se sabe onde em ti meso, este verso do poeta trigico: ‘Queres curar outrem, quando regurgitas de dileeras!™ ‘Tu 0 tratas de ignorante? Redobra em ti o ardor pelo trabalho ¢ 0 gosto pelas ciéncias, De covarde? Reaviva tua audlécia e tua bravura, De lascivo e de dissoluto? Apaga de tua alma todo vestigio de ten- déncia a volipia que ela pode ter conservado secre- lamente. Com efeito, nada seria mais vergonhoso nem mais mortificante que ver recair sobre sia cen- Sura que se teria feito a outrem; mas os olhos fracos scem set feridos mais vivamente pela reverbera- dla luz, € os acusadores pelas acusagdes que a lade faz recair sobre eles. Exatamente como 0 nlo do note redne as nuvens, uma conduta mi Wa si justas censuras. Nao atribuamos a outrem efeitos que possuimas. Todas as vezes que Plato se tinha encontrado no ‘meio de homens de costumes dissolutos, costumava 410 deixi-los dizer a si mesmo: "Nao sou eu proprio, por acaso, um de seus semelhantes?"* Se aquele que feensurow amargamente a conduta de um outro exa- Iminar logo a sua e a refizer, dando-the um desvio € ‘uma diego em sentido inverso, colherd os frutos de fuss injirias, De outra maneira, elas parecerao ser Inuteis € vas, e, com efeito, sto, A multidao comu- nente i, sem didvida, se vé um calvo ou um corcun- dda clifamar ou escamecer um outro sobre suas defor Inidades, mas € absolutamente ridiculo ousar fazer a0 pproximo uma censura que ele pode Fazer voltar con- Int nds. Assim, Leto de Bizaincio, injuriado por um corcunda a propésito de sua vista fraca, respondeu- Ihe: “Atribuis-me a responsabilidade de uma desgraca muito humana, quando trazes sobre tuas costas as marcas da vinganga celeste.” Nao acuses, portant, tum homem adkitero se é Jouco pelos jovens, nem um ser dissipador de sua fortuna se & avaro. ‘De uma mulher homicida” é irmao pelo san gue", dizia Alemedo a Adrasto. Que Ihe respondeu. cle? Censuroushe nao o crime de tum outro, mas seu proprio crime: , “Por tua milo pereceu a mae que te fez. nascen"? Domicio diz a Crasso: “E tu, nao € verdad que, quando morreu uma lampreia que mandavas alt ‘mentar num viveiro, choraste?" O outro entao retor- quiu: “Mas tu, nao € verdade que, por ocasiio do enterro respectivo de twas wrés mulheres, nao derra- maste uma lagrima?™' Crés que para ter direito de censurar basta ser homem de espitto, falar com vor forte e tom categorico? Nao, € preciso estar res- guardado de toda acusacio e de toda censura, Com feito, a nenhum outro, parece, o deus recomenda tanto a pratica do “conhece-te ati mesmo" como 20 homem que se intromete em censurar outrem, re- ceando que, dizendo tudo 0 que Ihe agrada, se ex- ponha a ouvir coisas que Ihe desagradam. Com feito, segundo Séfocles, “acontece comumente” que tais personagens “nito se dominando em sua va tagarelice, cuvem empregar conta su vontade a Tinguagem ‘que inbam manti com prier sobre um outro" 2 cam Tia Pre eu ings Maneiras de receber as censuras de outrem. {0 que ha de titil e de proveitoso nas admoe: {que se fazem a um inimigo; mas 0 fato nao js verdadeiro em sentido contratio: quando se das injGrias e das eriticas de seus inimigos. Jss0, Antistenes dizia com razdo que, para os ne preservam, hé necessidade de amigos since- f inimigos ardentes: uns nos afastam do mal por W adverténcias, 0s outros, por sua census, Mas 9 que hoje a amizade s6 eleva fracamente a voz, indo se trata de falar com franqueza, € que, ver~ 1 na lisonja, € silenciosa nos conselhos, € da ei cle no3sos inimigos que nos € preciso ouvir a lide. Com efeito, assim como Télefo, ido po- yndo ser tratado pelos seus, entregou seu ferimen- 4 lanca do inimigo, assim tambem aqueles que Silo podem usufuir adverténcias favoraveis devem forcosamente escutar com paciéncia as censuras de lum inimigo”, se ele denuncia e reprime seus vicios, @ deterse menos a mi intencio que © ditige co {que no servigo real que ele Ihes presta. Um homem (quetia fazer perecer Prometeu, 0 Tessilio’, Fesiu-o ‘com sua espada e furou um flegmao, de sore que Ihe salvou a vida, livando-o desse abcesso que se abriu. Tal € muitas vezes 0 efeito de uma maledi- ‘cencia ditada pela c6lera ou pela inimizade: ela cura fossa alma de uma doenga insuspeita que tinhamos negligenciado. Mas as pessoas, em sua maior parte, {quando sio censuradas, nio procuram saber s€ es 13 sas teprimendas tém fundamento, mas usam recti- minagoes € acusam seu agressor de um vicio dife- rente. Imitam nisso a artimanha de lutadores em combate com a poeira: no lugar de se livrarem pes- soalmente dos defeitos estigmatizados por seus ini- migos, borvifam-se mutuamente com eles, de sorte ue, na peleja em que sucumbem alternadamente, se acham entio enodoados ¢ enegrecidos. Nao se a mais razodvel, nessas ocasides, corrigir 0 vicio Que nos censuram, com maior cuidado do que se Fissemos de nosso manto uma nédoa que nos tives- sem mostrado? Se nos atribuem defeitos que nao temos, devemos procurar a causa dessa caltinia, € aplicar-nos, a poder de vigilancia ¢ apreensio, em cometer, sem sabermos, uma falta semelhante ou aniloga aquela que nos censuram, Assim, Ta- cides, 0 rei de Argos, como sua cabeleira era pen- teada com demasiado cuidado, e andava com ex: cessiva delicadeza, tornou-se suspeito de frouxi- dio: 0 mesmo aconteceu com Pompe", que tinha 0 costume de cogar a cabega com um dedo 56; entre- tanto, ele estava muito longe de mostrar-se efemi- nado ou um devasso desenfreado. Acusou-se Cras so* dle manter uma ligacZo com uma das vingens sagradas” porque, desejando comprar-lhe uma bela propriedade, the fazia uma corte assidua, sem tes temunhas, ¢ a cumulava de amabilidades. Posttimia, ‘muito pronta para rir ¢ ousada demais para falar com 0s homens, foi desacreditada a ponto de ser acusa- da de impudicicia, E verdade que foi inocentada; termo da absolvicio, 0 grande pontifice Es- f€-la lembrar-se subsidiariamente de 10 reservada em seus discursos lanto em sua conduta. Quanto a Temistocles, que i reconhecido inocente, tornou-se suspeito de ilo em virtude de sua amizade com Pausinias cartas freqiientes que ele Ihe enviava™. Nao se devem desprezar as censuras, ‘mesmo que elas ndo sejam fundadas. 7. im conseqténcia, se se diz de ti algo falso, nto deves desprezi-lo ou negligencit-lo, por ser menti- fa, Examina ao contrdrio em tuas palavras, tua con- dita, tuas atividades de predilegio, tuas relacdes, tuclo o que péde servi de pretexto a calinia, depois resquarda-te disso e foge! Com efeito, se outros, viti- nas de infortinios imprevistos, tiraram dai ligoes proveitosas, assim como ensina Mérope: “0 infominio, ¢ verdade, dew-me a sabedoria, mas 20 prego de seres earos, objetos de minha ternura””, que nos impede de tomar as lies gatas Ihimigo e tar partido disso para aprender uma pa (Cir do que nos escapa? De fat, em muitos pons, avn omg €or i am a pamor € ego a espe do que le ana, com “ia Pio, 0 éo une a Intemperanga da lingua 20 sosto dos tagarelas, Hieron foi censurado por um seus inimigos por ter mau hilito; de volta "de volta a casa, dlsse a sua mulher: “Que significa ito? Por que nao ime falaste jamais a respeito de tal coist?” Mas cla, que ra Go simples quanto cast, respondevethe: “Achava {que ods os homens cheavam da mesma maneira.” im, & por nossos inimigos mais que por nossos amigos e familiares que pocemos tomar conscieneia de nossas manias, de nossasfraquezas corporals ¢ de nossos defcitos mais diretamente perceptiveis acontece geralmente aos espititos comuns que jem sua inclinagao e flutuam ao sabor de sua pu midade, de seu julgamento débil, de sua con- jnrefletida, Ora, a palavra, coisa volatilissima, “nos, como nos ensina o divino Platio, aos is pesados castigos que deuses ¢ homens podem gir", Mas 0 silencio jamais tem contas a dar, na0 io causa sede, como o diz Hipécrates®, mas di homem difamado um trago de nobreza, uma ea socratica, ou mais exatamente uma qualidade mcliana, se € verdade que esse her6i pao se inquietava mais com as calinias do que com E preciso suportar com dogura as brincadeiras ¢ as [uma mosea zumbidora™, maledicéncias: essa pactoncia é um meio muito afieaz de aprender a dominar sua lingua. Nada € mais nobre, seguramente, nada € mais eto ue se deve exer i Questdo para tratar do dominio que essa atitude tranquila diante dos insultos do ini- que ede cer ea pop nga ea ne pa dn re Oe eae Impasse man sng sob oe er orate ds clot pcre Se de tabaln sudo no iow os sale Uiveis paixdes tais como a célera, 1 tor een discurso que jorra involuntariamente, a ae igo: ‘Suportam-se muitas gragolas passando ‘como um marinheiro 20 largo dos escolhos™, mas 0 exercicio af levado a efeito tem maior mérito, Uma vez acostumado a suportar em silencio as inja- rias hostis, suportarés mais facilmente os arrebata- mentos de uma mulher que te injuria, ouviris sem emocio as palavras ofensivas de um amigo ou de lum irmao; € quando teu pai ou tua mae te derem pancadas ou te langarem algum objet no rosto, aceitaras a ofensa sem célera e sem ressentimento, ;palavra que dos dentes transpas a barren c 0 fato de que ‘certs express6es levantam véo espontaneamente", borates suportava Kant s moniosa, afim de que o habit fisse o tornasse mais doce ‘ se otoasse nade 28 et tea pelo que soja cont inimigs © estan nos exercitemos er midade a if nine suport com serenade 2 i lencias 09 anreatamentos, os motes, 0s ill ie, par habiuar nosso humor a perninecer ta {ilo-ea nose intar com a nti A generosidadle para com um inimigo & uma propedéutica para a grandeza moral, grandeza de alma, nossa bondade podem ai m : tum amigo do que vergonha em recustilo, se ele tem ‘de ago ou de ferro € forjado seu coragiio negro" jundo César ordenou que fossem reerguidas iituas (riunfais de Pompeu que tinham sido as por terra, Cicero disse-lhe: “Reerguendo as jus de Pompeu, consolidaste as tuas."* Em jqléncia, no se deve ser avaro de louvor ou jomenagem a seu inimigo, quando ele merece a juigo que se quer atribuirlhe, Os que exaltam ais exaltados; € as censuras dirigidas a um Jes uma outra vez. inspiram mais confianea, visto jparecem ditadas no pelo édio do homem, mas. jy reprovacao de sua conduta, Mas o que ha de His belo e de mais Util € que, tomando o habito de muvar nossos inimigos, de nos defender de todo Juncor e de toda tortura a vista de seu sucesso, nos Dlistamos mais dessa invefa que excitam em nds Wom muita frequéncia a felicidade dle nossos amigos Bo sucesso de nossos familiares. Ora, que outro fercicio é mais ttl para a alma, e melhor a dispoe jque aquele que extingue em nés todo instinto dle fivalidade e inveja? Com efeito, assim como na guer- fi ha todas as espécies de necessidades, aliis mas, {que, tomadas costumes € tendo forca de lei, no podem ser facilmente suprimidas, mesmo quando hos contrariam; do mesmo modo a inimizade, pela tinica razdo de introduzir em nés, juntamente com 0 Odio, um sentimento de inveja, deixa em deposito na sua passagem a desconfianca e 0 regozijo que vém do infortinio dos outros, 0 rancor enfim®. Além disso, quando a maldade, a asticia, 0 gosto da intri- 1, que nao parecem ser coisas condendveis ou int quas com respeito a um inimigo, se insinuam e ‘ossa alma, ai permanecem sem que possamos ni desfazer dcles; e o habito faz que, no sabendo reservar de tais

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