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; f DIREITOS SOCIAIS: AUTO-APLICABILIDADE VERSUS PROGRAMATICIDADE* Cléudia Maria Toledo da Silveira So os direitos sociais grupo integrante dos direitos fundamentais. ~ ditei- tos individuais, polit ‘que se constituem como aque- les essenciais, bésicos, elementares cm determinada época, desenvolvidos a par- tir da conscigneia social de um certo momento hist6rico; isto €, configuram-se como um “conjunto de valores que, considerados como fundamentais dentro de cada ordenamento jurfdico, concretizam ¢ desenvolvem a idéia de justiga”.’ Nao obstante se identificarem como contesido minimo de direitos assegu- rados ao individuo, para que possa atingir uma existéncia digna de sua condigao de ser humano, sua eficicia imediata ainda nao € ponto pacifico ~ na verdade, esti longe de ser ~ néo apenas entre os representantes populares, nos Poderes Executivo ¢ Legislativo, como mesmo entre doutrinadores, juristas e aplicadores do Direito, no Poder Judiciario, Essa situagio nao ¢ ocorréncia exclusiva brasileira, mas de varios Estados, onde a cficdcia e « conseqtiente implementago material nflo apenas dos direitos cos, econdmiicos ¢ socials ~, + Otema dese atigoé parte integrante do conteddo do erciro capitulo ce monogrfiaintelade Justica Sociale a Kfcicia dos Direitos Soclais, desenvolvida sob a rientagio do Prof. Dt. Joaquim Carios Salgado, com financiamento do CNPg e duragio de unn ano, Enconta-se no prelo do Movimento Falitorial da Faculdade de Diceto da UPMG, em vies de publicagio. O ‘objetivo central daguele trabalho fo, justament, a andlise mais detda da questo da efiefcia {esses direitos, sob o prism do ordenament legal jurico nacional, aprtir de Const Federal. 1 PEREZ LUNO, Antonio Enrique. Los derechos fundamentals, Madrid: Tecnos, 1984, 63 (CLAUDIA MARIA TOLEDO Da IRA sociais, mas de todos os direitos fundamentais ~ muitas vezes, até mesmo das ‘mais elementares ¢ clssicas liberdades individuais do século XVIII -, no obstante estarem formalmente dispostos na vasta maioria dos ordenamentos legais mundiais, ainda estio muito aquém do esperado, haja vista jase estar entrando em um novo milénio, decorridos mais de duzentos anos de sua declaragao pela Franga , sem considerar as conquistas pioneiras dos ingleses, que remontam aos primérdios do século XVII (Petirian of Rights, 1629; Habeas Corpus Act, 1679; Bill of Rights, 1689; Instrument of Government, 1652). “Poreficdcia juridica deve-se compreender a aptidao formal de uma norma juridica para incidir sobre a vida material, regendo relagdes concretas”.? ‘Oargumento em prol da ndo-imediaticidade da aplicagao dos direitos sociais reside na alegagio de que suas normas ndo seriam auto-aplicdveis, como as dos direitos individuais, mas se apresentariam como normas programaticas, tipica e exclusivamente direcionadoras da politica econdmica e social do governo, para ccuja eficécia imediata se faz necessaria a regulamentagao por meio de regras que Ihe detimitem methor 0 objeto, campo de incidéncia e forma procedimental. A classificagao das normas constitucionais quanto a sua eficacia, alias, va~ ria, praticamente, de autor para autor, na doutrina, Maria Helena Diniz, por exem- plo, considera a existéncia de “normas com eficacia absoluta, normas com eficé- cia plena, normas com eficacia restringtvel, normas com eficécia complementével ou dependentes de complementagio”, estabelecendo critérios préprios de sua di- ferenciagio, José Afonso da Silva considera que, embora a Constituigao declare expressamente que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais {6m aplicagao imediata, “isso nao resolve todas as questdes porque a Constituicao mesma faz depender de legislagao ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais”.” Afirma a existéncia de normas constitucionais programéticas, sob a diviséo: normas constitucionais de eficécia plena; normas constitucionais de eficdcia contida; normas constitucionais de eficécia limitada, 2 DELGADO, Mauricio Godinho. Jatrodueio ao direito do trabalho, Sio Paulo: Lt, 1995, p. 109. 3 SILVA, José Afonso da, Curso de diveito constitacional postivo. 9.24, Sao Paulo: Malheiros, 4° tragem, 1994, p. 165, 64 REVISTA DOCAAP ‘compreendidas por normas constitucionais de principio insttutivo © normas cons titucionais de prineipio programatico. Estabelece ainda que as normas que consubstanciam os Dircitos Fundamentais Politicos e Individuais sao de effedcia contida e aplicabilidade imediata, ao paso que aquelas definidoras dos direitos econdmicos e sociais tendem a sé-lo também, mas algumas seriam de eficdcia limitada, de principios programéticos e de aplicabilidade indireta. Kildare Gongalves Carvalho, por seu turno, aeredita haver normas constitucionais preceptivas, cuja aplicagéo € imediata, vinculando todos os sujeitos de direito, pliblicos ou privados, inclusive o legislador ordindrio, e as programdticas, cuja aplicaglo diferida c mediata, dirigindo-se ao legislador ordindirio, dele depen- dendo sua exeqtibilidade.* Sao assim consideradas porque dependeriam de regra infraconstitucional ulterior que as complementasse ou especificasse. 0 Prof, Mauricio Godinho Delgado, por sua vez, considera que, resultado, a Constituigio de pacto politico fundamental da sociedade envolvida, direciona, centio, a estrutura nuclear das relacdes essenciais existentes naquela sociedade. Por essas qualidades, inerentes a idéia de Carta Constitucional, é incompattvel a negagiio de imediata aptidao para incidire reger situagies ¢ relagdes fético-juridi- eas concrotas ~ negagio de eficdcia -, pois, as normas contidas nessa Carta, Sen- do, portanto, 0 diploma maximo de uma realidade sociopolitica, se a Ciéncia do Direito nio detém, em certo momento hist6rico, tipologia e eritério habeis para a conferéneia daquela eficdcia imediata, “é seu dever suplanté-los em favor de ou- tra sistemtica tedrica que consiga confer a efetiva prevaléncia ¢ uilidade jurt- dicas inerentes as normas constitucionais pactuadas”. A norma constitucional, ‘como preceito maior € politicamente legitimador da prépria ordem jurfdica glo- bal, 6, antes de tudo, valida, eficaz e aplicével, incidindo imediatamente sobre situagées fético-juridicas coneretas, Nao nega, portanto, a efiedeia da norma, mas classifica os preceitos constitucionais de acordo com a maior ou menor intensida- de de sua eficécia imediata — 0 que termina por gerar-Ihes, em diltima anélise, a nnegagao de auto-aplicabilidade, em que pese 0 marcante veio democratico do pen- samento do destacado jurista ¢ sua notéria preocupagiio social. Segundo sua con- 4 CARVALHO, Kildare Goncalves. Direitoconsttucionaldidétco, 2 ed, Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 3, 65 \UDIA MARIA TOLEDO DA SIL Zo, existiriam, entao, trés tipos principais dessas normas: de eficdcia plena, de aplicagtio imediata ¢ integral, independendo de legislagao posterior para o al- cance de sua cabal operatividade; de effcdcia conti, de aplicabilidade imediata, embora sua eficdcia seja restringivel por diploma infraconstitucional, conforme utorizado pela prépria Constituigo (nfo sendo editada a legislagio complemen- tar regulamentadora e restrtiva, a norma firmar-se-ia em vigor); e de eficdcia limitada, dependentes da emissio de uma normatividade futura (regulamentagao cabfvel ao legislador ordindrio) para alcangar plena eficdcia, que, nao obstante seja imediata, ¢ significativamente limitada, Afirma nao serem totalmente dest tuidas de eficdcia juridica, ja que tém aptidao para obstar a edigéo de normas infraconstitucionais de sentido antitético ou incompativel ao incorporado no pre= ceito constitucional vigorante, invalidando tais normas antagGnicas. Fo que de- nomina efeito esterilizante negativo, 0 qual se traduziria, assim, na minima eficd cia de que se reveste qualquer preceito constitucional vigorante. Nao nega, 10- davia, o carter programdtico dessas normas, uma vez que declara firmarem elas um “programa constitucional” a ser desenvolvido mediante legislagao integrativa da vontade constitucional. Os direitos sociais estariam nessas wlti- ‘mas inseridos.? Robert Alexy, grande doutrinador alemiio eminentemente na drea de Direi- tos Fundamentais, declara haver direitos sociais com catéter, por ele chamado, “definitivo” — vinculante ou auto-apticaveis® ~e dt stantes dos deveres estatais oriundos de prineipios,’ 0 que nao significa que no sejam vinculantes. Isso porque, mesmo ndo gerando os principios nenhum dever definitivo por parte do Estado, nem por isso perderiam seu cariter vinculante, tornando-se emuncia- 38 C01 DELGADO, 1995, p. 109-115. 6 Dir 18 fundamentals soeiais minimas”, indispenséveis & vinculantes, quis sejam o dicito a unm mimo vital, a uma moradia simples, educagio esco- lar, 8 formagi profissional ea um nivel padronizado minim de assisténcia médica (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos firdamenuales. Maui: Cento de Estudios Constitucionales, 1998, p. 499-500) 7 Bsse autor tem uma visio completamente singular de egraseprincipios, colocando aquelas em sig hierdrquica superior aos ins aribuindo-hes Fora vinulante definitiva inguscetivel ‘de ponderages, 80 contrrio ds prinespios, tos estes denominados “dict 66 — a REVISTA DOCAAP. ddos puramente programéticos, A diferenga fundamental existente entre os prin pios ¢ 0s deveres deles oriundos, e aqueles deveres juridicamente nfio-vinculantes, advindos de normas programéticas, consiste no fato de terem os primeiros que ser estabelecidos através de ponderagGes e, ao contritio, isso no sucede no caso dos deveres nfo-vinculantes. Para 0 ngo-cumprimento de um prineipio, tém que exis- tir, do ponto de vista do Direito, razdes aceitaveis; mas isso ni vigora para o caso do ndo-cumprimento de um dever juridicamente nio-vinculante. Um dever orde~ nado por um prinefpio pode, se nfo existe nenhuma razao aceitavel para seu ndo- cumprimento, conduzir a um dever definitivo; um dever no-vinculante, nunca, Entretanto, considera nio ser suscetivel de controle judicial o cumprimento dos principios constitucionais, mas apenas aquelas normas geradoras de dever defini tivo, ou seja, as regras dispostas na Lei Fundamental. A Suprema Corte niio poce- ria exercer esse controle por serem os prine{pios somente exceutéveis através de prévia ponderagio, o que faz.com que certo principio especifico, por exemplo, & luz dos principios opostos, seja ou nao satisfeito. A competéncia da Ala Corte terminatia, assim, nos limites do definitivamente devido (das regras, portanto). Se © legisladot, exemplificativamente, nfo cumpre normas de direito Fundamental disciplinadas por prine{pios, por esses estarem além do ambito do definitivamente devido, nao estaria definitivamente obrigado a faz@-lo, nfio podendo a isso ser ccoagido pelo Tribunal Constitucional.* E de convir-se que, muito embora se tenham progressivamente positivado 605 direitos sociais, o que, inegavelmente, representou importante passo em dite~ ‘go & sua conquista pelas classes menos abastadas ¢ a maneira de gerar-lhes a ‘garantia formal ~sem a qual, certamente, apenas com muita dificuldade e esforgo hermenéutico poderiam ser argilidos, protegidos, tutelados -,a fixagio de presro- gativas sociais, nas Constituigdes, com sua classificagao como normas rogramdticas, foi a solug70 encontrada para a manutengo de um sistema concentrador de riquezas. Afinal, considerando-se que elas nio possuiriam cfetividade pritica ou eficécia imediata, nao vinculariam nem o legislador a im- por-the um prazo de vigéncia, nem o executor da lei a coner que, como 8 ALEXY, 1993, p, 499.501, or cxaupIa A TOLE ‘do haveria termo para seu cumprimento, nfo se poderia condenar 0 administra- dor por nifo 0 fazer? critica maior que se faz 2s chamadas normas programdricas ¢ justamente ‘essa: ade que pairariam em certo limbo juridico, sem aptido para regerem situa- ‘¢Ges da vida conereta, “Tecnicamente, sequer poderiam set tidas como fontes do Aireito, dado nao criarem, enquanto nao completadas por lei, direito subjetivo ou pretensfo material em favor de qualquer titular.”"" Nao teriam, destarte, qualquer eficécia ~ aptidio para incidéncia e aplicagao concretas -, seja formal, seja mate- rial. Essa concepeao, portanto, alarga ao méximo a nogao de impoténeia das nor- ‘mas constitucionais, conduzindo & curiosa situagdo de virtual ineficécia de grande parte da Carta Magna promulgada, Apenas indicariam planos ou programas de atuagao governamental ~ ou, as vezes, por parte da sociedade -, servindo para direcionar 0 futuro desenvolvimento juridico. Tanto suporiam lei subseqtiente para sua complementagdo ou regulamentagio, como também exigiriam medidas admi- nistrativas para que se pudessem tomar efetivas. Intrigante é que, apesar de os doutrinadores citados e varios outros prega- rem a insergao, principalmente, dos direitos sociais entre as normas programiticas, simultaneamente reconiecem a atual disposigio constitucional da auto-aplicabi- lidade dos direitos fundamentais, ou seja, nao apenas individuais e politicos, nas também econdmicos e sociais. Disposigio essa que se apresenta com a imperati- Vidaude de determinar aimediata aplicabilidade desses diteitos, presente no art. 3°, § 1°. Exemplo de tal contradigio ¢ a contraposigtio da assungio desse mandamen- to constiticional com a afirmagao de que “a maioria dos direitos sociais vem cemunciada em normas programiticas que demandam intervengio legislativa para ‘se tornarem operativas e aplicaveis, pelo que nao podem os destinatérios invocé- Jos ou exigi-los imediatamente”." Ao se tratarem os direitos fundamentais como direitos, quer-se dizer que a cles, necessariamente, correspondem obrigagSes, caso contrario no passariam de eros valores de orem moral ou ética. O fato de dispé-los, conferindo a alguns 0 9 ABENDROTIL, Wolfgang; DOEHRING; FORSTHOFF. El estado social, Madd: Cento de Extudios Constiucionales, 1986, p. 19. 10. DELGADO, 1995, p. 109-110. 1 CARVALHO, 1992, p. 84, 68 _ oe [REVISTA DOCAAP titulo de ‘normas programéticas’ é, no minimo, confuso, para o seu portador, discemir 0 que pode exigir de seu governo ¢ particulares por se apresentar como cconduta obrigat6ria, a qual, se nfo cumprida, acarreta sangoes 0 que mio se apresenta de tal forma, Estampa-se nitida hipocrisia legal. Satisfazem-se interes- ses dagueles que lutam pela normatizagao de seus direitos fundamentais, assegu- rando-se, simultaneamente, a manutengio do status quo, benéfico aos detentores do poder econdmico e, conseqiientemente, politico. Dificil 6 saber 0 género de tais normas que ordenam, profbem e permitem ‘num futuro indetinido, sem prazo de caréncia delimitado, Ardua é a identifica- «io do tipo de direitos definidos por clas, cujo reconhecimento ¢ efetiva prote- {80 siio adiados sine die. Questionével é, por sua vez, sua eficacia, uma ver que séo confiados a vontade de sujcitos cuja obrigagio de executé-los é apenas de ordem moral ou politica, Provavelmente as diferengas entre esses auto-intitulados direitos ¢ 0s direitos propriamente ditos sejam de tal monta que tomam impr6- prio ou impossibilitam 0 uso da mesma palavra para a designagao de conceitos tio diversos.® Atente-se para o relevante fato de que as leis programyiticas acabam por se transformarem em uma supervalorizacio do Poder Executivo, na medida em que no podem ter sua execugao cobrada incisivamente, pela inexsténcia de prazo cespecificado para seu cumprimento, podendo a Administrago Publica efetivé-tas ‘quando ¢ na intensidade que quiser, ou mesmo nao fazer. O antigo Estaclo de leis torna-se um Estado de administragio."" Quando se trata de Poder Legislativo, visto serem os direitos socinis inte- sgrantes dos direitos Fundamentais — como o proprio nome diz, elementares, cons- tituintes do fundamento material do Texto Supremo -, é de se enfatizar nfio pode rem ficar suscetiveis de alteracio ou revogacio ao sabor das inclinagées politicas ou ideol6gicas de parcelas legislativas minoritérias, consubstanciando-se como conteiido essencial cujo campo thes 6 vedado."* 12 BOBBIO, Norberto. A eva dos direitos. Rio de Jaseito: Campus, 1992, p. 77-78. 13 ABENDROTH, Wolfgang; DOEHRING; FORSTHOFF. Op. Cit, 1986, p. 89-90, 14 FLORES, Joaquin Herrera. A proposito de la funéamentacion de los derechos humans y lt inlerpretacion de los derechos fundamentals, Revista de Estudios Poiticos, (48): 177-212, ‘maijun, 1985, p. 28-206, 9 MARIA TOLEDO DA SILVEIRA Os direitos fundamentais, por sua natureza de essencialidade ¢ originalida- de dos demais direitos, no podem estar submetidos a normas programéticas, ‘meramente diretivas da ago politica ou administrativa do Poder Publico, depen- dentes de leis especificas para sua aplicagio concreta. Dever ser auto-executiveis, portanto, Caso contritio, seria admitir a revogago ou o suplantamento do poder onstituinte superior pelo poder constitufdo inferior, o qual poderia regulamentar as normas quando the conviesse ow mesmo nao 0 fazer. Se sto dircitos, sdo exeqtiiveis. Se sao fundamentais, mais urgente, entdo, tomna-se seu exercicio. A auto-aplicabilidade dos direitos fundamentais é, pois, indispensavel garantia de sua eficdcia, devendo, portanto, os tribunais aplicarem as normas constitucionais, ainda que nao regulamentadas.'* Ademais, ressalte-se que, em que pese 0 manifesto esforgo, notadamente dos doutrinadores Mauricio Delgado © Robert Alexy, no sentido do estabeleci- ‘mento da eficdcia imediata inconteste das normas contidas em uma Carta Consti- tucional como regra geral, suas afirmagées de que os direitos sociais seriam “nor- ‘mas de effedcia contida”, carentes, para sua auto-aplicabilidade, de “programas constitucionais” a serem desenvol vidos pelo legisladorinfra-constitucional (Mau- ricio Delgado) ou de que “alguns” deles seriam vinculantes, auto-executaveis € “outros” nao (Robert Alexy), acabam, ainda que indiretamente, por aniquilar 0 cardter de imediaticidade da eficacia desses direitos, Isso porque, ao afirmar-se, no primeiro caso, que 0s direitos sociais de- ‘mandam programas constitucionais, antes de tudo, atribui-se ao legislador ordi- nario o exorbitante poder de tornar ou nao eficaz norma estipulada por legisla- dor constituinte, sendo que, exatamente ao contrério, os atos daquele legislador Vinculam-se, sio determinados pelas disposigées postas por esse tiltimo no tex- to constitucional. A posigio dos legisladores é, portanto, invertida: nfo € 0 legis- lador infra-constitucional quem determina os mandamentos constitucionais ¢ seus efeitos, mas, obviamente, o constituinte, chamado origindrio. O legislador ordiné- rio encontra-se, pois, em situagio de subordinagao a legistagao da Carta Magna, ¢ 15. SALGADO, Joaquim Carlos. Os Dirsitos Fundamentais a Constitute. Consitinte e Cons- ‘ituigao, Belo Horizonte, “Projet Constitute” do Conselho de Estensio da UPMG, 1986, p. 36, 38, 10 . - _ REVISTA DOCAAP. rio de detengio do poder discricionétio de, conforme sua ideologia ou interesses representados, doté-las ou nfo de efiedcia imediata, (© segundo ponto é que o fato de se afirmar a eficéeia dos direitos sociais, mas classified-los como normas de eficécia contida, somente transformada em imediata mediante a concretizagdo de programas constitucionais, infelizmente, no passa de uma maneira eufem{stica ~ apesar da sincera intengio do autor em relago & materializagao de tais direitos ~ de afirmé-los como inseridos em nor- mas programéticas. Quanto a0 argumento de sua distingio com respeito a essas normas devido ao “efeito esterlizante”, que clesempenbariam no sentido de tornar ineficazes normas infraconstitucionais ja existentes no ordenamento jurfdico ou posteriormente formuladas, que the seriam atentatérias, contrérias e, destarte, conseqiientemente, inconstitucionais, é de convir-se que esse efeito nada mais & do que conseqiéncia dbvia e necesséria de qualquer norma constitucional (e até ‘mesmo infraconstitucional, pois, a partir do momento de sua promulgagao, revo- gam-se as disposigses em contrario), ndo devendo ser, entao, assuumido como grande exclusiva prerrogativa dos direitos sociais ou sua earacteristica de destaque. Se hd em um mesmo ordenamento juridico duas normas contréias, antitéticns, faz-se uurgente a revogagao de alguma delas para que se possibilite a plenitude de aplica- ‘edo ¢ eficdcia da outra, No caso de conflito entre norma infraconstitueional ¢ norma constitucional, logicamente, prevalece a eficécia da tiltima, devido a obrigatoriedade de observancia do prinefpio de hicrarquia interna da ordem juri- dica, visto set a Constituigdo seu ponto mais elevado. segundo jurista referido — a despeito dla profundidade de fundamentagio tc6rica de sua obra -, ao declarar “alguns” direitos sociais como néo-vineulantes, termina por atribuir incompativel grau de vagueza e abstrago na caracterizagio desses direitos. Por sua natureza constitucional ¢ importancia legal e juridica as- sumida no ordenamento dessa condigio decorrente, como jé afirmado, considera- se invidvel, incompativel sua definigo como nio dotados de auto-aplicabilidade, conforme disposto na propria Lei Maior, Nao bastante conccituar-Ihes certa par- cela, indefinida, como vinculante e uma outra, nio se dispondo de nenhuma exa- tidao, inerente e imprescindivel a qualquer definigao cientifica ~ composta, com necesséria clareza, dos elementos essenciais de determinada figura, objeto de tudo -, faz. com que reste em aberto a questo de sua eficdcia imediata, uma vez que se toma repleta de diividas a pretensio de exigibilidade de algum deles se no n cua MARIA TOLEDO DA SILVEIRA, se sabe, ao certo, ser ele, especificamente, um daqueles a que se decidiu (ou nio) aplicar a forga vineulante. Além disso, no esté claro, para os virios doutrinadores, qual o eritério para a definigfio de determinada norma como programitica ow néo-vinculante, Hé juristas que estipulam a determinagao de uma norma como vinculante a partir da averiguagaio da possibilidade de constatagao de sta lesdo pelo Tribunal Constitu- ional do pafs~ no Brasil o Supremo Tribunal Federal (STF), jé que a cle cabe a anilise de questées constitucionais."® No entanto, particularmente em relacdo aos direitos sociais, uma ago mandamental na qual se demonstre, por exemplo, @ ndo-viabilizagao do acesso & educagio a certa crianga, cuja familia seja de baixa rencla, devido a inexisténcia ou néo-oferecimento de vagas em escolas puiblicas, entende-se estar muito bem caracterizada a lesio ao seu diteito social fundamen- tal, sendo, por conseguinte, perfeitamente dotada de inteligibitidade para sua cons- tatagio pelo juiz de primeiro grat (competente para presidir 0 processo devido ao controle de constitucionalidade difuso adotado nacionalmente) ou mesmo pelo STE, o tribunal patrio legitimo para o julgamento, em diltima instancia, de causas que envolvam controvérsias de natureza constitucional.”” corre que os direitos sociais, por lidarem com questdes amplas, que en- vvolvem a attagao ativa do Estado no sentido de sua concretizagdo, necessitam de organizagao procedimental do Poder Péblico para sua viabilizagao. Iss0 porque, cembora a Constituigiio Federal/88 tena determinado serem, por exemplo, dlirei- idaddos o direito & educagao e ao trabalho, dispos, como cri nos quais se pautaria sua implementagdo, majoritariamente, prinefpios, como oda redugio das desigualdades regionais e sociais eo da busca do pleno emprego, entre outros (art. 170). tos sociais dos 16 ALEXY, 1993, p, 484, Para a solugio da questo das garantias dos Direitos Fundamentis, paises europeus, como Alemanha, Espanha, Portugal, lla, criaram um Tribunal Constitueio- ral, que colaea entre suas fangs primeira a salvaguarda dos Diretos Fandamentais, prove cando a relevante€ elicientejudiializagio do ordenamento (BARACHO, José Alfredo de (Oliveica, Dogmitiene tora juriica dos direitos fundamentas, O sino de Samuel, seo Dow tina Juridica, ano 2, n. 11, mat, 1996, p. 12) 17 SALGADO, Joaquim Carlos, Pontes de Miranda e o diteito & educagao, In TH, 1988, Anais Jodo Pessou: Grasel, 1988, p. 243-250, n = REVISTA DOCAAP Assim, muito embora se afirme ter a ordem econdmica regente no Pals, ‘como um de seus fundamentos, a valorizagio do trabalho e, como fim, assegurar uma existéncia digna a todos, com base nos ditames da justiga social, e a orem social, por sua vez, determine eomo sua base o primado do trabalho, ¢ como set objetivo, o bem-estare a justia socials, fandamentos e Finalidades da mais eleva- danobreza e eqtiidade, no especificou~e nem poderia, pelo caréter sintético que deve ter um texto constitucional -, detalhadamente, em intimeros artigos, incisos ¢ alineas, que seriam para tanto necessérios, como o Poder Executivo cumpritia tais direitos. Entretanto, a partir do momento em que se situam como objetivos da ordem econdimica a garantia a todos de existéncia digna ea realizagio da justign social, a intervengio do Estado na economia somente se justifica na medida em que “se bbusque condicionar a ordem econémiea ao cumprimento de seu fim de assegurar 4 existéncia digna a todos, conforme os ditames da justiga social”. Nao se trata de impor que, jd que os principios e normas reyentes dos direitos fundamentais {Gm aplicabitidade imediata, devem os direitos sociais ser instantancamente con- cretizados no exato momento em que foram formatmente disciplinados. B ululan- te que nio. Se se trata de direitos que somente so materializados com a atuagao administativa estatal, a qual demanda elaboragiio de projetos e estipulagio de planos de exccugfo, requerem, naturalmente, certo lapso de tempo para serem implementados, periodo esse que variaré em conformidade com a complexidade do projeto adoxado, E obviamente impossivel, por questio mesmo de necessidade temporal, ue se obtena tal realizagio tio logo se declare o direito, Da eficécia imediata dos direitos sociais nfo decorre a exigéncia de resultados imediatos, mas sim a imediaticidade do estabelecimento de agSes governamentais no sentido de sua realizagao empiica, Imprescindivel é, exatamente, o ditecionamento dos alos piblicos (legislativos © administrativos) para aquela realizagao, sob pena de in- constitucionalidade por omissdo (passfvel de Agio Direta de mesmo nome ou de Mandado de Injungio), em easo de inércia do Estado, ou por ago (aigitvel por Aci Direta de Inconstitucionalidade por Ago, Mandado de Seguranga, ou Ago 18 SILVA, 1994, p, 668-669, B AUDIA MARIA TOLEDO DA SILVEIRA Popular, conforme.o bem lesado), na hipstese de efetivagdo de conduta atentat6ria Aqueles preceitos constitucionais. Assim, se as ages governamentais pretendem ser constitucionais ~ como, naturalmente, todas deveriam ser -, maquina estatal no se pode colocar sub- missa a servigo de oligarquias econémicas e burocréticas, empenhando-se na sa- tisfagio de seus exclusivos interesses, a despeito ~ e muito a despeito, diga-se, pelo que se denota da realidade fética do individuo, sua dignidade minima como ser humano, com 0 pretexto de cumprir planos e programas, de eficiéncia pretensamente cientifica, mesmo que, 2s vezes, muito bem intencionados."” io se deve esquecer que o deslocamento da declaragao dos direitos funda- mentais do final apés as disposigdes sobre a organizagio do Estado, com era disposta nas Constituigdes precedentes & de 1988, para o inicio do texto constitu- cional, significa que todas as instituigGes estatais esto condicionadas a ela, de- vendo, portanto, observé-la. Assim, “Legislativo, Executivo e Judiciério, orga- mento, ordem econémica, além de outras instituigdes, so orientados e delimita- dos pelos direitos humanos”.” Analogamente, nfo se pode olvidar 6 fato de que, por fundamentos do Esta- do brasileiro, dispostos no art, 1° ~a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, dentre outros -, deve-se entender como aqueles “ele- ‘mentos inerentes & estrutura do Estado © do Poder." Se sao inerentes, fazem parte da esséncia do Estado, sendo-lhes indispenséveis. Ndo podem, portanto, ter seu cumprimento relegado ao “momento em que for possivel” sua efetivagao pe- las agdes do Poder Pablico. Se the sfo inerentes 2 estrutura, sio-Ihe vitais, ¢ se nio existentes, descaracteriza-se prprio Estado, por nao corresponder sua exis- {€ncia pritica ao seu conceito. Ou o Estado possui determinadas elementos que Ihe foram assumidos pelo poder constituinte como impreseindtveis, ow néo se constitui o Estado disposto e submetido & sua Lei Fundamental Afinal, a dignidade da pessoa humana, inscrita como fundamento do Esta- mnhecimento do valor do homem em sta dimensao de no s6 um 19 OLIVEIRA, Almir de. Democracta e direitos humanos. Juiz de Fora Instituto Cultural Santo ‘Tomés de Aquino, 1983, p. 89, 20 CARVALHO, 1992, p. 83 21 CARVALHO, 1992, p62 "4 REVISTA DOCAAP. liberdade, como também de que o priprio Estado se constréi com base nesse principio,” que abrange, logicamente, todos os direitos fundamentais, encontran- do-se afirmado em diversos trechos constitucionais: arts. 170; 193; 5°, II, V. XLI; PAV, XXX, denire outros, Os objetivas, por sua ver, expostos no art. 3° dentre eles, os de construir uma sociedade livre, justa e solidaria, erradicar a pobreza e a marginalizagio, reduzir as desigualdades sociais ¢ regionais, promover 0 bem de todos ~, encon- tram-se “fora da estrutura do Estado, sendo algo externo a ele e que devem ser bbuscados através de agdes suas € da propria sociedade”>* Nao esto, destarte, inseridos no Texto Constitucional ~ 0 qual somente deve dispor 0 minimo essen. cial ao direcionamento das agdes dos trés Poderes e dos individuos ~ para supér- fluo embelezamento. Sao metas que foram escritas para serem alcangadas, caso ccontrario nao precisariam estar ali dispostas. NZo possuem mero valor retérieo, mas se caracterizam como fins para os quais, necessariamente, devem-se voltar as, agfies do Estado, seu planejamento, scus planos econdmicce. # somente em prol dda satisfagio dessas finalidades que se justificam todos os procedimentos-meio adotados pelo Poder Piblico. Se tais metas nao sao alcangadas, nem se organizam cesforcos, projetos, obras, iniciativas nesse sentido, o Estado estard nao apenas fugindo aos fins para os quais foi criado, de acordo com a presente Constituigo Federal, como também praticando atos inconstitucionais, seja em qualquer um de seus Poderes, passiveis de argiiigao pelo Poder Judicistio. Entio, se asseverar que os direitos sociais, assim como todos os direitos fundamentais, informam nao somente a legislagao positiva, mas também as agdes dos poderes piiblicos e dos tribunais, e, ao mesmo tempo, atribui-se-Ihes um en- tendimento que Ihes difere ou elimina a eficdcia, expondo-se que é nfo apenas necesséirio, mas imprescindivel que uma lei os desenvolva para que se viabilize a argitigao perante os tribunais, situago, no minimo, contradit6ria.™* Se existem direitos consagrados em normas estabelecedoras de prestagdes estatais positivas, como é 0 caso dos direitos sociais, © direito do cidadio diante do Estado de que esse nao the elimine certa posigiio juridica é, portanto, um ditei- 22 CARVALHO, 1992, . 71 23. CARVALHO, 1992, p. 62 24 FLORES, 1985, p. 188 8 ‘CLAUDIA MARIA TOLEDODA SILVEIRA - to que implica a ndo-derrogagao pelo Estado de determinadas normas, dele pré- prio emanadas, Portanto, se se desrespeitar algum direito social, seja por ago ou, como é mais comut, por omissio, esti-se, automaticamente, atuando de forma ‘das mais incoerentes possfveis: derrogando normas nada menos do que constitu- cionais, elaboradas ¢ ratificadas pelo préprio Estado.” Caso isso ocorra, compete aos indivéduos singulares lesados, &s suas enti- ‘dades representativas, aos partidos politicos ¢, primordialmente, a0 Ministério Piblico, dentre outros titulares ativos de agdes consubstanciadas em tipicas ga- rantias constitucionais, interpé-las para defesa daqucles direitos essenciais ofen- didos. Ede se salientar que somente pociem funcionar como restrigdes™ aos dirci- tos fundamentais ~ via de conseqiiéncia, aos diteitos sociais ~ normas capazes de limitar principios constitueionais, haja vista serem tais direitos, em grande parte, regulados por prinefpios e exclusivamente esses poderem ser restringidos, diver- samente das regras constitucionais, que, se vigentes, so ou ndo cumpridas, De- vein assim ser, em primeiro lugar, normas. & uma norma somente pode ser uma resttigdo de direito social, naturalmente, se é constitucional, porque, se 0s die tos sociais so constitucionais, apenas podem serrestringidos por normas de igual nivel hierdrquico. Se no o é, sua imposigao pode, por certo, ter o caréter de uma intervengo, mas nao de uma restrigio. Além disso, sua restringibilidade € limita- da, somente sendo admissfvel se, no caso concreto, houver principios opostos. Hi, portanto, em relagao aos direitos sociais € aos demais direitos fundamentais, ‘no que tange aos prinetpios constitucionais a eles conexos, certa caracteristica de proporcionalidade. Contudo, ha que se atentar para o fato de que sio nao apenas ‘completamente possfveis, mas também freqilentes, casos em que a relevancia de dcterminados prineipios — como o principio da igualdade de fato, tipico dos direi- tos sociais ~ & tio grande que todas as razbes opostas restam desprezadas, de maneira a outorgar-s¢ um diteito definitivo concreto & criagdo de uma determina- 28 ALEXY, 1993, p. 194 26 Por restriges, entende-se como aguilo que conduz a uma certa exclusao da protegto |juslundameatal eprescatando, ness sentido, a parte negativa da norms fundamental 16 REVISTA DOCAAP. da igualdade de fato. Tudo isso gera um modelo sem contradigZo, uma ver que idéias opostas s0 contrabalanceadas, interpretadas © adotadas tendo-se em vista todo o sistema legal ¢ juridico, havendo, sem diivida, etemo espago para valoragdes bastante diferentes ¢ infindaveis controvérsias.” 'Nio obstante, nio se pode desprezar a realidade constitucional que declara 08 direitos sociais nao apenas por meio de principios — esses sim, passiveis de ponderagies ¢ mesmo de negaco de acordo com o caso conereto —, mas também por meio de regras, insuscetiveis, por sua natureza, de qualquer ponderagiio, sen- do ou completamente validas e eficazes ou, em caso contrério, desprovidas de qualquer validade ou eficacia, situagdo essa incompativel com as mais basilares © fundameniais normas, oriundas da Constituigo Federal, orientadoras de todo 0 ordenamento legal e ju Inquestiondvel é que a polémica sobre os direitos a prestagdes esté caracte- rizada por diferengas de opiniao sobre o carater e tarefas do Estado.8“Em ne- inhum outro dmbito € tio clara a conexio entre o resultado juridico e as valoragdes gerais préticas ou politicas; em nenhum outro ambito se discute tio tenuzmen- te." Sua interpreiacdo é flagrantemente conduzida de conformidade com a ide- ologia politica do autor. Isso porque, conforme ressaltado, inegavel é 0 fato de, em contraposigo & grande maioria das regras de direito privado, as normas cons- titucionais relativas, seja aos direitos fundamentais como um todo seja aos direi- tos sociais em especial (nesses, de forma mais acentuada) nio conterem uma re- gulamentagao completa e perfeita. Nao apresentam a mesma certeza de contetido, a mesma clareza de sentido, a mesma determinabilidade conceitual. Sua regula- mentagio constitucional é quase sempre incompleta ¢ fragmentéria, porque prin- cipalmente constituida de prinefpios mais ou menos abstratos, de diretivas que fixam fins, mas pouco dizem acerca dos meios, processos ou intensidade da sua realizagao, Fazem constantemente apelo a conccitos indeterminados e de valor, a ico nacional, 27 ALEXY, 1993, p. 195, 272,277, 291-202, a15, 28 Nao se pode também ocular fato de que Lei Fundamental brasileta a semethanga da alma, {do panto de vista de seu texto de sua génese, tem primaiamente o carter de wma Constiuigao bburguesae de Estado de Direito orienta paras direitos de defesa, com forma decontraposigho 20 regime autortrio anterior. ALEXY, 1993, p, 421 29 ALBXY, 1993, p, 426-427 formulas gerais e elésticas, breves ¢ esquemiticas. Grande parte daquelas afirma- ‘ges € desses conceitos transporta a historia das idias filoséficas on politica, em ‘que mundividéncias diferentes disputam as mesmas palavras ¢ as enchem de conotagies préprias, numa linguagem mais apelativa do que descritiva, tanto mais vvaga e ambigua quanto mais heterogénea € a sociedade ¢ mais compromiss6ria tenha sido a elaboragilo do texto da Constituigzo, Entretanto, no tocante a interpretagdo dos direitos sociais, ¢ de manifesta relevincia a con: te, deve-se ater a recursos técnicos ¢ objetivas oferecidos pelo Direito e sua Ciéncia, Note-se que nao exclusivamente no estrito texto legal deve-se basear, sob pena de adotar-se conduta eminentemente positivista c legalista, mas, de qualquer man 1a, 0s recursos utilizados para a interpretagio ‘vos (como o sao os principios constitucionais, por exemplo) e nao de cunho sub- jetivo, como 0 é a opgio politica. Isso porque a ideologia politica nfo é do profis- sional, do jurista, mas do cidadao que ele, antes de mais nada, é. Inegavelmente, 0 ordenamento legal, em qualquer Bstado regido pelo sistema do direito continental ou positivado, é 0 primeiro instrumento no qual se deve pautar 0 aplicador, ¢ a Lei Maior brasileira muito clara ao afirmar a auto-aplicabilidade dos direitos fun- damentais c, portanto, dos direitos sociais, em seu art. 5°, Assim, aeficécia imediata nada mais faz do que atender i especial forga vinculante da Constituigao — que dela, obrigatoriamente, goza, devido ser geradora, por si propria, de direitos sub- jetivos, sem necessidade de mediagao legislativa ~, seja no fimbito de atuagao dos poderes piiblicos seja entre os entes privados.” Para a constatagio dessa inerente auto-aplicabilidade dos direitos sociais, basta se considerar a regra juridica geral de que dircitos a prestagbes positivas, seja por parte do Estado seja pelos individuos, apenas sao tornados eficazes, isto 6, somente so suscetiveis de argiicio, quando da ocorréneia de seu fato gerador: ‘0 consumidor s6 pode argiir seu direito de troca de mercadoria defeituosa, natu- jéncia de que, no julgamento de questées juridicas, obviamen- i de ser, necessariamente, obj 30 BARACHO, José Alfedo de Oliveira Direitose garantiasfundamentais (pate geraly direitos invioléveis;teoria eral dos drvitosindividuais, direitos iberdades constitucionalmente ga- rantidos, enscio de enumeragio. Revisia da Faculdade de Diveito da UFMG, v.33, 0.33, p 133-152,1991; p. 291-292, 295, 299, 8 REVISTA DOCAAP. ralmente, se antes a tiver adquirido, através de negécio licito de compra c venda (a transagio, nesse caso, é que sera o fato gerador da posigio de consumidor do comprador, a qual 0 torna titular do direito de troca); 0 contribuinte do Instituto Nacional de Seguranga Social (INSS) apenas faré jus ao recebimento de valor pecuiistio relative & aposentadoria a partir do momento em que se aposentar, ete fato gerador dos direitos sociais €, exatamente, a simples condigio de pessoa ‘humana do individuo, 0 que faz. com que, por se tratar de ser humano, necessatia- mente, ele tenha direito a educagao, satide, trabalho, lazer, seguranga, previdéncia social, dentre outros. Por outto lado, direitos ~ subjetivos, coletivos ou difusos -, para serem protegidos, demandam uma sango objetiva no caso de sua transgressio, de- corrente tanto de afetagdo por leis quanto por atos do Executivo ou decisées judi- cialis, além de, obviamemte, de destespeito por parte de particulares. Para defesa contra tais atos atentatérios, nao se mostram bastantes, pois, apenas as sangées ‘morais intrinsecas a cada individuo ou & coletividade. Assim, por exemplo, so- corre-se 0 direito do credor & quitagiio de divida com a execucao forgada dessa € possivel penhiora de bens do devedor; ampara-se o direito & propriedade com a determinagio judicial da desocupagio do imével ou, se preciso for, sua efetuagio por forga policial contra o esbulhador. Da mesma forma, para a protegio dos direitos sociais, institufram-se os instrumentos processuais constitucionais jé referidos. Legal e juridicamente, ndo ha justificativa técnica palpavel que negue a determinacio, imposigio € cumprimento do texto constitucional, atributos esses que thes sao inerentes. Obsticulos administrativos ou econémicos alegados, se realmente presentes, niio so matérias jurfdicas, Imperativos legais, lids, consti tucionais, ¢ mais, findamentais, existem para serem cumpridos € niio dotados apenas de mera disposigao formal, ou nao seriam nem imperativos nem, muito ‘menos, fundamentais Nao sera, obviamente, estabelecendo o Direito uma formula “juridica” de justificar-se e amparar-se a ineficécia nacional dos direitos sociais que solucio~ 31 Mandado de Injungio, Aedo de Inconstinucionalidade por Agio por Omisslo, Mandado de Seyuranga Ordinisio e Coletivo e Ago Popular, especialmente tes para. a coneretizagto dos Diteitos Sociais, 9 CLAUDIA MARIA TOLEDO DA SILVEIRA nado 0 problema da ineficécia da Constituigaio Federal, pelo contrério. Da mes- ma forma, nilo hi de ser apenas © Dircito e sua criagio pretoriana que gerario essa tio buscada eficdcia, mas inegdvel e insubstitufvel é sua contribu sentido, grande problema dos direitos sociais 6, pois, como jé asseverado, proce- dimenial, tratando-se da necessidade de etaboragao de politicas econdmicas que destinem a verba necesséria para sua implementagio ~ e conseqiente transpos «io daqueles empecilhos de ordem administrativa ou financeira -, com 0 investi- mento em pesquisas para estudo de viabilidade técnica e administrativa de proje- tos, 0 planejamento de estrutura tanto fisica como de pessoal para a realizagao esses projetos, atividades que, geralmente, nfo possuem retorno imediato, mas a médio e longo prazo, dentre varias outras medidas, de carater até muito criativo, surgidas de iniciativas pioneiras de gerenciamento ¢ administragao pablica, den- tro e fora do Brasil, Assim, a eficacia dos direitos sociais, como é exclusivamente dependente da atuagio positiva do Estado, voltada para a efetivagao daquelas estruturas indispensaveis & sua materializago (pesquisa, pessoal, construgdo ¢ reformas de espago fisico adequado), esté nao apenas intima, mas essencialmente relacio- nada com o intervencionismo estatal na ordem econdmica, haja vista nada disso se poder fazer sem politicas econdmieas para tal fim ditecionadas. Muitas ve- es, essas politicas passam pela intervengiio do Poder Paiblico mais ou menos ostensiva em determinados setores da economia (incentivo & fomentagiio de ramo ndustrial especitico por sua maior capacidade de aumentar 0 nimero de empre- 08 oferecidos em certa regio ~ direito ao trabalho -, controle das taxas de aumento de mensalidades escolares ~ dircito & educago ~ ¢ de planos de satide — direito & satide), Dificilmente 0 Estado contemporaneo deixard de ser intervencionista, ape- nas variando-se a graduagao ou intensidade da intervengio, visto serem os chama- dos “paises desenvolvidos”, todos eles, em maior ou menor grau, tipicamente intervencionistas no sentido de garantirem os dircitos sociais aos seus habit (Alemanha, Suiga, Suécia, Franga, Estados Unidos, dentre outros). Obviamente, tes 80 a - __ Revista DOCAAP. planos econdmicos ¢ intervengio estatal nao se confundem com coletivismo, sen- do completamente compativeis, por exemplo, com o préprio neo-liberalismo.” Finalmente, é de se destacar a imprescindibilidade do discernimento de que, ndo obstante a questao da eficécia no apenas dos direitos sociais, mas de todos os direitos fundamentais, constitua um desafio constante tanto aos estudio. sos do meio académico quanto aqueles que tutam para sua efetivagiio, através do Poder Executivo, Legislativo on Judiciério, ONGs, ete., a vinica forma de se al- ccangar esse ideal, de maneira mais arraigada e perpétua, 6 pela divulgagio e con: cientizagao da populagio, pois nenhum aparato, seja ele governamental ou nio, possui a forga de um povo instruido, questionador de seus direitos, ou seja, a forga do exercicio da cidadania. Afinal, toda tentativa de realizagio de Justiga Social com um povo despreparado correra sempre o riseo de tornar-se, apenas, patemnalismo estatal 32 FALCAO, Aleino Pinto. Sobre os direitos humanos no Estado intervencionsta, Revista de Informacao Legistava, Braslia, .17, n.68, p, 23-32, ou./de., 1980, p. 27 81

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