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APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL, por exeniplo, ode litany africanas de lin- gua portuguesa, fora de departamentos dedica Gos a cultura colonizadora, Assim acontece COL 3 mesmo diante da especificidade dos estudos ee terdrios latino-americanos, Estudos “hispano- americanos” podem ser quase rivais dos estudos “latino-americanos”. E é claro que, dentro des- ta mesma perspectiva os estudos da cultura la- tino-americana nada teriam a ver com 0 Brasil. Pelomenos até o recente movimento em defesa da teorizagio e questionamento do latino- americanismo como campo de investigacio cul- tural, proposta que precisou ser formulada fora da América Latina para merecer nossa atengdo'. Detoda esta polémica inicial ficam alguns Pontos: a inegavel persisténcia de marcas cul- turais na producio da literatura, seja pela Iin- Sua utilizada, seja pelo espaco ou tempo de sua producao, seja ~ num dos termos mais felizes que ficou da critica marxista — pela “visio do mundo” do autor, BEATRIZ RESENDE Por isso mesmo, ao falar a pa locus académico, ao mesmo tempo e bemos poder encontrar uma trajetér mentada, estamos certos de nos defr acada vez, com os mais acirrados con Nao era diferente quando se fal minismo hé alguns atras, ou de p6s- mo antes que o tema indiscutivelmen os melhores alunos aos cursos de pé cdo eA pesquisa. ‘Uma coisa ¢ inevitavel: debater Estudo Culturais é colocar na mesa organizacdo institucional de nossas u des, nas multiplas dreas das Ciénci nas, e nas diversas disciplinas em q académico se organiza. Talvez esta seja uma das razdes Estudos Culturais, no Brasil, tam-se d doem centros de pesquisas de relativ déncia dentro da estrutura curric énfase especial nos que se dedicam da Educac&o, como os de Porto Alegre APONTANENTOS DE CRITICA CULTURAL diversos pesquisadores ligados ao tema, O fato de os Estudos Culturais encontrarem também espaco e interesse nas escolas de comunicacao é mais facilmente explicdvel Pela juventude des- tes estudos que ainda nao tiveram tempo de Construfrem seus proprios castelos e na fertili- dade de estudos sobre midiae comunicagio pro- duzidos por autores e centros dedicados ao tema, No Rio de Janeiro e em Floriandpolis, as Pesquisas surgiram ligadas ao trabalho como feminismo e etnias, juntaram-se a investiga- Ses sobre formas de comunicagao midiatica, sempre incluindo pesquisadores de areas di- Versas e reiterando a vocagao de trocas inter- institucionais destes centros, Em minha vivéncia académica tenho ob- servado que é, Provavelmente, nas 4reas de Letras e Antropologia, que o debate se torna mais ferrenho e mais provocativo, AAntropo- logia, no Brasil, é uma disciplina fortemente organizada no espago académico e altamente produtiva. Vizinha de Pesquisas cientificas, iv) ae BEATRIZ RESENDE encontrou sempre, justamente nest cientifico, seguranca diante de seu: questionamentos. S que respaldo significa utilizagao do critério de ambigao de neutralidade e legitin discursos emitidos, como nos apont dantemente, Foucault, em textos cot é um autor?”, Neste texto, como err autor mostra que o simples pertencim conjunto sistematico reconhecido cor so cientifico garante confiabilidade técnicas e objetos de experimentacao dentemente da autoria declarada® Nacional, o professor Otavio Velho, midade no campo da Antropologia 2 dependéncia intelectual Ihe permite ¢ por exemplo a “Antropologia das En chamou atengio para o poder e auto! tecebe, hoje, o antropélogo como | questées sécio-econémicas, comoad das terras indfgenase ainda como me debates e ages envolvendo diferente: APONTANENTOS DE CRITICA CULTURAL A Antropologia é, pois, uma Area academica- mente forte ondea defesa da especificidade dis- ciplinar é conveniente. Se o campo das Letras, dos estudos lite- rarios mais especificamente, nao tem a mes- ma legitimidade atribufda pela ciéncia, por exemplo & Lingiifstica ou a Semistica, (supo- nho que a valorizagao e os privilégios atribui- dos as ciéncias, nos anos 70 encontrem um bom exemplo no fato de um curso da Faculda- de de Letras da UFRJ, criado justamente em 1970, ano de fortalecimento dos estudos pos: graduados no pais, chamar-se “Ciéncia da Lite- ratura”) ,em compensagio, marcado, Poruma espécie de nobreza, Trata-se de um status atri- buido, especialmente entre povos de passado escravista, ao diletantismo; Literatura, assim, seria coisa de diletante, os beletristas e, se diletante, nobre, Porém, se nobre, em geral conservador. A forca da defesa do cinone viria, mais facilmente, desta rea, celebrada pelocon- servador Harold Bloom, £ curioso observar, ud BEATA RESENDE também, que 0 critério da “permané boa literatura é a que fica, aquela q cende os apelos de mercado, de seu continua sendo afirmado num mon que as Artes Plasticas, com 0 questio do suporte, j4 praticam as instalagé manifestacao artistica que tem por propria efemeridade, hé tempos. Os Estudos Culturais tenderiar ante de disciplinas organizadas, reco definidas ou de forte prestigio intelect mo quando este prestigio nao cor mais a um valor econémico, como é ¢ conhecimentos disseminados pele Letras, a aparecer como forma de di recusa do arcabouco tedrico especific rizagio do saber, ligacao excessiva ao O que pode significar 0 pouco a von que os académicos se mexem nestes gares, onde indefinigio apareceria ¢ vocando desorganizacdo, falta de hit pouca nitidez na escolha dos objeto APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL investigados, tudo o que pode haver de mais ameacador aos estudos académicos, Os intelectuais - polémicos personagens ~ no entanto, tém, desde sempre e mais forte- mente naquele que jé foi chamado “O século dos intelectuais”, tentado de, uma forma ou de ou- tra, propor o encontro dos saberes. Ficou céle- bre a defesa que Sartre faz dos intelectuais em Plaidoyer pour les intellectueles, quando afir- ma que “o intelectual é alguém que se mete no que no é de sua conta e que pretende contes- taro conjunto das verdades recebidas e das con- dutas que nelas se inspiram, em nome de uma concepcao global do homem e da sociedade”” Se hoje o intelectual nao tem mais a fungiio de porta-voz dos que ho tém voz — que preferem falar por si mesmos —, tarefa de mediador entre poderosos e oprimidos, como acontecia com 0 intelectual moderno, resta-Ihe ainda a funcao critica que os distingue dos “dspecialistas”, £ por acreditarmos na possibilidade de se desenvolver uma reflexdo a partir de espacos BEATRIZ RESENDE de livre cireulago de idéias e de esta vencidos da necessidade de se ocup gar critico, que apostamos no debate dos Estudos Culturais. Ainda falando de literatura, sal sua finalidade precipua nao é ser estu despertar o gozo, Esta evidéncia traz de saida, aos estudos literérios uma io prévia, sobretudo num pais onde telectual nao é dos mais valoriza Jembro novamente o jovem Lukécs, 0 easformas, e sua preferéncia pelo co tério de gosto” ao invés de critério de que o papel de intelectual, de c questionador, quando aliado ao de fi analista da textualidade, pode despe orico da literatura uma atracio pelo c do que interdisciplinar dos Estudos Quando, além disso, o que se natural e inevitavel cruzamento rea comparativismo, seja como for que: dido, o terreno se torna inevitaveln APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL para os Estudos Culturais, ou Estudos de Cul- tura, como foi o termo timidamente traduzido quando pela primeira vez apareceu no espago académico, através de uma resenha de Fredric Jameson,. publicada nos Cadernos Cebrap. Este ensaio é uma longa resenha critica do volume Cultural Studies, publicada por L. Grossberg, C. Nelson e P. Treichler, coletanea que apresenta, em 1992, uma série de estudos fortemente teéricos, apresentados na perspec tiva de no construir uma grande teoria, Esta teoria impossivel seria aquela que “imagina poder definir a politica e a semidtica da repre- sentaco, do género, da raca, ou da textualidade para todas as épocas e todos os lugares”®, como dizem os organizadores. Fredric Jameson, apresentando 0 livro, fala em um “desejo cha- mado Estudos de Cultura (@dltural Studies)” que deve ser abordado “politica e socialmente, enquanto projeto para construir um ‘bloco his- torico’, e nao teoricamente, enquanto planta arquitet6nica para uma nova disciplina’’. BEATRIZ RESENDE Averdade é que a expressio “E Cultura” inseria a proposta dentr tradigdo de estudos mais familiar a r demia, mas nfo reconhecia um novo entrecruzamento de saberes. Por o revelava também certa resisténcia — ~ Aimportacio direta de teorias, espe se percorrendo, em seu caminho de os EUA. Cabe aqui lembrar algumas levantadas por Heloisa Buarque de em momento de seu ja longo percu senvolvimento de pesquisas que cru dos de género e etnias, na compre Estudos Culturais como estudo di entre producio cultural e processo: politicos. A pesquisadora afirma qu ma proposicao de trabalho nao é e» nova entre os intelectuais da Améri Chama, entio, ateng&o para o fa “questdes centrais do combate pela’ naacademia americana, como o cone saxo de cdnone, o discurso do poli ‘APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL correto e mesmo certas politicas piblicas como a ‘acao afirmativa’, simplesmente nao funcio- nam no Brasi]”°, Falar em Estudos Culturais 6, igualmen- te, propor um debate que passa por temas contemporaneos como 0 feminismo, o pds-mo- dernismo, pos-colonialismo ¢ o latino-ameri- canismo. Fazer com que os estudos literarios Passassem pelas questées de classe, entre nés da América Latina, Ja foi até perigoso, mas nfio foi impossivel. Bem ao contréio, chegou a ser ‘uma perspectiva legitimadora, identificada com potencialidades combatentes e inovadoras. Quando nfo deu cadeia, terminou dando rest. io. No entanto, cruzaros: estudos literdrios com questdes de género e de etnias, reconhecer 0 Tompimento das fronteiras entre alta cultura e cultura de massa, encontrou ‘oposiggo bem mais forte. A apregoada necessidade de pluralismo, de abertura democratica, parece cair imediata- mente por terra. O canone é invocado, o crité- tio de valor é ressuscitado, A multiplicidade BEATRIZ RESENDE transforma-se em dissolugao de c pluralidade em auséncia de bases | democracia em submissio, a defes em fascinio pela globalizacio, a poli populismo. Curiosamente, no mes mento, os rebeldes modernistas fo! formados em autores do canone respeitados. Depois de acusados y mente de futuristas, acabaram com critério de valor, quanto mais “bisc como dizia Oswald de Andrade, qu herméticos, mais preciosos. Legitin cretizada por via bastante contradité brarmos que foram eles que inv poema-piada. Falando de Estudos Culturai tanto claro que é preciso mapear na espago, mas as minas em que pode Ajuventude dos Estudos Cultu porténcia do primeiro centro a abri sadores vindos de areas diversas, 0 Contemporary Cultural Studies | APONTANENTOS DE CRITICA CULTURAL Universidade de Birmingham, na Inglaterra, tornam importante falarmos desta experiéncia, Jembrando a trajetéria cumprida pelos Estu- dos Culturais no momento em que surgiram e se legitimaram. Os trabalhos fundacionais na nova area foram os de Raymond Williams (Culture and Society) e de Richard Hoggart (The Uses of Literacy), de 1958. Os dois intelectuais mar- xistas, origindrios da classe operdria inglesa, fundaram o decisivo Centre'for Contemporary Cultural Studies. Aos dois, logo se junta'd doci6logo jamai- cano Stuart Hall, trazendo consigo a questo da diaspora, a discussio dos conceitos de raca, etnia e os efeitos do colonialismo sobre as so- ciedades no Novo Mundo. E em seguida Charles Taylor, que vai Franca estudar com Merleau-Ponty e se torna decisivo na elabora- G40 do conceito de multiculturalismo. A apro- priagao do termo pelos movimentos sociais americanos € pela vida politica nos EUA de BEATRIZ RESENOE certa forma esvaziou o debate ao tr lono “politicamente correto”. Stuar tinua, a meu ver, sendo o mais f pensador do tema. E 0 mais polémi almente quando aponta para morte moderno, afirmando que a identid celebragdo mével. O sujeito, que an te tinha experiéncia de uma ident ficada e estavel, assume identidades em diferentes momentos, identidad ‘vezes contraditérias ou nao resolvi tatando que as identidades naciona declinio, mas novas identidades hi gem em seu lugar, afirma que “as c bridas constituem im dos diversc identidade distintivamente novos | na era da Modernidade tardia” * Raymond Williams buscou, sua vida intelectual, definir o term Em Keywords, a vocabulary of c society, afirma que cultura é um: ou trés palavras mais complicadas [APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL inglesa. E isso se dé, sobretudo, porque pas- sou a ser usada como conceito importante em muitas diferentes disciplinas intelectuais e em diversos sistemas de pensamento, distintos e incompativeis. Williams continua a reflexdo sobreo termo de forma altamente elucidativa, mostrando que, desde 0 inicio, cultura foi usa- da como nome de um proceso. No século XVIII, comega-sea falar em culturas, no plural (nfo, nao é uma novidade pjulticultural, co- mecou com Herder): especificas e diferentes culturas de diferentes nagdes e perfodos, mas também especificas e varidveis culturas no in- terior da nagao. Eo uso moderno da palavra que a torna mais complexa, até chegar a trés significados principais, ainda segundo Williams: 1) 0 subs- tantivo que descreve um processo geral de de- senvolvimento intelectual, espiritual e estético, apartir do século XVIII; 2) o substantivo usado de forma geral ou especffica, que indica uma forma de vida, de ou povo ou perfodo, ou da BEATRIZ RESENDE. humanidade em geral; e 3) o substa designa trabalhos e praticas de ativi lectuais ou artisticas. Este tornou-se o do mais popular: cultura é misica, pintura e escultura, teatro e cinema. P desses temas, tem-se um Ministro d Raymond Williams é ainda feliz quan atengo para o fato de que em Arqueo Antropologia Cultural a referéncia a auma cultura é, em primeiro lugar, a1 produgio material, enquanto que n enos Estudos Culturais é a sistemas s e de significagéo, o que termina cor ainda mais as relades entre produgat e simbélica. Fica evidente que a com portanto, no esta na palavra, mas 1 problemasem que ouso da palavra imy acomplexa distingao entre alta cultur pular, arte primitiva, cultura de mas: tenimento é apenas a ponta de um ict Williams termina o estudo do te sentando um outro termo ainda mais APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL subcultura, quando afirma: “E interessante que a crescente ampliagio do uso antropolé- gico ou social de cultura ou culturas e forma- des como subculturas (a cultura de um pequeno grupo diferenciado) tem, exceto em certa areas (principalmenté’a do entretenimen: to popular) ou ultrapassado ou efetivamente diminuido a hostilidade ¢ 'embarago e des- conforto que Ihe é associado,”* ‘Nao creio que esta afirmativa se cumpra entre nds, no Brasil, onde talvez pela heranga colonial e escravista, o prefixo sub vem sem- pre ligado as nogGes de subalternidade e infe- tioridade e nao 4 de um conjunto menor (e diferenciado) dentro de outro maior e mais generalizante. Eu mesma passei por experiéncia que indicava a dificuldade de uso do termo. Conver- sando com aluna de nosso programa de pés- graduagao que elaborava, naquele momento, sua tese de Doutorado em Semiologia, estudan- do a tradugdo de Alice no Pats das Maravilhas BEATRIZ RESENDE para a lingua brasileira de sinais, a aut bém uma militante pelos direitos d no Brasil, me explicava que os jover resistem a politicas publicas de integr escolas, com alunos ouvintes, prefe tudar em escolas s6 para surdos, as: preferem freqiientar e conversar en! Discutimos, entdo, se poderfamos d grupo como uma subcultura. Encont bibliografia sobre subculturas precic cagées € a solucao de alguns probler tas, porém, chegamos a conclusao de impossivel, no estagio atual, utilizar subcultura para designar as peculia especificidades - mesmo aquelas q sentavam escolhas proprias — de um ; ainda luta por direitos iguais um p generoso com qualquer tipo de defic Adiscuss&o reapareceu na defe provocada por outro pesquisador d Culturais, ea mesma ponderacao (c ranga nossa) ressurgiu. Mesmo estar -APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL nés, convencidos da propriedade em se defi- nir subculturas como grupos de pessoas que dividem um problema, um interesse, uma prd- tica, que os distinguem de forma significante de membros de outros grupos sociais - para simplificar as possibilidades de definigao — a palavra nao soava adequada, Este exemplo nao aparece aqui gratuita- mente, nem 6 apenas um detalhe vocabular, mas traz uma das grandes questées que o de- bate académico enfrenta na América Latina: 0 fato da reflexao sobre questies de diferenca, de subalternidade, das novas subjetividades, do “outro”, ser travada, predominantemente, nas linguas dos centros de hegemonia econé- mica, com ampla predomindncia do inglés. Para serem ouvidos, para terem “voz”, é preci- 80 que os ensaistas latino-americanos se des- loquem para estas linguas'. Talvez seja justamente em reagio a esta necessidade im- posta, que os Estudos Culturais vém se desen- volvendo com forca e expressividade entre os BEATRIZ RESENDE. tedricos que se utilizam do espanhe americanos ou nao). Esperemos que venha a acontecer com o portugués. H possivel debater o tema e observar a artisticas e tedricas contemporaneas mo no que diz respeito as criticas que sem evocar nomes como o de Nést Canclini, Cornejo Polar, George Yad Martin-Barbero, dentre outros. Dois trabalhos apresentam de neira extremamente proveitosa, p mais do que a histéria, a critica e au da formacio e desenvolvimento do | Birmingham. O ensaio de Norma $ “O Centre for the Contemporary Studies da Universidade de Birngh hist6ria intelectual”, traduzido e pub Tomaz Tadeu da Silva, um dos pior Estudos Culturais no Brasil e a lon; realizada pelo proprio Stuart Hall «« de publicagao dos “working papers’ dos no Centro entre 1972 € 1979: APONTANENTOS DE CRITICA CULTURAL Studies and the Centre: some problematics and problems” 5 1 Naverdade, as propostas de trabalho que se unem em torno da sigla Estudos Culturais se confundem com os objetivos, assim como com os perealcos, por que passou o grupo sediado na Inglaterra. Oensaio de Norma Schulman naoé o tni- co traduzido, mas me interessa por ter um olho especialmente atento as questdes ligadas aos estudos literarios. J4 ode Stuart Hall é precioso pelo que contém de critico e autocritico, mas também porterminar sendo uma avaliagdo agu- da dos caminhos do pensamento em ciéncias humanas na segunda metade do século XX. Richard Hoggart, primeiro diretor do Cen- tro, assim como Raymond Williams, foi profes- sor e critico literario - ainda que nunca alcangasse a importincia de Williams, que dei- xou obras decisivas como Cultura e Sociedade, 0 cléssico O campo e a cidade na Histéria ena Literatura e o decisivo livro postumo The BEATRIZ RESENDE Politics of Modernism. Against Conformists. No entanto, foi Hoggart meiro propés uma abordagem interc da literatura no trabalho de 1970, “Li Estudos Culturais”, onde afirma o des os estudos de Lingua e Literatura In trassem em uma relagdo ativa com s¢ Norma Schulman, como outros importancia de Gramsci para os estud tro, mostrando que a releitura de G1 final dos anos 70, a luz dos estudos d de raca, foi extremamente importante car em movimento a reavaliagao qu fez da cultura popular."® Ainda tratand tes do texto e da narrativa, caberia mais polémico, porém também impc tudo de Richard Johnson que d4 non “O que 6, afinal, Estudos Culturais: trabalho, merece destaque o enfoqui questio da narrativa, vista como for da organizagio da subjetividade. Jol teme colocar sua posig&o particular APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL que “o objeto iltimo dos Estudos Culturais nao é,na minha opinido, o texto, masa vida subjeti- vadas formas sociais em cada momento de sua circulagao, incluindo suas corporificagdes tex- tuais”. E continua, explicando sua visio: Isto esté muito distanteda valoragaolite- rréria dos textos em si mesmos, embora, naturalmente, os modos pelos quais al- gumas corporificagdes textuais de formas subjetivas so valoradas relativamente a outras, especialmente por criticos e edu- cadores (0 problema, especialmente, do ‘Baixo’ e do ‘alto’ da cultura), sejam uma questo central, especialmente em teori- as de cultura e classe."® Anarrativa histérica que Stuart Hall faz da experiéncia do CCCS ¢ uma oportunidade de se avaliar a importéncia que o feminismoe © ps-modernismo tiveram como contribui- Ges decisivas ao intervirem (0 primeiro) e se BEATRIZ RESENDE articularem (0 segundo) numa rela¢ Estudos Culturais. A primeira identificacdo que diante do relato de Hall é a dificu experimenta ao lidar com o realment poraneo, considerado “hot to handl diz respeito a literatura, hoje, falan sil, vemos 0 quanto essa dificuldad prova quando os criticos literérios quase sempre, deixar a critica do absolutamente contempordneo a ca: nalistas que, sem maiores dificulc queimados por estes mesmos schol: gueiras das vaidades. A primeira e mais decisiva 3 apontada por Stuart Hall sobre as pe: senvolvidas no Centro éa das idéias d as nogGes de ‘bloco histérico’ e ‘de h que vao desempenhar um papel se Estudos Culturais. Suart Hall afirmar sio as idéias de Gramsci que corrige tomada feita pelo Centro, vendo o pe ud APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL do cientista politico italiano como “sempre his- toricamente especifico e conjuntural” ~ os as- pectos ahistéricos, altamente abstratos e formais com queas teorias estruturalistas ten- diam a operar. Destaca ainda 0 interesse pela maneira como é formulado o conceito de hegemonia: “Para Gramsci, ‘hegemonia’ nun- ca é um estado permanente dos acontecimen- tos e nunca indiscutivel”®. A igualmente importante contribuigdo de Foucault poderia ser, num rapido flash, resu- mida pela tendéncia radical de seus trabalhos em romper com qualquer modelo da hierar- quia, fatores através do conceito de “praticas discursivas’, eliminando as oposigdes expres- sas pela dicotomia entre o significante - 0 discursivo ~ ¢ 0 ‘extra-discursivo’ aspecto de qualquer pratica. Mas é 0 impacto do feminismo sobre os Estudos Culturais que se torna a parte mais rica ecomplexa do relato de Hall. O autor reconhece que 0 movimento forgou um repensar mais BEATRIZ RESENDE substantivo em todas as areas de tral vocando alteragées fundamentais, te cas como organizacionais, sobre. estudado pelo Centro e como era redesenhando o mapa dos Estudos como redesenhou todas as areas da lectual. Dai em diante a articulagao e To € classe tornou-se tema consi trabalho do Centro. Este foi o momer mais fortemente foi posta a provaa it Centro, considerada, tanto pelos pré ticipantes como por seus criticos, co impossivel”: ser a0 mesmo tempo aberto, tedrico e concreto. As raizes marxistas do Centro e telectuais fundadores, além do debate torno de questes envolvendo as cla Ihadores que ocupou os Estudos Cu primeiros momentos, em sua versac causaram um certo desconforto | tempos pés-modernos. Quase tanto to quanto 0 que envolveu o mais i 12 APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL marxista americano da contemporaneidade, Fredric Jameson, © interesse ~ mais do isso, a impossibilidade de ignorarestes ‘temas —pelaim- Portancia que a midia Passou a ter, pela forca da cultura de ™assas, € pelos efeitos de uma cultu- Ta organizada em torno do consumo, irao ter grande peso no campo dos estudos pds-moder- nos. E assim que, tanto Jameson como os inte- lectuais radicados na Gra-Bretanha, diaspéricos ou nao, iniciam uma reflexdo sobre © pés-mo- dernismonum, esforco pela ‘compreensao da cul- tura posterior aos anos 60. Ainda uma vez, 0 pensamento de Gramsci, Principalmente os con- ceitos de hegemonia, articulagao (sobretudo em Jameson) e uma revisio da teoria do Bloco His- torico, foram fundamentais para buscar entender este entrelagamento das questées culturais com a8 econdmicas, ag telacdes que se estabeleciam entre local e global na era do. capital transnacional © anova organizagao geopolitica do mundo, Jameson insiste em definir 0 pdés-mo- dernismo como um periodo entre dois esta- BEATRIZ RESENDE, gios do capitalismo, onde os antig los de economia esto em process truturagao, em escala global, inc antigas formas de trabalho e sua: nais organizacdes e conceitos. Re do que volta e meia se cansa ¢ ‘pés-modernismo’, como qualquer timando sua propria cumplicidade mo, deplora 0 uso equivocado q Reconhece, ainda que a contrago termo causa mais problemas do qu mas pergunta-se se algum outr¢ pode, para usar suas proprias pal conta da dimens&o tempo/espaco modernismo se refere do mesmo 1 é, se outro termo consegue: dramatize the issue in quite so ef and economical a fashion. ‘We h name the system’: this point of the finds an unexpected revival i postmodernism debate *° [APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL, Nos Estados Unidos, os Estudos Culturais caminham freqiientemente lado alado comare- flexdo desenvolvida a partir de uma conviccao da hegemonia do pés-modernismo e do desen- volvimento de estudos que tém como foco de interesse comum questées de género e sexuali- dade, identidades nacionais, colonialismo e pos- colonialismo, raga ¢ etnicidade. Os objetos de estudo de campo analisados sio, predominan- temente, manifestagdes artisticas e culturais de subculturas urbanas. Dentre os britdnicos, que encontram em Stuart Hall seu principal porta- voz, os objetos de estudo em comum com os americanos, em especial os midia studies, nem sempre sao estudados da mesma forma. Seus formuladores fazem questo de, junto com os estudos propostas, evidenciar os acidentes ted- ricos de pereurso, dando, freqiientemente, um sentido mais provisério as conclusdes. Stuart Hall, em entrevista dada em 1986 reconhecia-se como pés-marxista, mas apenas no sentido em que reconhecia a necessidade BEATRIZ RESENDE de ir para além do marxismo ortodo cao do marxismo garantido pelas lei ria, mas operando ainda, de alg dentro do que entendia serem c discursivos de uma posigao marxista diante de uma posic&o pés-estrutur conhece a influéncia de Althusser pensamento, para entender o sentir como o seguir adiante sobre o terre blematicas anteriormente estabelec te sentido, se reconhece como um pé: eum pés-estruturalista. Diante dot modernismo, sua posicao nao se af. da de Jameson, ainda que permane te econémico no uso do termo. Para. um lado, 0 pés-modernismo quer ¢ processo de fragmentaciio e diversi modernismo tentou nomear, o movit al foi mais além, penetrando mais f nas consciéncias. Hall esté de acordo da categoria, deixando claro, porér nao quer dizer que acredite que con: -APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL época completamente nova, nem que acredite que nao se tenha outros instrumentos a mais para compreender o fenémeno, ou que tenha- mos que relaxar e gostar da situag&o.”” Creio que é Lawrence Grossberg quem explica bem essas relagGes perigosas/interessa- das entre pés-modernismo e Estudos Culturais, quando identifica a filiago de Stuart Hall a ‘Walter Benjamin (teoria da Histéria) e Antonio Gramsci (teoria da hegemonia), mostrando que hé também no socidlogo jamaicano a constatagao que tais teorias nao teriam sido com- pletamente desenvolvidas, enfrentando dificul- dades frente as tradicionais categorias marxistas de poder. E resume afirmando que os eventos pds-modernos aparecem como tendo um lugar crescentemente significante na nossa vida coti- diana, e os discurso que est&o ancorados nestes, eventos aparecem como tendo um lugar pode- Toso em nossas relagGes culturais. Tanto o pos- modernismo quanto os Estudos Culturais necessitam encontrar maneiras de descrever os BEATRIZ RESENDE complexos contextos - formacées co — no interior das quais as possibilida se moldam, se ordenam e so compr A presenga freqiiente de Fou seus tiltimos anos, nos Estados Uni como a participacio ativa de Julia Jean-Frangois Lyotard e Tzvetan Tc universidades americanas nos anos finalmente, a influéncia de Pierre fizeram com que 0 pensamento pés- listae a forca dos crescentes movimer levassem algumas universidades am se constituirem em polos de crescit Estudos Culturais. Nelas, foram os de tos de Estudos Americanos e os de Comparada que passaram a abrigar identificadas como Estudos Culturai Continua, pois, cabendo form pergunta: por que o “desejo”, a re muito tributaria a Gramsci (se ti discutido melhor as propostas pouc da “terceira via” talvez ela tivesse ex APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL sim como a recusa da disciplinaridade incomo- dam tanto? Da mesma forma como incomodam ainda os estudos feministas e os étnicos, 0 ter- mo pés-moderno e a virtualidade das (demo- craticas) infovias circulando pelo cyberspace. Asreflexdes propostas pelos Estudos Cul- turais relacionam-se fortemente a sociedade que os cerca e também as criticas que recebem. Neste vasto pais abaixo do Equador, que nun- ca quis se reconhecer como coldnia, a princi- pal critica que se faz aos Estudos Culturais é a de serem dominados pelos escritos america- nos, ignorando-se que a critica produzida nos EUA ou na Gré-Bretanha é antes produto de ‘um pensamento pés-colonialista. O pés-modernismo pretende revisitar cri- ticamente 0 modernismo, diferindo de qual- quer momento estético-tedrico anterior por nao exercer a recusa total do que o antecedeu, mas nem por isso deixa de perturbar os defen- sores do modernismo. O culto do moderno se apresenta, assim, como a manutencdo de um BEATRIZ RESENDE desejo de autonomia da obra de art sua elaboragio formal apoiada em lectual tido como irretrucavel. Finalmente, gostaria de termi do que, sobretudo, o que me interes tudos Culturais é a politizagao - r grandioso que a palavra deve ter - gacdo intelectual proposta. E na pI cultural, no reconhecimento das diy Jetividades, nas miltiplas identidade teza de que, por exemplo, existem na brasileira muitas literaturas brasil est4 a possibilidade de se reconhec plexo, o diferente, o outro. Encontrando vantagens em sud deintelectual “desenraizado”, Tzvetar ao discutir as conseqiincias perigos: onalismo, chama atengGo para o fato. identidades culturais nao so apenas} existem outras, ligadas aos grupos p sexo, profissao, meio social; em no: entao, todos j4 vivemos, ainda que -APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL diferentes, estes encontro de culturas no interi- or de nés mesmos: somos todos hfbridos”** Stuart Hall, em balango sobre os Estudos Culturais e seu legado tedrico, faz uma afirma- ao tao simples quanto necessaria, um alerta, dizendo que, embora os Estudos Culturais se Tecusem a ser um discurso mestre ou um meta- discurso de qualquer tipo, precisam estar conectados a algum desejo, é preciso haver um interesse determinado na escolha que fazem. Itis a project that és always open to that which it doesn’t yet know, to that which it can't yet name. But it does have some will to connect; it does have some stake in the choices it make. It does matter whether cultural studies is this or that. It can't be just any old thing which chooses to march under a particular banner. Itis a serious enterprise, or project, and that is inscribed in what is sometimes called the political’ aspect of cultural studies*, BEATRIZ RESENDE E sobre condigSes e problema contramos, aquie agora, para falar ¢ de uma forma dialégica que buscame procurando este espaco peculiar que dos Culturais talvez possam oferecer. mos, pois, a partilhar da conclusao de § quando este diz estar seguro de que ¢ imensae definitiva diferenca entre cor o sentido politico do trabalho int substituir 0 trabalho intelectual por Notas CLIFFORD, James & MARCUS, George E. ( Culture. The Poetics and Polities os B California, University of California Press. * SEVCENKO, Nicolau. corrida para o séeulo da montanka-russa. So Paulo, Compa tras, 2001. 3 MALTA, J.M, de Toledo (org. e tradugio). Se saios de Montaigne. 1° Tomo. Rio de J Olympio, 1961, Pag. 148. “Ver 0 que diz Eduardo Portella em “Como disrio: anotagdes sobre o cénone”: * APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL, recorte institucional ou na sua avidez apropriativa, vem sendo o dedicado - tao dedicado quanto seden- tario ~ zelador do cfinone”, In: Revista Tempo Brasi- leiro n®, 129, Aporias do ednone, Org, Beatria Resende, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, abril/ju- nho 1997 5 Veja-se, a respeito, os estudos de Alberto Moreiras, atual- mente na Duke University, EUA. * Foucault, Michel. “What is an author?”, In: The Foucault reader, Paul Rabinow (Ed.).New York, Pantheon Books, 1984. ” SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. $0 Pau- lo, Atica, 1994. Pég.14. S GROSSBERG, L.,NELSON, C, & TREICHLER, P. Cultural Studies. New York, Routledge, 1992 ‘JAMESON, Fredric, “Sobre os Estudos de Culture’. In No- vos Estudos- Cebrap. No.g9, So Paulo, Cebrap, ju- ho de 1904 ‘The politics of Cultural Studies", Conferéncia apresenta- da na New York University em 1998. Divulgada no suporte eletrénico www.uir.br/pace/studies html (tradugéo minha) “ HALL, Stuart. Identidade cultural, Sa0 Paulo, Memorial da América Latina, 1997. Pég. 13 € 89 BEATRIZ RESENDE “WILLIAMS, Raymond. Keywords. voeabul and society. New York/Oxford Universit Pag. 92. © Refiro-mea Clélia Regina Ramos e sua tese int leitura da tradugéo de Alice no pats da: para. Lingua Brasileira de sinais”, defen “ Zulma Palermo tratou desta questdo em “ Culturales bajo la lupa: la produecién a ‘America Latina.” apresentado durant “Cultura Nacional.Teoria Internacional’ Faculdade de Letras da UFRJ. "S In: HALL, S., HOBSON, D., LOWE. A & WILL Media, Language. Centre for Contempo Routledge, New York/London, 1980. “In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org,) O que é, afinal turais?.Belo Horizonte, Auténtica, 1999. "Mem, Pag. 92131. Idem. Pig. 75. HALL, S., HOBSON, D., LOWE. A & WILLI Media, Language. Centre for Contemp. Routledge. New York/London, 1980. P * JAMESON, Fredric. The cultural tun. Sel on the Postmodern, 1983-1998. Londi 1998. Pag. 48-49. [APONTAMENTOS DE CRITICA CULTURAL * “if postmodernism wants to say that such processes of diversity and fragmentation, which modernism first tried to name, have gone much further, are techno: logically underpinned in new ways, and have penetra- ted more deeply into mass consciousness ete, i would agree. But that does not mean that this constitutes na entirely new epoch or that we don't have any tools to comprehend the main trends in comtemporary culture, soall we ean do isto lie ack and love it.” Apud GROSSBERG, LAWRENCE, “On postmodernism and articulation’. In: MORLY, D & CHEN,KH, (Ed.) Stuart Hall. Critical Dialogues in Cultual Studies, London/New York, Routtedge,1996, Pag. 131 2150. * TODOROV, Tzvetan, O homem desenraizado. Rio de Jax neiro, Record, 1999, Pag.26 * HALL, 8, “Cultural Studies and its theoretical legacies”, IN: MORLY, D & CHEN,K.H. (Ed.) op. Cit. Pag. 263

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