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MASANOBU FUKUOKA AGRICULTURA NATURAL Teoria e pratica da filosofia verde she abe She Se “te Teoria e prdatica da filosofia verde Tradugao de Hiroshi Se6é e Ivna Wanderley Maia Revisao técnica de Sakae Kinjo (bidloga) e Antonio Batista Sanches (engenheiro agronomo) da Fundacéo Mokiti Okada Sumario Proféclo 11 Introdugdo 15 Qualquer um pode ser um fazendeiro de 1,000 m? 15 Agricultura do “nada fazer" 16 Seguindo os trabalhos da natureza 17 As ilusdes da agricultura cientifica moderna 17 Parte | Uma agricultura enferma em uma época enferma 23 1, Ohomem ndo consegue conhecer a natureza 25 Deixe a natureza em paz 25 © movimento do “nada fazer” 27 2. Ocolapso da agticultura japonesa 28 _ Avvida nas vilas agricolas do passado 28 Desaparecimento da filosofia de vilarejo 29 O clevado crescimento ¢ a populagio agricola depois da Segunda Guerra Mundial 30 Como surgiu o empobrecimento da politica nacional de agricultura 31 O que se vislumbra para a agricultura moderna 33 ‘um futuro para a agricultura natural? 34 desenfreada da ciéncia 35 da ci@ncia ¢ © agricultor 35 ento da dieta natural 36 qualidade dos alimentos 36 produgio nio estilo baixando 38 oducito nao significa aumento de lucro 39 moderna do desperdicio de energia 40 terra € o mar 43 2. As faldcias da ciéncia 55 Qs limites do conhecimento analitico 55 Nao ha causa ¢ efeito na natureza 57 3. Umacetitica ds leis da ciéncia agricola 60 As leis da agricultura moderna 60 Lei dos rendimentos decrescentes 60 Equilibrio 61 Adaptacao 61 Compensagdo ¢ cancelamento 61 Relatividade 61 Lei do minimo 61 Todas as leis sio desprovidas de sentido 62 Uma anilise critica 4 lei do minimo de Liebig 65 Os erros da pesquisa especializada 68 Critica aos métodos indutivo e dedutivo 72 A teoria sobre a alta produgao esta cheia de lacunas 75 Um modelo de rendimento de colheita 75 Uma olhada na fotossintese 79 Veja além da realidade imediata 85 Os fatos originais sio os mais importantes 86 A incompreensao acerca das relac6es causais 88 Parte Ill A teoria da agricuttura natural 93 Me Os i aics relatives da agticultura natural 6 da agricultura a laneiras de se praticar a agricultura natural 95 Agricultura natural mabayana 95 icultura natural binayana 95 ntil ica 95, praticar agriculturas comparadas 96 natural mabayana 96 ral hinayana 97 ultura sao igualmente eficazes 100 entifica 102 Sem fertilizante 109 As plantagdes dependem do solo 109 Os fertilizantes sio realmente necessirios? 109 Qs incontaveis males do fertilizante 110 Por que a auséncia de testes em plantagdes sem fertilizantes? 112 Dé uma boa olhada na natureza 113 Para comecar, o fertilizante nunca foi necessirio 114 Sem capina 116 Existe algo semelhante a capinar? 116 As ervas daninhas enriquecem o solo 117 Uma cobertura de capim é benéfica 117 Sem pesticidas 118 Pragas de insetos nio existem 118 Poluigao causada por novos pesticidas 119 A causa fundamental do apodrecimento do pinheiro 121 3. Como a natureza deve ser percebida? 123 Vendo a natureza como uma unidade holistica 123 Examinando as partes, nunca se tem 0 quadro completo 123 Tornando-se uno com a natureza 124 O imperfeito conhecimento humano versus a perfeicao natural 125 Nao olhe as coisas de uma perspectiva relativista 126 Adote uma visio que transcenda tempo e espago 127 Nao se deixe desviar pelas circunstancias 129 Seja livre dos anscios ¢ desejos 130 Nao estabelecer planos é 0 melhor plano 131 4. Agricultura natural para uma nova era 132 Na vanguarda da agricultura moderna 132 Criagdo natural de animais 133 Os abusos da criac¢o moderna de animais 133 Pasto natural é 0 ideal 134 Agricultura de criagdo na busca da verdade 135 Agricultura natural — em busca da natureza 137 O tinico futuro do homem 138 Parte IV Apiatica da agricultura natural 141 1. Como comegar uma fazenda natural 143 Mantenha uma floresta natural protegida 143 Desenvolvendo uma reserva florestal 145 Cinturées de defesa 145 Instalando um pomar 145 Comegando uma horta 146 A horta nao-integrada 148 o, um campo de brejo para 0 arroz 148 paragio tradicional do terreno 149 Re io de lantagao 150 vt ln de arroz/cevada 150 Arroz em terras altas 151 Graos menores 151 Legumes 155 Fruteiras e rotatividade de culturas 155 2. Artoz e cereais de inverno 156 O curso do cultivo do arroz no Japao 156 Mudangas nos métodos de cultivo do arroz 157 Cultivo da cevada e do trigo 158 Plantagao natural de cevada/trigo 159 Arar, nivelar e sulcar 159 Cultivo com arado leve, sulcos baixos e curvas de nivel 160 Cultivo sem arar com semeadura direta 160 Experiéncias iniciais com cultivo de arroz 171 Pensamentos secundarios sobre o cultivo do arroz pés-estaco 173 Primeiros passos rumo ao cultivo natural do arroz 176 Semeadura natural 176 Semeadura direta natural 178 Tentativas precoces de semear dirctamente, sem cultivo sucessivo de arroz/ cevada 179 Semeadura direta do arroz entre a cevada 179 Semeadura direta sucessiva arroz/cevada 180 Semeadura direta, sem arar, com sucesso arroz/cevada 181 Plantagao natural de arroz ¢ cevada/trigo 181 Semeadura direta, sucesso de cevada/arroz sem arar, com cobertura de adubacao verde 182 Método de cultivo 182 ‘Tratos culturais 183 _Cayando canais de drenagem 183 bater ¢ limpar 0 arroz 183 ey cevada e arroz 184 3. _ Arvores frutiferas 200 Criando um pomar 200 Mudas naturais ¢ mudas enxertadas 201 Manejo do pomar 201 Corrigindo a forma da drvore 201 Ervas daninhas 202 Terraceamento 202 Um pomar natural tridimensional 202 Criando um solo de pomar sem fertilizantes 203 Por que cobertura de solo 203 Trevo ladino, alfafa e acicia 205 Caracteristicas do trevo ladino 205 Plantando 0 trevo ladino 205 Como cuidar do trevo ladino 205 Alfafa para solo arido 206 Acdcia-negra 206 A acdcia-negra protege os predadores naturais 207 Alguns principios basicos sobre comegar uma cobertura vegetal 208 Manejo do solo 209 Controle de doengas e pragas 210 Cochonilha cabega-ce-flecha 210 Acaros 212 Cochonilha almofada-macia 213 Cochonilha cabega-vermelha 213 Outras pragas de insetos 213 Mosca da fruta do Mediterraneo e codling moth (traga de maca) 213 O argumento contra a poda 214 Sem um método basico 214 Conceitos err6neos sobre a forma natural 217 A poda é realmente necessaria? 218 A forma natural de uma 4rvore frutifera 220 Exemplos de formas naturais 224 ‘Atingindo a forma natural 224 A forma natural no cultivo da drvore frutifera 224 Problemas com a forma natural 225 Parte V Ocaminho que 0 homer deve seguir 237 1. A ordem natural 239 Micrébios atuando como garis 241 Pesticidas no biossistema 244 Deixem a natureza sozinha 246 2. Agricuttura natural e uma dieta natural 247 O que é dieta? 247 Arroz saboroso 250 Como conseguir uma dieta natural 252 As plantas e animais vivem de acordo com as estacdes do ano 253 Comer de acordo com as estagdes 256 A natureza da comida 260 Cor 260 Sabor 261 O sustento da vida 265 Prefacio A agricultura natural se baseia em uma natureza livre de interferéncia € intervencdo humanas. Ela se esforca em recuperar a natureza da destruigao cau- sada pelo conhecimento e acio do homem e em ressuscitar uma humanidade afastada de Deus. Quando ainda era jovem, uma série de acontecimentos me colocou no orgulhoso € solitétio caminho de retorno 4 natureza. Com tristeza, no obstante, aprendi que uma pessoa nao consegue viver sozinha. Ela vive ou em associacao ‘com outras pessoas ou em comunhio com a natureza. Descobri igualmente, para meu desespero, que os homens nao cram mais verdadeiramente humanos, ¢ que a natureza nao era mais verdadciramente natural. A estrada honrosa que se ergue acima do mundo do relativismo era ingreme demais para mim. Estes escritos sao © registro de um agricultor que, durante cinqiienta anos, ‘yem peregrinando em busca da natureza, Percorri um longo trajeto c, mesmo que a noite caisse, ainda restaria um longo caminho a trilhar. Evidentemente, em um certo sentido, a agricultura natural nunca sera aperfei- _ goada, Ela nao assistira a sua aplicagao integral, e serviré apenas como um freio __ para atrasar a violenta investida da agricultura cientifica. ss _ Desde que comecei a propor uma maneira de praticar a agricultura em com a natureza, procurei demonstrar a validade de cinco principios ‘sem aracdo, sem fertilizantes, sem pesticidas, sem capina e sem fe 05 muitos anos que decorreram desde entdo, nunca duvidei das le uma mancira natural de praticar a agricultura que renuncia a st conhecimento ¢ intervencio do homem. Para o cientista con- u eza pode ser compreendida e usada por meio do intelecto tura natural é um caso especial € ndo possui universa- principios basicos se aplicam em qualquer lugar. n sementes que caem no chiio, onde germinam e se s, As sementes plantadas pela natureza nao sio tio ‘somente em campos arados. As plantas sempre se dura direta, sem arac4o. O solo nos campos é se raizes, sendo enriquecido pelas plantas com ienta anos, 0s fertilizantes quimicos comegaram a de, esta antiga pritica de utilizar a adu- ar o crescimento da arvore, mas ela igual- é tirada, | todo mundo vem dando uma atengao de agricultura cientifica. Tem-se Embom milhares de doencas ataquem as plantas nos campos ¢ florestas, a natureza encontra um equilibrio; nunca houve qualquer necessidade de pesticidas, © homem ficou confuso quando atribuiu as doencas aos danos causados por insetos; ele crlou com suas proprias mos a necessidade de trabalho arduo. © homem tenta igualmente controlar as ervas daninhas, mas a natureza nao denomina arbitrariamente uma planta de erva daninha e a erradica. Uma drvore frutifera no cresce mais vigorosamente e d4 mais frutos por ser podada. Uma arvore cresce melhor por estar no seu habitat natural; os galhos nao se emaranham, a luz solar atinge cada folha e a drvore da frutos em abundancia todo ano, nao somente em anos alternados. Muitas pessoas estao preocupadas atualmente com o ressecamento das terras cultiviveis e com a perda de vegetagio em todo o mundo, mas nfo ha diivida de que a civilizagio humana e os métodos mal direcionados de cultivo, frutos da arrogincia humana, sio em grande parte responsaveis por essa dificil situacdo que ja se generalizou. A utilizagao em excesso de areas para pastoreio por grandes rebanhos criados pelas populacdes némades reduziu a variedade de vegetagio, desnudando a terra Do mesmo modo, as sociedades agricolas, com a mudanga para a agricultura modema e sua grande dependéncia em relagio aos produtos quimicos de origem petrolifera, tém tido de se confrontar com o problema do ripido enfraquecimento do solo, Quando assumirmos que a natureza vem sofrendo danos em decorréncia do conhecimento e comportamento do homem, e renunciarmos a esses instrumentos de caos e destruigao, ela recuperaré sua capacidade de alimentar todas as formas de vida, Em certo sentido, meu caminho rumo 4 agricultura natural é o primeiro passo em diregio ao restabelecimento da natureza. Q fato de a agricultura natural ainda nao ter obtido uma ampla aceitagio mostra a forma avassaladora com que a natureza tem sido atormentada pela corrupeao do homem e a dimensio da ruina e da devastagao que tomam conta do espirito humano. Tudo isso torna a missdo da agricultura natural muito mais dificil Comecei a pensar que a experiéncia com a agricultura natural poderia ajudar de alguma forma, mesmo que em pequena proporeao, para reflorestar o mundo ¢ ‘equilibrar o fornecimento de comida, Embora alguns considerem isso uma id Proponho que certas sementes sejam plantadas nos desertos em boli- | ajudar a tornar verdes essas terras estéreis. -Essas bolinhas podem ser preparadas, antes de tudo, misturando-se as se~ 4 rvores | para adubacao verde — como a acicia-negra, que luyiométrica anual de menos de 5 cm, com pe outros tipos de adubagio verde — com de sementes € coberta primeiramente com argila, a fim de formar as bolinhas de as poderiam entio ser espalhadas manu- das bolinhas de argila endurecid sejam adequadas a germinac4o; € passaros. Um ano mais tarde, | varias das plantas terdo sobrevivido, fornecendo uma pista sobre o que & adequa- do ao clima ea terra, Em alguns paises mais ao sul, tém-se registrado o crescimen- to de plantas que armazenam Agua em rochas ¢ Arvores, Qualquer experiencia & valida se tivermos os desertos cobertos rapidamente com uma camada verde de grama, Isso traré as chuvas de volta. Quando estive no deserto, cheguei de repente a conclusio de que a chuva nao cai do céu; cla flui do solo, Os desertos nao se formam porque nao ha chuva; ‘20 contririo, a chuva para de cair porque a vegetacdio desapareceu. Construir uma barragem no deserto é uma tentativa de tratar os sintomas da doenga, mas nao € uma estratégia para aumentar a chuva. Primeiramente, temos de aprender como recuperar as antigas florestas. Mas ndo dispomos de tempo para langar um estudo cientifico visando deter- minar por que os desertos esto se espalhando, em primeiro lugar. Se tivéssemos mesmo que tentar, descobririamos que nfo importa quo distante no passado formos em busca das causas, estas causas serio precedidas por outras numa ca- deia intermindvel de acontecimentos ¢ fatores interligados, que esti acima do poder de compreensio do homem, Suponha que o homem fosse capaz, dessa forma, de aprender qual planta foi a primeira a morrer numa terra gradualmente transformada em deserto. Mesmo assim, ele nado saberia o suficiente para decidir se deve comegar plantando o primeiro tipo de vegetagao que vai desaparecer ou 0 tiltimo que vai sobreviyer, A razdo é simples: na natureza, nao ha causa e efeito. ‘A ciéncia raramente observa os microorganismos para uma compreensio so- bre as grandes relagdes causais, Na verdade, € possivel que a destrui¢io da vegetacio tenha iniciado uma seca, mas as plantas podem ter morrido como resultado da acio de algum microorganismo. Todavia, os botinicos nao devem ser incomodados pelos microorganismos quando estes esto fora de seu campo de interesse, Reuni- mos um grupo de especialistas to diverso que nao sabemos mais onde comeca & ‘onde termina determinado dominio do conhecimento. E por isso que acredito que a unica abordagem eficaz que podemos ter para reverdecer essa terra estéril € deixar as coisas totalmente nas maos da natureza, Um grama de solo na minha fazenda contém cerca de 100 milhGes de bactérias fixadoras de nitrogénio e outros micrdbios que enriquecem 0 solo. Sinto que o solo que contém sementes e esses microorganismos poderia ser a centelha que recupera os desertos. Criei, junto com os insetos em meus campos, uma variedade de arroz que chamo de “Happy Hill’. Trata-se de uma varledade resistente com a seiva de tipos selvagens, além de ser também uma das variedades de arroz com maior produtivi- dade no mundo. Se uma tinica espiga da espécie “Happy Hill” fosse enviada além- mar para um pais onde a comida é escassa € 14 fosse plantada numa firea com mais de 10 m*, um simples gro produziria 5 mil graos no periodo de um ano, Haveria gto suficiente para se plantar meio acre no ano seguinte, 50 acres dois anos depois, €7 mil acres no quarto ano, Isso poderia se tornar a semente de arroz para toda ‘uma nagao. Esse punhado de gros poderia abrir o caminho para a independéncia de um Povo que est4 morrendo de fome. ____No entanto, a semente de arroz deve ser distribuida 0 mais cedo possivel. 13 Meu maior medo atualmente é que a natureza se torne um joguete do intelec to humano, Existe igualmente o perigo de o homem tentar proteger a natureza po; intermédio do conhecimento humano, sem notar que ela pode ser recuperads somente se deixarmos de nos preocupar com 0 conhecimento ¢ com a agdo, que nos tém colocado contra a parede. ‘Tudo tem inicio ao renunciarmos ao conhecimento humano. Embora talvez seja apenas o sonho insano de um agricultor que buscou em vio retornar a natureza e a Deus, gostaria de me tornar o langador dessa semente. Nada me daria maior alegria do que encontrar outras pessoas com o mesmo pen- samento. Nota do tradutor para o inglés Esta € uma tradugao, com poucas revisdes, do livro Shizen Nobo, publi- cado pela primeira vez em japonés em 1976. Todo esforco foi feito para permanecer fiel 4 esséncia e ao tom da versdo japonesa. O leitor observaré que o livro trata quase que exclusivamente de assun- tos japoneses — praticas agricolas, culturas, ervas daninhas, insctos ¢ mesmo a hist6ria da agricultura —, muitos dos quais desconhecidos fora do Japio. Este € 0 contexto das experiéncias pessoais de Masanobu Fukuoka, que ser- vem de exemplo do que pode ¢ tem sido feito com a agricultura natural por um agricultor na ilha japonesa de Shikoku. Obviamente, como o autor sugere ‘sob outras condigdes em outros ambientes, mas o fato de ser localizada nao deveria diminuir a universalidade da mensagem. terminologia estabelecida no primeiro ) de Ful The One-Straw Revolution, pela Rodale oe ee que se refere genericamente a cevada e trigo, foi 0” ¢ Mi slo descritos ou em inglés foram foneti- em japonés. Os nomes final do livro, que inclui estas paginas. em que as agdes humans roducdao es autlestels Qualquer um pode ser um fazendeiro de 1.000 m? Neste pomar de laranjas, no topo de uma colina de onde se contempla o mar Scto- Naikai, temos diversos cascbres de barro. Aqui, jovens das cidades, alguns de outros paises, vivem uma vida rude, simples, praticando a agricultura. Levam uma vida de auto-suficiéncia, alimentando-se de arroz integral e vegetais, sem eletrici- dade nem agua encanada. Esses jovens, desencantados com a vida na cidade, ou com as religides, andam através dos meus campos vestidos apenas com calcdes. Depois de uma busca frustrada pelo passaro azul, acabaram vindo para minha fazenda num canto da cidade de Iyo-shi, estado de Ehime, onde aprendem como se tornar fazendeiros de 1,000 m’, Aqui, no pomar de laranjas cultivadas com agricultura natural, galinhas andam soltas e vegetais, que se transformaram em yariedades risticas, crescem entre os trevos. Ja nao podemos ver as paisagens bucdlicas do verde do cereal de inverno(’), de flores de canola nos campos da planicie Dogo, como hi dez anos. Os campos baldios ¢ os fardos de palha deteriorados retratam 0 caos das técnicas agricolas e a confusio reinante no coracao dos agricultores. Em meioa tudo isso, apenas meu campo de agricultura natural se cobre do verde do cereal de inverno. Ele nao foi arado uma vez sequer nestes trinta anos. Tampouco utilizei fertilizantes quimicos ou compostos e, também, nunca apliquei pesticidas. E uma agricultura do “nada fazer", mas ainda assim colho dez sacas de cevada e dez sacas de arroz (600 kg) por 1.000 m?. Meu objetivo é atingir uma tonelada Os métodos da agricultura natural sio simples e claros. Antes da colheita de ‘arroz, no outono, espalho scmentes de cereal de inverno e de trevo por cima dos sachos maduros de arroz. Quando o cereal de inverno brota e atinge alguns centime- tros de altura, colho 0 arroz, pisando sobre o cereal de inverno. Apés deixar 0 arroz secando por trés dias no chao, bato ¢ espalho a palha, sem picar, sobre todo o campo. Se tiver esterco de galinha, coloco-o por sobre a palha. Mais tarde, faco bolinhas de argila, misturando sementes de arroz, € as espalho sobre a palha, antes do Ano-Novo. Com o cereal de invemno plantado e a semeadura de arroz feita, no é necess4rio mais nada até a colheita do cereal de inverno. Numa drea de 1.000 m, se for apenas para Plantar ¢ colher, o trabalho de uma ou duas pessoas 6 mais do que suficiente. Mais ou menos no dia 20 de maio, época de colheita do cereal de inverno, noto que Os trevos esto bastante desenvolvidos e, por entre eles, brotos de arroz que ‘mergiram das bolinhas de argila ja atingem alguns centimetros. Depois de colher, Secar € bater 0 cereal de inverno, jogo toda a palha, nio picada, sobre o campo, Tnundo o campo por quatro ou cinco dias. O trevo enfraquece e surgem, sobre a tetta, 05 brotos de arroz. De junho a julho deixo sem irrigaciio e, em agosto, deixo a gua correr pelas valas de drenagem uma vez por semana ou a cada dez dias. Isso &, essencialmente, tudo sobre esse método natural de agricultura que chamo de *“semeadura direta, ndo cultivada, sucesso de cereal de inverno ¢ de ‘auT0z, com cobertura de trevo”. pee ee (0 Gevacts ou tigo, © cukivo de cevacla ¢ predominante no Japio, mas tod ckacio feta sobre {ivmo se aplica perfeitamente bem 20 trigo. asco 15 Agricultura do “nada fazer” dissesse que todo o meu método de agricultura se reduz a simbiose do arroz ¢ Ce ae te, provavelmente seria repreendido com 0 se. guinte: “Se isso é tudo que ha em cultivar arroz, entao os agricultores no estariam, trabalhando tanto em seus campos”. Mesmo assim, isso é tudo sobre 0 assunto. De fato, com esse método, tenho sempre conseguido melhores resultados do que : média conseguida pela maioria, Por isso, a tinica conclusao possivel € que deve haver algo com as priticas agricolas que requerem tanto trabalho desnecessairio. Os cientistas esto sempre dizendo: “Vamos tentar isso, vamos tentar aquilo” A agricultura, a exemplo de outras areas, se torna presa dessa conversa intiti! Novos métodos que requerem despesas e esforcos extras dos agricultor constantemente introduzidos juntamente com novos pesticidas ¢ fertilizantes. meu caso, tomei a diregio oposta. Eliminei todas as praticas e desp desnecessirias, dizendo a mim mesmo: “Nao preciso fazer isso, nao preciso f. aquilo”. Praticando esse conceito durante trinta anos, consegui reduzir o me trabalho a “espalhar” as sementes e a palha de cereal, O esforgo humano é de: cessario porque é a natureza e no o homem que faz crescer 0 arroz € 0 trigo. Se pararmos para pensar sobre isso, toda vez que alguém disser: “Isso € itil”, */ que necessitamos de algo que, na verdade, nem precisamos, ¢ para sairmos tentamos todas as priticas que nos parecem descobertas ‘do progresso. Inundar um campo com Agua e revolvé-lo com arado faz com que a tem: fique tao dura quanto gesso. Se o solo morre e endurece, entio ele deve ser todo ano, para que fique macio, Com isso, tudo que estamos fazendo condig6es para que o arado se torne ttl e nos alegrar com a utilidade da ferram ta, Nenhuma planta na face da Terra é tao fraca que s6 consiga germinar em s. arado. Nao ha necessidade de o homem arar € revolver a terra, pois « microorganismos ¢ pequenos animais o fazem naturalmente. Matando o solo com arado e fertilizantes quimicos e apodrecendo as © solo se Por outro lado, os pesticidas arruinam o solo ¢ ci ‘enriquece por si mesmo, sem que o ho: natureza niio pode ser dissecado ou ‘Ou melhor, aqueles que quebram f morto e, sem saber que © que eles e minando nilo é mais o que pensam que n que niio entendem a natureza, O homem comete um grave erro quando coleta dados ¢ descobertas peque- nas numa natureza fragmentada e morta e diz que “conhece”, “usa” ou “conquistou” a natureza, Por ele partir de premissas falsas sobre a natureza e adotar uma abordagem emada part compreendéla, por mais racional que seja seu pensamento, tudo termina ermdo, Devemos estir cientes da insignificdincia do conhecimento e da atividade humana comegar compreendendo suas inutilidades e futilidades. O biossistema vivo © holistico que Seguindo os trabalhos da natureza ‘alamos muito em “produzir alimentos", mas os agticultores no produzem os alimentos da vida, Apenas a natureza tem a capacidade de produzir algo do nada. Os agricultores dio, meramente, assisténcia a nature: A agricultura moderna € apenas uma outra industria que usa energia do pe- tréleo na forma de fertilizantes, pesticidas e maquindrios para manufaturar alimen- tos sintéticos, que silo pobres imitagdes do alimento natural. O agricultor de hoje se tornou mio-de-obra empregada da sociedade industrializada. Ele tenta, sem sucesso, fazer dinheiro na agricultura com quimicas sintéticas, uma proeza que sobrecarregaria até mesmo os poderes da Deusa dos Mil Bracos da Miseric6rdia, Nao surpresa, entiio, que ele esteja rodando como um pido. Agricultura natural, a forma verdadeira e original da agricultura, é 0 método sem método da natureza, é a maneira inalterada de Bodhidharma. Embora tenha uma aparéncia frigil ¢ vulnerivel, é potente, pois traz uma vitéria sem lata. £ a maneira budista de praticar a lavoura, que é ilimitada e lucrativa e permite que o solo, as plantas ¢ os insetos interajam a sua maneira. Quando ando pelo meu campo, as arinhas e os sapos se misturam, gafanhotos pulam ¢ nuvens de libélulas pairam sobre minha cabeca, Sempre que ocorre uma grande reproducio de cigamas cicadelideos, as aranhas também se multiplicam, infalivelmente. Embora a produgio deste campo varie de ano para ano, hi geralmente trezentos cachos de grios por metro quadrado, e cada cacho possui cerca de duzentos grilos, 0 que representa uma colheita de quinze sacas (900 kg) por cada 1,000 m’, Aqueles que véem cachos de arroz robustos crescendo no campo se maravilham com a forga e 0 vigor das plantas ¢ sua grande producio. Nao importa se existem insetos e pragas aqui. Desde que ‘seus inimigos naturais também estejam presentes, um equilibrio natural fica assegurado. Por ser baseada em principios derivados de uma visio fundamental da natureza, { agricultura natural se mantém aplicivel em qualquer época. Embora antiga, & também sempre atual, E claro que tal maneira de praticar a agricultura deve ter condigdes de resistir as criticas da cigncia, A pergunta de maior importancia é se esta “filosofia verde” e maneira de plantar tém forca para criticar a ciéncia e guiar © homem no caminho de volta a natureza, AsilusSes da agricultura cientitica moderna nto, ultimamente, da popularidade dos alimentos naturais, pensei que fa natural também seria estudada ao menos pelos cientistas e receberia da atengio. Infelizmente, eu estava errado, Embora estejam sendo feitas voyNusyS vanypNope vjad zosse ap OANTN “a “Bet Quando comparamos a agricultura natural ¢ a agricultura cientifica, pode- mos ver imediatamente as diferengas entre os dois métodos. O objetivo da agri- cultura natural é a “ndo-acdo” e um retorno a natureza; € centripeta ¢ convergen- te, Por outro lado, a agricultura cientifica se afasta da natureza com a expansdo da ambigao humana; é centrifuga e divergente. Por essa expansio aparente nao poder parar, a agricultura cientifica esta condenada 4 extingdo. O acréscimo de nova tecnologia apenas a torna mais complexa e diversificada, gerando trabalho ¢ despesas sempre crescentes, Em contraste, a agricultura natural nao sé é simples como também economicamente rentavel e reduz o trabalho. Por que isso acontece? Mesmo quando as vantagens sao tao claras € irrefutdveis por que o homem se sente incapaz de se afastar da agricultura cientifica? As pessoas pensam, sem diivida, que “nada fazer” é derrotismo, que isso afeta a produgio © a produtividade. E mais; a agricultura natural prejudica a produtividade? Longe disso. Na Fig. D. Direcao tomada pela agricultura clentitica Metodos agricolas ‘mecanizados, poupe-trabalbo Usointenso de pesticicas verdade, se basearmos nossos niimeros na eficiéncia de ences pata ra er, tural mostra ser o método mais produtivo le eee oste. a agricultura a tural produz 60 kg de arroz — ou seja, 200 mil calorias por kg Ee aenanide alc) sem 0 investimento de qualquer outro materia| Isso € aproximadamente cem vezes a ingest@o didria de 2 ae aang po agricultor em uma dieta de alimentagio natural. Dez vezes mais Bi ae Bast a na agricultura tradicional, usando cavalos € bois para arar os campos. A energia investida em calorias seria novamente dobrada com a adogao de mecanizagao de menor escala, e seria dobrada ainda mais uma vez com a mudanga para mecaniza- cdo de grande escala (veja Tabela 1.1, pag, 41). i Geralmente a alegacdo é feita observando-se que a mecaniza¢4o tem aumen tado a eficiéncia do trabalho, Todavia, os agricultores precisam usar as horas ex. tras longe de seus campos para conseguir mais dinheiro para ajudar a pagar seus equipamentos. Tudo o que eles tém feito é trocar seu trabalho nos campos por um emprego em alguma indasstria; eles barganharam a alegria de trabalhar ao ar liv nos campos abertos por horas monétonas de trabalho fechados numa fabrica As pessoas acreditam que a agricultura moderna pode tanto melhorar a produ- tividade como aumentar as rendimentos. Puro engano. A verdade € que os renci- mentos proporcionados pela agricultura cientifica so menores que os rendimentos conseguidos com a forga total da natureza. Praticas de alto rendimento e métodos cientificos de aumento de produgdo nos fazem pensar que aumentaram os rend: mentos sobrepujando a produtividade natural da terra, mas ndo € assim. Elas sio meros esforgos feitos pelo homem para restaurar, artificialmente, a total produtivida- de depois que ele cortou o tendio da natureza e, por isso, ela ndo pode mais exercitar seus poderes plenamente. O homem cria condigGes adversas e, mais tarde, Se regozija com suas “conquistas” sobre a natureza, As tecnologias de alto rendimen- to nao sao mais que tentativas glorificadas de adiar as redugdes de produtividade. ‘Também a ciéncia nao é uma parceira, em termos de qualidade, para ajudar : natureza a criar alimentos. Desde que o homem se iludiu pensando que a natur: pode ser compreendida, através de sua subdivisto e anilise, a agricultura ciemitic: tem produzido alimentos artificiais e deformados. A agricultura moderna nada te ctiado a partir da natureza. Melhor dizendo, fazendo mudangas qualitativas e quan- titativas em certos aspectos da natureza, conseguiu apenas fabricar alimentos sinté- ticos que sAo grosseiros, caros e ainda alienam o homem da natureza. A humanidade deixou ° seio da natureza e, recentemente, comegou a ver grandé alarme sua dificil situacao de érfa do universo, Além disso, mesmo quando tenta retornar & natureza, ela descobre que nao sabe mais 0 que é a natureza e, além disso, destruiu e perdeu para sempre a natureza a qual tenta retornar. Os cientistas visualizam as cidades do futuro, nas quais aquecedores enormes, condicionadores-de-ar¢ yentiladores proporcionario condigSes confortaveis dle vida por todo o ano, Eles sonham em construir cidades subterrineas e coldnias no fundo do ™ Mas pe habitantes das metr6poles esto morrendo, Eles se esqueceram dos claros raios 4° oe Soe ronan njcas Plantas, dos animaise da sensacio da bisa suave que acu" corpo. O homem pode viver uma vida verdadeira apenas com a natureza. Aagricultura natural é um método agri i igi filoso- Rete Mou hice c eS igticola budista que se originou na fi natureza do “1 "Qs jovens 4 moram no meu pomar carregam lo “nada fazer”. Os jo" com cles a esperanca de, algum dia, resolver °* sais problemas de nosso mundo, que nao podem ser resolvidos pela ciénci2 © pela 0. Meros sonhos talyez, mas cles tém a chave para o futuro. 22

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