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Arte visigstica em Portugal Por D, Fenwanpo pe Atate1Da SUMARIO Definigdo de «Arte visigética, A Peninsula Thériea no decair do Império, TInvasées, Povos Germénicos (Francos, Suevos, Vindalos © Visigodos). Os Alanos. Reino dos Suevos e Reino visigodo, Bizantinos na Peninsula, Antecedentes da Arte visigética, Ibéria pré-romana, Influéncias virias; Escandinivia, Irio, Siria, Egipto-copta, Norte de Africa, Bizincio, Rayena, Sicilia Ante paleoeristd e seu lugar na Arte visigética, “Arte visigética, Motivos arquitecténicos © decorativos. ‘Arte visigética em Espanha e em Franga (resumo). Arte visigética em Portugal. } grupos lusitinico, suévico e olisiponense. Artes menores: cerimica, bronzes, fivelas, fechos de cinturio, j6ias, Pintura, Mosaico. Locais onde foram encontrados restos visig( Bibliografia consultada sobre Arte visigética, em geral, e sobre Arte vvisigética em Espanha, em Franca e em Portugal. Andices: de estampas ¢ de gravuras, alfabético © geral, PREAMBULO Entende-se por Arte visigética conjunto de manifestagées artisticas Surgidas na Peninsula Ibérica entre o periodo final da dominagio romana, desde que nela foi pregado o cristianismo, e a invaséo érabe: entre ¢ século TV (antes, portanto, da chegada dos Visigodos ao solo peninsular) © 08 prinefpios do século VIII. O inicio parece um contrasenso; mas, efec- tivamente, para a Arte visigética, a contribuigSo dos Visigodos, no surgit de novas formas artisticas foi minima, como iremos facilmente demonstrar. A designagéo escolhida tem simplesmente cardcter politico ¢ no énico, Pols 0 perfodo em que essa forma de Arte se manifestou corresponde, sen. sivelmente, ao da existéncia do reino visigodo € no & produgdo artistica do povo visigodo. O iinteresse deste assunto reside no desconhecimento, até hi poucas Ascadas, da existéncia de uma arte desabrochada e desenvolvida nesta época, com forma e elementos préprios, alguns mesmo desconhecidos até entio. No Congresso Internacional de Hist6ria da Arte, realizado em Lisboa © Porto em 1949, Manuel Monteiro (*) disse: cA representacao da Arte Préromanica em Portugal ¢ muito fraca, limitando-se, a bem dizer, aos ‘trés monumentos acima apontados e As ruinas de Idanha-a-Velhay. Os trés ‘monumentos referidos eram as igrejas de S. Pedro de Balsemio, Lou. Tosa e Montélios. Notemos que Lourosa mosérabe ¢ ficaremos reduzidos (0) Masur. Mowrzmo— Lire préroman an Portugal, Rap, et Com, au XVI Congrds de THlistoie de VArt, I, Lisbonne, 1949, pg. 125, 8 D. FERNANDO DE ALMEIDA a trés ao todo e nada mais: ora a verdade é bem outra, como provaremos a evidéncia. ‘A entrada dos Arabes e as Iutas da Reconquista, s6 deixaram de pé um ou outro monumento em locais afastados dos centros ou das grandes vias de comunicagio; edificios pequenos, esquecidos, a isso devem o ter podido persistir, embora mutilados pelo tempo e, ainda mais, pelas repara- es. Muitas pecas trabalhadas, que pertenceram a edificios demolidos durante as invasées, foram metidas em construgbes posteriores ¢ delas saem quando menos se espera. Daqui a ignorancia da sua existéncia como forma propria da manifestagdo artistica, de que s6 recentemente se tomou em devida consideragio. Os textos literdrios referentes & mesma época e que tém interesse para o estudo da Arte visigética também so eseassos ¢ reduzem-se a pouco mais de uma meia diizia de autores. ‘As inscrigées nao so abundantes e o seu interesce é relativo: ou sio funerarias, ou dizem respeito a monumentos desaparecidos: tudo contribue para manter na sombra alguns dos sculos de maior interesse na Historia Peninsular, precisamente aqueles em que se conseguiram independéncia, unidade politica ¢ unidade religiosa em todo 0 territério. © periodo que abarca a Arte visigética inicia-se, como dissemos, a partir da Arte romana decadente, quando a religiio de Cristo comegou a converter os pagios peninsulares ¢ foi preciso erguer novos templos ¢ preparar tiimulos; ele soube e péde reunir elementos resultantes de influén- cias vindas de diferentes regides, por vezes bem distantes, como diremos. A este periodo € costume designar por paleocristio, expressio que conti- nuaremos a usar, mas no sentido indicado, isto é como infcio da Arte visigética. A fusio de todos os elementos encontrados na Peninsula pelos invasores do século V, que na expressio de Salin, nfo foram mais que imitadores, yeiculos e catalizadores ("), juntos a muitos outros importados do Oriente e da Europa, fez surgir uma Arte propria, que depois de muito ensaiada e caldeada estava a tomar formas definitivas no dealbar do séoulo VIII: infelizmente a invasio arabe fez substituir por outras as suas concepgies artisticas e assim, 0 fruto de varios séculos foi quase pulveri- zado quando entrava em maturagio. O tentar contribuir para o esclareci- ©) Evovann Susy—La civilisation merovingienne, I, Paris, 1957, pég. 112 ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 9 ‘mento deste periodo no nosso Pais onde parecia nada haver até hé poucas dezenas de anos, quando foi iniciado o seu estudo; e juntar o conseguido por esses pioneiros com o rebuscar do que se encontra escondido em construgées de ordem varia, ou adulterado na traga de monumentos coevos, ou ainda classificado por vezes erradamente, foi o fim que nos propusemos ao elaborar este trabalho. De ha anos a ele nos dedicamos e para ele reunimos elementos conseguidos em sucessivas peregrinagdes por toda a parte da Terra Por- tuguesa. Antes, porém, de iniciarmos o estudo da Arte visigética em Portugal, julgamos oportuno mostrar, de forma sintética, 0 panorama da época em que ela iria surgir nos aspectos mais ligados ao motivo que nos propomos tratar. Por esta raziio faremos um resumo do final do Império na Peninsula © em seguida recordaremos as imigragées germanicas; mostraremos depois qual era o quadro da Hispania ao serem iniciadas essas:vindas de ondas sucessivas de Barbaros, Trataremos da possivel influéncia que eles exerce- yam directa ou indirectamente na Arte hispanica, para daqui estudarmos ‘68 elementos que com mais ou menos probabilidade contribuiram para ela- borar a Arte visigética: luso-celtas, escandinavos, persas, sitios, coptas, norte-africanos, bizantinos. Finalmente, mostraremos as caracteristicas desta Arte, para terminar pela enumeracéo do que dela resta ¢ yeio até ao ‘nosso conhecimento, quer em monumentos, quer em pecas de escultura, ow outras, que agruparemos segundo as afinidades por terem sido trazidos a Piiblico por varios investigadores: énos grato recordar, entre todos, 0 Prof. Vergilio Correia, por ha anos ter dado & estampa o primeiro trabalho de conjunto sobre Arte yisigética em Portugal (*). Dedicaram-se ou dedi- camse ao assunto ¢ também publicaram trabalhos, entre outros, o Prof. Manuel Heleno, nas escavagées a que procede em Torre de Palma e Silvei- rona (*), D. José Pessanha, F. Alves Pereira, Manuel Monteiro, P.° Aguiar Barreiros, Alberto Feio, Serpa Pinto, Moura Coutinho, Afonso do Paco, Mario Cardozo, Abel Viana, P.° Ribeiro da Cunha, Veiga Ferreira, Russell Cortez, e outros. Pela nossa parte, ao material conhecido quando inicidmos as nossas (2) Vanoitso Comme — Arte Visigética, Histiria de Portugal, Vol. 1, Bareelos, 1928, ples. 365388. () Vide, no final, Bibliografia sobre Arte Visightica em Portugal. 10 D. FERNANDO DE ALMEIDA investigagSes, j4 estudado pormenorizadamente por investigadores de mérito, acrescentimos por vezes algumas notas e juntémoslhe muito outro que encontrémos disperso ou mal classificado por colecgées piblicas ou parti- culares, ou em igrejas e monumentos, grande parte inédito, ou entio des: conhecido, produto das nossas investigagdes ou das préprias escavagdes que dirigimos (Idanha-a-Velha e Odrinhas). Nao pretendemos, apesar disso, dar uma resenha.completa de tudo © que existe de visigético em Portugal; mas, pelo menos desejamos, tanto quanto possivel, tornar conhecido 0 que nesta data pode ser encontrado, ou embora desaparecido para fora do Pais, ou perdido, pertenca a sua cultura, Para outros menos afeitos a este tema poderem contribuir com novos achados, a fim de se conseguir um inventério mais completo, damos umas notas gerais sobre Arte visigética antes de deserevermos, com maior ou menor pormenor, consoante 0 seut interesse, 0s monumentos e as pegas que conseguimos juntar. Finalmente, mum estudo de conjunto do j& vasto material reunido pro- curaremos estabelecer centros de Arte visigética em Portugal, suas carac- teristicas e afinidades. Nifo se trata de um estudo definitive, pois estamos certos haver ainda muito a descobrir, designadamente em escavagies arqueolégicas indispen- siveis de realizar; mas o arrumo dos elementos por nés conhecidos nesta data servird, assim o cremos, de apoio a novas investigagées. Em Espanha muito se tem trabalhado neste campo, desde Quadrado; citaremos Gémez-Moreno, Camps Cazorla, Santa Olalla, Helmut Schlunk, Marqués de Lozoya, Martin Almagro, Pedro’ de Palol, etc., etc. O assunto interessa igualmente aos dois paises, pois o seu territ6rio foi outrora dos mes- mos Reinos visigodo ¢ dos Suevos; por isso, por se referir a um perfodo da Historia da Penfnsula ainda longe de ser bem conhecido, qualquer achega deverd ter 0 seu lugar: com esse fito nos demos ao trabalho que agora, gracas A bondade do Prof. Manuel Heleno, nosso Mestre, nos é possivel publicar, Ao ilustre continuador da obra de Leite de Vasconcelos agrade- cemos mais esta prova da sua generosidade. nos muito grato deixar aqui os nomes de outros investigadores que de uma ou outra forma também nos acompanharam na elaboragio deste trabalho, E entre todos distinguiremos o Prof. Scarlat Lambrino, Mestre e ARTE VISICOTICA EMC PORTUCAL u Amigo; 0 Prof. Manuel Gémer-Moreno que pacientemente nos recebeu e aconselhou sempre que 0 procurdmos; TenCoronel Afonso do Pago, Prof. Nobre de Gusmao e escultor Joaquim Correia, companheiros de digressées arqueol6gicas; Helmut Schlunk ¢ Prof. Pedro de Palol, amigos ¢ esclare- cidos criticos da Arte visigética. Confessamo-nos ainda agradecidos nfo s6 ao Director do Museu Etno- légico Leite de Vasconcelos, onde se guarda rico material visigético, m: também a tantos outros que nos quiseram amivelmente auxiliar nesta tarefa seja-nos permitido destacar entre varios 0 Prof. Mério Chics, da Faculdade de Letras de Lisboa ¢ do Museu de Evora ; o Prof. Luis Reis Santos e Bairro Oleiro, do Museu Machado de Castro de Coimbra; Manuel Figueiredo, do Museu Soares dos Reis, do Porto; C."' Mario Cardozo, do Museu Martins Sarmento, de Guimaraes; D. Maria Emilia Amaral Teixeira, do Museu Alberto Sampaio; de Guimarées; 0 Reverendo Reitor do Seminitio de S. Tiago, de Braga; D. Anténio Castelo Branco, do Museu dos Servigos Geolégicos; Abel Viana, do Museu de Beja; Mério Lyster Franco, do Muscu de Faro; Vitor Guerra, do Museu da Figueira da Foz; José Luis Mourio Jiinior, do Museu Militar da ‘Torre de Menagem de Beja; Abilio Miranda, do Museu de Penafiel; Jillio Borges dos Santos, do Museu de ‘Torres Novas; ¢ ainda os Senhores Sebastido Ramalho Ortigio (Aleanta- rilha), Joaquim Nunes Pacheco (Fuzeta), Frederico Marrocos (Idanha-a- -Velha), Anténio José Teixeira (Coruche) e Familia do Dr. Castro e Brito (Beja), pelo estudo que nos permitiram fazer de pecas inéditas das suas colecedes particulares. Desenhos do Esc. Joaquim Correia (na capa) ¢ de Salgado Dias; plan- tas de Gil Ferreira e Carlos Brandio, Fotografias do autor, quando néo levarem indicagéo em eontrério. 1 CapiruLo AO DECAIR 0 IMPERIO ‘Ao acentuar-se, no sé. IV, a decadéneia de Roma, subia cada vez mais alto no Oriente mediterranico, propositadamente erguida entre 0 mundo asiftico e © europeu, a jovem Constantinépla, construfda ao lado da velha Bizancio. A Peninsula Ibérica, bem distante da nova capital, seguiu de perto o agonizar do maior império até entio conhecido. Politicamente libertava-se a pouco € pouco da tutela romana; por outro lado vinha-lhe de Roma a nova Fé, que se nio foi pregada no proprio tertitério, segundo é tradigio, por um dos maiores apéstolos, S. Paulo, pois disso nao ha a certeza (*), foi seguramente de lé trazida por muitos dos que na yelha metrépole recebiam a palavra de Cristo e a traziam para a Peninsula. @) Nio hé noticias soguras sobre cidades ou regies peninsulares visitadas por S. Paulo; mas, por outro lado, a sua vinda pode depreenderse do que 0 priprio Apistolo escreveu 205 Romanos ¢ a Timéteo, seu disefpulo dilecto, Assim, no epilogo da Epistola aos Romanos (XV, 24 ¢ 2B), do ano 56, lé-se: «...tenho um vivo desejo de ir encontrarvos quando me dirigit {i Hispinias; adianto 6 reefirmado: +... partirei para a Hispinia passando por junto de vise. ‘A viagem fol confirmada mais tarde, nos fins do séc. 1, pelo Papa S. Clemente, quando se dirigia a0» Corintis: ... depois de (S. Pauto) ter ido aos confins do Ocident... Sobre o ter ali exercido 0 apostolado, o facto pode inferirse da Epistola de S. Ps 14 Timéteo (2 Epist): «...0 priprio Senbor me assstiu e deu forgas a fim de que a pregagio fosse feita plenamente por mim e entendida por todas as nagies». Supiese haver nisto uma referéncia & anunciada vinda & Hispania, Outros documentos (Muratoriane, ete) dos séculos seguintes confirmam ss Epistolas mas, como dissemos, nfo existe nada de preciso quanto as actividades que S. Paulo teria desenvolvido ‘entre née: dada a alta figura do Apéstolo, tomase assim suspeita a viagem & Hispini ARTE VISIG6TICA EM. PORTUGAL 13 © Império Romano, ao aproximar-se do Oriente ¢ incluir nas suas fronteiras boa parte do que por ali conquistara, deixou-se embeber a pouco © pouco por ideias, crencas motivos artisticos dos povos submetidos; até imperadores foi buscar Siria (comego do séc. III) e muitas divindades tomaram o caminho da Urbe (Isis, Horus, Mitra, Cibele, etc.). A pouco e pouco o espirito da Arte asiitica, a estilizacdo das figuras, © omato, a cor tomaram lugar no espirito helenistico-romano; a ourivesaria substituiu a escultura, o geometrismo relegou o naturalismo ¢ deixou, a perder de vista, 0 humanismo grego. Nos fins do séc. IV, com a acentuagio didria das divergéncias entre Roma e Constantindpla, motivadas por factos de ordem varia onde néo s6 entravam a enorme extensdo de territdrios a governar, mas também contactos ‘com vizinhos bem diferentes na politica, na religiao, na cultura o Império Romano, jé governado por dois Césares desde Diocleciano, separou-se defi- nitivamente em dois Impérios, depois da morte de Teodésio: 0 Império do Oriente ¢ o do Ocidente. Aquele, na sua ascensiio a embeber-se de influén- cias asidticas e a lutar pela continuidade e restauracdo da velha grandeza que 0 levariam a omnipoténcia do Imperador: este, por um lado a desfa- zerse politicamente, a receber ataques de uma multidio de povos ora inimigos, ora amigos ¢ por outro a cristianizar-se: a passar da unidade imperial romana & unidade espiritual catélic E que mais nao fosse, este facto néo é s6 por si suficiente para registar a ideia, tio combatida ainda por outros aspectos, da decadéncia romana no séc, IV? Era no Ocidente o levedar de uma série de novos Estados a estabele- cerem fronteiras, delimitar influéncias, a organizarem-se politica, econé- mica e socialmente: em suma, a risear o futuro mapa da Europa medieval, no que tiveram papel activo as migragSes germinicas. A unidade politica conseguida pelo Império Romano, foi substituida pela unidade espiritual, dada pela Igreja Catdlica. A consciéncia de Estado, que a politica conso- Tidou, acrescentou-se o espirito universalista pregado e difundido da Roma crista. Num arranco serddio, 0 Império do Oriente tentou refazer a antiga grandeza romana mediterranica e chegou até & Peninsula; mas foi sol de pouea dura ¢ nfo teve influéncia no desenvolvimento do Ocidente, j& entéo em via de transformagéo bem mareada. No entanto ¢ durante anos, os novos ary D. FERNANDO DE ALMEIDA estados germanicos guardaram perante Constantinopla uma atitude respei- tosa ¢ seguiram, imitaram mesmo, muitos aspectos da cultura bizantina. Orgulhosos da sua independéneia, talvez a isso se devesse uma parte da teimosia de alguns se manterem arrianos. A Arte romana desse século, chamado de decadéncia, sofreu influxo cada vez maior da Igreja Catélica e dessa adaptagio surgiu aquilo que se chamaria Arte paleocrista. Se estabelecermos caracteristicas rigidas para a Arte visigstica, podemos admitir 0 continuar daquela expresso; mas se Ihe dermos a amplitude que enunciémos ao defini-la, pode bem passar-se sem ela e considerar esse perfodo como 0 inicio da Arte visigética. A Peninsula Ibérica fora transformada, depois de dois séculos de luta contra as legides, numa das Provincias mais romanisadas. Por esse motivo a Arte romana teve, na Hispania, manifestagées de uma grandiosidade no ultrapassada ; atestam-no, entre outros, 0s monumentos felizmente menos mal conservados de Mérida, de Tarragona, de Segévia, de Alcantara ¢ tantos mais. Infelizmente 0 territério portugués néo foi tio beneficiado pelos Romanos como 0 territério espanhol: ou por estar mais afastado, ou por os seus naturais serem mais refractarios & sujeicfo a uma soberania que Thes fora imposta depois de uma luta de mais de um século. No entanto, existe ainda muita coisa a atestar a sua latinizagéo: as ruinas de Troia, de Conimbriga ¢ de Idanha-a-Velha, o cripto-pértico de Coimbra, o teatro de Lisboa, os acampamentos de Viseu e de Antanhol, as numerosas «vilas» do Alentejo, o templo de Evora, as centenas de inscrigées latinas aparecidas em todo o Pais, etc. Por outro lado a personalidade da Peninsula, apesar da sua romanizagio acentuadfssima, como afirmémos, nfo se deixou apagar completamente; por isso se notam provincialismos, a marcar a adaptacio das formas importadas ao gosto € tradigGes do povo onde iriam servir. Como exemplo, lembramos a afinidade evidente em um grupo de templos romanos da Lusitania, para o qual nos chamou a atengao o Prof. Garcia y Bellido ao descrevermos 0 «podium» de um templo romano, com toda a probabili- dade dedicado a Vénus, que descobriramos em Idanha-a-Velha (") ¢ rela- cionémos com o chamado de Diana, em Evora. Segundo o citado mestre da ©) Comunicusio & Associagio dos Arqueslogos, na sessio de 18 de Dezembro de 1957 © a0 I Congresso Nacional de Arqueclogia, em Lisboa, 1958 ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 15 Arqueologia romana da Peninsula, a disposigéo dos silhares, os frisos, ete, sio como que decaleados em outros, também da Lusiténia, existentes em Talavera la Vieja; ao visité-los na sua companhia, tivemos ocasiao de Thes encontrar, efectivamente, um «facies» lusiténico, bem marcado. Nao admira, pois, que se a forte garra romana deixou influenciar-se na Peninsula por formas locais, como entre outras, a tendéncia para a geo- metrizacéo nos motivos decorativos, 0 mesmo tivesse sucedido quando novos elementos a ela acorreram depois da queda do Império. E assim, iremos verifiear como na elaboragio da Arte visigética, sobre um fundo hispano- stomano, na expressio do Prof. Palol, se vieram fixar elementos sirios, norte-africanos, bizantinos, e até mesmo visigéticos, estes nas artes meno- "es, sem falar em influéncias mais remotas, do Irdo, do Sul da Riissia, dos Scitas. Para melhor compreenséo de como foi possivel transformar a Penin- sula em um cadinho onde tantas formas e concepcdes se fundiram, julgamos ‘itil dar um resumo dos acontecimentos nela sucedidos e que possam ter relagio com as origens da Arte visigética. As invasées germanicas e as - modificagies dos quadros politico, social e religioso tiveram especial relevo na vida dos seus habitantes. Nao por o mimero dos invasores ter sido muito -elevado, pois no conjunto pouco iria além de uma centena e meia de milha- “res de individuos, nem tao pouco por trazer ideias novas ou formas artisticas propriamente diferentes; mas principalmente pelas circunstincias que pro- “ Yocaram/a sua vinda ¢ reaccGes desencadeadas pelas ideias religiosas __politicas do tempo. 0 mérito que se Ihes pode atribuir é o de terem tentado dar, finalmente, uma estrutura uniforme aos Povos Ibéricos tornados IL Cariruto INVASOES DA PEN{NSULA POVOS GERMANICOS FRANCOS Provavelmente, no séoulo II a. C., 08 Povos Germfnicos sairam da Escandinavia e das margens do Baltico em direcco a0 Sul. Uns ficaram pelas regides vizinhas (Jutlandia, Frisia, Norte da Alemanha), outros con- tinuaram a sua migracio para o centro da Europa. Os Francos vinham divididos em dois grupos, 08 Sélios ¢ os Ripusrios ; instalarani-se nas margens do curco inferior do Reno, invadiram as Gélias e alguns chegaram a atravessar os Pirinéus por duas vezes, entre 253 ¢ 257 a. C. ("). Escavagées arqueolégicas confirmaram essa primeira entrada dum povo germanico na Peninsula, mas infelizmente pouco se sabe da profundidade de penetragio e sua possivel influéncia na vida ibérica, além do muito reduzido que nos fornece a Arqueologia (*); essa influéncia foi certamente muito limitada ou mesmo nula. A segunda invasio que sofremos foi de consequéncias desastrosas; 0s Barbaros atravessaram facilmente as Gélias pois os Romanos, que poderiam ter-lhes oferecido resisténcia estavam na regido do Danibio, a combater a insurreigéio de Ingenuus. E, assim, chegaram sem grande estorvo 4 Hispania, entraram pela passagem a Ocste dos Pirinéus e durante doze anos devastaram quanto encontraram; por fim, passaram & Mauriténia Tingitana. Em um trabalho de Pierre David publicado ha anos (*) é posta a hipé- tese, por nés seguida (*), de 0 topénimo «Francos», limite da diocese da Egiténia (actual Idanha-a-Velha) na chamada diviséo de Vamba, ter tido origem no Povo Franco, possivelmente quando em 269 o Imperador Claudio, © Gético, fixou alguns desses Barbaros. ©) Fenomano Lor—Les Invasions Germaniques, ed. Payot, Paris, 195, pig. 33. () Fronencio oe Axsottsch—El cementerio franco de Pamplona, Pamplona, 1914, ©) Prewne Davio—Ztudes Historiques sur la Galice et le Portugal du Vim au Xilime siécle, 1947, hig. 76, | F, pe Atacioa—Eegivénia, Lisboa, 1956, pigs. 54 a 57, 73 © 7 ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL Ww Foi depois desta invasio, na segunda metade do século III, que cidades das Galias e da Hispania levantaram muros de defesa: até entio nao havia motivo para tal, a paz romana garantia-lhes seguranga. Tudo leva a crer serem dessa época as muralhas de Conimbriga e de Aeminium. As de Tdanha-a-Velha, depois de escavagées a que procedemos em 1959 (+), € continuadas até 1961 vieram revelar uma série de torres semicilindricas, macissas, adossadas & muralha; pelas caracteristicas destas torres, hem como pela estrutura do conjunto considerdmos essas defesas como sendo do sée, IV. Sio de perimetro reduzido (cerca de 800 metros), de espessura _ 4 roda dos trés metros e meio; o enchimento entre os Pparamentos & feito com alvenaris e materiais aproveitados de edificios destruidos, langados Sem compressio; as torres sio semicilindricas de pequeno didmetro, cheias, © distantes umas das outras cerca de 37 m: tudo caracteristicas daquele periodo, __Hisicobos, suzvos & V4NDALos A guerra dos Marcomanos (166 d. C) desencadeou outras migragies; ‘tum grande grupo, os Godos, encaminhou-se para a vasta drea situada ao Norte do Mar Negro, entre os Cérpatos e o Volga e ali instalou, cerca do "no 200, as suas duas grandes familias: os Ostrogodos («Godos brilhantes») er # Oriente do Dnieper, enquanto os Visigodos («Godos sensatos», Pcie) ‘cuparam a parte ocidental. Nesta vasta area ter-se-iam crusado com _ Povos indo-europeus o que teria modificado, de certo modo, 0 seu tipo ‘erminico primitive ¢ influido nos préprios usos e costumes. Designada. 7 e, desse contacto, resultariam influéncias na arte propria, influéncias hayiam de trazer para a Peninsula, como a seu tempo diremos, ra 0 Ocidente, embateram primeiramente com os Ostrogodos, em 376. ‘alguma resisténcia estes acabaram por ceder, © seu rei {oi mort e € a cavalgada pelas estepes asidticas continuou a correria até mee) DF. be Aumtioa—Nota sobre as muralhas de Idanka-eVetha, com. ao Congresso 18, D, FERNANDO DE ALMEIDA & Europa. Os Visigodos, apavorados, fugiram ¢ ao atingirem as margens do Damibio, pediram auxilio a Bizancio (Fig. 1): atravessaram o rio € 0 Imperador instalou-os na vasta area entre a sua margem e as proximidades de Constantinopla. Seguiu-se uma série de lutas entre Bizantinos e Visigodos, donde resultaram contactos estreitos, com manifesta vantagem para os de cultura inferior: e os prisioneiros de guerra levados para 0 campo godo, na maioria cristios, fizeram proselitismo da sua religio. Infelizmente, a pre- gacdo era de uma heresia muito em voga, 0 arrianismo, ¢ assim os Godos adquiriram um erro que traria mais tarde consequéncias funestas para a sua dominagio na Peninsula Ibérica. Foi Ulfila, germénico de no longe da ‘Arménia, o principal pregador da heresia, ajudado ainda pela tradugio da Biblia por ele feita em lingua gética. Depois de varias Iutas, os irrequietos Visigodos passaram & Trécia Fig. 1—Migragées dos Povos Germiinicos 'S — Suevos; A — Alanos; V — Vindalos (V, A. — Asdingos, V. S.— Silingos); ‘W—Visigodos (———~+ } ARTE VISIG6TICA EM PORTUGAL 19 © depois, sucessi mente, 4 Grécia, Iiria, Itélia, até se instalarem no Sul da Célia, em 412. Nesta correria o numeroso grupo étnico (possivelmente nao chegaria de inicio a 200 mil) ndo teria tido muita ocasio para absorver @ cultura romano-helenistica; mas, certamente, algum beneficio receben, E assim, o povo barbaro a quem foram cedidas terras na Aquiténia e Nar. bonense néo s6 era na sua grande maioria cristéo (arriano), mas estava 4 par de muitos usos € costumes do Império, Foram designados «federatiy nesse periodo consequente ao abaixa- mento do nivel demogrifico em que escasseava gente no Império, ¢ a Poucos romanos interessava a vida no exército; por isso os federados visi- Bedos a pouco e poueo tomaram conseiéncia da sua forca, a ponto de nem sempre cumprirem os tratados feitos com 0 Governo de Roma. Estavam eles em pleno desenvolvimento organizagéo quando outros Povos germinicos surgiram as portas da Peninsula: os Cuado-Suevos ¢ 08 Vandalos Asdingos e Silingos, na companhia de outro povo, este de origem iraniana, partido das proximidades do Céucaso: os Alanos. Estes germénicos ocuparam, depois do inicio da migragio, o centro da Europa, nas proximidades do Dantibio. Impelidos depois para ¢ Ocidente durante téo vasto movimento geral iniciado nas estepes asidticas e de que if faldmos, atravessaram o Reno perto de Maienca em 31 de Dezembro de 406, sem encontrarem séria resistencia, Nas Gélias passaram sucessiva- ‘mente por Amiens, Reims, Tournai, até & Aquiténia: s6 Tolosa lhes pode resistir, gragas ao seu Bispo. Os legiondrios da Britania tinham aclamado imperador Constantino, que assim foi o III do nome, e reconhecido colega de Honério, com o governo da Briténia, das Galias e da Hispania; mas Cerén- io, general de Constantino, revoltou-se contra o imperador e convidou os Suevos, Alanos e Vandalos a ajudé-lo na Peninsula. Segundo Idécio, Bispo de Chaves, cronista dos Suevos e um dos homens mais eminentes do seu tempo, numa terca-feira entre 28 de Setembro e 13 ‘de Outubro de 409, estavam os Barbaros na margem do Golfo Cantabrico, om o mar de um lado e os Pirinéus do outro. A sua irrupeio na Peninsula foi catastréfica para 0 povo hispano- sTomano, a erermos nas atrocidades que nos conta o citado bispo: néo houve ; que fosse poupado aos pobres peninsulares pelos «pérfidos e des: Tenis» invasores, culminado por forma tio trégica que teria até levado i antropofagia! Tao horrorizado continuou com os desmandos dos Barbaros, 20 D. FERNANDO DE ALMEIDA que ainda passados anos, em 431, foi & Gélia pedir auxilio aos Romanos para libertarem 0 seu povo. Um outro escritor, podemos dizer também contemporaneo, Paulo Orésio, de Braga, conta as coisas vistas por outro prisma: 0 estado a que teria chegado a administragio romana, os impostos, os vexames, encontraram um alivio na vinda dos Barbaros, pois pasado © primeiro momento «trocaram a espada pelo arado» e ajudaram assim a combater a fome ja por eles préprios sentida. Uma invasao de jacto, como foi a barbara, nao se realiza certamente em paz com os invadidos; muitos devem ter sido os excessos cometidos. O proprio Orésio o assinala, mas a Peninsula nao sofreu por igual o peso dos invasores ¢ nisto deve residir, além das preferéncias pessoais, a diferente apreciacio feita pelos dois autores citados. E de recordar que P. Orésio, cerca do ano 413, portanto pouco tempo depois, procurou encontrar-se no Norte de Africa com S. Agos- tinho e com ele esteve em Hipona; enviado pelo Santo a Palestina, tomou parte no sinodo de Jerusalém, em 415 e voltou de novo @ Hispania. Era culto e viajado e sabia o que se passava pelo Mundo. Um outro escritor do tempo, Baquidrio, usou uma filosofia ainda mais acomodaticia: «tudo o que foi & idéntico ao que seré» (*). E a Historia seguiu o seu curso, a Peninsula integrou 0 sangue novo no seu velho tronco ibérico. Dividida parte da Hispania entre os invasores, em 411, sob o olhar complacente de Roma, instalaram-se os Asdingos no Norte da Galécia e no Sul da mesma provincia ficaram os Cuado-Suevos. Os Alanos, muito nume- rosos, ocuparam a Cartaginense ¢ parte da Lusiténia e os Silingos foram para a Bética. A Tarraconense continuou romana. Desavindos, os Barbaros lutaram entre si; em 415, para restabelecer a ordem na Peninsula e 0 respeito pelas instituigées romanas, o Imperador Consténcio mandou Ataulfo com os federados visigodos, entdo instalados no Sul das Gélias, a troco de um tributo que Ihes seria pago em trigo, ter- ras, ete, Depois de lutas varias, em que os Visigodos eram comandados pelo seu Rei Vilia, os Asdingos sofreram perdas graves ¢ alguns fundiram-se com os Suevos; outros passaram ao Sul da Peninsula, onde se juntaram 08 Silingos. Os povos Vandalos, em niimero aproximado, segundo calculou () Gewnaoio — De iris illustriduss, XXIV, H. Fuonsz — Espaia Sagrada, XXV, ARTE VISICOTICA EM PORTUGAL 21 ‘Victor de Vite (*), a 80000 pessoas, atravessaram entio 0 Estreito coman- dados pelo rei silingo, Genserico, e tomaram a direcgao de Tanger. Seguiram pelo Norte de Africa para Oriente ¢ acabaram por se instalarem na Numidia onde fundaram um reino, de pouca duragdo certo: os Bizantinos, no esforgo que pouco depois fizeram para conquistar 0 Ocidente, deram-lhe curta vida. Os Alanos foram completamente derrotados pelos Visigodos: alguns fundiram-se, em seguida, com os Suevos e ficaram na Peninsula; outros Pascaram 4 Africa com os Vandalos. Durou © reino dos Suevos 170 anos (até 585); em luta com os Visi: gedos, em correrias que os levaram a Mérida e a Betica, os Suevos acabaram Por se Thes submeterem no tempo de Leovigildo. Os Visigodos obtiveram auunidade Peninsular com Suintila (expulsio dos Bizantinos) e prolongaram a dominagio germanica até & invasio arabe, em 711, ou sejam mais 126 ‘anos. Enquanto isto se passava na antiga Hispénia, 03 outros reinos germa- nicos do Ocidente ainda nao haviam encontrado a sua organizacio defini- tiva: os Ostrogodos, em Itilia, cediam o lugar aos Lombardos e nas Gélias a Austrésia opunha-se 4 Neustria. A instalacao dos Suevos no Noroeste Peninsular tem para nés um inte- ‘esse particular. Os reis.escolheram Braga como a cidade principal do teino. Eram pagios, acendiam velas as pedras, festejavam os dias dos seus idolos, atiravam pio para as fontes, faziam encantamentos com ervas medi- cinais, etc. (*). O seu rei Requidrio converteu-se ao Catolicismo em 448, antes de qualquer outro rei bérbaro. Tinha Braga um metropolita com o titulo de Primaz, titulo esse que haveria de reaparecer mais tarde, com @ fundagéo de Portugal. Depois de ter feito conquistas no Leste peninsular lirio, perseguido por Leovigildo, rei dos Visigodos, refugiou-se na Praga forte do seu reino, em Portucale, onde foi preso e deportado para ser executado. 0 mesmo ¢ na mesma cidade, viria a acontecer ao seu sucessor, _ O Prof. Luis de Pina (*) procurou vestigios antropolégicos germénicos (2) Micron oe Vite, I, 2, cit. por L. Scant —Histoire des Vandales, Pers, 1958, pix. 4. a ae ig MatmI Eriscort Beacanexsis, opera omnia, ed, Barlow, De correctione Rusticorum, ‘22 16, pigs, 197 © 198, sein), Wits PIs —Contribwicéo pare a antropologia dos povos bracarenses—Rev, de Guimaraes, XLII, 1 « 2, Guimaries, 1932, 22 D, FERNANDO DE ALMEIDA no antigo Reino dos Suevos ¢ chegou & concluséo, baseada na persisténcia dos caracteres da populagio actual, mas que nfo pode ser tomada em defini tivo dado o escasso niimero de observagées realizadas, de ter sido o territério de Entre Douro ¢ Minho aquele de todo o antigo reino que foi mais povoado pelos Suevos. Também, ¢ segundo o Prof. Joseph M. Piel (*), os nomes germfnicos da Peninsula se encontram quase exclusivamente na Galisa e Norte de Portugal; quer dizer, na regido que corresponde mais ou menos & ocupada pelo Reino dos Suevos: mas nesse estudo incluem-se muitos onomésticos certamente da Reconquista, como adiante diremos. O Prof. Pierre David (*) depois de fazer um estudo exaustive do «Paroquialy de Teodomiro conclue que «no final do séc. VI a regido compreendida entre © Douro e 0 Minho é a mais desenvolvida, a melhor organizada de todo o Noroeste da Peninsula». E. W. Reinhart, na sua recente hist6ria do Reino dos Suevos (°), retoma a teoria (*) segundo a qual teriam sido os descen- dentes deste povo germanico, amante da independéncia, conservador das suas tradig6es, costumes, onomésticos, 0 fulero & volta do qual se teria gerado e coneretizado a independéncia do Condado’ Portucalense latente desde os Luso-celtas dos castros; tanto mais, segundo acentua Pierre David, que © Bispo de Braga, pela sua acco na fundagao da nacionalidade teria desem- penhado o mesmo papel dos seus antecessores Suevos e, por isso, teria novamente tomado o titulo de Primaz. A tese é curiosa e o autor estende-a A formagio do Reino de Castela; mas aqui o procesco teria sido outro. A arqueologia demonstrou, pela impor- tancia dos cemitérios escavados, ter sido localizado no centro peninsular © principal micleo de povoamento visigodo (Segovia, Burgos, etc.) e os @) J. M, Piet —Os nomes germinicos na toponin @) Prexne Davio—Op. cit, pig. 812. ©) W, Rewwaer—Historia General det Reino Hisplinico de los Suevos, Madrid, 1952, pig. 67. () Gozaca vx Azevep0—Histéria de Portugal, Ul, Lisbos, 1939, pég. 3; Manust Hrteno— Algumas palavras sobre Leite de Vasconcelos, Lisboa, &. d., pig. 11; Rut og Azzvs00 —Histéria da Bxpansio Portuguesa no Mundo, Lisboa, 1987, 1, pig. 7; Munors Contéa—Rai- es de Portugal, Lishoa, 1938, pig. 27; Prexax Davin— Etudes, op. eit, pig. 109; Vincimia Rav —La toponymie et le peuplement du Portugal aux temps préhistoriques, Comptes rendus du Cong. Int, de Geogr Lisbonne, 1949, IV, Lisboa, 1952, pig. 213; Tox —Raizes antigas da Naciona- idade, Independéncia, 11 a 13, Lisboa, 1953, pigs, 68 © 69; Fenwaxoo CasteLo Branco 0 Reino dos Suevos ¢ a Independincia de Portugal, Brac, Aug, IX, X, Brags, 195859, pégs, 91 a 105; W. Reiwnanr—Op. city pig. 67. portuguesa, I, Lisboa, 1987, pig. 9. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 23 descendentes desse povo germanico, com o levantamento de Castela, seriam entio os fautores da criagdo do reino mais forte na Reconquista. Nao estamos de acordo com 0 autor, pois aquelas regiées foram habitadas, desde muito antes da ocupagéo romana, por tribos onde 0 amor a independéncia foi inultrapassivel: recordemos sdmente Numincia, Monte Medilio ¢ as lutas dos Lusitanos na defesa herdica das suas liberdades. Os Germinicos, além de serem uma minoria, ao chegar a Reconquista j& deviam estar muito embebidos de espirito peninsular e crusados com Hispano-romanos para, por si s6s, tomarem a iniciativa épica da rebeliao contra o Infiel. A histéria deve ser outra. Os Suevos que vieram até A Peninsula néo constituiam um s6 povo; por isso o seu reino era o «Reino dos Suevos». De resto jé Téicito escrevera (*): «Nunc de Suebis dicendum est quorum non una ut Cattorum Tencterorum gens» (...) «quamquam in commune Suebi vocen- tur». Por outro lado, como acentuou o Prof. J. Piel (2), nas notas que se seguem, os Reis Suevos tinham nomes visigéticos; parece que uns pequenos chefes suevos, ao iniciarem a migrago para a Peninsula, teriam reunido um grupo heterogéneo e escolhido, para os ditigirem, Visigodos que hes merecessem essa dignidade. De resto, dado o parentesco entre os Suevos ¢ 05 Francos, natural seria encontrar, no Noroeste peninsular, nomes germa- nicos estreitamente ligados a este outro grupo, também germanico; mas tal no se deu. Por outro lado a sua cultura (nao a dos Hispano-romanos que viviam também no Noroeste) devia ser muito primitiva e nao deixaram nada escrito para se fazer uma ideia completa sobre a sua civilizagio. Com os Visigodos as coisas passaram-se de forma muito diferente. Praticamente a entrada do povo Visigodo 86 se verificou em 509 quando, depois da batalha de Vouillé, foi arrasada Tolosa; mas, por outro lado, a tradi¢&o das suas qualidades, ficou. Por isso, mais tarde, quando da Recon- quista, era de bom tom ser-se ou pretender-se ser um rebento da velha cepa germénica. Foi mesmo moda, até ao séc. XIII, tomarem-se nomes godos, s6 nesta época suplantados pelos nomes de Santos: ¢ dai o erro cometido por filélogos mal informados quando procuram no onoméstico e mesmo na toponimia influéncias germanicas antigas, sem levarem estes factos em conta. @) Tictto—De Germania, cap. XXXVI, ©) Josten Pust—A tradigéo visigoda no onoméstico portagués, conferéncia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Abril, 1961. Bry D. FERNANDO DE ALMEIDA A influéncia exercida directamente pelos Suevos e Visigodos na Penin- sula Ibérica tem sido tltimamente exagerada por alguns autores: é, de certo modo, uma compensagéo & nenhuma conta em que outros a tiveram. Para fazermos uma ideia, @ priori, sobre o que a ela se poderia ficar a dever, basta pensar que a cultura hispano-romana Ihes era muito superior ea proporgéo de individuos suevos e visigodos reunidos para hispano- -romanos era de um para quarenta! ALANOS Os Alanos eram um povo de origem iraniana; estavam instalados nas vizinhangas do Céucaso quando comegaram as grandes migragdes. Do seu contacto com os Sarmatas (que se seguiram aos Scitas e, com eles, vieram das estepes asiiticas), Persas e Gregos resultou terem trazido para o Oci- dente influéncias artisticas destes povos, designadamente na ourivesaria. Os fechos de cinturdo, que iremos encontrar no primeiro periodo de Arte visi gética foram, muito provavelmente, influenciados por aqueles povos: néo 86 08 alveolares, com a sua decoragio em granadas e vidros de cores, como a forma de alguns representando animais fantsticos, ete. Neles se nota esse contacto entre a arte das estepes e a das colénias gregas do Mar Negro. Poderiamos aqui levantar o problema da Arte escandinava, mas preferimos fazé-lo mais adiante. Empurrados pela onda asidtica (370) os Alanos, que eram cristios de rito bizantino (*) assistiram a destruigo do seu reino, seguiram & frente dos invasores ¢ instalaram-se no centro da Europa, na Panénia, onde possi- velmente se teriam aliado aos Vandalos Asdingos. Uma parte com Goar, como chefe, sentiu-se atraida para Roma e passou ao servigo do Impé- rio. Sofreram influéncia romana no s6 politica como cultural, mas nao escaparam, tal como os Germénicos, & heresia arriana, combatida pelos catélicos com vivacidade. E assim, Aspar, valoroso chefe militar alano, 0 personagem mais poderoso do Império Romano no seu tempo (*), no foi imperador inicamente por ser arriano. (©) ‘Lovis Havas —A propos des deux amulettes «nestoriens», Arts Asiatiques, II, F. 4, 1956, pig. 280, (©) S. Ruxcimx—La civilisation byzantine, Paris, 1952, pig. 32. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 25 Qs Alanos constituiam 0 grupo mais numeroso que chegou a Penin- sula (*). Boa parte havia sido encontrada pelos seus irmaos de raga, junta- ‘mente com os Suevos ¢ os Vandalos, perto de Mogiincia, quando transpuse- ram o Reno; faziam parte das tropas romanas de ocupagdo e eram comandados pelo j& citado Goar. ‘A sua vida na Peninsula, como povo livre, foi curta. Ocuparam a Cartaginense e boa parte da Lusitania, mas sofreram tal derrota infringida pelos Visigodos, que os sobreviventes preferiram juntar-se aos Asdingos e aos Suevos a continuarem livres. A sua influéncia directa na Peninsula, dada a brevidade da existéncia aqui como povo livre, deve ter sido nula. Actuaram sim, pelo que trouxeram do seu pais de origem, sobre os povos germanicos com quem primeiro contactaram ¢ por intermédio destes, com o Ocidente tanto peninsular como merovingio. Designadamente, a influéncia da Arte sarmato-gética nas fivelas merovingias pode ser seguida desde os principios do século V, até ‘as proximidades do século IX (?). TI Caréruto ue REINO DOS SUEVOS E REINO VISIGODO Nao sabemos a0 certo se, efectivamente, os primeiros anos da ocupagao 7 a da Peninsula pelos Birbaros a cla recentemente chegados teriam f Ei Paulo Orésio, de Braga: possivelmente, como sucede em periodos -semelhantes, deve ter havido um pouco de tudo. Tnstalados na terra depois das divisdes em que assentaram, os Suevos -dedicaram-se-lhe como seus proprietétios. As instituig6es romanas foram _Tespeitadas, bem como a divisio administrativa, Quanto 4 Igreja 0 caso a principio foi complicado, no s6 por uma grande massa dos Suevos ser "pag, mas pelo arrianismo que outros Barbaros traziam consigo desde as OU Seamre— tistere der Vendles, Pata, 1983, pig. 31. —————®) Louts Hams — Op. cit, 26 D. FERNANDO DE ALMEIDA margens do Damibio, de onde haviam partido, agravado ainda pela nova heresia ateada por Prisciliano, natural do Reino dos Suevos. Houve atritos entre catélicos herejes, mas tudo terminou no Noroeste, embora no com- pletamente, quando Requidrio, em 447 ou 448 (*), se converteu ao catoli- cismo, O resultado nio foi definitive por de novo terem os Suevos caido no arrianismo; mas a pregacio de S. Martinho de Dume, no século V, conver- teu-os outra vez a Roma e entdo para sempre. Este facto teve grande influéncia nas boas relagdes entre os dois grupos €inicos: Hispano-romanos ¢ Suevos. Houve até aliangas com os Bizantinos, em parte por buscados motivos religiosos, quando estes pretenderam alargar as suas conquistas no Sul da Peninsula, & custa do Reino Visigodo. Com os Visigodos passou-se fenémeno idéntico; precisamente, a boa itagio dos Imperiais pelos Hispano-romanos, quando desembarcaram no solo peninsular em 551, se deve ao facto de terem tomado como pretexto virem combater arrianos ajudar catélicos. Por outro lado, Leovigildo viveu na admiragao de Bizancio: de ld copiou o cerimonial da corte, a cunhagem das moedas era feita segundo o tipo bizantino e prosperou o comércio de tecidos e jéias com o Préximo Oriente, mas ndo suportava a permanéncia dos Bizantinos na parte da Peninsula por eles ocupada. Foi Santo Isidoro quem simbolizou as ideias dos peninsulares da sua &poca neste sentido, pois nao regateou as virtudes do espirito de Roma e de Constantinopla; mas perante a ocupagao bizantina, como tal, foi-lhe hostil quanto era permitido e louvou os Visigodos por lhe terem posto termo (*). Pode bem afirmar-se que encarnou o espirito Hispano-Godo do seu tempo. Ja nao tinha mais tarde razao de ser a insisténcia dos Bizantinos quando Recaredo trocou 0 arrianismo que herdara de seu pai, Leovigildo, pelo catolicismo de seu irmao mértir, Hermenegildo (586). A conversio do Reino Visigodo fez-se rapidamente, 0 que néo admira, pois o fundo Hispano-romano era catélico de h& muito e por isso 08 concilios de Toledo haviam de marcar, pela forga dada ao clero, um lugar proemi- nente para a Igreja Catélica, lugar que se manteve até final. Também nao deve ter sido estranha ao facto a inclusio, em 585, do Reino Catélico dos () Sincto Stuva Pivto—O Bispo de Braga Balcénio e a primeira conversio dos Suevos, sep. do“Bracara Augusta, N° 10, Braga, 1949, pig. 10. (2) Eoovann Satin —La civilisation mérovingienne, 1, Paris, 1950, pig. 72. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 27 Suevos, no Reino Visigodo, pois Recaredo fez-se coroar Rei em Toledo, segundo o cerimonial catélico, um ano depois. Foi S. Leandro, o Bispo de Sevilha ¢ irmio de Santo Isidoro, quem inspirou 0 1.° concilio de Toledo, em 589. A seguir, com Suintila, em 624, os Bizantinos intrusos foram expul- Sos: a mesma religido e a mesma politica, dirigidas de Toledo, concluiram assim a unidade peninsular. 0 espirito enciclopédico de Santo Isidoro fer irradiar a cultura hispa- nica ("), pelo mundo ocidental e ordenou, na sua obra monumental, 0 que julgou dever ser conservado da cultura antiga: 0 seu espirito chamou a Ateneo para um renascimento em infcio. A acco destes dois Bispos, na influéncia Bizantina sobre a Peninsula nio é para desprezar, pois sabe-se que S. Leandro foi a Constantinopla pedir auxilio para 0 catélico Hermenegildo na luta contra o pai, Leovigildo; ¢ S. Isidoro, ao dar largas ao seu espirito enciclopedista, tomou o modelo bizantino para a reforma que iria dar a0 Mosteiro Sevilhano onde juntou tudo quanto péde da cultura antiga. Aos que iam ao estrangeiro, designada- mente a Bizdncio, e no foram poucos, pedia S. Isidoro para Ihe trazerem obras, manuscritos, etc. Coleccionou tudo o que pode para o transmitir aos vindouros: foi uma «ponte entre duas idades» (). A fusio dos povos também aqui caminhava, a pouco e pouco, para uma homogeneidade acentuada, A dinastia Baltha, Visigoda, de que o iiltimo rei foi Amalarico, o neto de Teodorico, o Grande, seguiu-se a monarquia electiva, com as lutas entre as familias onde poderiam ser escolhidos 0s futuros reis. Pelo mesmo motivo, o reinado de muitos terminou tragicamente pelo assassinato ¢ o de outros, mais felizes, pela tonsura. Com o fim de até certo ponto obviar a esses males, seguiram os reis visigodos o exemplo de Roma, associando ao trono um membro de sua familia, desde Leovigildo (com Recaredo) até Vitiza. Algumas vezes o estratagema deu resultado, mas nem sempre. E foi assim que terminou o Reino Visigodo: os eleitos depois da morte de Vitiza no foram os seus filhos, mas um membro de outra familia, ainda para mais, hispano-romana e nao visigoda: Rodrigo. E quando, pouco depois, os Arabes () Sariaco Montexo Diaz—Introd. a Etimologias, de Santo Isidero de Sevilla, od, iblioteca de autores cristianos, Madrid, 1951, pags. 4 © seg. . ©) Suvtiaco Mowreno Diaz —Op. cit. 28 D. FERNANDO DE ALMEIDA batalharam com os Visigodos perto do Lago de Janda, em 711, os partidarios dos filhos de Vitiza, com o Conde Juliéo, de Ceuta, que Ihes era devedor de favores, passaram-se para os inimigos da Cruz e com eles julgaram ganhar a batalha: nao ganbaram a coroa, mas vingaram-se de Rodrigo. resultado final foi 0 termo bruseo das instituigées visigéticas, da indepen- déncia da Peninsula, da expansio da Fé erista, do fim prematuro de uma forma de Arte que estava a chegar & maturidade. Novas ideias ¢ processos mudaram as coisas na Hispania. Cérdova iria tornar-se a segunda cidade da Europa, elementos da Arte dos vencidos iriam ser aproveitados. Nova fustio daria lugar a novas formas e no Norte, para onde os Agarenos empur- raram 0s Hispano-Romanos e os Visigodos renitentes, uma arte surgiria, a [Arte asturiana. E por outro lado, os cristéos submetidos incluiriam nos seus templos formas trazidas pelos inimigos da Fé: assim apareceu a Arte mogirabe. Nao sabemos até onde poderia ter levado a evolugio da Arte visig6- tica se o clima Ihe tem continuado a ser favordvel; mas pode afoitamente afirmar-se, pelo que ainda ficou, estar entéo a Peninsula prestes a dar forma definitiva as experiéneias que vinha fazendo desde o periodo final da Arte romana. ORGANIZACAO ECLESIASTICA A pregagio do cristianismo foi iniciada muito cedo na Peninsula: como dissemos, pouco tempo depois de instalada a nova religido em Roma. E a sua expansio foi téo répida, que quando os Germanicos chegaram aos Pirinéus quase toda a populagio ibérica era crista. A organizagao eclesidstica seguiu aqui, como noutros aspectos, a orga- nizagio administrativa do Império. Assim, & frente de cada provincia da divisio da época (a de Constantino) foi colocado um metropolita; nas cidades dessas provincias e suas dioceses havia um bispo. Na Lusiténia, na parte portuguesa, sugeita portanto ao metropolita de Mérida, havia os bispos de Lisboa (temos noticia do bispo Potémio), de Evora (de que um se chamou Quineiano) e de Ossénoba (entre outros os bispos Vicente e Tiicio). Na Galécia portuguesa s6 a cidade de Braga tinha bispo e parece provado que o primeiro seria jé do séc. III. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 29 Sustado 0 avango da evangelizagéo pelos primeiros contactos com os Bétharos, vencidos 0 arrianismo ¢ o priscilianismo ¢ outras heresias de ‘menor importancia, o rei Requidrio dos Suevos, converteu-se ao catolicismo em 447 ou 448, portanto antes de Clovis (496) e do rei visigodo Recaredo (587) terem entrado para a Igreja de Roma, F certo que Remismundo, dos Suevos, em 465 voltou de novo ao arrianisino, por culpa do bispo Ajax, vindo da Gélia; mas o milagre de S. Martinho de Tours, ao curar Teodo. miro, filho do rei Charriarico, levou a nova conversio ao catolicismo. Eainda mais, as reliquias a que foi atribuido o milagre viriam para o Reino “dos Suevos com outro S. Martinho, o futuro bispo de Dume (556), onde fundou um mosteiro ¢ de onde irradiou uma extraordinaria acgéo, conti- tuada depois da sua elevacio para a Sé de Braga. f A partir de Teodomiro, o Reino dos Suevos ingressava definitivamente ha Igreja catélica ¢ em Braga celebrou-se 0 1.° Concflio em 561; 0 2.° foi em 572, sendo ja metropolita S. Martinho. A divisio eclesidstica do Reino _ los Suevos teria sido feita entre 572-582. Pelo que diz respeito A parte Portuguesa compreendia, sob 0 metropolita bracarense, as dioceses de _ Dume, Conimbriga, Portucale, Veseo, Lamecum.e Egitinia. Também ha _ moticias da diocese de Magneto ou Maqueto (Meinedo) mas este foi um __bispado de curta duragéo; existia em 572 ¢ Viator era entéo 0 seu bispo. a houve diocese em «Aquae Flaviae (Chaves) mas também oi de curta vida. Coexistiram dioceses com dois bispos, um catélico e um arriano, como por exemplo, em Portucale, no tempo de Argiovitus, arriano Constantino, caidlico ("). Os Visigodos, quando chegaram & Peninsula em 414, eram artianos hi muito. Estabeleceram o seu culto e, naturalmente, ‘surgiram atritos 8 eatélicos hispano-romanos. Por vezes praticaram perseguigées vio- §, como no tempo de Teodorico, s6 abrandadas nos fins do sée. V com ); desapareceram com Atanagildo, o rei catélico que pediu socorro Bizantinos, para Ihes ficar a dever o trono, em detrimento do arriano As novas perseguigées no reinado de Leovigildo e a rebeliao de seu © catélico Hermenegildo, terminariam de vez com o arrianismo no ©) Pasar Deno—Op, city pie. 68. e BRITONIA *Lucus DUMIO @OBRACARA CEGIJANIA ELVORA Fig. 2—Reino dos Suevos (+++——+++), no periodo finsl, Dioceses a Divisio de Wamba ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL aL reinado de Recaredo quando o rei, depois de se ter feito baptizar, em 587, ‘enviow @ mensagem da conversio do seu povo ao III Coneilio Nacional, realizado em Toledo no ano de 589, com a assisténcia de 62 bispos presi. didos por S. Leandro. Os arrianos passaram a ser os perseguidos, como jé se verificara em 588 na revolta do bispo arriano de Mérida, ja depois da conversio do rei € que foi rapidamente subjugada por Claudio, hispano-romano, Duque da Lusitania (?), As dioceses da parte lusitana de Portugal, nesta data, eram: Olisipo (Lisboa), Pax Iulia (Beja), Elvora (Evora), Ossonoba (Faro) todas, por- tanto, sufraganeas de Mérida. is de extinto 0 Reino dos Suevos, 0 Metropolita Oroncio, de Mérida (*) pediu, cerca do ano 660, reinando Recesvinto, para passarem & sua érbita as dioceses da antiga Lusitania até entio inclufdas no desapa- tecido Reino. Foi atendido e assim recebeu: Lamecum, Veseo, Conimbriga e Egitania. De todas estas dioceses do territério portugués a mais importante, a tinica metropolita, era Braga e a sua regio foi a fraccéo nuclear ou a par- ela essencial do novo Estado (*). Por este motivo e pelo facto de ter sido a pital do Reino dos Suevos, se deve possivelmente o papel desempenhado pelos que a ela se acolheram e de Ié irradiaram a luz do seu espirito. Foi a Braga que se acolheu S. Martinho, para quem foi criado o bispado de _ Dume, em 556, de onde passaria para Braga, bem como S. Frutuoso, Natural de Braga era o historiador Paulo Orésio a quem nos referimos e nao longe naseera o bispo Idécio, de Chaves, que deixou uma erénica destes tempos nela abarca quase um século (379-469). ___ Na parte portuguesa da Lusiténia, em Santarém (Scallabis), nasceu - Toto de Biclara, godo e que foi bispo de Gerona, depois de ter permanecido anos em Bizancio; também relatou os acontecimentos do seu tempo, ‘passados entre 567 ¢ 590. _ Em Beja, cidade episcopal e que foi tfo importante no perfodo romano, ie 32 D. FERNANDO DE ALMEIDA sede de um conventus, 0 Bispo Apringio comentou o Apocalipse nos meados do séc. VI. ‘A organizagio paroquial, regulada pelos concilios (*), era muito cuidada. Parece ter havido particularidades litirgicas do Reino dos Suevos (*) que teriam talvez persistido depois da queda da independéncia. De resto, os Visigodos mantiveram, ao povo Suevo, uma relativa liberdade dentro dos seus usos e costumes. IV Cariruto BIZANTINOS NA PEN{NSULA Embora o facto de uma parte da Peninsula ter estado sob 0 dominio directo de Bizancio durante 70 anos, ni foi esse o motivo principal que levou i marcada influéneia da Arte bizantina sobre a Arte peninsular da época; no entanto, nfo podemos passar sobre a ocupagio de uma faixa do litoral Sul pelos Imperiais, sem Ihes fazer a referéncia a que tém direito. f certo, 0 P. Goubert (°), que a histéria da Hispania bizantina é cheia de mistério; mas alguma coisa se tem apurado, designadamente gragas aos trabalhos eruditos deste bizantinista, sonho imperial de Constantino, o Grande, ao fazer erguer Constanti- nopla em cinco anos e meio, teve seguimento nos seus sucessores. O cardcter faustoso que imprimiu as festas da inauguragio da nova capital, em Maio de 330, foi como que o tom dado a vida da que viria a ser grande metrépole desde o inicio; de resto, ela iria procurar ocupar o lugar, cada vex mais vago, da capital do Ocidente, substituindo-se-lhe tanto quanto lhe fosse possivel. © Cristianismo, apesar de instalada a cadeira de Pedro em Roma, desenvolvia-se extraordiniriamente no Préximo Oriente, em particular no ‘como ©) Prexne Davio—Op. city pigs. 7 © 18, @) P. Micurn v& Otivaima—Op. cit, pig. 63. ©) P, Gounemr—Byzance et LEspagne wisigothique (554-711), Etudes Byzantines, M1, Paris, 1944, pigs. 5 © 6. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 33 Egipto © na Siria. A reaceio religiosa veio em grande parte como reacgio 4 decadéncia ('). © Imperador de Constantinopla deu liberdade & Igreja ¢ i hora da morte um bispo arriano baptizowo (*): estavam assim langadas as bases do grande Império Cristo do Oriente. A ideia da reconquista de provincias perdidas, apoiada ou disfarcada om a capa para defesa da religiao catélica, serviu a Justiniano como PFetexto para ajudar os do seu credo religioso a instalarem-se no territério Peninsular. E assim, quando o visigodo Atanagildo, catdlico, se quis desfa- zer do usurpador Agila, arriano, pediu auxilio ao basileus. Um exército __ eemandado por Libério desembarcou no Sudeste da Peninsula; Agila foi derrotado ¢ os Bizantinos assentaram arraiais na zona que haviam ocupado, © homem escolhido para chefiar a expedigio néo era um jovem, mas tinha vasta folha ‘de servicos ao Império exercidos em provincias bem dis- tantes umas das outras. Parece ter comecado por servir Odoacre ¢ 0 Grande Teodorico tomou-o ao seu servigo como prefeito do pretério. Depois foi para as Gilias, onde comandou a «Provincia», de onde passou a Orange a fim de tomar parte no Concilio; daqui, Teodabade enviou-o a Constantinopla. Man- dado para o Egipto como prefeito caugustalis», regressou depois a Italia. _ OTmperador Justiniano, no desejo de se apossar da Sicilia, designou-o para " comandante da esquadra que deveria ocupar a ilha. Foram infrutiferos os seus esforgos © seguiu de novo para Constantinopla; foi entéo enviado a Hispinia, onde desembarcou em 551 para auxiliar Atanagildo. Era ja ‘ctogendrio, mas a experiéncia da vida, os conhecimentos adquiridos no desempenho de tao variados cargos, aliados a sdlida honestidade e bom senso, foram mais que suficientes para Ihe ser encomendado mais um _ servigo, alidés desempenhado com acerto. E assim, Atanagildo ajudado por __ Libério venceu Agila, perto de Sevilha. O arriano, perseguido, foi assas- _ sinado em Mérida e os Bizantinos tomaram entéo Cérdova, Assidénia, ‘Milaga e Cartagena. ___Instalado em Cérdova ou em Cartagena durante trés anos (551-554), 0 ee Libério cumpria as ordens recebidas do Imperador e langava raizes Cartaginense ena Bética. DS Rurenan—Lo civilisation byzantine, Paris, 1952, pig. 16. ——@) S, Roxeimax—Op, cit, pig. 29. 34 D. FERNANDO DE ALMEIDA Dos outros chefes bizantinos na Peninsula (*) no temos conhecimento tao concreto como de Libério; um deles foi Comentiolus. Ocupado nas lutas contra Persas ¢ Avares, que entio preocupavam sériamente o Imperador, foi dali enviado para a Peninsula; era nessa data rei dos Visigodos o grande Leovigildo, arriano, quando 0 seu primogénito, ja associado ao trono, Her- menegildo, se fez catélico baptizado com nome de Joao. Governava, 0 principe revoltado contra o pai, a zona Sul da Peninsula e tinha 0 seu governo em Hispalis (Sevilha). Obispo Leandro, irmio do que havia de ser S. Isidoro e também mais tarde bispo hispalense, foi a Constantinopla pedir auxilio ao basileus. A pretexto de ajudar os catélicos, Comentiolus veio & Peninsula, onde foi «magister militum» contra os arrianos. Sabemos © triste fim que teve Hermenegildo: cercado em Sevilha foi obrigado a abandonar a velha Hispalis. Fugiu, depois foi preso e por fim encarcerado e morto em Tarragona onde iria conquistar, pelo seu sacrificio, as honras do altar em tempos de Filipe II. O fim de Comentiolus também foi triste: da Peninsula passou ao Dantibio, para depois ser morto na revolta em que igualmente o Imperador perdeu a vida. Outro chefe bizantino na Peninsula foi o patricio Cesdrio. Derrotado por Siscbuto, fez com ele um tratado de paz que s6 Ihe deixava o Algarve. Aqui se fortificaram os Imperiais em torno de Ossénoba (Faro), iiltimo foco bizantino na Hispania, até serem de 14 desalojados por Suintila em 624 (*), Do outro lado do Estreito, na bizantina Ceuta, temos noticia do triste- mente célebre Conde Julido. Aventou-se a hipétese de ser Visigodo e mesmo Barbaro; mas parece que era Bizantino. Apertado pelos Arabes, teria pedido auxilio a Vitiza e seria em reconhecimento pelos servigos entéo prestados que quisera acompanhar os filhos daquele rei na batalha travada nas mar- gens do Janda, passando-se com eles para o lado de Tarique. Outro chefe bizantino seria Francio que teria sucedido a Libério; mas nao hi a certeza se o teria sido, nem sequer da de outro chefe, de nome Romanus. Nao se conhece com exactidao até onde chegaram os Imperiais na sua ©) P, Covnser— Ledministration de PEspagne Byzantine, Les Governeurs de PRspagne Byzantine, Etudes Byzantines, TI, Bucatest, 1945, pig. 125, ©) P, Gounear — Byzance et PEspagne Wisigothique, Btudes Byzantines, Ul, 1944, pig. 75. ARTE VISIG6TICA EM PORTUGAL. 35 nsia de conquista; faltam os documentos e a tinica forma de fazer uma ideia aproximada é, por um lado, como fez. 0 P.* Goubert, conjugar os textos. visigodos nas referéncias feitas As conquistas de cidades ocupadas pelos izantinos; por outro, a lista dos bispos que tomaram parte em varios coneilios de Toledo, partindo do prinefpio de que os ausentes té-lo-iam sido por estar a sua diocese em territério bizantino © nao visigodo (*). Eassim (Fig, 3) tem-se como certo, ou quase certo, que a fronteira mais seten- EMERITA Fig. 3—Terrtirios bizantinos na Peninsula (554628) Be = Limite i ‘+4444 Limite méximo de provivels incursées trional teria ido de Dianium (a actual Denia) perto de Promontério do "mesmo nome, nos contrafortes da Serra Morena, até um pouco ao Norte de Cordova de onde seguiria o Guadalquivir para depois se inflectir para Oci- “dente ¢ atingir o Atlantica, H duvidosa esta ultima parte do trajecto, pois se ~ alguns autores afirmam terem os Imperiais chegado aos muros de Evora (*), parece provado ndo terem ido muito para 14 da fronteira Norte do Algarve. Foi uma linha priticamente ondulante e que acabou por se dividir em () P, Gooner: —Le Portugal Byzantin, Bul. des Btades portugaices de Institut Francais nova série, XIV, Coimbra, 1950. (@) Laesv—Histoire du Bas Empire, 1X, Poris, 1928, pég. 308, 36 D, FERNANDO DE ALMEIDA duas, quando o Algarve ficou destacado dos territérios de Sudeste. Resta- vam assim duas provincias, a de Cartagena (ou Malaga) que compreendia parte da Cartaginense ¢ da Bética e a de Ossénoba; esta incluia o Sul da Lusitania. As cidades episcopais ocupadas pelos Bizantinos durante mais tempo foram Cartago Spartaria (Cartagena), Cérdova, Hispalis (Sevilha), Acci (Guadix), Astigi (Eciga) que jé no séc. IV e V contava uma colénia grega importante, bem como Basti (Baza), Carteia, Dianium (Denia), Egabro (Cabra), Hiberris (Elvira, Granada), Lelici (Elche), Hipula (Niebla), Men- tesa e Oss6noba (Faro). Foi portanto uma ocupagio bastante extensa ¢ durante um periodo de 70 anos, 0 que nao é para desprezar. Por este motivo se tem querido explicar certas influéncias bizantinas na Arte visigética; por exemplo, Gémex Moreno (*) eré que uma fachada da mesquita de Cérdova no mais que um resto da basilica de S. Vicente, possivelmente construida durante a domina- do dos Imperiais, pouco depois dos meados do sée. VI; ¢ Emile Male (*) afirma ter a ocupagio deixado rastos artisticos «que tém importaneia para explicar aspectos caracteristicos do estilo visigodo», como Algezares e La Alberca. Mas a influéneia dos Orientais na vida da Peninsula verificou-se mais por infiltragio pacifica do que pela conquista. Bizincio levava vida opu- Ienta, gozava de enorme prestigio; as suas industrias locais eram de objectos de luxo. Uma delas, a de tecidos de seda, teve inicio no tempo de Justino TT quando uns frades conseguiram, com mil cautelas e perigos, trazer da China 8 bichos de seda que iriam constituir um monopélio de Constantinopla até 1147 (°), Outra era a ourivesaria, de onde saiam relicdrios esmaltados, tagas € outros objectos de ouro, pedras preciosas trabalhadas, marfins ins- culpidos. Todos estes produtos foram devidamente recebidos em toda a Europa ¢ Norte de Africa, O comércio era intenso, mais por via indirecta, que passava pela Numidia, Sicilia ou Ravena, que directa. Embaixadas sucediam-se nos dois sentidos. De cd para lé foram homens ©) -M, Gow Monexo—Excursisn atraués ef arco en herradura, Madrid, 196, pig. 16. @) Enns Miue—E? siglo Vi, op. cit, pig, 281. ©) S. Roxcrmax—Op. et, pag. 175. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 37 da envergadura de Orésio, que esteve no Norte de Africa, com Santo Agos- tinho ¢ foi & Terra Santa; Idécio, foi a Belém e encontrou-se com S. Jeré- nimo; S. Leandro deslocou-se a Constantinopla pedir auxilio ao Imperador Mauricio, conhecendo ali o futuro Papa S. Gregério com quem manteve correspondéncia; Jodo de Biclara, de Santarém, o Abade Donatis, ¢ um sem-mimero de peregrinos dos lugares Santos (’). De ld para e4 vieram S. Martinho de Dume, Panénio bizantinisado. que havia de converter os Suevos; os bispos de Mérida, Paulo e Fidel. Um grande niimero de comer- cciantes gregos ¢ sirios espalhou-se um pouco por toda a parte; tantos, que até gosavam do privilégio de serem julgados segundo as suas leis. Muitos dos costumes bizantinos foram adoptados pelo reino visigodo, designadamente na corte. Leovigildo imitava o imperador no trajo e cerimé- nias de fausto e a partir de Recaredo os reis, ao screm entronisados, eram ungidos 4 maneira oriental. O reflexo de Constantinopla foi até & politica, 8 legislagio (Codigo Justiniano), 4 numismética (na cépia do tipo bizan- | tino); & situacao privilegiada criada aos bispos, primeiros parlamentares do mundo medieval (*); a determinadas ceriménias de culto, como a fixagio da Sexta-feira Santa, as ceriménias da Indulgéncia, etc. Propositadamente néo recordamos o discutido reflexo da Arquitectura bizantina sobre a visigética, para disso nos ocuparmos ao tratar das vai influéncias que nesta se manifestaram. Em resumo, cremos ter vindo a cultura bizantina até & Peninsula por dois caminhos: um pacifico, o mais importante, de accio mais profunda € duradoura, constituido pela importagéo de objectos artisticos, fabricados no Préximo Oriente, ou com mais probabilidades em focos bizantinos Proximos, como o Norte de Africa, a Sicilia, Ravena; outro de ocupacio ‘militar ,ainda mal conhecido nos seus efeitos, mas que no é para desprezar, "pois Bética e Cartaginense, precisamente ocupadas pelos Bizantinos, vai “no sée. VII, corresponder um papel civilizador comparavel ao da «Provi a » ma Galia Romana (°). O que nfo & possivel é definir até onde se infil- <0) Nio deizaremos de mencionar a religioss hispinica Etétia, que depois de visiar 1 Sirin, Constaninopl, Epipto, Palestina, escreveu um relato sobre sua vingem (®) P. Gourenr— Influences byzantines sur TEspagne Wisigothique, Byantnes, W, Bacar, 196, pie. 14 ©) P, Govstxr— Influences byzantines sur CEspagne Wisigothique, Ret, des Etudes TV, Bucarest, 1946, pig. 133. des Etudes 38 D. FERNANDO DE ALMEIDA trou na Hispania a cultura oriental absorvida através a faixa do Sul, precisamente na incerteza esti o cardcter dessa influéncia, que néo deve por isso ter sido grande. V Capiruno ANTECEDENTES DA ARTE VISIGOTICA IBERIA PRE-ROMANA Nao seria possivel supor que a Arte visigética tivesse surgido na Penin- sula com elementos totalmente novos para ela, passando sobre o que encon- trasse como se néo tivesse mais aceitacao: pelo contrdrio, motivos artisticos enraizados desde séculos mantiveram-se no seu posto e, a seu modo, enfor- maram as novas tendéncias. Sabe-se como o conservantismo do desenho, uma vez bem instalado, resiste a todas as mudangas sejam elas de cardcter reli- gioso, politico ou outras por que o povo hé-de passar (*); por isso se vé a constincia de determinadas propensdes e a «contaminagio» que elas exer- cem sobre a Arte importada, e vice-versa. Desde 0 Paleolitico, razées sobejamente conhecidas demonstram o inte- esse que a Arte cedo despertou nos povos peninsulares; por isso, motivos bem arcaicos aparecem e desaparecem ao longo dos séculos, outros man- tém-se quase ininterruptamente ou no yoltamos a encontré-los. Nao pretendemos fazer Histéria da Arte peninsular denominada ibérica que antecede imediatamente a conquista romana; mas nio podemos também deixar de chamar a atenc&o para certas tendéncias da predileccio popular ¢ que irdo surgir de novo no periodo que nos propusemos tratar, se € que alguma vez desapareceram, designadamente nos motivos decorativos do campaniforme ¢ das culturas dolménica e castreja. Basta, para demonstré-lo, citar alguns exemplos. Vasos de cultura de Palmela ostentam decoragio geométrica dentro de dois circulos formados por cordas concéntricas (*) (Fig. 4). As placas de xisto, téo abundantes na Arqueologia portuguesa, exibem desenhos geométricos os mais variados. ©) 0. M. Datton—Byzantine Art and Archaeology, Oxford, 1911, pig. 687. (@) Nus Autnc—Le civilisation enéolitique dans la Péninsule Ibérique, Upsala, Pati, 1021, pag. 62, fig. 54, no 4, Fig. 4—Decoragio encolitica, Vaso de Pel- mela (seg. N. Ausne, La civiis, énéolith. dans la Pen. Ibérique, fig. 54, no 4). Fig. 5 —Motivos omamentais de cerimica da Citénia de Bri- teiros. (seg Mino Canpozo, Citénia e Sabroso, pég. 41, fig. 10). 40 D, FERNANDO DE ALMEIDA Em pedras esculpidas, das citinias, como na de Ancora (") e noutras, a decoragéo de ombreiras e de vergas dalgumas portas tem 0 contorno do desenho feito por uma corda (Fig. 6) dupla ou tripla enquanto a superficie da pedra é cheia, quase inteiramente, por um encanastrado. Outras vezes apa: recem cruzes (Fig. 7): a gamada, a patada, semelhante a visigética, uma cruz semelhante 4 de Cristo (?). E nio faltam o tristelo, o tetrastelo, a rosicea, ete. Fig. 6—Motivos. ornament © Sabroso, 1, 10 e 11; Briteiros, 2 3, 12 © 13; Sabroso, 8; Vermoim (Famalicio), 4 © 5; Ancora, 2 ¢-7; S. Miguel-o-Anjo (Pamalicio) e Monte Redondo (Braga) (seg. Mino Catnozo, Citdnia e Sabros pig. 31, fig. 0. () A, Minors Connéa—Histéria de Portugal, 1, Barcelos, pig. 198. (2) Mangus ox Lozova—Histéria del Arte Hispdnico, 1, Barcelona, fig. ARTE VISIGOTICA EM. PORTUGAL a. Fig. 7—Pedras csculpidas das citinias (seg, M. vx Lozova, Histéria det Arte Hispinico, , 79, fig. 87). Fig. 9—A mesma pede da Fig 8—Pedra esculpide do Castro de fig, 8, vista lateral. Cenidufe (i. Einoligico). mente 42 D. FERNANDO DE ALMEIDA Fig 10—Outra pedra esculpida do Castro de Condufe (Museu Etnolégico. Alguns motivos impressionaram vivamente Virchow ao visitar, em excursio, © Norte de Portugal depois de encerrado 0 Congresso de Arqueologia de 1880, a ponto de ter escrito que os desenhos das pedras da Citania de Britei- ros lembram, em parte, ornatos dos délmenes da Irlanda e rochas da Suécia € sfo de formas parecidas as que Schliemann encontrou em Micenas ¢ em ‘Troia (*). A ceramica que viu no mesmo local e no vizinho Castro de Sabroso levowo a confirmar aquela ideia da influéncia oriental na Arte castrejas da mesma opinido foram Cartailhae ¢ Martins Sarmento (?). Esta preferéneia pela geometrizagio na decoragao das cantarias verifi- cou-se também na cerémica ¢ manifesta-se exuberantemente na ourivesaria. Sabemos da razoivel produgio de ouro no Noroeste Peninsular, de onde Roma levava, anualmente, nada menos que 3 880 kgs. (°)! A prata também era extraida em abundancia (*); basta recordar o episédio dos Fenicios, ao alijarem do seu navio a parte da embareagao que poderia ser substituida por instrumentos de prata, para deste modo levarem a maior quantidade possivel. . ©) Vineuow—Verkandlungen der Berliner Anthropologischen Gesellschaft, cit” e wa- dugio de F. Martins Sarmento, in Congrés International ’Anthropologie et d’Archéologie préhistoriques, compte rendu de la neuviéme session & Lisbonne, 1880 — Lisboa, 1884, pig. 652. (2) F. Manrins Sanwesro—A Arte mycenica no Norocste de Hespanha, Portugilia, 1, Porto, 1898, pag. 1 ©) Puimo—N. H., XXXII, 21 (9 Manven Hiuxxo— Jéias’ pré-romanas, Ethnos, 1, pig. 229. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 43 _ Com tal abundéncia de metais preciosos, comegou cedo a sua explora- io e a fabricagio de adornos. A isso nao foram estranhas influéncias halls- tdticas (estas mais no Noroeste), gregas e etruscas; mas o grande impulso foiclhes dado pelos Cartagineses. 0s Celtas, muito dados a ornamentagées, contribuiram para um maior desenvolvimento da ourivesaria com uma técnica muito aperfeigoada ¢ enidada, mais evidente no periodo hallstitico, mas a estender-se pelo de La Téne. Por outro lado, dentro dos motivos geométricos, variaram a decora- Go e ainda a forma dos objectos: alongaram, deformaram e estilizaram até A desintegragio tanto vegetal e animal como da figura humana ( granulado, filigrana, tracejado, pontilhado, mostra bem até que ponto leva- Tam a sua Arte. Assim, aparecem nos Castros ou em escavagées noutros is, mas desse periodo, colares, articulados ou néo, fibulas, torques, Tinulas, braceletes, arrecadas, anéis e outras pecas de uso dificil de com- E notavel a variedade dos desenhos exibidos no torques de Lebu- _ G&o (°,") (Valpassos) onde aparecem, entre outros motivos, as roséceas, a - fita dupla a desenvolver circulos sucessivos, a «gregan; etc. Esta indistria um tal desenvolvimento © chegou a tal estado de perfeigéo, como dindema de Ribadeo (Galiza), que perdurou até as invasdes germanicas. ‘Teremos assim ocasiéo de ver um certo mimero de motivos da Arte ca jf haver sido sobejamente conhecido na Peninsula desde tempos ‘como a corda e a tendéncia para a geometrizacéo; a propésito Santa Olalla (*), tém aparecido em monumentos funerérios do Ebro ¢ do Douro muitas pecas profusamente decoradas, as vezes com yos geométricos de raizes pré-romanas e que so, em grande parte, os $ que iro aparecer em objectos germanicos como, por exemplo, nas eas de cinturdo visigéticas (*). No periodo visigstico vieram, de bem longe, alguns motivos idénticos @) Bova Sun—La civilisation merovingienne, I, Patis, 1957, pigs, 204 © seg. » Stveno—O Thesouro de Lebusao, Portugilis, Il, 1905.08, Est. Ie II, pig. 1. ‘Lorez Curvuias— Las joyas castreiias, Madrid, 1951, figs. 31 ¢ 42. (0) J. Marraz Suvri-Ouatta—Sobre algunos hallasgos de bronces visigsticos on , IPEK, 1981, pigs. 57 © seg. -() Hans Zuss—Los elementos. de las artes industriales visigedas, Anuario de Preis. iis Maile, IV-V-VI, 1953-9435, pig. 157. 4 D. FERNANDO DE ALMEIDA ou muito semelhantes ¢ possivelmente, por essa razdio, tiveram aceitagdo facil ¢ répida. ESCANDINAVIA A origem da decoragéo geométrica que ilustra profusamente a Arte escandinava, tem dado lugar a discussio entre os arquedlogos: é autoctone nérdica, ou de origem mediterranica? E ainda: a sua decoragéo animalista 6 puramente escandinava ou trazida dos Sassinidas? Creio nao se ter che- gado ainda a uma conclusio aceita unanimemente por todos. Em primeiro lugar, a arte comea pela geometrizagio das figuras para s6 mais tarde entrar no realismo; ora na Escandindvia apareceram, no inicio da sua arte, entrelagados labirinticos fantisticos diferentes dos cél- ticos e dos cléssicos também se distinguem por nestes as fitas se cruzarem regularmente, a formarem Angulos rigidos. Ainda os animais estilizados, metidos pelo entrelagado, vém conferit mais personalidade aos Escandi- navos. Mas esta introdugio dos animais (e plantas) seria nérdica, ou sassinida? Parece neste ponto no haver diividas: veio do Sul da Rissia ¢ das estepes da Sibéria (’). Os animais, neste iiltimo caso exibem-se, enquanto na Escandindvia aparecem como que escondidos, no meio dos entrelagos (). Em muitas pecas escandinavas, no periodo da eristianizagio, 0s animais 4 nfo aparecem escondidos. Sao quase sempre os mesmos: 0 cavalo de Odine, o mastim, aves de rapina, a gralha e tém representagao mistica. Apa: recem nos objectos de adorno, como as fivelas, que para Pijoan (’) tinham mais fungio decorativa do que utilitéria. Os animais nelas representados tinham fungSes religiosas e eram defensores ou protectores de quem as levava. Enfim, para Strzygowski a Arte nordica, essencialmente abstracta, foi a tiniea grande Arte europeia até as escolas cubista ¢ expressionista. Por outro lado, o aparecimento de jéias, punhos de espada, etc., em escavagies arqueoligicas no territério escandinavo, designadamente 0 espé- ()_ J. Stmzvcowsa— Asiens bildende Kunst, 1930. @) J. Puowx—Summa Artis, VU, pag. 67. ©) Ioem—Op. cit, VITL, pig. 52. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 45 Tio de Sutton Hoo, vieram reforcar a hipétese de que a ourivesaria dos ‘Godos surgiu no seu pais de origem e de 14 foi trazida com as migragées. Para autores como Arburam (") os trabalhos de alveolados com aplicagées de vidros coloridos ou de granadas foram trazidos para a Europa Central © Ocidental pelas migragées germinicas; e entio, ao virem das margens do Mar Negro influiram, portanto posteriormente, a Arte escandinava, Basta confrontar as datas das pecas encontradas em Franca, Renfnia, etc., ©om as escandinavas, para concluir terem sido estas inspiradas naquelas. O problema da prioridade escandinava nfo esté ainda suficientemente __ esclarecido num sentido ou noutro e por isso necessita novos estudos hascados _ essencialmente em achados arqueoldgicos; muito provavelmente eles nao faltardo. ___Embora a cavalaria sassdnida nunca tivesse chegado a Europa Oci- dental, as relagdes do Iréo com Bizdncio ¢ a influéncia da sua Arte na izantina ¢ desta na visigética foram tais, que 6 indispensivel acrescentar linhas sobre aquele poyo do planalto, tao cheio de personalidade forte ‘nalteravel. __ Pela sua situacio entre o Oriente e © Ocidente, o Iréo foi ao longo da ‘como uma ponte entre dois mundos distintos: encontram-se motivos lo Irdo em toda a Asia (*) € na Europa longinqua. _ Na sua expansio adoptou duas tradig6es que criaram, tanto uma ‘outra, motivos originais: por um lado a construgio em tijolo eru, por 4 pritica de uma religiéo sem imagens. _ Para exprimir a divindade ¢ os seus atributos langou mao de simbolos, a0 extremo Ocidente da Europa. Os principais simbolos da ()eram o arco sagrado e a paisagem. Nos altares, que aparecem Periodo Aqueménida, os quatro areos levam fogo simbélico, como a (@) Movcen Anounin—Verroterie cloisonné et filigrane, in Bull. de In Soe, Royale dex ws de Lund, Land, 1950, pég. 136, 7 Stuzrcowsxi—Llancien Art Chrétien de Syrie, étude préliminsire ‘de Gabriel 1 Paris, 196, pigs. 20 c sc, G. Mater in J. Stzygowski, op. cit, idem, idem, 46 D. FERNANDO DE ALMEIDA. abébada do céu leva 0 fogo celeste. O seu carécter religioso anda ligado 8 finalidade dos préprios monumentos; por isso os veremos mais tarde nas absides das igrejas cristis ¢ na entrada grandiosa das mesquitas. Os primeiros habitantes do planalto recebem cedo a invasio do povo iraniano vindo das estepes asidticas e que ali se fixou definitivamente. Esta- beleceu contacto com a rica civilizagéo mesopotimica por um lado, com ahindu e a chinesa por outro. Da primeira, apareceram na sua arte a arqui- tectura, as cigncias, 0 urbanismo, as artes decorativas; da segunda, a arte animalista e 0 metal trabalhado. A forca expansionista desse povo em breve entrou em contacto com a civilizagao helenistica, de concepgies poli- ticas opostas: & ideia de liberdade grega antepunha-se a de submissio integral do homem ao rei; & cidade-estado, o império. Quando, nessa luta, venceram os soldados de Alexandre, nunca os gregos conseguiram dominar © espirito iraniano: ambos os povos lucraram com o intimo contacto, mas néo se misturaram ¢ muito menos se fundiram. O Iréo manteve-se sempre oriental e 0 grego ocidental, embora este tivesse batido as portas da india. ‘Vieram depois os Prticos e os Sarmatas, que obrigaram os Gregos a recuar ; Roma substituiu os Helenos, mas manteve-se a antinomia. O Irdo sofreu como que um eclipse no perfodo Aqueménida para fazer de novo brilhar © seu vigor adormecido com o aparecimento dos Sassnidas. A civilizagio Sassinida expandiu-se extraordinariamente pela Asia ¢ pela Europa, abragando os grandes oceanos: Atlantico, Pacifico e {ndico. As hordas némadas, que da Asia Central caminhavam para Oeste, s6 hes foi permitido rogar as fronteiras do Irfio. O povo do planalto defendeu com vigor e éxito a invaso das suas terras e organizou-se para novos feitos. As lutas com Bizancio acabaram por Ihe dar novas forcas, com sacrificios pesados € certo; mas, apesar disso, foi a sua organizagéo militar quem inspirou mais tarde a cavalaria medieval e Carlos Magno deixou-se influen- ciar pela administragao publica iraniana (*). Foram esses contactos com o Oriente ¢ o Ocidente aproveitados pelo Tro, sem no entanto perder a sua personalidade, que caldearam elementos de origem varia e puderam, pelas circunsténcias extraordinérias da sua situagao, expandir concepgdes artfsticas até muito para lé das préprias fronteiras, como veremos. CR. Gumsman—Ltren, Pais, 1951, pig. 322. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL aT © talhe usado na pedra, para os motivos decorativos dos seus momu- mentos, foi o bisel. 0 centro de difuséo do talhe em bisel foi descoberto por Minoussinsk, perto do Ienisei, ao Sul da Sibéria, segundo Gabriel Millet (*): encontrou-o em objectos de bronze ¢ armas tidos como do século III e Il a. C. A ornamentacao era jé a haste enrolada a descrever circulos com folhas. Este motivo apareceré frequentemente e seré adoptado na Igreja Crista; haste de videira, enrolada, com parras e cachos de uvas iré apare- cer em todo esse caminho do Oriente para o Ocidente. De interpretago mais ‘ou menos barbara, foi adoptada cedo nos monumentos paleocristéos (*). Outros motivos do Irdo e que apareceram na Arte visigética so a corda _ € 0 entrelagado. A tranca teria também aparecido primeiro nas tribos iranianas das margens do Mar Céspio (*). Ja tivemos ocasigo de mostrar como estes elementos decorativos eram ha muito conhecidos ¢ usados larga- Mente na Peninsula; a influéncia oriental, se nao foi quem determinou o seu | aparecimento, certamente té-lo-é feito reviver. E assim se verifica mais uma ver a grande influéncia que o Oriente, desde tempos bem remotos, exerceu ‘sobre o Ocidente, Por isso pode Strzygowski (‘) afirmar, através de uma das _suas obras de maior interesse, ter existido na Asia uma personalidade artis. _tica tal, que as suas criacées originais inspiraram a maioria das grandes ee. A decoragéo geométrica, a principal caracteristica da Arte chamada ibérica, tinha tido larga difusio na Asia. A figura humana no aparece neste passado Jonginquo, talvez pelo _ grande desenvolvimento que tomou, desde 0 inicio, 0 ornato geométrico; 4 Sibéria utilizou o animal, o que teve uma repercussio também assina- na Arte do periodo das Invasdes. ___ A estilizagéo do Sol se deve grande mimero de ornatos. 0 Universo, pelo Criador, tinha Sol no seu curso, como a medida de que toda a ordenagéo. O Circulo Solar era o Ano; dividido em varias tes, a cada uma delas correspondia um raio. O Sol representaria assim das estagdes do ano ¢ ter-se-ia por esta forma chegado a rosécea e dela 48 ‘D, FERNANDO DE ALMEIDA a uma larga série de combinagées varias: do circulo passou-se & esfera, linha em $ S, A curva ondulante, desta & folhagem serpeante, ete. A grega nao é mais que a transformagio de linhas curvas ondulantes em angulares. Dois cfrculos cruzados representardo o Céu e a Terra; mas se forem dois semi-circulos em ver de circulos obtém-se a tranga, ¢ desta o entrelagado. Do Irio, como j& tivemos ocasiéo de assinalar, espalharam-se todos estes simbolos pela Asia, até 4 China do Norte. A Siria, pela sua proximi- Fig. 11—Figuras © linhas decorativas da Arte do Trio (Mrzer, fn J, Srmzxcowsns, Llencien Art, chrét. de. Syre, XLII, fig. E: 1, 0 citeulo do ano; 2, vawo de Eskebjergaard, antigo periodo do bronze, friso.exte- lor; 3+ meandro e greg, exquema; 5, llindro hitita: 6, vaso de Eskebjergaard:7, vaso do. Muses dle Flensburg, antigo periodo do bronze; 8, eruz esco esa de Bankbead (desenhos de Mme. Sophie Millet) ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 49 dade, cedo foi influenciada por to forte emanagéo, no tempo dos Seleu- ‘cidas. E da Siria passaram ao Egipto ¢ deste ao Norte de Africa, Outra ‘Via, mais ao Norte, atravessou a Europa até ao Atlantico ¢ assim, a arte _ origindria da Asia fez surgir motivos semelhantes ou idénticos em polos ‘opostos da Eurdsia. 0 fenémeno verificou-se nao s6 nos motivos, mas nos if Préprios objectos. Assim sucedeu também com as decoragses das fibulas ¢ placas de cinturdo onde, no inicio, aparece o alveolado (*). SIRIA ___Situada no Ocidente da Asia e com o Mediterraneo a banhar a costa, desde cedo se viu repetidas vezes invadida e submetida a conquistadores os Mais variados. Por 14 passaram e alguns se fixaram: Elamitas, Sumérios, | Aciilios, Hititas, Iranianos, Macedénios, Romanos, Arabes. Ora independente, ora submetida aos invasores no todo ou em parte, seu comércio foi desde épocas recuadas muito activo. O Ird0, os povos ‘Mesopotdmicos e, por eles, os da Asia Central e Oriental ali traziam as suas as que iam encontrar, nos portos Sirios, outras vindas do Egipto, ) Mar Egeu, do Mediterraneo desde os seus confine mais ocidentais. As avanas por um lado, os navios (fenicios, cretenses, egipcios, etc.) por 0, davam ao pais um movimento que estava na base da sua prosperidade. Depois da independéncia que se seguiu 8 queda de Alexandre Magno, um fundadas vérias cidades gregas. Uma delas foi Antioquia, designada ‘capital em 312 a. C. Mais tarde surgiram novos conquistadores: as de Pompeu transformaram a Sfria em provincia romana, a «Syria», mada depois por um «legatus Aug. pr. pr.», posto que foi sempre -cobigado. Com a queda do Império do Ocidente, passou a ser provincia do o Bizantino e assim se manteve até & sua integrago no mundo Arabe, . VIL. _ Foi uma das regides mais cedo cristianizadas e foi-o em curto espago le tempo: por isso se Ihe tem chamado o ergo da Fé, Nao faltaram prega- \ Louis Hanis — A’ propos des Scomx-amuleties «Nestorienss, Arts Asiatiques, AM, £4, 1956, pig. 236, 50 D. FERNANDO DE ALMEIDA dores a nova religido e 0 ardor pela causa fez surgir grande niimero de bispos, eremitas, cenobitas, exegetas, como S. Joao Criséstomo, Julido Sabas, S. Simedo Estilita, Libanius. A prépria palavra «Christianoiy apare- ceu pela primeira vez em Antioquia. Nao admira, pois, que a Siria fosse um micleo de difustio da doutrina Crista; de facto dali irradio para os paises vizinhos, designadamente para o Irfo, de onde havia de receber influéncias de outra ordem, como a seu tempo mos. Teve, neste periodo de proselitismo, uma literatura florescente; os excelentes tradutores de textos sagrados, de vidas de santos, de martires, de fil6sofos gregos, etc., elevaram a cultura siria a um nivel muito alto, Uma lenda, aceita por Eusébio, dizia que o Rei sirio, Abgar, se tinha correspon- dido com Cristo. 0 aramaico, a lingua do pais, persistiu por apego as tradigées, apesar dos Sirios terem sido fortemente influenciados pela cultura greco-latina: as traducées faziam-se para aquela lingua. Mais tarde, apés a conquista drabe, puderam assim os tradutores mulgumanos traduzir para 6 seu idioma muitos autores gregos antigos, que se nao tivessem sido os Sirios, ter-se-iam perdido possivelmente para sempre. documento mais antigo que se conhece e nos interessa é do ano 201 ; ‘© seu merecimento reside no facto de nele se falar em uma cheia do rio que teria inundado a igreja cristé, em Antioquia. Esta capital foi um grande centro politico, cultural e religioso, sede de um dos quatro patriarcados da Tgreja Oriental, famoso nas querelas de doutrinas e, por isso, gosou de grande prestigio e esplendor: chegou mesmo a ser uma das cidades mais importantes da sua época. No tempo do Império Romano foi a terceira em eas: pode contar cerca de 250 mil habitantes livres e outros tantos escravos (*), dos quais muitos milhares eram cristios. O Imperador Teodésio II, muito interessado pela cidade, mandou- Ihe dourar uma das portas, conhecida por porta de Dafné, 0 bairro do arrabalde (7). Era das cidades mais belas da época e «a sua vida uma festa continua» (*). A grande influéncia do Irfo na Arte Ocidental veio, em grande parte, rea e a primeira das provincias asi ©) G. Haooan— Aspects of social life in Antioch in the Hellenistic-Roman period, 1948, pigs. 67-73. (@) A. J. Fesructine, 0, P.—Antioche paienne et chrétienne, Paris, 1959, pag. 10. ©) Idem, idem, pig. 36. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL SL através a Siria, como jé dissemos, por estar também colocada numa encru- zilhada entre 0 Ocidente e o Oriente. ‘Na brilhante introdugao ao excelente trabalho de Streygowski, varias veres citado, sobre a Arte crista na Siria (*), anota Gabriel Millet a definiggo __ de Asia Ocidental, na opinido de Blanchard: «vasta regio natural» com unidade geolégica e climética propicia & vida némada, filha do deserto +e das estepes. E teria sido esse nomadismo (sempre na opiniéo de Blan- chard), a grande originalidade da Asia Ocidental, na Histéria. A influéncia “benéfica que dai adveio para os dominios da {6 ¢ da arte sfo evidentes para _ Millet, pois espalharam pelo mundo de entao a grande riqueza que possuiam. Foi, pois, pela Siria, repetimos, que chegou ao Ocidente 0 enorme teflexo, nele verificado, da Arte do Iréo, nfo s6 influida na sua origem, por uma religido sem imagens, onde portanto os simbolos deveriam exprimir ‘a divindade, mas até pelo prdprio tipo de construcao. Foi também através _ 4 Siria, com possivel passagem pelo Irdo, que do Sul da Sibéria nos chega- _ Tam outros motivos (*), como a haste ondulante e o talhe em bisel: eles haode vir a ser caracteristicos da Arte visigética. Por outro lado ja mostrémos 0 grande inctemento tomado pela religizo -crist desde a sua precoce implantacio na Siria (onde destacémos Antioquia, 4 expansio rapida para os paises vizinhos e mesmo para outros, lon- como o Norte de Africa (Libia, Tripolitania, Tunisia), levada por Tinguagem simples ¢ escrita de maneira acessivel, mesmo as camadas humildes. A principio, antes da liberdade concedida ao Cristianismo em 313, 0 de reuniao para a pritica de actos de culto, era a casa-igreja; depois, basilica. Das primeiras investigacdes sobre a origem da planta dos templos os ficou a ideia da bastlica crista ter sido inspirada na basilica civil (*);_ mas estudos mais atentos verificaram existirem diferencas A origem na casa grego-romana foi também dificil de aceitar. J. Stazvoowsxi—Liancien Art Chrétien de Syrie, op. cit, pis. 3. J. Srarrcowsxi— Op. cit, pigs 20 0 seg. @) Fane Mitr— EI arte cristiono después de ta paz con la Iglesia, in Historia General al Ante, Barcelona, 1958, pig. 273, 52 D. FERNANDO DE ALMEIDA ‘A explicagio dada por Leroux (*) parece ser mais razodvel, pois foi buscar cristés: eram lugares para reuniio dos iniciados no paganismo. Cita, para demonstrar a sua hipétese, 0 Santuério de Samotricia ¢ 0 Baccheion de Atenas. Fig. 12—Planta de basilica cristi (P—propilen; A —étrio; D—tanque lusiral; N—nartex; C—coro; O—altars H—bside, com s.—arco triunfal; E—trono para © bispo; C—passagem para o clero (seg. F, Buvoir, L-Arch, LOrient Médiéval et Moderne, pig. 27, fig. 181) ) Lenoux—Les origines de Fedifice hypostyle, 1918. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 53 __ As basilieas cristis eam casas destinadas 4 multidéo dos crentes, constituida por todos os elementos cristéos da cidade ou do local onde tinham sido erigidas. Van der Meer e Christine Mohrmann (*) depois de ‘afirmarem que @ Siria foi o pais onde apareceu a grande basilica crista (fosse cla qual fosse a sua origem), consideram 0 facto como o aconteci- | mento mais importante do séc. IV; acrescentam ainda que pela sua disposi- __ Soe funcio, foi 0 primeiro salio verdadeiramente democritico de arqui- __tectura espacial (*). No inicio, a planta era puramente funcional e constava de trés partes: — grande salio alongado, a nave, onde coubesse a comunidade, —abside, — hatistério. Ali dispunham, invariavelmente, os seguintes elementos: —na abside: o altar ¢ um «podium» (para a edtedra do hispo); —na nave: 0 piilpito, onde eram lidas as Sagradas Escrituras e de onde eram conduzidos os canticos dos fiéis. uma construgio fora da Igreja ou uma sua dependéncia, pois no $6 podiam entrar os ja baptizados. Além das basilicas outros edificios religiosos pulularam na Siria: 03 rtyriay ¢ as «memoriaen destinados a conservarem as reliquias de Mértires ou a simplesmente recordarem a vida piedosa de cristos plares, beatificados. Depois de uma primeira fase inicial, o plano das basilicas variou bas- nte € nfo manteve o modelo tinico, conforme mostra Beyer (*) no seu trabalho sobre a arquitectura das igrejas Sirias, de onde extraimos % Vax oan Meer & Cumisrive Monmsann— Atlas of the Early Christian World, * Hedlund & H. H. Rowley, Nelson, 1959, pig. 135, 5 D. FERNANDO DE ALMEIDA alguns tragidos (Fig. 13); a propria forma basilical foi, ¢ certo raras vezes, substituida em «martyrium», pela cruz grega de bragos iguais, como sucede em Kawssiye, nas proximidades de Antioquia. Fig. 13—Basilica siria (Ma'riti) (seg. H. ‘W. Bevex, Der Syrische Kirchen- bau, pig. 18, fig. 6-1) Foi Vogiié (*) quem primeiro encontrou as ruinas das antigas Tgrejas Sirias e as descreveu. Disseminadas por lugares afastados e por vezes desér- ticos, sdo os restos das poucas que escaparam & invasio érabe, em 630. Devem-no sua situagdo longe de lugares povoados ou de passagem de estradas com alguma importincia: 0 mesmo havia de dar-se na Peninsula com as Igrejas visigéticas, depois da entrada dos Arabes. Nas basilicas usaram colunatas para dividirem as Igrejas em naves; por cima dos arcos viam-se pequenas janelas para a iluminacio do templo. () Mangus pe Voctié—Syrie Centrale, archéologie civile et riligicuse, 2 volo 1865-1877, ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 55, As colunatas estavam muito em uso na Siria e estendiam-se ao longo das ruas. Jé Libanius escreveu no seu «Antiochikos» onde nos descreve, ‘cheio de entusiasmo, as maravilhas da cidade, que a colunata nas ruas traz grandes vantagens (*); uma delas verifica-se quando dois amigos que- rem conversar e, se chover, onde poderiio abrigar-se se no houver colunata? E quem protege os transeuntes do sol escaldante? Das ruas teria pasado as basilicas, embora por motivo diverso. A origem da colunata talvez esteja em Alexandria, mas a mais antiga conhecida, é a do Forum de Septimio Severo (193-211) em Leptis Magna (Tripolitania) (*). Fig. 14—Colunata usada cm igrejas sirias (eeg. W. Net Die Apokalypse des Hl. Johannes, etc., Est. XLV) A porta do templo é de importéncia «imensa, pois é ela que dé acesso A revelagéo; sobre ela vém reflectir-se as harmonias do universo» (*). E, segundo a mesma concepedo, é por ela que se entra na vida eterna. Tdentifica-se com Cristo: «Eu sou a porta e aquele que entrar por mim serd salvo» (*). E este, certamente, o principal motivo das atengdes dispensadas @) A.J. Festuciim—Op. cit, pig. 26. @) Bune Mins—Bi arte cristiano, op. city pig. 27% () M.M. Davr—Essai sur Ja Symbolique romane, Patis, 1955, pig. 147. (9) G. ox Suwr-Tuteany — Meditative orationes, med, VI, cit, por M. M. Davy, ©. city pig. 147, 56 D. FERNANDO DE ALMEIDA a este pormenor da arquitectura dos templos e que verificamos desde que se construiram edificios com esta finalidade. A sua colocagio era, a prin- cipio, umas vezes a Leste; depois, e geralmente, a Oeste, sobretudo a partir dos séc. IV ¢ V(‘). As proporgdes e decoragio revelam efectivamente 0 cuidado que Ihe foi dispensado; por isso os linteis aparecem decorados com folhagens, cruzes e pavoes reais, simbolos religiosos que tanta expansio virfo a ter (*) na Arte cristé. arco em ferradura, caracteristica arquitecténica da Arte visigstica, como a seu tempo diremos em pormenor, ja se via nas construgGes sirias, mas raramente: nfo lhes era tipico. Encontra-se, por exemplo, na célebre basilica e mosteiro de S. Simedo, Estilita, na de Bimbirkalesi (*). A liturgia cristd necessitou de simbolos para mostrar melhor ao povo o espirito que a animava, os mistérios que envolviam a nova religido. E assim surgiu grande abundancia de motivos decorativos que nao lhe foi diffeil ir colher na arte prépria e na dos paises vizinhos. A Siria foi tanta vez ao longo da Histéria submetida por ondas de povos de variadas origens, usos ¢ costumes; viu nela florescerem reflexos das culturas mesopotimica, persa, grega; conheceu ¢ foi integrada no Mundo romano; 0 eristianismo assentou no seu povo um dos pilares mais sélidos no periodo do proselitismo: nao admira, portanto, ter sido um centro difusor de cultura artistica, que até certo ponto criou. Dado o seu alto grau de civilizagio, concebe-se como lhe foi possivel caldear formas arcaicas com formas modernas ¢ espalhar as novas concepges por paises bem distan- tes, mas com quem manteve relagdes estreitas tais como, entre outros: Bizin- cio, Egipto, Abissinia, Norte de Africa, Sicilia, Ravena e a Peninsula Ibérica. EGIPTO-COPTA © Egipto helenista, com o seu principal centro de cultura em Alexan- dria, exerceu desde longa data uma grande influéncia na Arte romana, no Bs 1958, pig, 277, () Davo Tausor Rice— Byzantine Art, Pelican Books, Londres, 1954, pig. 58, (©) F, Vay per Mere & Cunusrixe Monnmavs—Op. cit, pig. 106. Mave —Las origenes del arte bizantino, Historia General del Arte, Barcelona, ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 87 Que mais nao fosse bastaria, para esta iiltima, record. ‘as pinturas dos cemitérios cristéos onde aparecem cenas campestres, vindi- ‘mas, ceifas, etc:, de pura influéncia alexandrina (*), © Alto Egipto mostrou maior predilecgéo pela Anatélia e até neste Pormenor se manteve a dualidade da terra dos faraés! 0 cristianismo também se espalhou bem cedo pelo vale do Nilo, embora pouco se saiba dos primeiros passos no pais. No entanto, o seu solo foi regado com sangue de mértires (perseguigéo «Deciana») e quando veio 4 paz A igreja a reacgio mistica de grande parte dos cristaos criou o ambiente onde se iria desenvolver 0 monaquismo. O espirito de S. Clemente de Ale- xandria, na interpretacio helenistica da religiéo cristé e 0 monaquismo de Pacémio tiveram grande papel na difusio da nova fé, difusdo essa que nao foi inferior a de Roma. Recordemos ainda Santo Antio, Origenes, Atandsio, Cirilo. Qs primeiros actos de culto devem ter sido realizados em grutas e ‘eavernas; mas depois de Constantino comegaram a ser erguidas basflicas, de entre as quais ficaram célebres a de S. Marcos, em Alexandria e a do Mosteiro Vermelho, no Alto Egipto. Ji tivemos ocasito de assinalar o facto de a nova Fé ter sido recebida com tal entusiasmo, que até templos egipcios foram transformados em _ igrejas cristas: 0 paganismo helenistico-romano néo conseguira, na mesma Spoca, nada de parecido. O «Partenon» foi transformado em igreja crista ja no séc. VI, por Justiniano e consagrado a Santa Sofia e a S. Lucas e depois 4 Virgem Mie de Deus. Em Roma, no «Forum», a biblioteca do Templo de ugusto s6 foi mudada em igreja no séc. V. A Arguitectura copta introduziu a capula nas suas basilicas. Estes -templos tinham trés absides, cada uma coberta com uma ciipula: nelas se vezes um ciconostasisy separava o Santuério do corpo da igreja, que ter iluminagio prépria ficava assim mais escuro e propicio & 58 D, FERNANDO DE ALMEIDA Fig. 15—Basilica copta (Bas. de Shig (seg. H.W. Beven, Der Syrische Kirchenbau, pig. 19, fig. 7A) Jé tivemos ocasitio de dizer que a colunata, na diviséo das basilicas ‘em naves, supéem alguns ter comegado a ser usada em Alexandria. Na decoragio aparecem, com frequéncia, elementos j4 conhecidos; no entanto, nao queremos deixar de chamar a aten¢fo para o nicho, maior ou menor, e para a frequéneia com que aparece a vieira a fazer, por vezes, fundo & cabega de estituas de santos, a formar-lhe como um resplendor. Um outro elemento decorativo, frequentissimo, é a haste de videira com cachos de uvas e, mais raro, passaros ou outros animais. A videira, planta favorita da ornamentagio copta (*), aparecia jé como ornamento na Arte do Irio, que por sua vez a teria recebido da Mesopotamia: anteriormente, portanto, ‘408 artistas gregos e romanos arcaicos. Aparece em vasos gregos cliissicos, mas nestes as folhas so palmetas, evolugio do lotus e nao da videira (*). Surgiu também na Siria, mas no Egipto a sua difusio foi maior. ‘A vide simbolisa Cristo e o cacho de uvas a Terra da Promissio; a vide mistica é a expresso da Igreja do Senhor (*). Por vezes, a haste da videira ‘mergulha em um vaso, um «cantharus», 0 vaso do elixir da vida eterna. (@) Louis Brésmer—L'Art Chrétien, Paris, 1928, pig. 63. @) 0. M. Daston—Byzantine Art and Archaeology, Oxford, 1911, pigs. 700 ¢ 704, (©) C. Leonanor—Hl simbolo della vite nelCarte pagana ¢ paleo cristiana, Ephemerides Inurgicae, sectio historia, N° 23, Roma, 1947. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 59 F De entre os animais que aparecem empoleirados na haste da videira, _ um dos mais frequentes é a pomba, simbolo da paz celeste, da libertagdo depois dos sofrimentos da vida. ‘Todo este simbolismo esta em relagio com © misticismo copta e, por isso, teve tio larga aceitagio na sua Arte crista. NORTE DE AFRICA Outro grande foco de proselitismo cristo precocemente desenvolvido, foi o Norte de Africa: Tunisia, Tripol Libia, Argélia, Atestam-no, finda hoje, as dezenas de ruinas de basilicas ¢ a histéria conta-nos 08 600 _ templos destruidos pela invaséo arabe, que haviam sido levantados em entenas de pequenos bispados ("); enfim, as catacumbas de Hadrumetum recordam os tempos em que era arriscado ser-se cristo. Se o Egipto e a Siria mostraram maior tendéncia helenistica, 0 Norte de Africa foi mais latino na literatura; em Cartago a latinizagio da Igreja produziu mais cedo uma literatura florescente, designadamente sobre vidas de mértires, escritas por autores do séc. III, como Tertuliano, Cipriano. Seria ocioso recordar, © facto passou-se mais tarde, que Santo Agostinho foi bispo de Hipona. No Norte de Africa também foi a forma basilical a mais largamente _ espalhada: no entanto, tinha caracteristicas préprias. A basilica, tipo afri- cano (*), era em geral de trés naves; algumas tiveram cinco. Dentro da ‘igreja, na abside, em um plano superior ao das naves, estava o presbitério, __ para o bispo, presbiteros e didconos. Entre o presbitério ¢ a nave para os fiis, estava 0 coro, com o altar separado da nave por uma balaustrada ou altar ficava assim a meio da igreja. A ligagéo com o presbitério ¢ por duas escadas laterais. A abside era, no interior, semicircular ¢ no exterior as suas paredes mavam um quadrado; a um e outro lado da abside abriam-se portas para tias quadradas. Na parede oposta a abside, isto 6, do lado da entrada, outra abside, disposi¢ao bem caracteristica desta arquitectura(Fig. 16). As naves eram separadas por colunas ou por pilastras ou por colunas das a pilastras; sustentavam arcos, com uma parede superior, onde ©) F. Vax oxm Maxx & Cumstine Mommas —Op. cit, pig. 115. ~@) Pawt Gaucxren—Basiliques chrétiennes de Tunisie, Paris, 1913, pig. 8. 60 D, FERNANDO DE ALMEIDA Fig. 16—Basilica do Norte de Africa (Fe- viana) (seg. Pavt Gavexian, Basi- liques chr étiennes de Tunisie, Est. XXIV). se abriam pequenas janelas. Os telhados eram assim de quatro aguas, duas recobriam a nave central e outras duas recobriam cada uma das naves laterais, arrancando abaixo das janelas superiores & colunata. A porta de entrada principal (que podia ser lateral, embora isso néo fosse 0 mais frequente) aparece as vezes protegida por um dtrio, & maneira de Roma, ou por um alpendre. Ha variedades dentro do modelo tipicamente africano; a basilica de ‘Tebessa € a que melhor conserva a originalidade desta zona do mundo cristio. ‘Tal como na Siria, enxamearam o Norte de Africa as «memoriae» e os «martyria. Os batistérios, construidos fora das igrejas, tinham a disposigao de cubas; podiam ter forma hexagonal, octogonal ou em cruz. No conjunto, o tipo de basflica africana, que alguma influéncia recebeu ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 6. de Roma e s6 tarde nele apareceram reflexos bizantinos, talvez acentuados ‘com a ocupagio de Justiniano, seguiu de mais perto a Arquitectura siria € a copta, E essa tendéncia continuou a verificar-se, mesmo depois da ‘ocupagio bizantina. O material utilizado: colunas torsas ou lisas, capitéis corintios ou compésitos, jé havia pertencido a edificios anteriores ¢ fora de ld extraido ‘para ser aproveitado nos templos da nova religiéo. Dai resultou, por vezes, uma falta de adaptacio no sé no didmetro das colunas, como na altura: assim, véem-se tambores ou fustes mais largos ou mais estreitos que a base dos capitéis por eles suportados ou a base sobre a qual assentam. Outras vezes as colunas ‘so todas da mesma altura ¢ as bases tiveram que ser colocadas a niveis diferentes. Sio pormenores curiosos ¢ revelam- nos, até certo ponto, o meio e o espirito com que 0s templos foram erguidos. ‘A decoragio 6 semelhante, quanto a técnica e assunto, 4 das formas de Arte crista descritas anteriormente. Fazemos mengao especial dos sareé- fagos pelo seu particular interesse, pois de la vieram influéncias para a Peninsula. Neles falta o relevo historiado, caracteristica de muito valor ‘para o estudo da sua expansio. _ BIZANCIO A Arte bizantina é uma arte religiosa e oriental, de inspiragdo ¢ temas ‘ristdos (*); nao deve, no entanto, ser inteiramente posta de parte, como - alguns pretendem, a influéncia que Roma exerceu na sua pretensa sucessora, ‘nem tio pouco exagerar, considerando-a derivada da Arte romana, como ‘esta, em parte, derivara da grega (?). __ Naseeu em Constantinopla (330), quando 0 cristianismo comecou a poder expandir-se livremente. © espirito religioso que informou profunda- “mente o Estado bizantino penetrou-a desde 0 inicio e deu-lhe expresso "peculiar. Nao usou a modesta simbélica cristi dos primeiros tempos, mas fexse grandiosa ao pretender explicar a Igreja através formas e motivos be _ ———@) Pave Lament —Le Style byzantin, col. Larousse, 1943, pig. 19, (@ D. Mantano—L'are byzantin. Son origine, son caractére et son influence sur ia ation de Cart moderne, ed. Garnier, Patis, s. d., pig. 1. 62 D. FERNANDO DE ALMEIDA de que iria servir-se. As formas tomou-as, possivelmente quanto ao grandioso e mais na aparéneia do que na realidade, dos sumptuosos edificios romanos, como as Termas, os Anfiteatros, a cipula do «Pantéon», etc. Os motivos cram estruturalmente de origem Oriental, bem como a cor (usada em detri- mento do relevo), 0 mosaico e 0 ornato, que viriam a tomar na Arte ri tina um lugar de destaque. A influéncia do materialismo romano nio encon- tava meio favorével em Bizdncio, por Ihe faltar a espiritualidade trasbodante da nova religido(*); por isso nfo foi sé a Geografia quem favoreceu a importagio de formas orientais, mas a necessidade de servir-se delas. Soube integrar todos os elementos que vieram dar forma & Civilizagao bizantina: aramaicos, iranianos, helenisticos, romanos, etc., diversamente doseados, é certo, mas em mistura perfeita, tinica e original (*). A influéncia oriental ofuscou, em muito, o que a Arte bizantina recebeu do Ocidente e por isso jd chegou a ser-lhe proposta a designagio de Arte crista (*). A absoredo de elementos de tio variada origem durou até ao sée. VI, quando com Jus- tiniano tomou aspects e forma definitivos, «iinicos ¢ originais», consagrados na maravilha arquitect6nica que é Santa Sofia. A Siria e também a Asia Menor, comegaram muito cedo a tornar-se cristés; com tal zelo se integraram na nova religido que vieram a ser, naquela época, 0 principal foco de irradiagao do Cristianismo. Da Asia, através a Arménia, a Pérsia e a Baixa Mesopotémia, chegaram aos seus territérios influéncias das mais variadas, vindas ndo sé daqueles paises, mas outras trazidas da Arte dos Scitas, dos Sarmatas, da fndia, do Extremo Oriente. Espalhadas pela Siria ¢ paises vizinhos, atingiram o Mediterraneo ¢ das portas do Préximo Oriente seguiram pelo mar fora até ao longinquo Ocidente. Deve ter sido esta a principal via de difusio, mas no esquecere- mos o papel das vias terrestres, calourreadas por comerciantes ou trilhadas pelos povos em migracio. Vice-versa, também a Asia sofreu influéncias através a Siria, designadamente de cardcter religioso e cultural. Nesta zona de encontros variados, mais ligada ao Irao e & Arabia do que a Roma e & Grécia, embora também Ihes sofresse a influéncia, surgiram motivos e formas que viriam a ter uma acco muito directa na Arte bizan- ©) PA, Micmzuis—Buhétique de PArt Byzantin, 1959, pig. 25, ©) S. Roseman —La Cieilzarion Byzantine, op. cit, pig. 270. @) Haat Manriy—L'dre Byzantin, Paris, 1990, pig. 5. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 68 tina. Os edificios religiosos, a principio de tipo basilical, nio eram de origem ocidental, helenistica ou romana, mas do Préximo Oriente; cobertos por uma abébada de canhio, em pedra ou em tijolo, nisto se distinguiam, que mais nfo fosse, dos tectos das basilicas do Ocidente, em geral de ‘madeira, Tinham trés naves e chegaram a ter cinco, separadas por arcadas mais ou menos de sete arcos sustentados por colunas rematadas por capitéis. E por o peso ser grande e ter de sustentar dois arcos, o capitel foi alargado @ introdugdo de dbacos, de origem também siria e de uso geral nos __ séeulos V e VI. Outras vezes, em lugar do dbaco foi colocado um segundo "_capitel (*). Cada um dos sete arcos (0 simbolismo surgia até neste pormenor), ‘correspondia a uma das sete grandes igrejas: Efeso, Esmirna, Pérgamo, Filadélfia, ete. No topo da nave central, a abside, Iugar semelhante ao do ciudex» na basilica romana, era destinado ao bispo nesta igreja crista, e nela era colocado o altar-mor. A planta variou dentro de seis tipos distintos, segundo Hamilton: (*) oblonga, quadrada, cruciforme, basilical, com cipula sobre a cruz e em _ ¢ruz quadrada. Ainda as houve com duas absides, uma em frente da outra, _ lio em Bizancio, mas no Norte de Africa, como a seu tempo dissemos. Do Irfo veio, para a Arte bizantina, a ciipula sobre uma construcio ida, originada talvez nas cabanas dos Iranianos ou dos Arménios. fituiu um elemento caracteristico da Arte bizantina e nela se espalhou largamente, sobretudo a partir da construgio da Igreja de Santa Sofia, por + 0 arrojo que mostrava a grande ciipula e © amparo que as ~ aameiaslaranjasy davam 20 edifici, devem ter produsido um efeto extraor- “Ainda o Tro, directamente ou por intermédio da Arménia, influiu na i Ate bizantina por outros ae como na geometrizagéo de figura, motivos 6 Tha Byzantine Art, op. cit, 1954, ph. 60. J. Axsorr j— Byzantine Architecture and Decoration, 2* ed, Londres, 64 D. FERNANDO DE ALMEIDA onde entraram no cadinho em ebuligéo que viria a dar as chamadas Artes paleocrista e visigética. Ao lado desta planta das igrejas da Siria, basilical, rectangular, que nos mostram os primeiros templos cristios, de forma paralelipipédica, vai juntar-se a planta propriamente bizantina, quadrada, a formar uma cruz de bragos iguais, uma cruz grega: e se sobre o eixo da cruz for colocada uma ciipula assente em pendentes, o que dara ao conjunto um aspecto pira- midal, teremos assim constituidos os elementos essenciais da igreja de tipo bizantino. As duas formas correspondem a diferengas litiirgicas entre a Igreja do Oriente a Igreja do Ocidente. Na basilica, o altar-mor, onde esti 0 san- tuério, é 0 local de maior importincia dentro do templo; para ele tudo deve convergir e, por isso, todos os figis devem poder vé-lo inteiramente, de qualquer ponto onde estiverem. A todos os actos do culto devem assitir os cristaos, e tomar parte neles, embora a disténcia respeitosa. Dai a necessi- dade da abside, com o pavimento em plano superior e destacado do resto do edificio; dai, também, a larga e comprida nave central, para acolher o maior ntimero possivel de assistentes &s ceriménias. Na igreja de tipo bizantino, o santudrio é vedado aos olhos dos fiéis por uma como que parede transversal, o «iconostasisy; a sua fungéo é escondé-lo da vista de quem estiver em qualquer parte dos outros trés bracos da igreja. B a frente do «iconostasis» que se passam algumas ceriménias, ¢ ento 0 sacerdote entra em contacto intimo com os fiéis; por isso os bragos laterais da igreja sio do mesmo comprimento e largura dos centrais e os assistentes colocam-se, nas ceriménias, em aproximagio {intima em torno do oficiante. Os actos do culto mais importantes passam-se, pois, atrés do ciconostasis», para nao serem vistos pelo povo acomodado nos outros corpos da igreja. Estes dois tipos de edificio viveram lado a lado e interpenetraram-se: apareceram igrejas hibridas, de planta rectangular e com capula, como jé tivemos ocasio de referir, etc. A cdpula de origem oriental e assente sobre uma construgio quadrada ¢ em pendentes como também ja dissemos, nada tinha de comum, na cons- trugio, com a ctipula do Pantéon de Roma: esta apoia-se sobre uma parede cilindrica, mantida por processos distintos dos bizantinos. A ciipula era ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 65 _ 0 simbolo do Universo, era o céu ¢ dai, em grande parte, a sua adopgio _ a grande voga que veio a ter. A fuséo dos dois tipos, combinados com elementos helenisticos leves - ¢ elementos orientais, geométricos, decorativos, so bem as caracteristicas da Arte bizantina. © mosaico tomou aqui um lugar de relevo extraordinario, néo para decorar os pavimentos, como quase sempre sucedeu com 0 mosaico romano, mas para enfeitar ¢ historiar interiormente paredes e ciipulas: como para substituir a pintura. As préprias tesselas, as composi¢Ges formadas por esses _ Pequenos cubos irregulares e de cores vivas, sfio de uma tal beleza e expres- "so que vincam bem a Arte de Bizancio, A iluminura fixou a iconografia e adotou, para a religido crista, sim- bolos orientais com alguns, poucos, copiados das catacumbas. As artes menores: a ourivesaria, os esmaltes, a gliptica, os marfins, os A escultura bizantina encheria as pedras ocidentais com assuntos tira- dos seus objectos de exportacio. E foi o valor dado aos elementos decora- em detrimento das raras figuras humanas, uma outra caracteristica Arte bizantina; essa predileccio, seguida servilmente durante séculos, no arte de influéncias essencialmente asiticas que era, marcou bem o riodo de que nos ocupamos. A pintura, a cerdmica, sio ainda mal conhecidas; mas esperamos em vir a sé-lo melhor para mais concretamente serem estudada: exercet-se, principalmente, a partir do séc. VI; adaptou-se, trans- a0 contacto com formas e concepgées locais. Nao foram 85 os esculpidos ¢ as sedas que trouxeram uma arte diferente; mas em e vizinhancas funcionou uma préspera indiistria de trabalhos (7); que eram exportados para as provineias. Das oficinas 66 D, FERNANDO DE ALMEIDA . ¢ Pe ere Fig. 17—Para a gencalogia das pilastras de Chelas (Lisboa): peva de ouro, com motivos orientais, a chamada «fibula de ouro. de Cépuas (seg. J. Heuncox, Le Trésor de Ténés. Est, 2XX). saiam, por exemplo, capitéis de varios tipos: desde o corintio simples, ao de duas zonas, ao de folha de acanto «movida pelo vento». No sée. VI a influéncia dos ornatos bizantinos fazia-se sentir largamente no Egipto copta na Siria setentrional e a arquitectura foi até interessar os artistas da Arte dos Omeiadas. Nao admira, pois, que tivesse chegado & Peninsula um sopro de bizan- tinismo coado, 6 certo, por influéncias de ordem varia adquiridas nos pai que necessiriamente teriam de ser atravessados para se chegar até cé. Eram os chamados mercadores sirios, muitos deles gregos, os monges vindos das mesmas regides, os bispos. Os soldados de Justiniano, embora tivessem permanecido setenta anos na Peninsula, no marcaram a sua presenca com profundidade para que ela possa ser garantida sem desmentido. Foram ARTE VISIGGTICA Eat PORTUGAL oT expulsos do Algarve, seu Gltimo reduto, em 621; 0 apogeu das influéncias bizantinas verificou-se mais tarde (’,"). RAVENA A Arte bizantina teve uma grande influéncia em Ravena, onde adquiriu ‘um esplendor dificil de igualar. A histéria também aqui nos explica o facto, mesmo se a recordarmos brevemente. A cidade, situada a pouca distancia da costa do Adristico, onde tinha ‘um porto, foi escolhida pelo Imperador Hondrio (402) para nela instalar ~ acorte de Roma: com esta transferéncia, a sua importéncia subiu rapida- ‘mente. Foi também dali que Gala Placidia, sua irma e sucessora, por serem ambos filhos do Grande Teodésio, hispanico de nascimento, governou a «Pars ‘Occidentalis» do Império, de quem foi 0 tiltimo grande crefe. Viveu em Bizdincio antes de vir para Ravena e lé conheceu as exceléncias e defeitos | da Corte de Constantinopla. 0 perfodo imperial terminou em 476, para _ entrar no dominio dos Barbaros de Odoacro. Com a queda do Império do Ocidente, a Itélia foi também invadida 188) por Teodorico, o Grande, filho de Teodomiro, rei dos Ostrogodos, dos do Império e que ajudaram-a vencer os Hunos. Quando Teodorico sete anos, fora mandado como refém para Constantinopla e lé viveu, na e, durante 10 anos; ali foi criado e educado, Mais tarde, em 491, ao ‘a sua corte em Ravena, na aparéncia sujeita a Bizdncio, quis viver o Imperador Romano. Ao escrever ao Imperador Anasticio, dizia-lhe: sum nostrum imitatio vestra est» (*). Construiu edificios, no s6 em ‘mas também em Roma, em Verona, etc., ¢ mandou organizar jogos, © como a sua pretensio o obrigava. Durante o tempo de Teodorico intensificaram-se as relagées entre nae a Peninsula, consequéncia de uma série de factos propositadamente ©), Patot—Esencia del Arte Hispinico de epoca visigola: romanisme y germanismo, eto, 156, pig. 28. della cupola, in Corsi di Cultura rie Ravennate ¢ Bizantina, fase, I, Ravenna, 1957, pig. 69. 68. D, FERNANDO DE ALMEIDA escolhidos para um bom entendimento entre os dois grupos de Godos, os Ostrogodos ¢ os Visigodos, de novo estabelecidos em territérios vizinhos. Do casamento de uma filha de Teodorico com o rei visigodo Alarico II, resultou 0 auxilio a este prestado quando os Francos invadiram e tomaram a Aquitinia: a Narbonense continuou visigoda por o proprio Teodorico a ter defendido, mas isso nao impediu que fizesse transferir para Ravena tesouro guardado em Carcassona. Do casamento referido nasceu Amalarico, que ficou érfao quando Clovis Ihe matou o pai na batalha de Vouillé. 0 avé governou entio o reino visigodo na menoridade do neto (511-526); mandou- -lhe preceptores ¢ soldados, 0 comércio entre os dois povos inten ficou-se. Mas a influéncia ostrogoda na Peninsula iria continuar-se pouco depois, quando Teudis, general e governador que havia sido mandado & Peninsula por Teodorico, aqui casou com uma «opulentissima hispano-romana» (*) ¢ foi feito rei dos Visigodos em 531; o seu reinado durou até 548. Por esta série de sucessos se podem adivinhar as consequéncias nas relagSes entre 08 dois povos e a influéncia que Ravena, culta e préspera, exerceu na Peninsula. Este periodo terminou em 540 quando Belizério, as ordens do Impe- rador Justiniano, conquistou a cidade para Bizancio ¢ a transformou em sede de um exarcado. Foi bizantina exarcal até 751 Justiniano favoreceu-a por varias formas, até elevando Maximiano a arcebispo de Ravena, o que nao foi reconhecido em Roma (’). Neste periodo, principalmente desde Teodorico, chegou a ter mais importancia que a Velha Urbe e gosou de grande prestigio, mantido com alternativas até & ocupagio lombarda, nos meados do sée. VIII. Situada no limite dos dois Impérios, tendo subido a altura de capital de um deles; debatendo-se entre a Igreja de Roma e a de Constantinopla ; ocupada pelos arrianos Ostrogodos; politicamente bizantina, mas romana grande parte da sua populagio pela tradigéo e pela obediéncia ao Papa, Ravena soube aliar as tendéncias das duas capitais, com 0 maximo proveito. Adentro das suas muralhas juntaram-se duas civilizagSes ao mesmo tempo: (2) Maxurt Tonnes —Historia de Espofa, ed, de M. Pidsl, Il, Madrid, 1910, pig. 91. () E. Durné-Tweseroen — Revenna capitate, Corsi di Cultura sull'Arte Ravennate Bizantina Ravena, 1957, pig. 63. ARTE VISIG6TICA EM PORTUGAL 69 @ romana ocidental ¢ a romana oriental ("), Situada relativamente perto do mar, com uma rede de canais navegiveis que a ela a ligavam, isolada de terra por pantanos insalubres e circundada de muralhas, levou vida tran- quila por poder descansar nas suas defesas naturais ¢ artificiais. Tinha boas comunicagées com Roma, pela via Emilia, e com Constantinopla, onde depois de atravessarem 0 Adriatico, os viajantes 14 chegavam, rapidamente, __ Pela via Egnatia. Deu reftigio a muitos monges e outros fugitivos A perse- guigio iconoclasta decretada por Julio. Foi assim que em Ravena puderam _ entrar em contacto influéncias vindas de Bizancio, com romanas tardias; a _ ambas vieram juntar-se ideias vindas do Oriente. Nao admira, pois, ter ali surgido uma arte particular e que viu levantarem-se no seu solo construgdes ‘magnificas onde a influéncia bizantina e outras reflectiam esses tempos _agitados. Alguns monumentos desapareceram, como a grande basilica, mas 98 que restam séo prova inegivel do grande esplendor de outrora. 0 mau- ‘sole chamado de Gala Placidia, bizantino, de planta em cruz grega, onde ‘Parece terem repousado também Honério e Constancio II; 0 mausoléu de Teodorico, mandado fazer por ele proprio também em cruz grega na planta _ interior do piso baixo (cubiculum inferius) ¢ assemelhando-se, no conjunto, aos tiimulos dos reis arménios (*), Nao deve ter sido estranho ao plano ‘construgio deste pesado edificio 0 arménio Daniel concessionério, em Ravena, de sarcdfagos em mérmore. Sio notaveis também os restos do ilécio de Teodorico, as basilicas bizantinas de S. Vital, de S. Apolinario classe» e de S. Apolinirio Novo. _ elas suas riquezas acumuladas em edificios custosos, pela vida de lux que os seus habitantes Ievaram, tornou-se cobigada, invejada ¢, por ss0, copiada. Espalhou no Ocidente as ideias ¢ as mercadorias recebidas maior parte do Préximo Oriente e de Bizancio de onde atraiu artistas, pedras, tecidos, marfins. E neste ponto recordamos as ligagies de ia no tempo do grande Teodorico (fins do sée. V) com a corte visigoda inia, na proteceio dispensada a seu neto Amalarico, a quem man- eptores. Devem procurar-se aqui certas influéncias ravenaticas que m num e noutro canto da Peninsula Ibérica, fabricadas por eae O79 G: YOR Swisox— Sacred Byzantine Art and State crajt in Ravenna, Universiy Chicago Press, Chicago, 1948, pég. 111, © J. Stazvoowsxi—Die Baukunst der Armenier, W918, cit, yor J. Pijoen, op. city L pig. 222. 70 D. FERNANDO DE ALMEIDA operarios itdlicos, nao s6 de Ravena como da Sicilia, terem passado & pedra motives tirados de marfins ou de tecidos de seda importados de Bizancio e exportados para os mercados ocidentais. E a sua influéncia aparece néo 86 no Levante peninsular, como na costa atléntica (Lisboa e Braga) ou mesmo no interior (Toledo). SICILIA E NORTE DE AFRICA, BIZANTINOS Também a Sicilia sofreu marcada influéncia bizantina; o facto teve, até certo ponto, 0 seu reflexo na Arte visigética ‘A religiao crista s6 depois dos meados do sée. I penetrou na Ilha. Além das catacumbas e templos primitivos, alguns aproveitando grutas e cavernas, pouco mais se conhece dos primeiros tempos do cristianismo. No periodo das invasdes germinicas passaram por 14 os Vandalos, ‘mas 0 que tem especial interesse para nés é a ocupagio bizantina (535), por Belisirio. Reino vandalo do Norte de Africa, também fora integrado no Império Romano do Oriente pelo mesmo enviado de Justiniano e assim esses dois centros (Tunisia ¢ Sicilia), com Ravena marcaram pontos avangados na reconquista do Mediterrdneo, a que iriam juntar a faixa meridional da Peninsula Ibérica, A influéncia de Bizancio na Sicilia manifestou-se, mais directamente, nos trés séculos da dominagao. A sua acgGo exerceu-se principalmente sobre a religiéo, a politica e 0 exército (*); 0 monaquismo de S. Basilio e a pre- senca na administragio da ilha de altos funcionérios do Império con- solidaram-na. Nao hi, na Sicilia, monumentos como se yéem em Ravena, a atestar a grande influéneia exercida por Bizancio; talvez consequéncia da destrui- Go pelos terramotos ou pela invasio Arabe. No entanto, Giuseppe Agnello conseguiu juntar uma magnifica série siracusana de esculturas variadas, em mérmore, pedra cara na Sicilia e que necesita ser importada (*). Quando @) Gmuseore Acnetto—Sculture bizantine della Sicilia, sep. de Sicalorum Gymnasium, 1957, pig, 116. (2) Tora, Torat, pig. 11. ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL a um dia for feito o inventério de todos os restos de esculturas bizantinas encontradas na ilha, poder-se-do estudar melhor os seus particularismos ¢ a provivel influéncia nos paises com quem manteve contacto. No Norte de Africa também a Arte bizantina se instalou; como suce- deria em Ravena ¢ na Sicilia, adquiriu modalidades locais. Influéneias varias destas trés regiées chegaram também & Peninsula: bizantinas na esséncia, varidveis em pormenores de ordem local. E com isto no queremos dizer nfo ter havido passagem directa de Constantinopla 4 Arte visigética ; houve-a, certamente, mas em muito menor escala do que seria para pensar. VI Carituto ARTE VISIGOT:CA Mantemos a designagio «Arte paleocristi» por ela ter entrado no conceito quase geral dos autores. No entanto, e pelo que diz respeito & Peninsula, estamos de acordo com Palol (*): por isso a incluimos no periodo inicial da Arte visigética, como que o preambulo, a desenrolar-se no séc. IV. No primeiro quartel do sée. V entra-se no periodo de elaboragio da Arte visigética; no sée. VI, a partir da conversio de Recaredo a0 cato- licismo, hé nitida influéncia de Constantinopla, embora nao marcante (comeca a sé-lo nos prinefpios do séc. VII) e isso fez surgir formas novas 4 mesmo tempo que no conjunto se tendia para a estabilizagio, Neste periodo apareceu assim, pelos meados do séc. VII, uma arte amadurecida ‘nos conceitos ¢ plasticizagio, com fortes tendéncias para entrar numa fase de estabilidade, infelizmente cortada cerce pela invasio arabe. Circunstan- cias politicas, religiosas e militares do tempo tiveram papel primacial na - elaboracéo da Arte visigética (*), todas elas influidas pelo meio peninsular _@) Poe Paton Sautuias—Los monumentos palcocristianos y visigodes estudiados | @ Expnia desde el aio 1939 « 1954, Actes du V Congrés International d'Archéologie Cheétienne ‘Cité del Vaticano, Paris, 1957, pig. 87. () Hass Ziiss—Los elementos de las artes industriales visigodas, An. de Préchistiria Mariela, 1V a VI, pig. 159, 2 D, FERNANDO DE ALMEIDA onde se vivia mileniriamente num ambiente j4 de ha muito enraizado no espirito dos seus habitantes: 0s povos peninsulares, diferentes & certo, quanto as origens dos varios grupos étnicos e a0 modo de vida, condicionado pela diversidade de microclimas, mas com tendéncias estéticas definidas e marcantes em aspectos gerais do seu conjunto, ‘A instabilidade em que entéo se vivia, « inseguranga, uma religigo nova a crescer minuto a minuto, a espalhar-se das cidades para os campos, a riqueza publica a diminuir diariamente, tudo isto produziu um mundo novo que ndo podia deixar de ter influido poderosamente na Arte do seu tempo: a sua base é de tradigio hispano-romana, mas sofreu influéncias inegaveis da Siria, de Bizancio, do Norte de Africa, da Sicilia e de Ravena. a genealogia da decoragio visigitica: ftiso Srezvcowskr, Llancien A. Chr. de Syrie, A doutrina de Cristo foi difundida muito cedo na Peninsula. Os pri- meiros centros urbanos convertidos & nova Fé estendiam-se por uma faixa mediterranica, estreita ao longo da Costa Levantina, mais larga na Bética. Dai propagou-se a religido para Norte ¢ Ocidente: 0 Noroeste foi er nizado mais tarde. Ja anteriormente & perseguigéo de Diocleciano (303) se sabia da existéncia de catacumbas em Saragoca; por outro lado realizaram-se gran- des actos piblicos de {é cristé, como o concilio de Itberis (Elvira), na Bética (entre 300 ¢ 303), € nele tomaram parte nada menos de represen- tantes de quarenta dioceses ¢ muitos figis, A sua grande maioria era da regido, mas estiveram presentes bispos de dioceses bem distantes. Da Lusi- tania sabe-se terem estado os bispos: Vicente, de Ossénoba (Faro), Quin- ciano, de Evora e Libério, de Mérida. Nao consta ter tomado parte no concilio um bispo olisiponense, nem sabemos ao certo se a diocese ja ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 3 ‘existia: mas nos meados do mesmo sé. 1V viven Potdmio, primeiro prelado de Lishoa de que se conhece o nome. Parece que o principal motivo para a realizagdo dessa magna assem- | bleia de Elvira convocada, segundo se supde, pelo bispo de Cérdova, teria sido o estudo das medidas a adoptar para restabelecer a disciplina nas _ dioceses peninsulares. Foram redigidos 81 cfnones. Adoptaram-se medidas contra a idolatria e foi proibido, nas igrejas, o uso de imagens pintadas: ‘ae quod colitur et adoratur in parietibus depingatur». Aos fiéis ficou tam- bém vedado 0 exercicio de varios cargos ¢ a sua participacéo em festas pagis, etc. A proibicdo da representacio de figuras era, de resto, tradicional na Igreja Catélica, desde o tempo dos Padres (S. Clemente, etc.). A influéncia das decisées do concilio sobre a Arte do perfodo que se he seguiu torna-se assim evidente ¢ exerceu-se por largo tempo. Um século depois vieram os heréticos Visigodos alguns dos Suevos; néo podemos por isso deixar de acentuar o nenhum uso que eles, os arrianos, faziam das ‘imagens nos templos. © grande niimero de mértires supliciados em pontos afastados da Peninsula confirma a répida difusio da igreja na Hispania anteriormente _ liberdade de cultos. Do solo regado com sangue, em Lisboa, restam-nos os nomes de Veris- _ simo, Maximo e Julia, ligados ao local do suplicio, onde actualmente se _ etgue a igreja de Santos-o-Velho; mas houve mértires em Mérida, em 5 ele. Depois da liberdade concedida & igreja pelo édito de Miléo, em 313, ‘espalharam-se templos um pouco por toda a parte. Sabe-se da existéncia ae anteriores ao século III'(*), mas foi depois daquela data, como era que o seu miimero cresceu muito. O édito foi um dos acontecimentos mais importantes para a Histéria da Arte e a actividade crista tomou entio um incremento enorme e répido. Os primeiros templos seguiram a planta das casas de habitagSo, como - ‘sucedera em algumas das regides onde se pregava a religiao de Cristo; o "facto é compreensivel, por ter ‘no periodo herdico do proselitismo. _ Depois foram aproveitadas as basilicas, de tipo norte-africano e sirio, 4 D, FERNANDO DE ALMEIDA com ou sem pértico, atrio, trés naves e outras vezes cinco naves. Nio foi pois de Roma que os peninsulares copiaram 0 modelo para os seus templos, nem to pouco de Bizdncio para os templos e para os objectos de arte. A influéneia bizantina nfo se fez directamente, mas por intermédio de Rayena e de Africa. Foi principalmente, ja em pleno séc. VII, que chegaram a0 Ocidente pecas de sabor hizantino, mas com marca de estagéo interme- didria; isto sem esquecer as influéncias coptas, vindas até nés por via mari tima (’). O facto néo deve admirar-nos, pois na regiéo onde actualmente € a Tunisia ¢ nos territérios vizinhos (Numidia, Proconsularis, Byzacena) 0 mimero de igrejas, jé nos meados do século III era téo importante, que se reuniu um sinodo em Cartago, no ano de 256; quanto & Siria e ao Egipto- -copta jd enunciémos também o suficiente, para compreendermos a sua influéncia a longa distancia. O tipo da basilica africana, ¢ repetimo-lo pelo interesse que tem na evolugéo da Arte visigética, sofreu mais influéncias da Siria e do Egipto- -copta do que de Roma. Pelo grande nimero das que chegaram aos nossos dias (Gauckler, s6 na Tunisia localizou 50 (*) podem ser determinados os elementos essenciais que as definem. A planta das igrejas peninsulares deste periodo paleocristo é rectangular, com trés naves: no topo oposto & entrada, uma abside (semicircular por dentro e rectangular por fora) separada do corpo da igreja por grades ou balaustres, tem a um e outro lado uma sacristia de planta quadrada, Por vezes, ¢ 0 fenémeno é tipicamente norte-africano, em frente da abside, onde portanto se faz a entrada para 0 templo, pode haver outra abside: neste caso as portas de acesso abrem-se-lhe A direita e & esquerda. ‘As naves so separadas por uma colunata ligada por arcos: sobre ela ergue-se uma parede, com janelas. O telhado é em dois planos: 0 mais alto, de duas aguas, assenta por cima das janelas que esto sobre a colunata € 08 telhados mais baixos recobrem as naves laterais. Na frontaria abrem-se as portas, que podem ser trés (ou duas como ja dissemos); As igrejas mais pequenas bastava uma tinica porta. ©) P. oe Pavot Suuzi2as—Lor incensarios de dubenya (Mallorca) y Liadé (Gerona), sep, de Ampiirias, XII, 1950, pags. 1 e seg. () Pau, Gavceuen—Basiligues chrétiennes de Tunisie, introd. de Paul Monceaus, Paris, 1913, pigs. 7 © seg, ARTE VISIGOTICA EM PORTUGAL 6 ‘Véem-se também influéncias bizantinas (cipulas), mas prevalece sem- Pre, no conjunto, o tipo norte-africano, sitio ou egipcio. & muito curiosa a igreja de Cerro de la Oliva (Guadalajara) em Espanha, por mostrar ‘sinais evidentes de ter pasado por trés periodos distintos (*): 0 primeiro foi o paleocristio, com nave iinica e abside a Oriente a que se seguiu a ‘Passagem a basilica de trés nayes e, finalmente, a templo arriano. Os batistérios fazem, mas nem sempre, parte do edificio e tiveram formas varias. Além das igrejas havia outros templos mais pequenos, também de - importagéo Norte-Africana e Oriental: eram os «martyrian onde se conser- ‘Yayam © veneravam relfquias de santos mértires, ou ainda cendbios para _ monges solitérios ¢ oratérios. A decoragao nestes templos era feita com mosaicos, também de influén- ia africana ¢ por.pedras esculpidas (capitéis, impostas, etc.) & maneira oriental, Fig. 19—Para a gencalogia da pilastra visigética: pilastra_siria, de Acre (seg. Stmzxcowsky, op. cit). O) A. Ganca x Buxtivo—

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