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LEANDRO PESSOA
SALVADOR
2010.1
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LEANDRO PESSOA
SALVADOR
2010.1
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................05
4. O CONCEITO DE ENQUADRAMENTO..........................................................34
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5.6 A MARCHA DO MINISTRO............................................................................57
6. CONCLUSÃO.....................................................................................................64
REFERÊNCIAS......................................................................................................67
ANEXO....................................................................................................................70
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1. INTRODUÇÃO
A análise foi feita a partir dos pressupostos sobre enquadramento apontados pelo
pesquisador Robert Entman (1993) e dos procedimentos indicados por Soares (2006). Com
base numa observação inicial do corpus de análise e do confronto deste com as discussões
teóricas apresentadas no primeiro e segundo capítulos desta monografia, foram definidas as
seguintes categorias de análise: apresentação da proposta de descriminalização, utilização
de elementos que confrontam ou reforçam o atual contexto de criminalização da planta e a
qualificação das fontes e atores apresentados pelas reportagens. A opção de analisar os
aspectos textuais e pelo formato impresso se justificam pela natureza própria destas
plataformas como ambientes de discussão pública.
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adoção de políticas alternativas.
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2. DISCURSOS SOBRE O USO DA CANNABIS SATIVA
A maconha, cujo nome científico é Cannabis Sativa, foi introduzida no Brasil por africanos
escravizados, sendo historicamente considerada um elemento cultural importante para os
negros que viviam no Norte e Nordeste do país. Muitas das variações do nome da erva
utilizadas no Brasil atestam sua origem, como as expressões "fumo de angola", "liamba",
"diamba" e a própria "maconha" como é mais conhecida. Desde o final do século XIX, já
havia registros do seu uso tanto entre as populações indígenas, quanto nas zonas rurais e
segmentos urbanos, populares e marginalizados da sociedade brasileira. Nesse período,
entre os grupos negros do Nordeste e os indígenas, a maconha já era empregada "como erva
medicinal, estimulante no trabalho físico e nas pescarias, e como agente catalisador das
rodas de fumantes que se reuniam no fim da tarde" (HENMAN, 1982, p.7).
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relacionado aos hábitos da comunidade negra do país. O conteúdo deste texto foi tomado
então como referência sobre o tema, inclusive para a construção da idéia de que o seu
consumo representava uma vingança promovida pela raça negra contra os "seus irmão mais
adiantados em civilização" (CAVACALTI, 1998, p.85). Nesses estudos, o uso da maconha
é apontado como vício causador de "agressividade, violência, delírios, furiosos, loucura,
taras degenerativas, degradação física, idiotia, sensualidade desenfreada" (MACRAE, 2000,
p. 20 e 21).
Em 1921, a partir dos acordos firmados na reunião da Liga das Nações Unidas, o Brasil se
alinha às políticas de combate às drogas aplicadas pelos EUA, com a aprovação da Lei
Federal nº 4.294, que já "estabelecia medidas penais mais rígidas para os vendedores
ilegais, fortalecia a polícia sanitária nas suas prerrogativas e reafirmava a restrição do uso
legal de substâncias psicoativas para fins terapêuticos” (RODRIGUES, 2004, p. 135 apud
VIDAL, 2010). Pela lei, os usuários eram então considerados doentes, passíveis ao
tratamento compulsório, já que se tratavam de vítimas das próprias substâncias que
utilizavam. (VIDAL, 2010).
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No ano de 1924, a participação do médico brasileiro apresentado pela literatura como Dr.
Pernambuco, representante brasileiro na II Conferência Internacional do Ópio, em Genebra,
levou a adoção de equivalência da Cannabis ao Ópio em nível internacional, que passou a
integrar a lista classificatória da convenção, repercutindo numa intensificação da repressão
do uso da maconha no país. A planta passou a vigorar dentre as substâncias proscritas e
uma campanha para erradicação do seu cultivo e consumo teve início com a implantação do
Decreto 20.930 no ano de 1932. A partir do Decreto, “vender, ministrar, dar, trocar, ceder
ou, de qualquer modo, proporcionar substâncias entorpecentes, sem a devida autorização”
passaram a ser qualificados como crimes com penas previstas de 1 a 5 anos de detenção.
Este texto estipulava também a prisão por até nove meses de “[...] quem for encontrado
tendo consigo, em sua casa, ou sob sua guarda” a planta de maconha. (RODRIGUES apud
VIDAL, 2010, p. 31).
É a partir deste decreto que, na década de 30, tem início uma escalada crescente da atuação
policial na perseguição dos usuários de drogas no país. É quando será também imposto,
pelo então Estado Novo, sob a presidência de Getúlio Vargas, o Decreto nº 891, de 25 de
novembro de 1938, que aumenta para quatro anos a pena de reclusão para a prática do
comércio não-autorizado e uso das substâncias proscritas. A partir deste documento, fica
então regulamentada e definida as funções da Comissão Nacional de Fiscalização de
Entorpecentes (CNFE), criada ainda em 1936, que passa então a atuar como órgão
centralizador das ações de combate às drogas no país.
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Segundo Adiala (2006), a Cannabis, por ter seu uso bastante difundido no país, acabou por
se tornar o estandarte unificador das iniciativas da Comissão Nacional de Fiscalização de
Entorpecentes (ADIALA apud VIDAL, 2010). Uma ação relevante neste sentido ocorreu
no ano de 1943, quando foi realizada uma expedição científica que visitou diversas
comunidades situadas às margens do Rio São Francisco e identificou o plantio e uso da
maconha nas "classes baixas" dos estados de Sergipe e Alagoas e também nas classes altas
na Bahia. A planta era então vendida nas feiras e mercados sob a denominação de "fumo
bravo", sendo a sua proibição desconhecida dos cultivadores e usuários da região.
A proibição do uso da planta nos EUA, que viria a interferir diretamente nas políticas sobre
drogas adotadas pelo Brasil, teve início na década de 30 com o surgimento de campanhas
promovidas pela Agência de Narcóticos do Departamento do Tesouro. As ações da agência
foram divulgadas na imprensa sobre a forma de reportagens e artigos que alarmavam a
sociedade para os perigos do consumo crescente da Cannabis Sativa na sociedade
americana, responsabilizando-a pela onda de crimes ocorridos em Nova Orleans no ano de
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1926. As campanhas tiveram repercussão midiática, tendo sido registrados, por exemplo,
17 artigos sobre o tema na revista Reader's Guide, superando de longe as ocasionais
matérias sobre o tema dos anos anteriores (BECKER, 2005). Respaldados por esta
mobilização, os representantes da Agência de Narcóticos foram ao Congresso e
conseguiram aprovar por unanimidade a Lei de Tributação da Maconha. Sobre o papel
desempenhado pelos meios de comunicação na aprovação de leis, Becker considera que:
Nesse contexto, o Estado se volta contra os jovens que, em confronto direto com a
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compreensão de mundo e comportamento das gerações anteriores, passaram a fazer uso das
drogas psicoativas, em particular o ácido lisérgico, a mescalina e também a maconha, como
elementos de transgressão; instrumentos capazes de alterar a então viciada compreensão da
realidade.
No ano de 1972, o então presidente norte-americano Richard Nixon irá declarar Guerra às
Drogas, elegendo-as como o inimigo número 1 da nação. Tomando para si esta
responsabilidade, o Estado norte-americano, agindo através da Drug Enforcemente Agency
(DEA), justifica também a ação para além dos seus limites territoriais, indo combater o
Narcotráfico também nos países produtores, bem como os consumidores e traficantes de
outras nacionalidades (RODRIGUES, 2009, p.6). Outras convenções publicaram resoluções
sobre o uso destas substâncias, sem, no entanto, obter a repercussão da Convenção de 1961,
como a Convenção de Substâncias Psicotrópicas de 1971; a Convenção contra o Tráfico
Ilícito de 1988 com listas de precursores; e mais recentemente a Convenção Marco sobre
Controle de Tabaco da OMS de 2003. A Guerra às Drogas se estendeu até os dias atuais
com ações nos Andes na década de 80, passando pelo Plano Colômbia lançado no ano de
1999 e pela Iniciativa Mérida, iniciada em 2008 no México (JELSMA, 2009;
RODRIGUES, 2009).
No Brasil, durante a década de 60, a declaração de Guerra às Drogas resultou em uma nova
campanha social para conter o uso da Cannabis Sativa, desta vez associando o consumo à
situação de marginalidade em que se encontrava parte da classe média brasileira durante o
regime ditatorial, a qual liderava ações em defesa do fim do regime autoritário. Pertenciam
a esta classe média "subversiva" tanto os membros das guerrilhas quanto os da resistência
cultural. Este segmento da população passa então a ser considerado perigoso à ordem
vigente, uma vez quer suas concepções ideológicas atingiam diretamente o status quo
estabelecido pela ditadura militar. Esta representação do usuário feita no país ecoava, a sua
maneira, o que vinha sendo difundida em nível mundial, associando o consumo da
maconha a um "símbolo político de liberdade e desobediência civil" (ROBINSON, 1999,
p.100).
Durante este período, a situação do consumo de maconha no país passará por relevantes
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mudanças jurídicas. No ano de 1964, com a publicação do Decreto-Lei de n. 54.216, o
Brasil incorpora os ordenamentos estabelecidos pela Convenção Única da ONU, realizada
em 1961. No ano de 68, outro decreto estabelecerá equivalência penal para os condenados
tanto pelo tráfico quanto pelo uso das substâncias proscritas. Dentre elas, Sérgio Vidal
(2010) destaca a Lei 6368 de 1976, também conhecida como Lei de Tóxicos, responsável
por congregar todos os ordenamentos jurídicos relacionados ao tema.
É também na Lei 6.368 que se encontra tipificado o crime de apologia às drogas, que torna
passível à condenação qualquer sujeito que enalteça o uso da maconha, bem como defenda
sua legalização. Como exemplo, podemos citar o caso do grupo musical Planet Hemp, que,
por defender explicitamente a descriminalização da erva nas letras de suas músicas,
enfrentou diversos problemas com a justiça do país, chegando à prisão dos seus integrantes
durante cinco dias, em novembro de 1997, por conta de uma apresentação realizada em
Brasília. O show foi filmado e utilizado como prova para enquadrar os membros do grupo
no artigo 12 da Lei de Entorpecentes. Mundim (2004) destaca que, durante o período da
prisão dos membros do Planet Hemp, houve uma grande discussão na sociedade a respeito
da liberdade de expressão, censura e apologia às drogas.
O debate público atual sobre a maconha no Brasil é resultante do seu crescente consumo
verificado na década de 60 do século XX, quando a substância passou a ser entendida como
o fenômeno de massa integrado à sociedade (VIDAL, 2010). A partir deste período,
verifica-se um aumento nas operações de erradicação do cultivo no Norte e Nordeste do
país e da repressão ao seu uso nos centros urbanos, bem como o surgimento de movimentos
antiproibicionistas, que serão abordados com maior profundidade no tópico seguinte deste
trabalho, e da visibilidade de sujeitos defensores de mudanças na legislação de
entorpecentes do país.
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tolerância com relação à planta e pela promoção de debates sobre o uso terapêutico e
descriminalização. O Relatório Mundial da Agência das Nações Unidas para o Combate às
Drogas e a Criminalidade, publicado em 2006, aponta o Brasil como o principal
consumidor de maconha da América do Sul (UNODOC apud VIDAL 2010), destacando
que o país produz apenas 20% da quantidade de substância que aqui consumida, tendo
como principal fornecedor o Paraguai. Dados do II Levantamento Domiciliar sobre o uso
de Drogas Psicotrópicas no Brasil comprovam que 2,6% dos brasileiros entre 12 e 65 anos
fumaram maconha no ano de 2005, sendo que 8,8% das pessoas entrevistadas afirma ter
consumido a planta pelo menos uma vez na vida. Com base nestes dados, que apontam uma
continuidade do consumo da Cannabis no país, será colocada em cheque a eficácia das
políticas públicas repressoras historicamente adotadas pelo Estado brasileiro.
Com a proibição das drogas ilícitas o mercado deste comércio foi tomado pelas mãos de
organizações criminosas, criando fundos ilegais que estimulam a corrupção e os conflitos
armados em todo o mundo (JELSMA, 2008). Segundo Rodrigues (2008) o investimento
destinado ao combate ao narcotráfico não conseguiu impedir que o mercado ilícito de
drogas se expandisse no mundo. Considerando a questão crucial para a geopolítica do
século XXI, o autor defende que quanto mais a sociedade aposta na "utopia proibicionista",
mais rentável e interminável a guerra às drogas tem se mostrado. Para Vidal (2010), a
persistência nestas estratégias tem conseguido "agravar os fatores causadoras de danos e
custos sociais associados ao mercado consumidor dos derivados da planta, obtendo pouco
ou nenhum sucesso na diminuição das práticas de produção e distribuição não-autorizadas"
(VIDAL, 2010, p.39 e 40). A jurista Maria Lúcia Karam (2008) afirma ainda que o
proibicionismo "além de ocultar os riscos e danos à saúde pública, oculta ainda o fato de
que, com a intervenção do sistema penal sobre as condutas de produtores e distribuidores
das substâncias e matérias primas proibidas, o Estado cria e fomenta a violência" (KARAM
apud VIDAL, p.42 e 43).
Nesse sentido, as políticas públicas repressoras acabaram também cedendo espaço para que
outras perspectivas pudessem ser apontadas pelos movimentos sociais antiproibicionistas,
que defendem o cultivo doméstico como alternativa à criminalização do comércio da
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planta, sugerindo revisões da legislação em níveis mundiais. Até mesmo as opiniões
daqueles que consideram o uso de drogas indesejável - como as que vêm sendo trazidas a
público pelo ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, membro da Comissão
Latino-Americana Sobre Drogas e Democracia -, desacreditam no proibicionismo como
instrumento de controle do uso, defendendo a descriminalização do uso das drogas leves,
em especial da maconha, como alternativa.
Nesse contexto, novas questões são lançadas à legislação, como, por exemplo, no que se
refere ao tratamento dedicado ao usuário que aparece como a figura que além de consumir
e armazenar a maconha, em alguns momentos é também o cultivador da planta que
consome, não fazendo uso comercial da mesma. Vidal (2010) defende que as intervenções
nesta nova realidade do consumo de drogas devem levar em consideração a sua
complexidade como fenômeno de massa, envolvendo assim a criação de leis mais
adequadas a realidade, bem como o treinamento das autoridades policiais.
Em outubro de 2006, com a Lei de n 11.343, que entrou em vigor no dia 23 de agosto de
2006, foram equiparadas juridicamente as condutas de posse, porte e plantio destinadas ao
consumo pessoal de substâncias entorpecentes, além de estabelecer que a quantidade da
substância apreendida como parâmetro para qualificar a pessoa flagrada como "usuária" ou
"traficante". É quando aparece pela primeira vez na legislação brasileira a figura do usuário
que cultiva para consumo pessoal, até então sentenciado também como traficante. Vidal
(2010) afirma que, mesmo com a possibilidade dada aos magistrados de reconhecer esta
modalidade de consumo, tanto os policiais quanto os operadores do direito continuaram
aplicando interpretações proibicionistas. Este texto prevê também a emissão de
autorizações para os plantios destinados ao uso científico ou medicinal, mantendo na
condição de criminosos os cidadãos que plantem maconha apenas para uso recreativo. O
autor também aponta que, apesar desta previsão, os usuários se submetem a conflitos com a
lei para que possam ter acesso ao medicamento.
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Teixeira e que conta com um Grupo de Trabalho formado por membros do CONAD e
especialistas da área de entorpecentes e também é discutida na Comissão Brasileira Drogas
e Democracia (CBDD), formada por 50 membros de diversos setores da sociedade civil e
secretariada pela organização Viva Rio. A CBDD é uma versão brasileira da Comissão
Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, que reúne políticos latino-americanos,
dentre eles o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso para discutir a adoção de
novas políticas de drogas no continente.
A revisão das leis de drogas, neste início de século XXI, vem passando por uma retomada
significativa em todo mundo. Destaque para a regulação do uso medicinal em 15 estados
dos EUA, incluindo Washingnton, em que os médicos estão autorizados a prescrever a
planta a pacientes que sofrem de doenças crônicas, como AIDS, câncer, esclerose e
Holanda e Reino Unido. glaucoma. Segundo a legislação destes estados, ainda não é
permitido ao usuário plantar a própria maconha. O uso medicinal já é regularizado também
no Canadá, Holanda, Reino Unido. Em Portugal, a posse de maconha para consumo
doméstico é permitida na quantidade estipulada que corresponde a dez doses diárias. Para
posses acima destas quantidades a legislação portuguesa já passa a considerar o portador
um criminoso por tráfico de drogas.
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Para que se tornem usuários regulares da planta, Becker revela que é preciso que os
indivíduos aptos a consumi-la compartilhem, junto a usuários mais experientes, de
informações sobre pelo menos três etapas do processo: a maneira correta de usar a droga, o
reconhecimento dos seus efeitos e a apreciação dos seus efeitos. Somente ultrapassadas
estas três etapas, o individuo poderá desenvolver uma relação de prazer com a Cannabis
Sativa, tornando-se assim um usuário regular da planta. Nessa perspectiva, entende-se que
o consumo regular da substância possui uma relação de pertencimento com um
determinado grupo social.
Dessa forma, Becker sustenta que é através da interação com usuários mais experientes que
irá se desenvolver uma cultura própria entre os consumidores. "A informação sobre uma
droga usada ilicitamente acumula-se devagar, freqüentemente durante muitos anos, na
experiência associada dos consumidores, que comparam observações de suas próprias
experiências e das experiências de outras pessoas" (BECKER apud MUNDIM, 2004, p.
15). A partir destas experiências, o grupo usuário da planta, caracterizado pelo autor como
grupo desviante, constrói um saber informal sobre a substância e, conseqüentemente, um
discurso que será utilizado como justificativa para as suas práticas, ação que Becker
denomina em seu trabalho de racionália. Esta interação acontece através de redes informais
de comunicação entre os usuários e tem na ligação entre os consumidores o sistema de
relações que permite que as informações circulem (BECKER apud MACRAE & SIMÔES,
2009, p.24). Dessa forma, o conhecimento particular adquirido sobre a planta será também
utilizado pelos usuários na interpretação dos efeitos da erva, bem como na regulação do
consumo individual.
Becker identifica, assim, uma cultura particular da droga decorrente do saber produzido
pelos próprios usuários regulares, aqueles que fazem uso regular da erva baseados no prazer
que ela lhes proporciona. Esta cultura será então verbalizada por tomadas de posição do
grupo diante dos controles sociais impostos pelos não-usuários, dentre as quais o autor
destaca a racionalização em que os usuários justificam o uso da Cannabis pela afirmativa
de que "as pessoas convencionais entregam-se a práticas muito mais nocivas, e que um
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vício comparativamente pequeno como fumar maconha não pode ser errado quando como
coisas como o uso do álcool são aceitas" (BECKER, 2005, p. 83).
A aquisição deste saber informal leva os indivíduos do grupo desviante a considerar o uso
da Cannabis benéfico, levando-os a idéia de que possuem o controle sobre o próprio
consumo. (BECKER, 2009). Nesse entendimento, afirma-se que o uso controlado de
drogas, muito mais do que pela polícia ou pela lei, é fundamentalmente regulado pela forma
como as sanções e rituais sociais são socialmente apreendidos pelos usuários, ou seja, pela
cultura da droga e a comunidade que lhe dá sentido (VIDAL, 2010, p. 101).
Esta reflexividade dos usuários aparece também nos estudos de Norman Zinberg (1974)
sobre o uso de substâncias ilícitas (ZINBERG apud MUNDIM, 2004). Zinberg acrescenta
a idéia de "controles informais do consumo" de substâncias ilícitas, em que os usuários
aparecem como sujeitos capazes de desenvolver as próprias prescrições relativas ao uso, de
modo que continuem utilizando a substância sem interromper suas tarefas profissionais. A
reflexão é também o meio utilizado pelos usuários para chegar à idéia positiva da maconha,
esta, como aponta Becker, condição inerente à concretização de um uso regular da
substância. (MUNDIM, 2004).
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afirmando que "ao entrar em contato com o estoque de conhecimento cultural da droga, ele
(o usuário) está se engajando com uma visão de mundo ou, como sugere Braga (2000),
assumindo um 'lugar de fala'.(MUNDIM, 2009, p.18). O autor constrói assim uma relação
entre o lugar de fala do grupo e o conceito de agir comunicativo, definido por Habermas,
como aquele que caracteriza uma ação que tem o seu sucesso baseado na “força
racionalmente motivadora de atos de entendimento, portanto, numa racionalidade que se
manifesta nas condições requeridas para um acordo obtido comunicativamente”.
(HABERMAS apud MUNDIM, 2009):
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No Brasil, os movimentos antiproibicionistas remontam ao ano de 1976, quando estudantes
da Universidade de São Paulo reuniram 400 pessoas para debater a legalização como
alternativa. Nessa época são encontrados também registros da circulação no Rio de Janeiro
de publicações, como o Ato Vapor, Panflema, o Jornal da Massa e o Patuá, que em suas
páginas defendiam a legalização (VIDAL, 2010). Em 1982, a realização de um encontro na
PUC do Rio de Janeiro resultou na produção de um documento que pedia “a
descriminalização da Maconha, bem como do seu uso, posse e cultivo para consumo
próprio” (VIDAL, 2010, p. 26). Dentre as personalidades que assinaram o documento,
estavam os músicos Jorge Mautner e Hermeto Paschoal, além de parlamentares como
Fernando Gabeira, José Genoíno e Lúcia Arruda.
No ano de 1983, em encontro realizado pelo Coletivo Maria Sabina 1 filósofos, advogados,
antropólogos, juízes, escritores, deputados estiveram reunidos para discutir o tema sob sob
a perspectiva do respeito aos direitos individuais e à pluralidade cultural, já mencionando
também as consequências negativas das políticas proibicionistas. (VIDAL, 2010). Este
debate foi transcrito e publicado em livro sob o título Maconha em Debate, no ano de 1985.
Mundim (2009), em sua historiografia a respeito do debate público da proposta de
legalização nas décadas de 1970 a 1990, destaca, além dos espaços das universidades e
algumas publicações impressas, o acesso do debate aos espaços políticos que chegou a ser
utilizado por diversos candidatos em diferentes momentos a partir da década de 1980, como
Fernando Gabeira e Caterina Kolotai (MUNDIM, 2009).
Desde 2009, o mês de maio foi escolhido pelo movimento antiproibicionista mundial para a
1
Grupo formado por estudantes e intelectuais do Rio de Janeiro que homenageia em seu nome a curandeira
mexicana Maria Sabina conhecida mundialmente por utilizar cogumelos psicodélicos em seus rituais de cura.
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realização de marchas públicas, tendo sido registrada a participação de mais 90 cidades em
todo o mundo em sintonia com a Global Marijuana March, coordenada pela ONG norte-
america Cure's not War. Dentro deste primeiro passo de internacionalização da causa, foi
apresentado na cidade de Londres um programa que condensa as propostas do movimento
para um novo pacto de regulamentação do uso da maconha na sociedade, em que consta o
fim da proibição internacional do consumo e cultivo da planta, bem como a liberação das
sementes (GABEIRA, 2000). O programa defende ainda que a regulação da Cannabis na
sociedade seja feita a partir de padrões éticos e ecológicos, estipula 16 anos como a idade
mínima para o seu consumo e prevê a liberação da planta para uso religioso e medicinal.
(GABEIRA, 2000).
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na redução de danos junto aos usuários de substâncias ilícitas, focada na melhoria das
condições de vida do usuários.
Diversas edições do evento foram proibidas em suas cidades sob a alegação de fazerem
apologia ao consumo da planta, como foi o caso neste ano de 2010 da Marcha realizada em
São Paulo, em que os manifestantes foram impedidos de realizar a caminhada portando
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adereços que fizessem referência à planta da maconha. Segundo carta de princípios
disponibilizada no site da organização da edição brasileira da Marcha, o evento “não é um
movimento de apologia ou incentivo ao uso de qualquer droga, o que inclui a Cannabis", e
que, por entender, que "a política proibicionista radical hoje vigente no Brasil e na
esmagadora maioria dos países do mundo é um completo fracasso", defende "a discussão
de políticas alternativas que incluam os dados científicos mais atuais sobre a planta, bem
como ampliem a participação da sociedade civil” (CARTA, 2009). O grupo também alega
que busca, nas manifestações, manter-se dentro da legalidade, orientando os participantes a
não portarem ou consumirem a planta durante a realização do evento.
O portal possuí também uma rede social de acesso restrito, em que se encontram reunidos
os moderadores. O acesso a esse grupo se dá por meio da participação nos fóruns e
aceitação de uma norma de condutas controlada pelo próprio grupo. Dentro desta rede
social, os debates são ainda mais especializados, onde as técnicas de cultivo são abordadas
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com profundidade e soluções para dúvidas dos cultivadores da planta são apresentadas. Lá
encontram-se disponíveis ainda pesquisas científicas recentes que tenham a Cannabis como
objeto de estudo (VIDAL, 2010). O portal se configura, assim, como um espaço de
convívio inserido no cotidiano dos usuários que cultivam a própria maconha, grupo que
correspondente a 5% dos usuários cadastrados (TABOSA, 2010).
A defesa pelo auto-cultivo é a principal bandeira do portal Growroom, como aparece nos
adesivos distribuídos pelo grupo em que aparece a seguinte inscrição: "Você sabia que o
cultivo caseiro de maconha enfraquece o tráfico de drogas?". Em seu livro sobre a planta, o
deputado Fernando Gabeira (2000) considera que a opção dos usuários pelo cultivo caseiro
de maconha se relaciona com uma busca pela pureza da maconha que consomem, bem
como opção de distanciamento do contato com o tráfico de drogas.
As informações que circulam nas redes sociais canábicas tem se revelado um espaço de
confrontação aos mitos divulgados pela propaganda proibicionista, onde são encontrados
estudos científicos que apontam para outras perspectivas de uso da planta (O FINO, 2010).
Diversos trabalhos acadêmicos estão sendo produzidos no Brasil neste sentido, em que se
destaca a atuação de grupos científicos como o Neip (Núcleo de Estudos Interdisciplinar
sobre Psicoativos) e o IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Para o
sociólogo Marco Magri, estes trabalhos tem sido responsáveis por propiciar "uma crítica
fundamentada na pesquisa científica, com reconhecimento internacional" (RODRIGUES,
24
2009 p. 7). Destacam-se dentre estas produções aquelas que tratam da Cannabis Sativa a
partir do seu uso medicinal na área de saúde, bem como trabalhos sociológicos que tomam
o consumo da substância a partir das suas dimensões culturais.
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3. A QUESTÃO DA VISIBILIDADE MIDIÁTICA
Nesta concepção, a esfera pública é entendida como "âmbito da vida social em que
interesses, vontades e pretensões que comportam conseqüências concernentes à
comunidade política se apresentam na forma de argumentação ou discussão" (GOMES,
2008, p.35). Tal definição, que tem como principal referência o sociólogo e filósofo alemão
Jurgen Habermas, vincula-se à idéia de interesse público, que seria a própria formação
discursiva da opinião e da vontade coletivas (HABERMAS apud GOMES, 2008, p.41).
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Ainda que resista dentro do pensamento moderno, este conceito de esfera pública sofre
mudanças estruturais em sintonia com as transformações ocorridas no quadro social ao
longo do tempo. Segundo Gomes (2008), é neste período que o Estado volta a se posicionar
como instituição imprescindível à sociedade, exigência que parte da própria esfera privada
quando se vê incapaz de conter os arroubos provocados pelo liberalismo (GOMES, 2008).
"Quando a consciência social desvincula a propriedade de bens das condições de
acessibilidade, os interesses dos socialmente desfavorecidos, particularmente dos
trabalhadores, findam por ser admitidos à esfera pública" (GOMES, 2008, p. 47) Deste
reposicionamento, segundo Habermas, decorrem também mudanças estruturais na esfera
pública: "Sob todos os aspectos que a considerarmos resultará sempre a perda das suas três
características fundamentais, a saber, a acessibilidade, a discutibilidade e a racionalidade,
bem como a degeneração mais essencial, a opinião pública" (HABERMAS apud GOMES,
2008, p. 48)1.
Até então entendida como intermédio argumentativo entre a esfera privada e o poder
público, a esfera pública deixaria, conforme ao autor, de fazer uso da discussão, onde se
reconhecia o mérito da racionalidade argumentativa, passando a atuar por meio das práticas
de sedução bastante utilizadas pelos meios de comunicação de massa. Neste novo contexto,
o papel dos meios de comunicação de massa, logo da imprensa, também é modificado
diante da esfera pública. Segundo Gomes (2008), a imprensa:
finda por ser o lugar, ocasião e meio mediante o qual aquilo que se quer
que se torne opinião pública deve circular para obter assentimento dos
privados. Não é um meio de debate do qual se espera emergir uma opinião,
mas um meio de circulação de opiniões estabelecidas às quais se espera
uma adesão, o mais amplamente possível, de um público reduzido a uma
massa chamada de tempos em tempos a realizar decisões 'plebiscitárias.
(GOMES, 2008, p. 49).
2
O conceito habermasiano de esfera pública enquanto pressuposto para o funcionamento da imprensa tem
sido alvo de crítica por diversos teóricos dos estudos do jornalismo. Parte das críticas a este modelo considera
que o discurso utilizado pelo jornalismo, para legitimar as suas atividades na sociedade via noção de interesse
público, ao se apoiar na perspectiva habermasiana, acaba representando apenas algumas parcelas da realidade
e não todos os grupos sociais em sua totalidade como proclamado (ÖRNEBRING & JÖNSSON apud
ROSARIO, 2009). Neste trabalho, apesar de considerarmos a necessidade de rever as apropriações feitas para
os conceitos de esfera pública e interesse público, a partir de Habermas, ao definir o jornalismo
contemporâneo, entendemos que ainda que esta não dê mais conta das práticas da profissão, ela ainda tem
validade sendo aqui usada como forma de discutir como a instituição jornalismo é discursivamente concebida.
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A esfera de visibilidade pública se realiza por meio do sistema expressivo formado pelo
conjunto de emissão dos meios de comunicação. É no ambiente da visibilidade midiática
que circulam as opiniões estabelecidas sujeitas à adesão da sociedade. O público é
convocado, em intervalos regulares de tempo, a realizar estas decisões por meio da
expressão do voto. É nestas condições, pela ausência de uma participação política
espontânea da esfera civil, que Habermas irá considerar a esfera pública um ambiente de
encenação. As opiniões passam a ser verbalizadas apenas para convencer e não para serem
demonstradas dialogicamente, caracterizando a esfera pública como espaço de legitimação
e não mais de produção das decisões sociais. Gomes (2008) que a esfera de visibilidade
pública seja mais do que mero espaço para a exibição da opinião e da vontade públicas, é
através desta também que os temas de interesse público são tornados disponíveis à
sociedade e nela suscitados na forma de debates públicos.
Dentro deste contexto em que atua o interesse público, as decisões políticas passam
inevitavelmente pelos fluxos de comunicação, onde os meios desempenham papel
fundamental tanto na formulação e percepção, quanto na discussão dos problemas da
sociedade. Gomes aponta também nesta relação da imprensa com o interesse público a
função democrática de fomentar o debate público sobre o funcionamento mesmo do
governo. Como espaços para o desenvolvimento destes debates, os veículos são entendidos
também como ambientes de formação das opiniões públicas de caráter coletivo;
circunstância propícia a reflexão sobre os reais interesses e preferências que brotam da
sociedade (GOMES, 2008, p.17). Dentro deste panorama, Gomes defende que o papel da
comunicação de massa é, ao menos em tese, o de (a) integrar-se na constituição de uma
esfera pública política forte, definitivamente arraigada na esfera civil e (b) abrir brechas no
sistema político que permitam a entrada da vontade e da opinião pública (GOMES, 2008, p.
18).
Para o autor, apesar de todas as críticas de Habermas feitas às práticas de sedução dos
meios de comunicação de massa, é possível a ocorrência de debate público também dentro
deles. Este entendimento se dá a partir da compreensão de que a publicidade social é uma
29
democracia moderna, bem como à esfera de discussão pública na sociedade, por garantir a
disponibilidade dos temas de interesse público. Para isso, afirma Gomes (2008), basta
considerar, por exemplo, o constrangimento democrático e pro-cívico que estes meios
exercem sobre o sistema político:
Nesse sentido, é muito freqüente que as instâncias discursivas tenham a cena midiática
como base dos temas que venham a gerar ou interferir nos debates públicos nela realizados.
Um tema que venha a ser introduzido na cena pública pode ter diversas fontes sociais, mas
decerto que o seu primeiro passo se dá a partir da presença na cena pública para que assim
se torne insumo da esfera pública. É o caso, por exemplo, do objeto de estudo deste
trabalho. Ao identificar o enquadramento construído pela mídia brasileira na cobertura do
evento social Marcha da Maconha estaremos também lidando com o acesso inaugural da
proposta de descriminalização da substância Cannabis sativa ao debate dentro da mídia
brasileira sob a perspectiva de um movimento socialmente organizado.
Para chegar a atuar como espaço de argumentação dentro da esfera pública, os meios de
comunicação de massa, em particular a imprensa, historicamente têm no interesse público a
sua legitimação social. O jornalismo é, assim, considerado uma conquista da esfera civil
por atuar como canal alternativo da comunicação política da sociedade, alheio aos
interesses deste campo. Também pela possibilidade de exibir em seus fluxos informativos
tudo aquilo que a política preferia manter reservado, a imprensa é reconhecida na esfera
civil como instituição fundamental à democracia.
Gomes (2009) chama atenção para que este interesse público não seja apenas um
imperativo de autolegitimação, considerando a necessidade de compreendê-lo como
30
fundamental por conferir à prática jornalística a possibilidade de fazer com que a esfera
civil se veja representada e se encontre satisfeita com os procedimentos políticos vigentes.
Ou seja, é por meio dos repertórios informativos que disponibiliza que a imprensa deve
fornecer aos cidadãos os conhecimentos necessários à participação na esfera civil, nas
decisões da esfera política (GOMES, 200, p. 79). Neste quesito, Gomes destaca ainda que a
adoção do interesse público não se faz suficiente para fundamentar uma ética do
jornalismo, já que, para isso, seria necessário levar em consideração não só o público-
cidadão do jornalismo, mas também o seu público-cliente.
Nesse entendimento, portanto, impera dois sentidos de público. O público referente à noção
de povo, que se relaciona àquilo que seria de interesse comum em uma sociedade, e o
público como sinônimo de cliente ou público-alvo de um determinado veículo. Segundo
Gomes, estes dois públicos, bem como os discursos que cabe a cada um deles, atuam até
hoje em estado de "inércia discursiva" dentro do jornalismo contemporâneo.
Ainda no âmbito desta esfera pública, é importante notar o papel desempenhado pelos
grupos cívicos, atores políticos responsáveis por garantir a pluralidade de interlocutores e
argumentações dentro da esfera pública. É a partir da conversação em fóruns da sociedade
civil que os interesses de grupos marginalizados ou silenciados serão construídos,
traduzindo-se numa linguagem comum para que sejam defendidas publicamente e
utilizadas como ferramentas de participação política.
31
As dificuldades encontradas pelos movimentos sociais no acesso ao campo jornalístico,
aqui entendida como uma condição comum aos públicos fracos na democracia deliberativa
(MAIA, 2008), costumam ser vencidas por meio da produção de fatos noticiosos, passeatas
e demonstrações públicas (TRAQUINA apud MAIA, 2008). É onde se insere, por exemplo,
o movimento social estudado neste trabalho, entendendo os seus membros como usuários
criminalizados pela sociedade que saem as ruas para propor a adoção de políticas
alternativas que atendam aos também aos seus interesses. É também através destas
iniciativas que os movimentos sociais vencem a invisibilidade e se tornam capazes de
propor entendimentos alternativos dentro do debate público, esta considerada por Maia
como “a medida mínima para a participação política e a cooperação razoável na deliberação
pública..." (MAIA, 2008, p. 185).
Maia (2008) afirma que, agindo dessa maneira, os representantes dos movimentos sociais
contribuem com novas interpretações para as temáticas abordadas na mídia, chegando a
sugerir até mesmo modos distintos de enquadrar temas de seu interesse. Esse
reposicionamento se dá por meio das próprias narrativas que a mídia produz. Elas são
resultado da interação estabelecida com os eventos e seus protagonistas, "além de conterem
uma série de expectativas com relação à audiência, cuja fidelidade é vital para os meios de
comunicação de massa e que convive com outros enquadramentos, oriundos de outras
fontes" (NEUMAN apud ALDÉ, 2000).
Como exemplo deste novo olhar conferido pela mídia a um movimento social, podemos
tomar o do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, que desde a década de 90, ao
se tornar ator conhecido do espaço público midiatizado brasileiro, passou também a
agendar a mídia. Ainda que a criminalização do movimento ainda seja a constante das
coberturas da mídia brasileira, é possível considerar a conquista de um espaço no qual o
movimento manifeste também os seus interesses, sendo também compreendido pelo
público, a partir da inserção dos seus símbolos no seio da sociedade brasileira. (FONSECA,
2006). Este exemplo elucida as maneiras como a mídia participa do processo de seleção dos
temas que serão debatidos na sociedade. Os meios de comunicação de massa agem,
32
também, para a reprodução de determinadas perspectivas ideológicas. Dessa maneira,
"interferem diretamente nessa reprodução, mesmo que sua própria intervenção seja limitada
estruturalmente – tanto cognitiva quanto ideologicamente – por suas condições de produção
e pelas variações históricas, sociais e culturais que se impõe sobre as diferentes formas de
consumo e recepção dessa mesma produção" (ALDÉ, 2000, p.3).
33
4. ENQUADRAMENTO
O enquadramento é utilizado nestes estudos tanto para identificar a construção feita pela
mídia ao pautar determinados temas, o chamado framing de mídia,como também na
investigação de como o público, a partir do que é apresentado pela mídia, enquadra o que é
apresentado, o, chamado por framing de audiência (GUTMANN, 2006). Sem deixar de
reconhecer o papel representado pela comunicação interpessoal dentro do universo da
representação midiática, este trabalho estará focado na identificação do enquadramento
construído pela mídia brasileira, portanto, do framing de mídia configurado para tratar da
edições da Marcha da Maconha realizada nas capitais do Brasil.
Em seus estudos, Robert Entman (1993) observa que por meio do framing é possível atuar
politicamente, definir problemas, diagnosticar causas, fazer um julgamento moral e sugerir
remediações (ENTMAN, 1993, p.1-8). É a partir do enquadramento dedicado às notícias
que os meios de comunicação lançam mão de uma construção própria sobre a realidade,
34
revelando escolhas sociais. Goffman (1974) entende o procedimento de enquadrar as
notícias como construção de esquemas que conduzem a atenção para uma informação, em
um processo que irá interferir tanto na interpretação quanto na avaliação. (GOFFMAN,
Erving apud SOARES, 2006).
Carragee e Roefs defendem que os enquadramentos são patrocinados por múltiplos atores
sociais, incluindo políticos, organizações e movimentos sociais, sendo que as reportagens
se configuram como fóruns de disputas dos enquadramentos correntes onde estes atores
políticos disputam espectros de construção social da realidade. (CARRAGEE; ROEFS
apud SOARES, 2006). É por meio do enquadramento, inclusive, que a mídia pode vir a
rotular os movimentos sociais (COLLING, 2002). Em seus estudos sobre o enquadramento
Mc Leod e Detember identificam uma tendência do jornalismo em favorecer o status quo
na sociedade, o que faz com que as reportagens sobre manifestações públicas costumem,
por exemplo, focalizar na aparência dos manifestantes e enfatizar a ocorrência de ações
violentas, ao invés de apresentar as suas posições. Os autores chamam esta tendência de
paradigma de protesto, identificando as estruturas narrativas, a confiança das fontes e as
definições oficiais como técnicas utilizadas para deslegitimar e marginalizar os movimentos
sociais. (MC LEOD; DETEMBER apud SOARES, 2004).
35
É importante ressaltar que dentro do conceito de framing a audiência não é vista como
elemento passivo diante das construções adotadas pela mídia. Para Entman, cada membro
da audiência é teoricamente livre para tirar os seus próprios significados dessas mensagens
(ENTMAN, 1991, p. 19 e 20). Por outro lado, ele aponta que, diante de uma escassez de
informações que desafiem o enquadramento dominante, “uma posição dita autorizada tende
a penetrar no texto informativo, tal como frames dominantes tendem a obscurecer
totalmente alguma informação que seja oposta” (Entman, 1991, p. 19 e 20). Podemos citar
como exemplo, a própria temática que será aqui estudada, em que o enquadramento
comumente adotado criminalizava o uso da maconha. Ainda assim, atualmente, já é
possível observar enquadramentos que contextualizam as propostas de legalização, tanto no
ramo comunicativo do jornalismo especializado - como é o caso da revista americana High
Times, que atua focada no mercado do auto-cultivo da planta -, quanto nos veículos
voltados para um público diversificado, como é o caso das revista brasileira
Superinteressante e da Folha de São Paulo que dispõem, inclusive, de publicações
exclusivas sobre o tema.
36
2006).
A aplicação do framing por parte dos jornalistas - sujeitos executores da notícia - não é
necessariamente um processo consciente. Para Hackett, o enquadramento que venha a ser
adotado “pode muito bem ser o resultado da absorção inconsciente de pressuposições
acerca do mundo social no qual a notícia tem de ser embutida de modo a ser inteligível para
o seu público pretendido” (HACKETT apud COLLING, 2001, p.97). Em seus estudos
Gaye Tuchman estabelece relações entre a construção dos enquadramentos e a rotina
produtiva dos jornalistas, que resulta na adoção inconsciente de automatizações por parte
dos jornalistas, levando os "a identificar e classificar rapidamente a informação e empacotá-
la para uma eficiente leitura da audiência" (TUCHMAN apud GUTMMAN, 2003, p.34).
Serão analisadas as coberturas da Marcha da Maconha feitas pelo dois principais jornais
baianos, A Tarde e Correio, os dois principais impressos de Pernambuco, Folha de
Pernambuco e Jornal do Comércio, além de dois jornais de circulação nacional, O Globo e
Folha de São Paulo. Foram analisadas as edições da Marcha da Maconha ocorridas nas
respectivas cidades de circulação dos veículos nos anos de 2009 e 2010. Em Salvador, não
foi analisada a edição da Marcha no ano de 2010, já que ela ainda não havia sido realizada
quando do período de produção deste trabalho.
O objetivo central deste trabalho é discutir o modo como o fenômeno midiático Marcha da
Maconha foi apresentado pelos jornais nordestinos, o que explica a escolha das duas
principais capitais da região, Salvador e Recife. De modo a tornar a identificação deste
enquadramento ainda mais rico, optou-se por analisar as coberturas feitas por dois jornais
de circulação nacional observando também o modo que a imprensa nacional construiu o
enquadramento do evento, quando realizado no Rio de Janeiro, o que justifica a escolha de
O Globo, e a tentativa de realização da Marcha em São Paulo, que explica a inclusão da
análise da cobertura da Folha. O corpus de análise restringe-se aos textos publicados pelos
jornais um dia após a realização da marcha na cidade, levando em consideração inclusive a
37
possibilidade de silenciamento do evento ocorrido. Ao todo, foram identificadas sete
matéria repercutindo a realização das marchas nas capitais selecionadas.
38
jornal sobre o problema.
A partir dessa escolha foi realizada uma descrição geral das matérias selecionadas,
conteúdo que consta no anexo deste trabalho. As notícias foram descritas a partir dos
aspectos considerados relevantes à análise. Por fim é que partimos para uma interpretação,
onde a operação metodológica aplicada na fase anterior foi confrontada com os conceitos
teóricos apresentados sobre o evento social Marcha da Maconha. Por meio da adoção desta
perspectiva de encontro entre o material selecionado e os conceitos teóricos apresentados,
como ressalta Lopes (2006), é que consideramos que “ a interpretação poderá identificar,
comparar e/ou contrastar as coberturas jornalísticas analisadas revelando expressões
particulares de um processo comum de produção textual". (SOARES, 2006, p.463).
A análise apresentada irá se concentrar no texto verbal das matérias, que também inclui
títulos e linhas de apoio. Contudo, quando necessário, será observada também a disposição
feita pelo veículo dos textos da cobertura, considerando a importância da diagramação
como produtora de sentido, bem como o uso de fotografias e ilustrações. É importante
destacar que o objetivo do trabalho não é analisar a produção de sentido dos elementos
visuais da matéria, mas observá-los na medida em que este contribui para a interpretação do
conteúdo, reforçando ou contradizendo o que esta sendo dito no conteúdo verbal.
39
5. ANALISE DO ENQUADRAMENTO
Antes de ser autorizada pela justiça, por meio de habeas corpus emitido pelo Tribunal de
Justiça do Estado, o evento havia sido proibido outras duas vezes sob a alegação de
constituir-se em ato de apologia ao uso da planta. Isso fez com que a Marcha realizada em
Salvador só viesse a acontecer no mês de dezembro, e não no mês de maio, quando ocorre
uma temporada de Marchas em todo país, período conhecido como Maio Verde.
40
A proposta é retomada ainda na fala do antropólogo e pesquisador da UFBA, Edward
MacRae, que afirma, no segundo parágrafo da matéria, que “agora podemos discutir o
assunto com maturidade”. Esta fala confere um caráter positivo à Marcha, em que o jornal
parece dar credibilidade à proposta de descriminalização como um debate necessário à
sociedade, mas a partir de uma fonte ligada ao movimento. Ao mesmo tempo, esse
posicionamento construído pelo jornal se revela ambíguo quando, tanto no título (“Marcha
da Maconha reúne 400 pessoas na Barra”), quanto no lead 1, evidencia o número reduzido
de participantes no ato.
Dentre os elementos que caracterizam a qualificação dos atores do evento, são identificadas
na análise desta cobertura o momento em que o texto menciona a realização de um minuto
de silêncio em memória das vítimas do tráfico no país. Este registro qualifica o discurso do
movimento social antiproibicionista distanciando-o de uma postura de confronto com à
sociedade. Quanto às fontes utilizadas na notícia, a cobertura feita pelo jornal A Tarde
ouviu apenas o antropólogo Edward MacRae, de modo que não tenha sido registrado no
texto qualquer tipo de opinião em oposição à proposta de descriminalização da planta,
descaracterizando a possibilidade de debate sobre as políticas de drogas nas páginas do
veículo. Ao optar por este enquadramento, o veículo se limita a ouvir fontes diretamente
ligada a proposta de descriminalização defendidas pelo movimento antiproibicionista, sem
no entanto promover um debate público através de outras falas que a contestem.
Apesar de sutis, há elementos na cobertura que favoreçam o status quo de criminalização
da planta, como no trecho em que o repórter destaca a orientação difundida no grupo de
“não fumar para não queimar o movimento”. Ainda que demonstre a existência de uma
3
O lead é a abertura da matéria. Nos textos noticiosos, deve incluir, em duas ou três frases, as informações
essenciais que transmitam aoleitor um resumo completo do fato (MARTINS, 1997).
41
prática organizada no grupo, a ênfase neste dado ressalta o hábito de fumar a planta sob a
perspectiva da ilegalidade. Outro trecho que de maneira sutil trata o movimento sob o
contexto atual de criminalização foi identificada no trecho em que a notícia menciona o
histórico da proibição do evento: “A Marcha aconteceu depois de duas proibições em 2008
e 2009”.
1
Este termo será aqui utilizado em referência à linha fina, definida como frase ou período sem ponto final que
aparece abaixo do título e serve para completar seu sentido ou dar outras informações (FOLHA, 2001).
42
“massa” é utilizada com duplo sentido, fazendo tanto referência a uma maneira popular dos
baianos de aprovar alguma situação quanto a uma das denominações pela qual a planta é
também conhecida. O lead da matéria destaca ainda outras denominações que a planta
adquiriu no país: “O pôr-do-sol foi dedicado à marijuana, à ganja, à cannabis, ao barro, ao
dedo de hulk, ou simplesmente, à maconha, para quem só a conhece por este nome”. A
partir desta construção, em que destaca a variedade de nomes da maconha, é possível
afirmar que o enquadramento adotado pelo Correio salienta a existência de uma cultura de
consumo da erva.
A frequência com que estes confrontos à política atual de drogas aparecem no texto do
Correio vai caracterizar este enquadramento pela acessibilidade à fala do movimento social
em questão. Dessa maneira, o enquadramento adotado revela uma postura ambígua do
veículo, quando, ao mesmo tempo em que apresenta a proposta de descriminalização à
sociedade contemplando as estratégias do grupo para confrontar a criminalização da
maconha, irá apresentar estes mesmos ativistas a partir de uma construção estereotipada e
43
reducionista, atribuindo-lhes aspectos folclóricos, o que coloca o movimento como algo
exterior à sociedade ou, pelo menos, aos interlocutores do jornal.
As fontes utilizadas nesta cobertura são todas qualificadas como especialistas no assunto
(antropólogos e professor), sendo um deles ligado a organização do evento. Portanto, nesta
reportagem, também não aparecem fontes que manifestem opinião contrária à proposta de
descriminalização do movimento antiproibicionista, constituindo-se em mais um caso em
que o debate público não é alcançado no plano das declarações das fontes.
A edição de 2009 da Marcha da Maconha em Recife aconteceu no dia 3 de maio, tendo sido
a segunda marcha realizada na cidade 1.O evento contou com a participação de cerca de mil
manifestantes, segundo dados da polícia militar. A realização da Marcha foi autorizada pelo
juiz da 2ª Vara Criminal dos feitos relativos a Entorpecentes, tendo como condição o
acompanhamento policial da caminhada.
A cobertura feita pelo Jornal do Comércio desta edição do evento foi publicada na edição
do dia 4 de maio, na contracapa do jornal, na editoria capa dois, com o título “Jovens
marcham no Recife pela liberação da Maconha”. A reportagem conta também com
chamada na capa acompanhada de foto. Na foto que acompanha a reportagem um jovem
simula estar fumando um baseado 2 gigante. Na foto, também fica destacada a frase
“Legalize Já” estampada em uma faixa carregada pelos manifestantes.
1
A primeira edição da Marcha da Maconha em Recife foi realizada no ano de 2008, tendo sido a única que
chegou a acontecer das dez capitais previstas para este ano. Segundo dados da polícia militar, o evento contou
com a presença de 1.500 manifestantes.
2
Denominação para o cigarro de maconha.
44
Sativa” que participam da “2ª edição da Marcha da Maconha”. Na construção feita pelo
veículo a proposta é evidenciada também a partir de suas positivações sociais, o que pode
ser identificado no penúltimo parágrafo, quando o educador Gilberto Borges destaca: “Se a
droga fosse legalizada, acabaria a guerra de tráfico nas cidades, a Cannabis poderia ser
explorada comercialmente e haveria aumento na arrecadação de impostos”.
A cobertura publicada pelo Jornal do Comércio teve apenas duas fontes ouvidas: o capitão
da polícia militar Kennedy Guerra, que representa a participação policial no evento e é
fonte da orientação difundida entre a corporação de prender os ativistas que fizessem uso da
planta durante a marcha; e o educador Gilberto Borges, qualificado também como
organizador do evento, que fala sobre os benefícios sociais que a legalização traria. Apesar
da presença de fala oficial e especializada, a cobertura não confere diálogo sobre a política
de drogas do país por não contemplar manifestações contrárias à proposta de
descriminalização.
45
Um ator citado no texto que não aparece como fonte é o jovem que cobria o rosto com uma
máscara e acendeu um baseado na frente do policial militar. A presença de uma
personagem, não identificada, bem como o ato transgressor que praticou, acaba dando ao
movimento um aspecto clandestino, que acarreta numa desqualificação do evento, bem
como sobre a sua organização. O título da reportagem afina-se com esta construção ao
destacar os jovens dentre os manifestantes presentes na manifestação: “Jovens marcha no
Recife pela liberação da maconha”.
A cobertura do jornal Folha de Pernambuco para esta mesma edição da Marcha de 2009 foi
publicada na página 6 da edição do dia 4 de maio, na editoria Grande Recife, com o título
“Coro para legalizar maconha”. A reportagem contou também com chamada de capa que é
acompanhada de foto e legenda.
46
na sociedade: “A autorização do consumo pode explorar centena de coisas, como a
elaboração de remédios e a arrecadação de impostos para investimento em saúde e
segurança”. A partir deste enquadramento, o jornal Folha de Pernambuco evidencia
também os benefícios sociais apontados pelo movimento como resultantes da regularização
do consumo de maconha no país.
Assim como na cobertura feita pelo Jornal do Comércio para esta mesma edição da
Marcha, a notícia publicada na Folha de Pernambuco registra, no segundo parágrafo, a
presença de manifestantes que consumiram maconha durante a caminhada, apesar de
orientação contrária por parte da organização do movimento: “Ele (Gilberto Borges)
chegou a solicitar (...) para que os manifestantes não consumissem a droga, de forma a não
serem vítimas de sanções legais. Não foi atendido. Diferentemente do que aconteceu na
edição do ano passado, muitas pessoas foram vistas fumando”.
47
Esta construção foi identificada também nos trechos em que a reportagem trata do
acompanhamento policial ocorrido no ato (“Policiais do 16º batalhão acompanharam o ato,
sem incidentes”.), bem como na menção à decisão judicial que permitiu a sua realização
(“A marcha só pode ser realizada no Recife graças à decisão do juiz da 2ª Vara Criminal
dos feitos Relativos à Entorpecentes, Alípio Carvalho Filho, que indeferiu a solicitação do
promotor José Correia de Araújo para suspensão do evento”). Com este tipo de construção,
observa-se que tanto a participação policial, quanto os procedimentos judiciais envolvidos
na realização do evento, deixam para segundo plano a discussão das propostas defendidas
pelo movimento.
Foi considerado como elemento que confronta o atual contexto de criminalização da planta
apenas a fala do educador Gilberto Borges, presente no primeiro parágrafo, que menciona o
uso medicinal da planta (“A autorização do consumo pode explorar centena de coisas,
como a elaboração de remédios”);
Foram identificados também nesta cobertura casos em que as fontes ligadas ao movimento
são desqualificadas. No primeiro parágrafo, o educador e organizador da Marcha, Gilberto
Borges, aborda os benefícios da legalização, para logo em seguida, aparecer desacreditado
no exercício de liderança do grupo: “Ele (Gilberto Borges) chegou a solicitar (...) para que
os manifestantes não consumissem a droga, de forma a não serem vítimas de sanções
legais. Não foi atendido.”.
48
Ao mesmo tempo, a construção feita pelo Jornal Folha de Pernambuco enquadra o
movimento também a partir da apresentação de um sujeito que não é identificado e que em
sua fala aborda de maneira profética, logo sem credibilidade, a barreira moral que permeia
a questão das drogas no país: “Só vou tirar a máscara no último capítulo desta novela.
Pernambuco está dando um exemplo de liberdade de expressão, mas a maior barreira, que é
a moral, é difícil de ser quebrada”. A partir dessa construção, a reportagem constrói uma
imagem reducionista dos ativistas, destacando-os a partir de uma prática política pouco
pragmática.
Dessa maneira, o enquadramento adotado pelo veículo pode ser considerado ambíguo, já
que, ao mesmo tempo em que oferece acesso às propostas feitas pelo movimento
antiproibicionista, irá construí-lo no texto como uma organização sem unidade e a partir de
elementos que reforçam o contexto de criminalização presente na legislação brasileira.
A marcha da Maconha realizada em Recife no dia 2 de maio de 2010 reuniu cerca de 800
pessoas que se manifestaram em defesa de reformas na política de drogas adotada pelo
Brasil, segundo dados da polícia militar. Durante o evento, um dos manifestantes foi detido
pela polícia por consumir um cigarro de maconha.
A cobertura feita pelo jornal Folha de Pernambuco para esta edição do evento foi capa da
editoria Grande Recife publicada no dia 3 de maio de 2010, com o título “Manifestante é
detido na Marcha da Maconha”. A matéria vem acompanhada de foto em que os
manifestantes aparecem sob uma névoa de fumaça, onde não se vê o rosto dos
manifestantes.
49
proposta que justifica a realização do ato, para apresentá-los sob uma construção comum às
páginas policiais. Esta perspectiva é corroborada pelo subtítulo: “Ele, que fumava um
cigarro da erva foi levado para a delegacia, onde foi registrado um TCO”.
Por outro lado, no terceiro parágrafo, a proposta de descriminalização feita pelo movimento
aparece no texto da cobertura também na forma de crítica aos danos sociais provocados
pelo proibicionismo, a partir da declaração do psicólogo Francisco do Nascimento Couto:
“O modelo de segurança pública aplicado no Brasil não consegue acabar com o tráfico. O
movimento defende justamente a legalização para que o comércio ilegal de drogas, que
gera a violência, acabe”.
Quanto à utilização das fontes, a cobertura da Folha de Pernambuco para esta edição da
marcha se limitou a ouvir dois dos organizadores do evento, ambos qualificados como
50
especialistas sobre o tema. Desse modo, sem ter sido contestada, a defesa pela
descriminalização da planta não chega a configurar o debate público a que se propõe.
Dentre os atores envolvidos, a cobertura destacou também a detenção do manifestante
durante o evento, que confere ao movimento aspectos de marginalidade.
Dessa maneira, o enquadramento construído pelo veículo revela uma postura ambígua do
veículo quanto a cobertura do evento aqui analisada, ora evidenciando os aspectos que
criminalizam o movimento, como no título e no subtítulo, ora revelando-se acessível ao
enquadramento de debate da legislação de drogas do país proposto pelo movimento social
antiproibicionista, que nesta análise estão sendo considerados como elementos que
confrontam o atual contexto de criminalização da planta.
A cobertura do Jornal do Comércio para esta edição da marcha foi publicada na edição do
dia 3 de maio na editoria Cidades, sob o título “Usuário é preso na marcha” e seguinte
subtítulo “Apesar da orientação dos organizadores e da proibição do secretário de Defesa
Social, Wilson Damázio, artesão foi flagrado com cinco gramas da erva”. Ao evidenciar a
prisão de um dos participantes, ambas construções apresentam o movimento a partir de uma
perspectiva criminalizada, reforçando o contexto atual da legislação brasileira que assim
considera os usuários de drogas.
51
Departamento de Repressão ao Narcotráfico (Denarc), no bairro da Boa Vista, onde ele
assinou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e foi liberado) e também
relatando as conseqüências do ato infrator praticado pelo artesão (“Edielson responderá a
processo em liberdade. A polícia o enquadrou no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, que
prevê penas alternativas para portador de drogas”).
Os manifestantes que aparecem como atores da notícia são assim definidos: “Na maioria
jovens, os participantes gritaram palavras de ordem como „Um, dois, quatro cinco mil,
queremos que a maconha legalize no Brasil‟. Na multidão, havia pelo menos cinco
crianças”. Com essa construção, o enquadramento adotado desqualifica o discurso do
movimento antiproibicionista tratando-os como jovens inconseqüentes. No segundo
parágrafo, ao destacar a pequena quantidade de participantes na marcha, o enquadramento
do Jornal do Comércio. Esta desqualificação aparece ainda como posição política do
veículo ao associar um vereador à uma perspectiva criminalizada do evento.
52
somente no último parágrafo, qualifica o discurso do movimento, além de mencionar
perspectivas que confrontam o contexto atual de criminalização da planta: “Para o
historiador Gilberto Borges, também integrante da comissão organizadora da marcha, é
preciso se discutir a descriminalização da maconha à luz da ciência. „A erva tem fins
terapêuticos e em vários países seu uso é permitido‟”.
A Marcha da Maconha que estava prevista para acontecer na cidade de São Paulo, no
Parque Ibirapuera, no dia 3 de Maio de 2009, foi proibida pela justiça do Estado sob
alegação de se constituir num ato de apologia ao crime. Ao invés da Marcha os
manifestantes realizaram um protesto por conta da proibição.
A cobertura da Folha de São Paulo para esta edição do evento foi publicada na editoria
Cotidiano do dia 4 de maio, com o título “Silêncio marca proibição da Marcha da
Maconha”. A reportagem vem acompanhada de duas fotos, uma referente ao protesto dos
ativistas paulistas, em que um jovem aparece com uma camisa amarrada na boca e um
cartaz que exibe “Marcha da Censurado”; a outra referente à realização da Marcha da
Maconha em Recife, em que aparece a logomarca da organização Marcha da Maconha.
Esta construção é reforçada ainda no título da notícia: “Silêncio marca proibição da Marcha
da Maconha”, em que a palavra silêncio é utilizada com duplo sentido, podendo tanto se
53
referir ao silenciamento do evento, quanto a pouca relevância obtida pelo protesto. Dessa
maneira o enquadramento construído pela Folha de São Paulo se limita a discutir questões
referentes à proibição do evento, evidenciando os manifestantes como sujeitos que
protestam em defesa da liberdade de expressão, sem discutir suas alegações ante a
proibição.
Quanto aos atores envolvidos, nesta cobertura, a reportagem ouviu apenas o cientista social
Marco Magri que aparece como fonte oficial, em meio ao relato das decisões judiciais que
impediram à realização do evento, para anunciar o adiamento da tentativa de realizar a
Marcha na cidade: “O cientista social Marco Magri, 23, membro do Coletivo Marcha da
Maconha, disse que a manifestação foi transferida para o dia 31.”. O sociólogo não é
ouvido quanto ao protesto que está sendo realizado ante a proibição do evento, de modo
que a sua fala aparece desvinculada das motivações do movimento antiproibicionista
realizar este ato, o que reforça a construção do veículo em representar o movimento a partir
da proibição da marcha, sem, no entanto, discutir as suas causas. Não foram identificadas
nesta cobertura estratégias utilizadas pelo movimento para confrontar o contexto atual de
criminalização da maconha.
A Marcha da Maconha prevista para acontecer em São Paulo no dia 23 de maio foi mais
uma vez proibida pela justiça, apesar de ter conquistado habeas corpus para a sua
realização, sob pena de prisão e processo por apologia ao crime para aqueles que
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participassem. Ainda assim, cerca de 300 ativistas, segundo dados da polícia militar,
realizaram um protesto no Parque Ibirapuera em defesa da liberdade de expressão que
denominaram Marcha da Mordaça.
A cobertura do jornal Folha de São Paulo para esta tentativa de realização da Marcha
contou com uma reportagem acompanhada de foto na editoria Cotidiano, com o título
“Vetada pela justiça, Marcha da Maconha vira Marcha da Mordaça”, e uma
fotorreportagem na editoria foco, ambas publicadas na edição do dia 24 de Maio de 2010.
O enquadramento construído pela Folha para esta edição da Marcha descreve a decisão
judicial que proibiu a realização da Marcha: “Segundo a decisão, os manifestantes não
poderiam se pronunciar em favor da legalização da erva, sob pena de serem presos e
processados por apologia ao crime”. Em seguida, o texto descreve também a ação policial
destacando que ela foi focada na apreensão dos materiais informativos apresentados pelos
ativistas: “A polícia militar exigiu ainda que todos os cartazes que continham desenhos da
folha da Cannabis e palavras de ordem como “Legalize Já” fossem escondidos”.
55
Dessa maneira a construção feita pelo veículo evidencia a guerra de opinião presenciada
pela reportagem durante o protesto. Outras faixas recolhidas serão mencionadas neste
sentido, como “Não fumo, não compro, não vendo e não condeno”. A partir dessa
construção destacamos a presença, ainda que implícita, de questionamentos do veículo
quanto a proibição da manifestação. Esta postura do veículo, foi identificada de maneira
ainda mais direta no terceiro parágrafo, dessa vez enfatizando uma ação que contraria à
bandeira de liberdade de expressão levantada pelos manifestantes, inclusive citando o artigo
constitucional que garante esse direito: “Camisetas do Coletivo Marcha da Maconha, que
têm um trecho do artigo 5º („ Todos põem reuni-se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independente de autorização), também tiveram de ser retiradas”.
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A proposta aparece também na reprodução das faixas que foram recolhidas pelos policiais
durante o ato de protesto: “Legalize já”, “Não fumo, não compro não vendo, não condeno”.
A partir desta abordagem, a Folha de São Paulo, sem se manifestar quanto à realização do
evento, contempla o movimento antiproibicionista como um representante de um segmento
da sociedade.
Por outro lado, ao enquadrar o movimento a partir das ocorrências policiais do evento e
concentrar-se no questionamento da proibição, a notícia da Folha deixa de contemplar as
estratégias utilizadas pelo grupo para confrontar o atual contexto de criminalização da
planta. Ao relegar o discurso dos ativistas à reprodução das mensagens exibidas nos
cartazes, bem como a ausência de fontes que venha a contrapor a proposta de
descriminalização, descaracterizam a existência de debate sobre a proposta de revisão da
política de drogas do país.
A primeira edição da Marcha da Maconha na cidade do Rio de Janeiro foi realizada no dia
9 de maio de 2009. A manifestação contou com cerca de mil ativistas que foram às ruas
pedir a descriminalização da Cannabis Sativa. O grande destaque do evento foi a presença
do então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. A polícia local acompanhou a
caminhada.
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5.7 A MARCHA DAS MÁSCARAS
Ainda no lead, a proposta de descriminalização defendida pelo grupo aparece pela primeira
vez no texto associada à figura do pichador que foi preso durante o ato: “Um dos
participantes da passeata foi preso pela polícia ao ser flagrado pichando um poste com
palavras de ordem sobre a legalização da droga.” Dessa maneira, a apresentação da
descriminalização nos remete diretamente ao terceiro elemento de análise deste trabalho,
que trata dos elementos que reforçam o contexto de criminalização da planta. Ao enfocar a
contravenção de um ativista, a cobertura deixa de apresentar no lead o motivo (o porquê) de
reunião deste grupo social.
Ao mesmo tempo, a construção feita pelo O Globo revela uma postura ambígua do veículo
58
ao apresentar a proposta de descriminalização a partir de suas positivações. Como na fala
do então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que questiona justamente a
estigmatização dos defensores da legalização: “A sociedade é muito conservadora(...) Mas
a consciência está mudando. Oito ministros apóiam o movimento de legalização.Só que
muita gente tem medo de receber um carimbo, de ficar estigmatizado”. O então ministro
ainda retoma a proposta, em mais uma declaração no fim do parágrafo: “Não estou aqui
estimulando o tráfico, mas sou a favor de uma outra política para tratar do assunto”, que
caracteriza o enquadramento de O Globo pelo reconhecimento do movimento social, ao dar
espaço a sua busca de diálogo com a sociedade.
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caminho para lidar com esse tema. Fuma quem quer. O Álcool é uma droga ainda mais
destrutiva e é vendido em tudo quanto é lugar”.
Dentre as fontes presentes no texto, todas elas se manifestam à favor da proposta defendida
pelo movimento antiproibicionista. A fala do ministro Carlos Minc, que aparece já no
segundo parágrafo da matéria, confere credibilidade a proposta do movimento, além de
representar uma fala oficial. A fala do estudante Pedro Alvarez, apesar de não ser
especializada, revela a acessibilidade da notícia quanto as propostas defendidas pelo
movimento. Somente a fala de um dos organizadores da passeata, o sociólogo Renato
Cinco, que aborda a orientação do movimento para que os manifestantes não fumem,
encontra-se situada dentro do contexto de criminalização da planta, ainda que ressalte a
postura de diálogo do movimento: “Acho importante ninguém fumar. A gente está aqui
para pedir uma mudança da lei e não para afrontar à sociedade”.
Dessa maneira, o enquadramento adotado pelo jornal O Globo revela uma postura ambígua
do veículo: ao mesmo tempo que apresenta a proposta de descriminalização associada a
uma ocorrência policial, também constrói a imagem do movimento a partir da fala de
especialistas que apresentam elementos de confronto a criminalização da planta, ressalta a
adesão popular obtida pelo movimento, bem como caracteriza o grupo social a partir da sua
postura de diálogo com a sociedade.
Apesar de não se tratar de uma análise comparativa, as sete matérias selecionadas por este
estudo de caso constataram a presença de particularidades entre as construções dos veículos
de acordo com a cidade onde o evento foi realizado. Nos casos dos jornais nordestinos, o
enquadramento adotado pelo Jornal do Comércio e Folha de Pernambuco evidencia um
aspecto de consolidação da edição da Marcha realizada em Recife, de modo que os veículos
possuem um repertório similar para lidar com o evento social. Já em Salvador os
enquadramentos produzidos pelos veículos são bastante distintos, se considerarmos, por
exemplo, o título da notícia publicada por cada um deles. O A Tarde evidencia a pequena
60
participação popular e o Correio a proposta de descriminalização feita pelo movimento.
Ambas as produções, apesar de distintas, revelam uma abordagem em comum ao tratar o
movimento social antiproibicionista com certo distanciamento no âmbito da representação
social, em que o evento social Marcha da Maconha é apresentado pela sua baixa
popularidade, como identificado na cobertura de A Tarde, ou a partir de apropriações
estereotipadas dos ativistas, como identificado na cobertura do Correio.
61
As abordagens que enquadram o movimento a partir do contexto atual de criminalização
aparecem de também de maneira explícita em algumas das coberturas analisadas, casos em
que a notícia registra, por exemplo, os procedimentos policiais realizados durante a edição
do evento, de modo a considerar os manifestantes como potenciais criminosos. Ainda a
partir da criminalização foi identificada na cobertura de O Globo uma abordagem que a
proposta de descriminalização aparece no lead associada à figura do usuário como
contraventor. Estas perspectivas aparecem de maneira evidenciada nas coberturas
produzidas pelo Jornal do Comércio, Folha de Pernambuco e Jornal A Tarde.
Estes elementos que reforçam a criminalização dos usuários foram também identificados
nas coberturas em construções textuais sutis, como na notícia publicada por A Tarde para a
Marcha realizada em Salvador no ano de 2009, no trecho em que destaca a orientação
difundida pelo movimento para “não fumar para não queimar o movimento”. Ainda que
apareça como orientação que confere organização ao movimento, a construção ainda trata o
consumo da planta de forma negativa. Outra construção que caracteriza a presença desta
perspectiva nas coberturas foi identificada na cobertura do Jornal do Comércio para a
edição da Marcha no ano de 2009 em Recife, em que o veículo critica a complacência dos
policiais com os manifestantes que estavam fumando durante o evento: “Quinze policiais
militares, sendo sete do serviço reservado, acompanharam a passeata, mas não impediram
que a erva fosse consumida, embora o Capitão Kennedy Guerra do 16º batalhão tenha
assegurado que a orientação era prender quem fosse pegando fumando ou vendendo o
entorpecente”.
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impedindo o fluxo que permitiria que elas fossem confrontadas e revertidas em soluções
práticas para a sociedade.
63
6. CONCLUSÃO
Para ampliar a compreensão sobre o panorama atual deste debate, esta pesquisa incluiu na
sua composição um breve e histórico e apresentação das propostas levantadas pelos
movimentos sociais antiproibicionistas, diretamente ligados a defesa de políticas
alternativas sobre o uso de drogas. O evento social realizado anualmente por este grupo em
diversas capitais do mundo e reunido no Brasil sob a denominação Marcha da Maconha foi
então escolhido como fenômeno midiático a ser estudado a partir das construções feitas
pelos veículos que circulam em quatro capitais do país.
A partir dessa análise concluímos que a cobertura da mídia impressa brasileira enquadra
sob uma perspectiva reducionista os movimentos sociais antiproibicionistas organizados no
país. O enquadramento predominante, dentre os analisados por este trabalho, apresenta os
manifestantes a partir de uma perspectiva marginal, em que o consumo da planta,
majoritariamente, aparece criminalizado, associado a práticas de contravenção. A
abordagem feita pela mídia impressa brasileira não enquadra a organização Marcha da
Maconha a partir das perspectivas comumente adotadas para tratar de outros movimentos
sociais, em que fica evidenciado um notável distanciamento com relação às propostas
sociais apresentadas pelo grupo.
O estudo de caso aqui descrito concluiu também que a cobertura midiática analisada se
limita ouvir as falas de especialistas ligados a organização do movimento que apontam para
perspectivas positivas advindas da regularização do consumo de maconha no país. A partir
64
dessa abordagem, os veículos não contemplam a manifestação de opiniões contrárias a
proposta, deixando de promover o debate público, no plano das fontes, sobre propostas
alternativas de tratar o consumo de drogas.
Por não promover o debate público sobre o tema, as coberturas se omitem quanto às
questões de interesse público sobre a reforma das políticas de drogas, que já vem sendo
desenvolvidas nos fóruns especializados sobre o assunto, como os trabalhos conduzidos
para a reformulação e regulamentação da Lei 11.343, que rege a política de drogas do país.
Esta, mesmo tendo relação direta com a proposta dos movimentos antiproibicionistas, não
foi mencionada em nenhuma das coberturas analisadas. A cobertura midiática desconsidera,
assim, os posicionamentos políticos do grupo como organização civil, em especial no que
se refere à participação no debate sobre as reformas na legislação de drogas do país. Esta
desqualificação do discurso se torna ainda mais notável se considerarmos a perspectiva de
criminalização adotada nas coberturas quando enquadra o movimento a partir da sua
marginalização, quando define os manifestantes como contraventores ou viciados e quando
destaca a baixa popularidade obtida pela proposta.
A cobertura midiática aqui analisada não reconhece a existência de uma cultura do usuário
de maconha, como apontam os estudos de Howard Becker (1999) na aplicação da teoria do
desvio. O evento social marcha da maconha é interpretado pela mídia impressa brasileira de
modo distanciado de uma ótica particular do usuário de maconha, limitando-se assim ao
repertório comum estabelecido, em que o consumo da maconha aparece associado à prática
do crime ou a dependência química. Ainda que tenham sido identificadas menções a
diversidade de usos da planta, bem como ao preconceito social que gerou a proibição,
nenhum dos veículos teve o discurso dos ativistas como referência para enquadrar a
realização da Marcha.
Esperamos, com este trabalho, ter fornecido também uma contribuição acadêmica aos
estudos comunicativos no que tange a aplicação da teoria do enquadramento como
ferramenta de compreensão do processo de produção das coberturas midiáticas. A partir das
conclusões obtidas por este estudo de caso, revela-se a produtividade desta teoria como
65
ferramenta de análise. Centrada na identificação e análise das abordagens construídas pelos
veículos, a análise do enquadramento se revelou uma ferramenta indispensável na
ampliação da compreensão das produções midiáticas no que tange o levantamento de
questões referentes ao interesse público. Ao confrontar a construção feita pelas diversas
coberturas com discussões teóricas atuais sobre as reformas das políticas de drogas,
esperamos ter estabelecido um elo que permita ao jornalismo dialogar diretamente com as
mudanças sociais de seu próprio tempo.
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REFERÊNCIAS
BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. São Paulo: Zahar, 1991.
GUTMANN, Juliana Freire. Quadros narrativos pautados pela mídia: framing como
segundo nível de agenda-setting?. Revista Contemporânea, Vol.4, n 1. Junho de 2006.
HENMAN, Anthony & PESSOA JR., Osvaldo. (Orgs.). Diamba sarabamba: coletânea
de textos brasileiros sobre a maconha. São Paulo: Ground, 1986.
67
LABATE et al. (orgs.). Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: Edufba, 2008.
MACRAE, Edward & SIMÕES, Júlio Assis. Rodas de Fumo – O Uso da Maconha Entre
Camadas Médias Urbanas. Coleção Drogas: Clínica e Cultura. Salvador: EDUFBA,
2000.
PORTO, M., VASCONCELOS, R.F. & BASTOS, B.B. A televisão e o primeiro turno
das eleições presidenciais de 2002: análise do Jornal Nacional e do horário eleitoral. 4º
Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política. PUC. Rio de Janeiro,
2004.
68
SOARES, Murilo César. Análise de Enquadramento. In: Métodos e Técnicas de
Pesquisa em Comunicação. org. DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Editora Atlas. São
Paulo, 2006
69
ANEXO
70