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FRONTEIRAS DA EDUCAGAO ‘Camila Guimarios riscill C fiantee trangeilo que aparece “to 20 lado, tinha apenas 6 ‘ nside- sun vida, No 12 neu quando de- cle ago aprendew 15 coleguinhas, avec num colégio classe média 14s mi noticia e fui ntada na calada, Nao a diz ela. Seu pai também no se conformou com o diagnéstico da escola para justificar 0 fracasso da filha: dislexia, Foi procurar ajuda em outro colegio, o Vertice, um dos mais puxados do pais, que a acolheu. Com a ajuda de uma professora, Priscilla trabalhou duro ¢,em um més, jf lia e escrevia,Perfeita- mente? Nao. As dificuldades e 0 embara- ¢0 causados pela alfabetizacao desastro- sa acompanharam Priscilla pelo resto daquele ano e por todos 0s outros, até o ensino médio. Nunca foi boa aluna de Portugués. No resto, ia melhor. Seu ren- dimento, no gera, ficava entre 55% ¢ 65%. “Minha vida de estudante era as- sim: estudava para tirar 10, mas conse- guia 6. Muitas vezes fiquei abaixo da média e tive de me recuperar”, diz. Tirar uma nota 6 na prova pode ser suficiente para muitos. Outros podem nao achar bom, mas se conformam, Para Priscilla, que desde pequena queria ser médica, sempre foi uma frustragZo. A 9 desistria. Ela sempre voltava para livros para tentar entender o que erra- sara fazer melhor da préxima vez. sta Parle, enn ery eae es aur at " §besi me entregar’ tristeza eme confor: ‘mar toda vez que tirava uma nota ruim, ou batalhar para conseguir realizar meu sonho de ser médica” 581 €roeA1 2164 ovutode 20% (Quem resume bem a escolha de Pris- illa ¢ 0 diretor do Vértice, Adilson Gar- cia:“A garota é uma guerreira” Ela nun- camais epetiu oano. Nem sequer pegou recuperacio. Passou no vestibular e est no tiltimo ano de medicina, Faz estagio num grande hospital de Sao Paulo, das 6 a5 16 horas, ainda tem mais um pe- tiodo de estudos a noite, em casa, As amigas vio visité-la no hospital. No final do ano, Priscilla prestard a prova para residéncia de anestesia. Ba segunda modalidade mais concorrida, com 70 candidatos por vaga (s6 perde para der. matologia ¢ empata com radiologia), Pergunto a ela se acha que conseguird, 2 unedntae ayreny a LILI hs At WA wins, a PATS RELIED greene swthnsa ay aside 2 24, 7 Os wes DD IE Wha Ih. 188 SOTA EM ap ON ff FRONTEIRAS DA EDUCAGAO ONS ene) io Coe Ey Cruces) re ra peters! atributo Cine rear Pers eee See) oad Caer 801 €P00K121decunody 2010 ‘raga (perseguir uma meta, ser disciplinado e resilient), autocontrole (nao ceder a impulsos, como ligara TV na hora de estudar), extroversio (no ficar apenas no campo das ideias, con. seguir realizar o que planeja), curiosida- de (estar aberto aos erros, sem medo de assumir riscos), protagonismo (acreditar que, com esforgo,é possivel mudar o que est ruim) e cooperagao (habilidade de trabalhar em equipe). Essa lista foi montada Pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), entidade que hi dois anos trabalha em parceria com a Organizagao para a Cooperacio e De- senvolvimento Econémico (OCDE), responsivel pelo principal indice de qua- lidade na educagio internacional, Pisa, Juntos criaram uma prova para medit tas habilidades. Ela foi aplicada em lar- ga escala pela primeira vez no mundo em 55 mil estudantes da rede piiblica de ensino do Rio de Janeiro, no inicio de outubro. “Teremos um time de especia- listas internacionais para ajudar a avaliar os resultados’, diz Tatiana Filgueiras, responsdvel pela drea de avaliagao do IAS.A prova serd usada pela OCDE para avaliar estudantes de outros paises. “Todo mundo sabe que saber fazer con- tas e interpretar textos é importante’, afirma Koji Miyamoto, diretor do Centro de Inovacio em Educagao da OCDE. “Mas, sem essas caracteristicas, nao ha como garantir que os alunos de hoje te- Ho sucesso no futuro” Vestibulares e avaliagoes de sistemas deensino,no Brasil eno mundo,medem a capacidade intelectual do aluno. Suas notas sao usadas como critério quase exclusivo para definir quem é bom. Isso fortaleceu a ideia de que um aluno bem preparado para a faculdade e para a car- reira é aquele que acumulou conheci- mento. Mas cresce uma sensagio inc6- modaentreeducadoresenos responsiveis pela contratagao de jovens recém-forma- dos: falta alguma coisa, mesmo naqueles alunos preparados intelectualmente. “Eles chegam ao mercado de trabalho sem algumas caracteristicas crucias, como capacidade de assumir riscos,ter- minar uma tarefa, conseguir concretizar uma ideia’, afirma Mariciane Gemin, presidente da Asap, empresa especializa- da em recrutar jovens profissionais € trainces para grandes empresas. 1Wanos|Estudante ‘Aos 14 ela entrou Para um programa de jovens talentos de baixarenda Por ter atributos ‘como resiliéncia e autocontrole, Sem eles, no teria terminado @ensino médio num dos colégios mais concorridos de Sao Paulonem entrado na faculdade de Direitoda USP Esse tipo de lacuna na formagio do jovem pode comprometer a continui. dade dos estudos, ndo importa quio inteligente ele seja. Fundado em 1999, o Ismart é um instituto que recruta bons alunos da rede publica e financia seus estudos em escolas particulares de alto nivel, até a faculdade. Para selecionar esses bolsistas,avaliavam sua capacida~ intelectual. “Percebemos que apenas isso ndo bastava para manter 0 aluno no rograma’,afirma Maria Amélia Sallum, presidente do Ismart. O programa de estudos é puxado. Se 0 aluno nao tem motivacdo ¢ ndo consegue superar si tuacoes complicadas, a desisténcia é quase certa. “Na prova de selecao, pas- samos aavaliar também o potencial dos candidatos para desenvolver essas carac- teristicas”, diz Inés Boaventura, psicdlo- ga responsivel pela selecio do Ismart. ‘Uma equipe ajudaa desenvolveras boas caracteristicas de personalidade entre os. aprovados. Juliana Miranda, de 18 anos, foi selecionada quando estava no 8°ano. Era boa aluna, mas nao tinha o habito de estudar em casa. “Nao precisava, con- seguia ir bem s6 acompanhando as au- las’, diz, Sua rotina mudou drastica- mente com o programa. Pela manha, assistia a aulas no Colégio Santo Am rico, um dos mais concorridos de Sio Paulo, para climinar defasagens de aprendizado antes de entrar no ensino médio. A tarde, ia 4 escola regular, per- to de sua casa, no bairro do Capao Re- dondo, periferia de Sio Paulo (a uma hora e meia de 6nibus do Santo Améri- co). Como passou a ser cobrada mais do que estava acostumada, Juliana co- megoua estudar em casa, noite. Quan- do entrou para o ensino médio, no San- to Américo, suas notas sofreram um. baque. Ela estava habituada a fazer pro- vas com consulta e com professores menos exigentes. “Consegui recuperar, mas isso exigiu de mim um esforgo a que eu nio estava acostumada.” Nos seis anos como bolsista, Juliana poderia ter desistido 1 milhdo de vezes. Foi adiante eesti no primeiro ano na Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo. Osatributos do carster de Juliana que a ajudaram a chegar a faculdade sao universais. Pesquisas fornecem evidén- cias de sua influéncia. A mais famosa delas, do economista americano James Heckman, Prémio Nobel em 2000, en- yolveu alunos de uma escola de ensino médio, Havia trés grupos: os que fica- ram na escola até o final ese formaram; os que abandonaram a escola, mas fiz ram um curso para recuperar defasa- gens e conseguiram passar na prova de equivaléncia do colégio e ganhar um diploma; e aqueles que abandonaram ¢ no se formaram. Todos foram acom- panhados até a vida adulta. Heckman. descobriu que, apesar de os alunos dos dois primeiros grupos terem um diplo- ma na mao, 0s adultos que fizeram a prova de equivaléncia ~ e nao frequen- taram a escola — ganhavam menos ¢ > Protagonismo prey eee Cerrar’ a ect eee eee ea Peers uma ou outra Peet) ean) Pee Neon) Perec ed eer ney inatas. O que acontece r Peer tc errata See Perce Cee Red eres ae ser estimuladas, eM ese aed merry vid eat pee eo) Maced Cimon een Cos Peer eee ee cae eit eae’ ae ate) etc ‘921900417140 ousiode 20 u I FRONTEIRAS DA EDUCAGAO estavam mais desempregados.A conclu: sto & que, denteo da escola, aconteceu alguma coisa que nao tem nada a ver coma capacidade intelectual de conse guir um diploma. Os alunos que a fre uentaram aprenderam algo mais, A descoberta de Heckman nao s6 6 © ponto de partida pa que relacion s pesquisas as taishabilidades nao cognitivas” ao desempenho, Mas tam- bbém para a ideia cada vex maiscon de que personalidade pode ser apren- dlida na sala de aula. “O aprendizado acontece coma costura de fatores cog- nitivos e outros fatores: como nos sen- timos, quais as nossas erengas, 0 que nos motiva, como interagimos com outras pessoas’, afirma Camille Far- rington, da faculdade de educagio da Universidade de Chicago e pesquisado- ra de cons6rcio entre a faculdade ea rede de escolas publica do Estado para aproximar as pesquisas académicas da sala de aula, Camille e seus colegas fo- ram olhar as pesquisas mais recentes sobre assunto e montaram um mo- delo de como esses fatores podem ser moldados em sala de aula, Concluiram que isso acontece de trés formas. Pri- meiro, alguns fatores podem ser expli- citamente ensinados. Os estudantes podem aprender estratégias de como administrar seu tempo e organizar 0 trabalho escolar. Um segundo jeito 60 professor estabelecer expectativas clara, sobre o que ele espera do aluno, acom- panhar de perto a tarefa cumprida e ajudar sempre que houver necessidade Terceiro, os professores podem criar ambientes em que o aluno se sinta ca- paz de aprender e acredite que € capaz. “Se tiverem esse tipo de comportamen- to em relacio aos estudos e esse tipo de mentalidade, os alunos podem apren- der como se comportar de forma per- severante ou resiliente’, afirma Camille. Foi na escola que Adriano Lima, de 24 anos, aprendeu a encarar de forma diferente sua jornada académica. Filho de pais que nao estudaram e morador de uma das regides mais pobres da pe- riferia de So Paulo, ele poderia ter se entregado, como a maioria de seus co- legas de classe, ao preconceito segundo ‘© qual nao importa o esforgo que fara, sua origem o impediria de ir adiante. Sua escola, no Jardim Angela, participa- vade um programa do IAS. Foi propos- toum projeto: Adriano e alguns colegas reformariam a drea verde da escola. Fa- zet parte de algo, trabalhar em equipe a0s poucos transformaram o jeito timi- do e desconfiado de Adriano, Nao de morou para ele passar a ser visto como lider do grupo. Foi escolhido para repre- sentar 0 projeto em encontros estaduais enacionais, onde orientava outros estu- dantes do programa. “Quando percebi que passei a ser exemplo para meninos mais novos do queeu, minha percep¢ao do que sou capaz de fazer mudou’ diz. Adriano quis fazer faculdade e se for- mou em administragao. Quis fazer nn nN A poe pealayaN weld weabanda o camse Neate an, ate traballhar nina tande jompreaa de seguir ane fizera tne es {aj quando era mas joven, Fab con (rata come analista, Me esti onde Dplanelow eatar, De put turrna di esec cetea de caleyas,apenay elnce entra van tat faculeade " Hizeran pos gradiayae, Cavs como ode Adriana sto ok los. Hons professores « boas excolas saben hit écaday que esses tragos de personalidad ajudam a formar jovens inutls competentes e felizes, O dessafio attal & orgunizar esse tipo de ensino, A escola estadial de ensino médio Chico Anysio, no Rio de huneiro, é pioneira nisso, Criada neste ano, atende aalunos do 18 ano do ensino médio em tempo integral, Unia vez por ano, os professo- te lunos nas seguintes ha- SIE UELe} bilidades: energia, garra, autocontrole, uk) otimismo, gratia, inteligencia social ¢ curiosidade, Quando estive li, em se- tembro, via professora de quimica sen- tada com um grupo de alunos no patio, conversando sobre dificuldades na hora deestudar Uma das estudantes no con- seguia chegar em casa, depois de passar cooperative, o dia na escola (a saida 6s 17 horas) ¢ peal ais trés horas dentro de um Onibus, fazer ligio. Estava_cansada demas Orientada pela professora, tragou um plano: adiantara ligio de casa na escola. Se deu certo ou nao, elas descobririam San nna semana seguinte e, se fosse 0 caso, adritern quan pensariam numa nova estratégia. p arecios Ha algumas ressalvas a essa aborda- gem. Primeiro, educadores se preocu- wna ert 24anos! Analista, pam se paises como 0 Brasil, onde as ea escolas ptiblicas no conseguem nem erty ioeaoe do uma ee ensinar portugués e matemética, tém resin mais pobre condigdes de cobrar que os professores Sprendeuna escola também ensinem os bons tracos de per- ‘que conquistar seus sonalidade, Outros educadores criticam objetivos depende de aideia de medir personalidade. “E ingé- een esforco. Fez faculdade nuo acreditar que uma prova traré evi- oer cy de administragdo déncias cientificas”, diz Teresa Rego, da noensino 2 pds-graduagao. faculdade de educagao de Sao Paulo. Mas Liable Trabalha numa grande pore eal compreender o poder dessas habilidades | Serememae pode dar instrumentos para melhorar 0 iailepteg ensino nas escolas particulares e pal par aine cas. E talvez até melhorar as notas de ec portugués © matemética. Como com- ne prova 0 exemplo dos bons alunos, nin- guém tira nota alta sem ter curiosidade, protagonismo e persisténcia, .

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