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Colegto Estudos Dirigida por J. Guinsburg Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet —— MITO E TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA y ioe b Equipe de reslizaglo - Revisto Técnica: Luiz Alberto Machado Cabval; Tradusto: ‘Anna Lia A. de Almeida Prado, Filomena Yoshie Plata Garcia @ Maria da Cowes NY go M. Cavaloante (até Cap. 7) e Bertha Halpem Gurovitz © Helio Gurovite @o | SY conn penspecriva Sip # crm diante, Sobrecapa: Adtiann Garcia, Produpt Ricard W. Neves, Flada | Maria Lopes © Raquel Fernandes Abranches Zi 2. Tens6es e Ambigitidades na Tragédia Grega* Que contribuigao a sociologia e a psicologia podem trazer a inter pretagio da tragédia grega?** Nao poderiam, bem entendido, substi- tuir os métodos tradicionais de andlises filolégicas e historicas. Devem apoiar-se, ao contrario, no trabalho de erudiga0 empreendido desde muito pelos especialistas. Dao, porém, uma nova dimensio aos estu- dos gregos. Ao procurar situar com exatiddo o fendmeno trégico na vida social da Grécia e ao marcar seu lugar na hist6ria psicolégica do homem do Ocidente, focalizam problemas que os helenistas s6 encon- traram incidentalmente e s6 abordaram de modo superficial. Gostarfamos de evocar alguns desses problemas. A tragédia surge na Grécia no fim do século VI. Antes mesmo que se passassem cem anos, © veio tragico se tinha esgotado e, quando no século IV, na Poé- tica, procura estabelecer-the a teoria, Arist6teles no mais compreen- de © que € 0 homem tragico que, por assim dizer, se tornara estranho Para ele. Sucedendo a epopéia © & poesia lirica, apagando-se no mo- mento em que a filosofia triunfa', a tragédia, enquanto género literario, + Tradugio de Anna Lia A. de Almeida Prado. ++ A primeira versio deste texto foi publicada em inglés: “Tensions and Ambiguities in Greek Tragedy”, Interpretation: Theory and Practice, Baltimore, 1969, pp. 105-121 ‘Sobre o carter fundamentalmente antitrigico da filosofia platOnica, cf. Victor Goldschmidt, “Le Probleme de la tragédie d'apres Platon”, Questions platoniciennes, Paris, 1970, pp. 103-140, Como escreve o autor (p. 136): "“A "imoralidade’ dos poctas rio basta para explicar a hostilidade profunda de Platio para com a tagédia. Pelo simples fato de que a tragédia representa ‘uma aslo e a vida’, ela € contréria A verda- 4c". Contriria A verdade filosdfica, bem entendido. E talvez também a essa 1ogica filoséfica em que, deatre duas proposigoes contraditérias, se uma é verdadeira, a outra necessariamente ¢ alsa, Sob esse ponto de vista, o-homem trigico aparece como soli- 5 MITO E-TRAGEDIA NA GRECIA ANTI aparece como a expresso de um tipo particular de experiéneia huma ha, ligada a condigdes sociais ¢ psicolgicas definidas. Esse aspecto de momento hist6rico, localizado com precisao no espago € no tempo. ‘sde método na interpretagao das obras tragicas. Cada Gastitui uma mensagem encerrada num texto, inscrita nas estr- ‘de um discurso que, em todos os niveis, deve constituir 0 objeto Ue anilises filolGgicas, estilisticas e literdrias adequadas. Mas esse tex fo nto pode ser compreendido plenamente sem que se leve em conta tim contexto. E em fungiio deste contexto que se estabelece a comuni cago entre 0 autor € seu piblico do século Ve que a obra pode reen- Contrar, para o leitor de hoje, sua plena autenticidade © todo seu peso de significagoes. Mas 0 que entendemos por contexto? situaremos? Como veremos suas relagdes com 0 texto? Trata nossa opiniao, de um contexto mental, de um universo humano de sig nifieagdes que €, consequlentemente, homélogo a0 proprio texto ao qual O referimos: conjunto de instrumentos verbais e intclectuais, catezo- fias de pensamentos, tipos de raciocinios, sistemas de representages, Ge crengas, de valores, formas de sensibilidade, modalidade de agao € do agente. A esse propésito, poder-sc-ia falar de um mundo espiritual proprio dos gregos do século V, se a formula nio comportasse um gra Ve risco de erro. Ela, com efeito, faz supor que existiria em algum ugar um dominio espiritual jé constituido e que a tragédia apenas teria gue apresentar, a sua maneira, um reflexo dele, Ora, nio hd universo Spiritual existente em si, fora das diversas préticas que o homem de- Sehvolve ¢ renova continuamente no campo da vida social e da criagso Cultural, Cada tipo de instituiglo, cada categoria de obra possui seu proprio universo espiritual que € preciso elaborar para que se constitua bm diseiplina auténoma, em atividade especializada, correspondente & um dominio particular da experiéncia humana. ‘Assim, 0 universo espiritual da religido esta plenamente presente nos ritos, nos mitos, nas representagoes figuradas do divino; quando se edifica 0 direito no mundo grego, ele toma sucessivamente o aspecto Ge instituigoes sociais, de comportamentos humanos e de categorias mentais que definem o espfrito juridico, por oposigao a outras formas de pensamento, em particular as religiosas. Assim, também com a ci- impoe certas regi m que plano da realidade 0 dério com uma outta légica que ni estabelece um corte tio nitido entre o verdadeiro © © false: I6gica eos retores, Logica sofistica que, na propria época em que floresce a tragédia, ainda concede um lugar A ambiguidade. pois, sobre as quesides que exami inio procura demonstrar a validade absoluta de uma tese, mas construir dissot logot, Uiscursos duplos que, em sua oposigao, lutam entre si sem se destruir mutuamente, ‘cada uma das argumentages contrérias podendo vencer a outra gragas ao sofista © forga de seu verbo. Cf, Marcel Deticnne, Les Mattres de vérité dans la Gréce archatque, Paris, Frangois Maspero, 1967, pp. 119-124, TENSOES E AMBIGUIDADES NA TRAGEDIA GREGA, ° dade, desenvolve-se um sistema de instituigdes e de comportamentos, um pensamento propriamente politico. Ainda ai é nitido o contrast com as antigas formas miticas de poder e de ago social que a polis substituiu juntamente com as priticas e a mentalidade que Ihes eram solidérias. Nao € diferente 0 que se da com a tragédia. Fla nfo poderia refletir uma realidade que, de alguma forma, the fosse estranha. E cla propria quem elabora seu mundo espiritual. S6 hé visio e objetos pliis- ticos na pintura e pela pintura. A prépr desenvolve-se com a tragédia. E exprimindo- 1a de um géne- ro literdrio original que se constituem pensamento, o mundo, o ho- mem tragicos. Entio, utilizando uma compar: ial, poderfamos dizer que co contexto, no sentido em que o entendemos, nao se situa ao lado das obras, & margem da tragédia; esti ndo tanto justaposto ao texto quanto subjacente a ele. Mais que um contexto, constitui um subtext que uma. leitura erudita deve decifrar na propria espessura da obra por um duplo. movimento, uma caminhada alternada de idas e vindas. F preciso, em primeiro lugar, situar a obra, alargando © campo da pesquisa ao con- junto das condigdes sociais ¢ espirituais que provocaram a aparigiio da consciéncia tragica. Mas € preciso, em seguida, concentré-lo exclusi- vamente na tragédia, nisto que constitui sua vocagao prépria: suas for- mas, seu objeto, seus problemas especificos. Com efeito, nenhuma re- ferencia a outros dominios da vida social — religio, direito, politica, ética — poderia ser pertinente, se também nio se mostrar como, assimi- lando um elemento emprestado para integré-lo & sua perspectiva, a tragédia o submeteu a uma verdadeira transmutagio. Tomemos um. exemplo: a presenga quase obsessiva de um vocabulrio técnico do dircito na lingua dos Tragicos, sua predilecao pelos temas de crime de sangue sujeitos 4 competéncia de tal ou tal tribunal, a prépria forma de julgamento que é dada a certas pegas exigem que o historiador da lite- ratura, se quer apreender os valores exatos dos termos e todas implica- des do drama, saia de sua especialidade e se torne historiador do di- Feito grego. Mas, no pensamento jurfdico ele nao encontrar luz capaz de iluminar diretamente 0 texto tragico como se este fosse apenas um decalque daquele. Para o intérprete, trata-se apenas de algo prévio que finalmente deve lev4-lo de volta a tragédia e ao seu mundo a fim de explorar-Ihe certas dimensbes que, sem esse desvio pelo terreno do direito, ficariam dissimuladas na espessura do texto. Nenhuma tragé- dia, com efeito, € um debate juridico, nem o direito comporta em si mesmo algo de tragico. As palavras, as nogbes, os esquemas de pensa- mento so utilizados pelos poetas de forma bem diferente da utilizada no tribunal ou pelos oradores. Fora de seu contexto téenico, de certa forma eles mudam de fungao ¢, na obra dos Tragicos, misturados e ‘opostos a outros, vieram a ser elementos de uma confrontacao geral de 10 MITO E-TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA valores, de um questionamento de todas as normas, em vista de uma pesquisa que nada mais proprio homem: que ser é sua base no ‘dia qualifica de deinds, mons- tro incompreensivel e desnorteant po, vés de seu espirito industrioso, mas incapaz de governar-se a si mes- mo? Quais so as relagdes desse homem com os atos sobre os qu vemos deliber nle € paciente ao mesmo tem- ipado e inocente, luicido e cego, senhor de toda a natureza atra- em cena, cuja iniciativa e responsabilidade ele assu- fl to, quanto 0 ato que, me, mas cujo sentido verdadeiro ultrapassa © a ele escapa, de sorte que nao € tanto o agente que explica o revelando imediatamente sua significagao auténtica, volta-se contra o agente, descobre quem ele € e o que ele realmente fez sem o saber? Qual é, enfim, o lugar desse homem num universo social, natural, divi- no, ambiguo, dilacerado por contradigdes, onde nenhuma regra apare- ce como definitivamente estabelecida, onde um deus luta contra um deus, um direito contra um direito, onde a justiga, no proprio decorrer da aco se desloca, gira sobre si mesma e se transforma em seu con- trario? ‘A tragédia nao é apenas uma forma de arte, € uma instituigdo so- cial que, pela fundagao dos concursos tragicos, a cidade coloca ao lado de seus Grgaos politicos ¢ judicidrios. Instaurando sob a autoridade do arconte eponimo, no mesmo espaco urbano e segundo as mesmas nor- ‘mas institucionais que regem as assembléias ou os tribunais populares, um espeticulo aberto a todos os cidadaos, dirigido, desempenhado, julgado por representantes qualificados das diversas tribos, a cidade se faz teatro*; ela se toma, de certo modo, como objeto de representagio ese desempenha a si propria diante do pablico. Mas, se a tragédia parece assim, mais que outro género qualquer, enraizada na realidade social, isso nao significa que seja um reflexo dela. Nao reflete essa realidade, questiona-a. Apresentando-a dilacerada, dividida contra ela propria, torna-a inteira problematica. O drama traz A cena uma antiga Ienda de hersi. Esse mundo lendério, para a cidade, constitui o seu passado — um passado bastante longinquo para que, entre as tradiges miticas que encarna ¢ as novas formas de pensamento juridico e polit co, 05 contrastes se delineiem claramente, mas bastante préximo para que os conflitos de valor sejam ainda dolorosamente sentidos ¢ a con- frontagio nao cesse de fazer-se. A tragédia nasce, observa com razio. Walter Nestle, quando se comega a olhar 0 mito com olhos de cidadao. 2. S6 0s homens podem ser representantes qualificados da cidade, as mulheres ‘0 estranhay A vida politica, E por isso quc os coristas (para nao falar dos atores) 530 Sempre e eaclusivamente homens. Mesmo quando © coro representa umn grupo de mo- {Gas ou de mulheres, o que acontece numa série de pegas, s86 homens que, disfargados Eimascarados segundo as cireunstancias, assumem a fungio de coristas TENSOES E AMBIGUIDADES NA TRAGEDIA GREGA " Mas nao € apenas © universo do mito que, sob esse othar, perde sua consisténcia ¢ se dissolve. No mesmo instante © mundo da cidade € Submetido a questionamento e, através do debate, contestado em seus. Valores fundamentais. Mesmo no mais otimista dos Tragicos, em ‘quilo, a exaltag’o do ideal civico, a afirmagao de sua vit6ria sobre todas as forgas do passado tem menos 0 carater de uma verificagao, de uma seguranga nga e de um apelo onde a angiistia jamais deixa de estar presente, mesmo na alegria das apoteo- ses finais'. Uma vez apresentadas as questoes gica no mais existe resposta que possa wqila que de uma esper para a conseiéncia tra- sfazé-la plenamente © po- 1A sua interrogagio. 3. No fim da Oréstia de Esquilo, a fundagio do tribunal humano, a integragao das Erinias na nova ordem da cidade nao fazem desaparecer integralmente as contradigoes Entre 08 deuses antigo: e os deuses novos, o passado herdico dos gent nobres © 0 pre Sente da Atenas democratica do século V. Realiza-se realmente um equilforio que, PO- tem, repousa sobre tensdes. Em segundo plano subsiste o conflito entre forgas contr Nesse sentido, a ambiguidade tragiea nao ¢ eliminada: a ambivalgncia persiste rmostré-la basta lembrar que os juizes humanos, em sua maiora, se pronunciarars contra Orestes jf que $6.0 voto de Atena tomou iguais 05 suftigios (ef. verso 735 € 0 eredlio a0 verso 746. Que € preciso tomar opsephos de 735 no sentido proprio de; tento, Ge voto, sufrégio depositado na uma, confiema-o a relagso entre a frmula do verso) 351: "Um voto a mais poe de pe uma casa” e a observagao de Orestes, apés a publica- ‘Glo do escrutinio em 754: "O Patas, que vens salvar minha casa..-” No mesmo sentido: Euripides, iigénia em Tauride, 1469). Essa igualdade de sufragios pr6 e contra evita a ‘condenagio do matrcida, vingador de seu pai, ela, por uma convengio de procedimer to, absolve-o legalmente de crime de morte, mas nto 0 inocenta, nem justifica (ef. 741 1€-752; sobre a significacao dessa regra de procedimento, Aristoteles, Problemata, 29, 13). Ela implica uma espécie de equilfbrio mantido entre a antiga diké das Erinias (cf 476,511, 914, 539, 350, 554, 564) ea contraria, a dos deuses novos como Apolo (615. 619). Atcna tem, pois, razdo para dizer as filhas da Noite: “Nao fostes vencidas; £6 saiu {da urna um pronunciamento indeciso (Lasynoes Bin, 794-5)". Relembrando, 80 Inicio da pega, qual era 0 seu quinhio no mundo dos deuses, as Erfnias observavat ‘que, por morar sob a terra, numa escuridio fechada ao sol, elas nlo deixavam de ter sua tind, sua parte de honra (098 dukes, Spm, 394). Sio essas mesmas honras que ‘Atenas Ihes reconhece, apés 0 veredicto do tribunal: “OOK 20°" Gtpor (824), vox nO estais hurnithadas”, essas mesmas honras que ela nao cessaré de proclamar até o fim da lwagédia (796, 807, 833, 868, 884, 891, 894, 917, 1029). De fato, notar-se-4 que, esta- belecendo o Aredpago, isto &, fundando o direita regido pela cidade, Atena afirma a necessidade de abrir, na coletividade humana, espago as forgas sinistras que as Eriniae fencarnam. A philia, amizade matua, a peithd, a persuasdo racional, ago basta para unit fo cidadaos numa comunidades harmoniosa. A cidade supde a intervengio de potgncias ‘de outra natureza que agem, alo pela docura e razio, mas pela cocrpao error. “Hs ‘casos, proclamavam as Erinias, em que o Terror (25 Bew6v) € Gul e, guarda vigilante Sos coragtes, deve ter af sua sede permanente (516 €5s.).” Quando institut, no Areopago, © conselho dos jufres, Atena retoma, palavra por palavra, esse mesmo tema: “Sobre este monte, doravante, o Respeito e o Temor (Phébas), seu irmio, mantera0 os cida- ‘ios afastados do crime... Que todo 0 Terror no seja langado fora da cidade, pois, se hnada term a temer, que mortal faz o que deve?” (690-9). Nem anarquia, nem despots mo, exigiam as Erinias (525): nem anarquia, nem despotismo retoma em eco Atena, no momento de instalar tribunal. Fixando essa regra como um imperative a que a cidade Pas 2 MITOR TRAGEDIA NA GRECIA ANT Esse debate com um passado ainda vivo cava no interior de ea obra tragica uma primeira distancia que o intérprete deve levar em Conta, Ela se exprime, na propria forma do drama, pela tensao entre os. dois elementos que ocupam a cena tragica: de um lado, 0 coro, perso: hagem coletiva ¢ andnima encarnada por um coléio oficial de cida- Gaos cujo papel € exprimir em seus temores, em suas esperangas, em Stias interrogagdes € julgamentos, os sentimentos dos espectadores que Compoem a comunidade cfviea; de outro lado, vivida por um ator pro- fissional, a personagem individualizada cuja agao constitui o centro do drama e que tem a figura de um her6i de uma outra época, sempre mais, ou menos estranho condigao comum do cidadio*. A esse desdobra- mento do coro e do herdi traigico corresponde, na lingua da tragédia, luma dualidade. Mas aqui jé se fixa 0 aspecto de ambiguidade que nos parece earacterizar o genero tragico. E a lingua do coro que, em suas partes cantadas, prolonga a tradigao Ifrica de uma poesia que celebra fs virtudes exemplares do herdi dos tempos antigos. Na fala dos prota- gonistas do drama, a métrica das partes dialogadas esté, ao contrério, proxima da prosa. No proprio momento em que, pelo jogo cénico ¢ pela mascara, a personagem trégica toma as dimensoes de um desses Seres excepcionais que a cidade cultua, a lingua a aproxima dos ho- deve obedecer, a deusa sublinha que o bem se situa entre dois extremos e a cidade Sepousa sobre 0 acordo dificil entre poderes contrarios que devem equilibrar-se sem ceurir-se. Face ao deus da palavra, Zeus agoratos (974), face A doce Peithd que guiou ‘lingua de Atena, se a augusta Erinia espalhando 0 respeito, o temor, 0 terror. essa potencia dé terror, ue emana das Eriaias e que, no plano das instituigdes uma thas, o Arepago representa, sera benéfica 308 cidadios a quem manterd afastados do Grime de uns contra 9s outros. Atena, pois, pode dizer (989.90), falando do aspecto Sroustruoso das deusas que acabam de aceitar a esidéncia em terra ica: “Destes sem: blantesterrivets eu vejo sair uma grande vantagem para a cidade", No fim da tragédia, (a propria Atena quem celebra 0 poder das antigas deusas entre os Imortais € entre 0s ‘Gcutes Tnferos (050-1) ¢ quem lembra aos guardides da cidade que essas divindades Inuataveis tem 0 poder de “regular tudo entre os homens” (30), de dar-thes “a uns as Cangocs, 4 outros ay ligrimas” (954-5). lids, é necessério lembrar que, associando Sssimm tio estreitamente as Erinias-Euménides & fundagio do Arespago, colocando esse Consetho, cujo carater noturno © secreto (ef. 692, 705-6) {01 sublinhado por duas vezes, ‘Sob o signo, nto das potencias religiosas que reinam na agord, como a Peith®, a palavra persuasiva, mas daguelas que inspiram Sebas e Phdbos, Respeito e Temor, Esquilo em ada ¢ um inovador Conforma-se com uma tradiga0 mitica ¢ cultural que todos itenienses conhecem: ef, Pausanias, 1, 28, 5-6 (santudrio das Augustas Erinias Déyvan, Epivues no Arcopago), passagem que deve ser associada as indicagdes de Didgenes Ladicio referentes a purticagio de Atenas por Epiménides: € do Aredpago que 0 puri- ficador faz partir as ovelhas negras e brancat cujo sacrificio deve apagar as polugoes da cidade; 6 4s Euménides que ele consagra um santuério, “4.CF, Aristételes, Problemata, 19, p. 48: "Na cena, os atores imitam 0 herdi porque, entre os antigos, no havia her6is que nao fossem chefes € reis: 0 povo era 0 ‘comm dos homens que compoem 0 coro! TENSOES E AMBIGUIDADES NATRAGEDIA GREGA, 3 mens*, Essa aproximagio a torna, em sua aventura lendaria, como que Contemporanea do publica. Conseqientemente, no intimo de cada pro- fagonista, encontra-se a tensio que notamos entre © pascado ¢ © pre- 1-0 universo do mito eo da cidade. A mesma personagem trigiea Sparece ora projetada num longinquo pasado mitico, hersi de uma Sutra época, carregado de tum poder Feligioso terrivel, encarnando todo Gdescomedimento dos antigos reis da lenda ~ ora falando, pensando. tivendo na propria época da cidade, como um “burgués” de Atenas no meio de seus concidadaos “Também € colocar mal o problema indagar, com certos intérpretes modernos, sobre a maior ou menor unidade de carder das personagens trigicas. Segundo Wilamowitz, a personagem de Etéocies em Os Sere contra Tebas nao parece desenhada por uma mio muito firme: seu Comportamento no fim da pega nao é nem um pouco compativel com o fetrato esbogado antes. Para Mazon, ao contrario, o mesmo Etéocles conta entre as mais belas figuras do teatro grego c encarna, com perfei- ta coeréncia, 0 tipo de hersi maldito. (0 debate s6 teria sentido sob a perspectiva de um drama moderno construido sobre a unidade psicoldgica dos protagonistas. Mas a tragé- dia de Esquito nao est centrada, numa personagem singular, na com- plexidade de sua vida interior. A verdadeira personagem de Os Sere & cidade, isto €, seus valores, os modos de pensamento. as atitudes que cla exige e que Etéocles representa a testa da cidade de Tebas enquan- too nome de seu irmao nao é pronunciado diante dele. De fato, basta ‘que ele ouga falar de Polinice para que imediatamente, langado fora do mundo da pdlis, cle seja entregue a um outro universo: torna-se Labdacida da lenda, o homem dos géne nobres, das grandes familias reais do passado sobre as quais pesam as polugdes e maldi¢des ances- trais, Ele que encarnava, diante da religiosidade emotiva das mulheres de Tebas, diante da impiedade guerreira dos homens de Argos, as vi tudes de moderacao, de reflexao, de autodominio que fazem o homem politico, precipita-se bruscamente em direcio & catastrofe, entregan- do-se a0 ddio fraterno de que esté inteiramente “possuido”. A loucura lssassina que, daf por diante, vai definir seu Zehos nao é somente um sentimento humano, 6 uma forga demonica que ultrapassa Etéocles em todos os sentidos. Ela o envolve na nuvem escura da die, ela o penetra, como um deus que se apossa do fntimo daquele cuja perda decid, sob a forma de uma mania, de uma Lissa, de um delirio que engendra os atos criminosos da hiybris. Presente nele, a loucura de Etéocles nao sent 5. Arist6teles, Povtica, 1489, pp. 24-28: “De todos os metros, o timetro jambico 60 que esté mais no tom da conversagio, um indicio disso € que, no didlogo, fazemos lum grande numero de tfmetros jambicos, mas raramente hexdmetros,€ s6 quando nos fafastamos do tom da conversag 14 MITO E-TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA, deixa também de parecer uma realidade estranha a ele € exterior: iden~ fifica-se com a forga nefasta de uma polugao que, nascida de faltas Antigas, € transmitida de geracgao em geragio, ao longo da linhagem dos Labdicidas. 'A faria destruidora que se apossa do chefe de Tebas nao € seniio 0 miasma jamais purificado, a Erinia da raga, agora instalado nele por Cfeito da ard, a imprecagao proferid: Mania, Issa, dre, ard, crinyis ~ todos esses nomes recobrem final uma Unica realidade mitica, um nuimen sinistro que se 1 Sob miltiplas formas, em momentos diferentes, na alma do homem e fora dele: é uma forca de desgraga que engloba, ao lado do criminoso, © proprio crime, scus antecedentes mais longinquos, as motivagoes, peicoldgicas da falta, suas consequéneias, a polugdo que ela traz, 0 Castigerque ele prepara para o culpado e para toda sua descendéncia. Env grego, um termo designa esse tipo de poténcia divina, pouco indi- viduatizada, que, sob uma variedade de formas, age de uma maneira Gue, no mais das vezes, € nefasta ao coracao da vida humana: odaimon, Buripides € fiel ao espirito de Esquilo quando, para qualificar o estado. psicolégico dos filhos de Edipo, destinados ao fratricidio pela maldi- Gao de seu pai, emprega o verbo daimondn: eles si0, no Sentido pro: prio, possufdos por um dafmon, um génio mau’ ‘Vé-se em que medida ¢ sob que Angulo se tem 0 direito de falar de ‘uma transformacao do cardter de Etéocles. Nao se trata de unidade ou de descontinuidade de pessoa, no sentido em que entendemos hoje. ‘Como nota Aristételes, 0 jogo trégico nao se desenrola conforme as exigéncias de um cardter; ao contrario, 6 o cardter que deve dobrar-se Ss exigéncias da agdo, isto é, do mSrhos, da fabula, da qual propria- ‘mente a tragédia € a imitag’o’. No inicio da pega o éthos de Etéocles Corresponde a um modelo psicoldgico, o do homo politicus, tal como o concebem os gregos do século V. O que chamamos mudanga no card ter de Etéocles, com maior correco, deveria ser chamado passagem para um outro modelo psicolégico ¢ transicao, na tragédia, de uma Psicologia politica para uma psicologia mitica implicita na lenda dos Labdacidas pelo episédio do assassinio reciproco dos dois irmaos. Poder-se-ia mesmo acrescentar que € a referéncia sucessiva a esses dois modelos, a confrontagiio, no fntimo da mesma personagem . de dois tipos opostos de comportamento, de duas formas de psicologia que implicam categorias diferentes de agao ¢ de agente, que consti- tuem essencialmente, em Os Sete contra Tebas, 0 efeito tragico. En- quanto a tragédia permanecer viva, essa dualidade, ou antes, essa ten- por Edipo contra seus filhos. festa 6. Buripides, Fenteias, 888. 47. Aristoteles, Poctica, 1449 b 24, 31, 36: 1430 a 15-23: 1450 a 23-25 € 38-39: 1450 b 2 NSOES E AMBIGUIDADES NA TRAGEDIA GREGA, 13 sto na psicologia d: personagens no enfraquecers. Os sentimentos. as falas, 08 atos do her6i trigico dependem de seu card Gue os poctas analisam to fi terpretam de maneira t80 positiva quanto poderdo fazé-lo, por exemplo, os oradores ou um his foriador como Tucidides*. Mas esses sentimentos, falas © ages apare~ cem, do mesmo tempo, como expresso de uma poténcia religiosa, de lum daimon que age através deles. A grande arte tragica consistira mes: mo em tornar simultneo o que, no Eréocles de Esquilo, é ainda suces. Sivo. A todo momento, a vida do herdi se desenrola como que sobre dois planos, cada um dos quais, tomado em si mesmo, seria suficiente para explicar as peripécias do drama, mas que a tragédia precisamente visa a apresentar como inseparaveis um do outro: cada ago aparece na linha e na ldgica de um carater, de um éthos, no préprio momento em que ela se revela como a manifestagao de uma poténcia do além, de um daimon Ethos-datmon, € nessa distancia que o homem trigico se constitu Suprimido um desses dois termos, ele desaparece. Parafraseando uma observacao pertinente de R. P. Winnington-Ingram”, poder-se-ia dizer que a tragédia repousa sobre uma leitura dupla da famosa formula de Herdclito (0s avOpumy Sauipuav). Desde que deixa de ser possivel le-Ia tanto num sentido quanto no outro (como a simetria sintética per- mite) a frmula perde seu carter enigmético, sua ambigliidade e nao ha mais consciéncia trégica porque. para que haja tragédia, 0 texto deve significar ao mesmo tempo: no homem, o que se chama daimon © seu carter ~ ¢ inversamente: no homem, o que se chama cardter € realmente um dem@nio, Para nossa mentalidade de hoje (e ja, em grande parte, para a de Aristételes), essas duas interpretagdes se excluem mutuamente. Mas a Iogica da tragédia consiste em “jogar nos dois tabuleiros”, em deslizar de um sentido para outro, tomando, € claro, consciéncia de sua opos: go, mas sem jamais renunciar a nenhum deles. Logica ambigua, po- der-se-ia dizer. Mas nao se trata mais, como no mito, de uma ambigti- dade ingénua que ainda no se questiona a si mesma. Ao contrétio, a tragédia, no momento em que passa de um plano a outro, demarca nitidamente as distancias, sublinha as contradicdes. Entretanto, mes- mo em Esquilo, ela nunca chega a uma solugio que faga desaparecer 0s conflitos, quer por conciliar, quer por ultrapassar os contrarios. E essa tensio, que nuinea é aceita totalmente, nem suprimida inteiramen- te, faz da tragédia uma interrogagio que nao admite resposta. Na pers- de seu éthos 8. Sobre esse aspecto da obra tragica e sobre o carster hersico dos personagens de Sofocles, ef. B Knox, The Heroic Temper: Studies in Sophoctean Tragedy, Berkeley and Los Angeles, 1964. 9. “Tragedy and Greek archaic Thought”, Classieal Drama and its Influence, Essays presented 10 H. D.F. Kilto, 1968, pp. 31-50. 16 MITO E-TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA pectiva tragica, o homem € a agio se delineiam, no como realidades que se poderiam definir ou descrever. mas como problemas. Eles se apresentam como enigmas cujo duplo sentido nao pode nunea ser fixa. do nem esgotado. Fora da personagem, ha um outro dominio em que o intérprete deve captar os aspectos de tensio e ambigtidade. Notivamos ha pou- co que os Tragicos gostavam de usar termos técnicos do Direito. Mas, se utilizam esse vocabulario, é para jogar com suas incertezas flutuag6es, sta falta de acabamento: impreciso de termos, muta sentidos, incoeréncias e oposigées que, no seio de um pensamento ju- ico cuja forma nao é, como em Roma, a forma de um sistema elabo- rado, revelam discordancias ¢ tens6es internas; € também, para tradu- zir 08 conflitos entre os valores juridicos ¢ uma tradigdo religiosa mai: antiga, uma reflexao moral nascente da qual o direito ja se distinguiu, sem que seu dominio esteja claramente delimitado em relagao aos seus. Os gregos, com efeito, nao tinham a idéia de um direito absoluto, fun- dado sobre principios, organizado coerentemente num todo. Para cles ha como que graus e superposigbes de direitos que, em certos casos, se entrecruzam e se encavalam. Num polo, 0 direito consagra a autorida- de de fato, apsia-se na coergao da qual é, num certo sentido, apenas 0 prolongamento. No outro, ele toca 6 religioso: poe em causa poténcias sagradas, a ordem do mundo, a justica de Zeus. Também coloca pro- blemas morais referentes a responsabilidade maior ou menor des agentes humanos. Sob esse ponto de vista, a justiga divina que, freqdentemen- te, faz com que filhos paguem os crimes do pai, pode parecer tio opaca arbitraria quanto a violencia de um tirano, ‘Assim, vemos em As Suplicantes a nocio de krdtos oscilar entre duas acepgSes contrarias sem poder fixar-se mais em uma que em ou- tra, Na boca do rei Pelasgo, krdtos, associado a kyrios, designa uma autoridade legitima, o domfnio que, com pleno direito, o tutor exerce sobre quem juridicamente depende de seu poder; na boca das Danaides, a mesma palavra, atrafda para 0 campo semantico de bfa, designa a forca brutal, a coergio da viol€ncia no seu aspecto mais oposto & justi- ‘ga € ao direito”. Essa tensdo entre dois sentidos contrarios se exprime 10. Em 387 e ss.,0 rei pergunta As Danaides se 0s filhos de Egito, pela lei de seu pats, tém poder sobre elas, enquanto seus parentes mais proximos (EU tot xparto0at). © valor juridica desse krdros torna-se preciso nos versos seguintes. O rei observa qu se fosse assim, ninguém poderia opor-se As pretensbes dos Egipcfadas sobre suas pr as; €, pois, preciso que elas, a0 contrério, aleguem em sua defesa. que, segundo as leis ‘de sua pétria, seus primos realmente nio tém sobre elas esse poder de tutela (eOPOS). A resposta das Danaides fiea jnteiramente & margem da questio. Nao véem no kraros Seno 0 outro aspecto e, em suas bocas, a palavra assume um significado contrério Aguele que Pelaszo the dava: nio mais designa o legitimo poder de tutela que, eventu- almente, seus primos poderiam reivindicar em relaga0 a elas, mas pura simples vio- Tencia, a forga brutal do macho, a domina¢ao masculina que a mulher é forgada a TENSOES E AMD! GUIDADES NA TRAGEDIA GREGA v de maneira particularmente viva na formula do verso 315 cuja ambi guidade total E. W, Whittle demonstrou'". A palavra rhysios. que tam- bem pertence a lingua juridiea © que é aqui aplicada A agao que 0 toque de Zeus cxerce sobre lo, significa simultanea © contraditoriamente: violencia total de uma captura, a suave dogura de uma libertagaio. Esse tfeito de ambiguidade nao € gratuito. Querido pelo poeta, ele nos in troduz no fmago de uma obra em que um dos temas principais € a interrogagio sobre a verdadcira natureza do krdtos. O que é a autori- dade, a do homem sobre a mulher, a do marido sobre a esposa, a do Shefe de Estado sobre os concidadios, a da cidade sobre o estrangeiro fos metecos, a dos deuses sobre os mortais? © krdros baseia-se no Gireito, isto €, no acordo matuo, a doce persuasdo, a peithd? Ou, 20 contrario, baseia-se na dominagao, a forga pura, a violéneia brutal, a bia? O jogo de palavras a que se presta um vocabuldrio que, em prin- cipio, 6 tao preciso como 0 do direito, permite a expressao, a maneira de enigma, do carater problematico dos fundamentos do poder exerci- do sobre outrem (© que ¢ verdade para a lingua jurfdica nio 0 € menos para as formas de expressiio do pensamento juridico. Os trégicos no se con- tentam em opor um deus a outro, Zeus a Prometeu, Artemis a Afrodite, ‘Apolo e Atena as Erinias, Mais profandamente o tniverso divino €, no seu conjunto, apresentado como conflitual. As poténcias que o com Oem aparecem agrupadas em categorias fortemente contrastadas, cujo Acordo ¢ dificil ou impossivel, porque nao se situam no mesmo plano: as divindades antigas pertencem a um mundo religioso diferente do dos deuses “novos”, como os Olimpios sao estranhos aos Ct6nios. Essa dualidade pode estabelecer-se no seio de uma mesma figura divina. Ao Zeus do alto, a quem as Danaides invocam, logo no inicio, para persua- dir Pelasgo a respeitar seus deveres para com os suplicantes, opde-se 0 outro Zeus, 0 de baixo, a0 qual elas, em desespero de causa, recorre- ram para constranger © rei a ceder"’. Da mesma forma, a dike dos suportar: “Ah! que jamais cu seja submetida 20 poder dos homens. Onoye(ptos Kapreaw pat veny'” (392-393), Sobre esse aspecto de violencia, cf. 820, 831-863. Ad krdios do hhomem (951), as Danaides querem opor 0 krdtos das mulheres (1069). Se os filhos de Egito erram ao pretender impor 0 casamento com eles, sem coavenc®-las pela persua si, mas pela violencia (940-1, 943), as Danaides no erram menos: no seu édio pelo ‘utio Sexo, indo até o assassinio, Aos Egipefadas, portanto, 0 ei Pelasgo podia censurar Por quererem vnir-se as moras contra a vontade delas, Sem aprovagio de seus pais. exchiindo a peithd. Max também as filhas de Dinao desconhecem a peithd: rejetam ‘Rirodite a quem peithd acompanba sempre: nlo deixam encantar, nem abrandar pela sedugdo de peithis (1041 © 1056) 1.""An Ambiguity in Aeschylus”. Classica et Mediaevalia, 25, fase. 1-2, (1964), pp. 1-7, 12, Esquilo, Suplicantes, 154-61 € 231 18 MITO E-TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA .¢ a dike celeste. Antigona choca-se duramente contra 0 egunda por querer reconhecer apenas a primeira” a do divino que encontra na tragédia uma categoria trono da Mas € sobretudo no plano da experiéncia hus se delineiam as oposigdes. Nao se nica do religioso, mas diversas formas da vida religiosa que parecem ser antinmicas ¢ excluir-se mutuamente. O coro das tebanas, em Os Sere, com seu apelo angustiado a uma presenga divina, suas corri desordenadas, seus gritos tumultuados. 0 fervor que as faz procur: mais velhos fdolos ¢ as mantém ligadas a eles, os arkhaia bréte, 0 em templos consagrados aos deuses, mas em plena cidade, na praca pliblica — esse coro encarna uma religi a que € categorica mente condenada por Etéocles. em nome de uma religiosidade dife- rente, viril e cfvica ao mesmo tempo. Para 0 chefe de Estado, o fervor emotivo das mulheres nao significa apenas desordem, covardi: vageria"™’, mas comporta também um elemento de impiedade. A ver~ dadeira picdade supée sabedoria e disciplina, sophrosyne" © peitharkhia"; dirige-se A deusa cuja distancia reconhece, ao invés de buscar preenché-la como a religiio de mulheres. A tinica contribuigo que Fiéocles aceita da parte do elemento ferninino, num culto pablico €¢ politico, que sabe respeitar esse carter longinquo dos deuses sem pretender misturar o divino ao humano, é a ololygé. 0 iotiot qualiti- cado de hierds"*, porque a cidade o integrou a sua propria religidio ¢ 0 reconhece como © grito ritual que acompanha a queda da vitima no grande sacrificio sangrento. © conflito entre Antigona € Creonte recobre uma antinomia and- loga. Nao opée a religiio pura, representada pela jovem, a irreligio- sidade completa, representada por Creonte, ou um espfrito religioso a um espfrito politico, mas dois tipos diferentes de religiosidade: de um lado, uma religido familiar, puramente privada, limitada ao circulo es- treito dos parentes préximos, os philoi, centrada no lar familiar © nos mortos — de outro, uma religizo publica onde os deuses tutclares da cidade tendem finalmente a confundir-se com os valores supremos do Estado. Entre esses dois dominios da vida religiosa, ha uma constante tenso que, em certos casos (os mesmos que a tragédia conserva), pode conduzir a um conflito insolivel. Como observa 0 corifeu”, € piedoso honrar piedosamente os mortos, mas, a testa de uma cidade, o magis- trado supremo tem o dever de fazer respeitar seu krdtos € a lei que 10 femir 13, Séfoctes, Autfgona, 23 € ss. 451, 538-542 de um lado, 853 € s. de outro lado, 14. Os Sete.-, 191-192 © 236-238. 15. Kens, 280, 16. Iden, 186. 17. taenn, 224, 18, Iden, 268, 19, Iden, 872.875, TENSOES E AMMIGOIDADES NA TRAGEDIA GREGA, " proclamou. Afinal, o Sécrates do Criton poderd sustentar que a pieda- fe, como a justica, ordena obediéncia as leis da patria, nda que injus- tas, stinda que essa lei se volte contra nds e nos condene A morte, por- que a cidade, isto €, seus ndmoi, é mais venerivel, mais sagrade que tuma mae, que um pai e mesmo que todos os antepassados juntos”, Das duas atitudes que a Antigona poe em conflito, nenhuma, em si mesma, poderia sera boa, sem admitir a outra, sem reconhecer justamente aquilo que a limita e a contesta, A esse respeito € bem signifi Sinicas divindades a quem 0 coro se refere sejam Dioniso e quanto deuses noturnos, misteriosos, inacessiveis ao espirito humano, proximos das mulheres € dos que sio alheios ao politico, condenam precipuamente a pseudo-religiio do chefe de Estado, Creonte, que mede © divino com © padrdo de seu pobre bom senso para fazé-lo endossar seus ddios © ambit des pessoais. Mas as duas divindades se voltam nbém contra Antigona, encerrada na philia familiar, votada volunta~ riamente ao Hades, pois justamente no seu liame com a morte, Dioniso € Eros exprimem as poténcias de vida e de renovagao. Antigona nao soube ouvir o apelo para desligar-se dos “seus” e da philia familiar abrindo-se ao outro, para acolher Jo. com um estranho, por sua vez. transmitir a vida. Essa presenga, na lingua dos Trégicos, de uma multiplic niveis, mais ou menos distantes uns dos outros — a mesma palavra li gando-se a campos semanticos diferentes, conforme pertenga ao voca- buldrio religioso, juridico, politico. comum a tal ou tal setor desses vocabularios ~ da ao texto uma profundidade particular ¢ €} Ieitura se faga, 20 mesmo tempo, em virios planos. Entre 0 didlogo, tal como ele se desenvolve e é vivido pelos protagonistas, interpretado € comentado pelo coro, recebido e compreendido pelos espectadores. 4 uma defasagem que constitui o elemento essencial do efeito tragico. Na cena, os herGis do drama, tanto uns como outros, em seus debates. se servem das mesmas palavras, mas essas palavras assumem signifi- cages diferentes na boca de cada um*". O termo némos. nas palavras de Antigona, designa 0 contririo daquilo que, com toda convicgao, Creonte chama ndmos e, com Charles-Paul Segal, poder-se-ia desco- brir a mesma ambigtidade em outros termos que tém um lugar impor- tante na textura da obra: philos e philia, kérdos. timé, sébas, télma, orgé, deinds”. As palavras trocadas no espago cénico tém, portanto, 20, Platso, Criton, $1 a6 21. CF. Euripides, Fentcias, 499. “Se a mesma coisa fosse para todos igualmente bela © sibia, os humanos nio conheceriam as controvérsias das querelas. Mas para os mortais nada hs de semelhante, nem de igual, salvo nas palavras: a realidade é toda diferente 722, “Sophocles? praise of Man and the Conflicts of the Antigone”, Avion. 3. 2 1964, pp. 46-60, 20 MITOR TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA menos a fungao de estabelecer a comunicagao entre as diversas perso: hagens que a de marcar os bloqueios, as barreiras, a impermeabilidade dos espiritos, a de discernir os pontos de conflito. Para cada protago- nista, fechado no universo que Ihe é proprio, © vocabulirio utilizado permanece em grande parte opaco; ele tem um Gnico sentido. Contra essa unilateralidade se choca violentamente uma outra unilateralidade, A ironia tragic a poder consistir em mostrar como, no decurso do dra- ma, 0 herGi cai na armadilha da propria palavra, uma palavra que se volta contra ele trazendo-Ihe a experiéneia amarga de um sentido que ele obstinava em nfo reconhecer. © coro, no mais das vezes, hesita e oseila, langado sucessivamente para um sentido € para outro, as vezes pressentindo obscuramente uma significagio que ainda permanece se~ Creta, as vezes formulando sem saber, com um jogo de palavras, uma expresso de duplo sentido”. F apenas para o espectador que a linguagem do texto pode ser transparente em todos seus niveis, na sua polivaléncia e suas ambigti- dades. Do autor ao espectador, a linguagem recupera essa plena fun- ‘go de comunicagio que tinha perdido em cena, entre as personagens do drama. Mas o que a mensagem tragica comunica, quando compre- endida, é precisamente que, nas palavras trocadas pelos homens, exis- tem zonas de opacidade e de incomunicabilidade. No proprio momen- to.em que vé os protagonistas aderirem exclusivamente a um sentido ¢, nessa cegueira, dilacerarem-se ou perderem-se, 0 espectador deve com- preender que realmente hé dois ou mais sentidos possiveis. A lingua- gem se torna transparente para cle, ¢ a mensagem tragica comunicavel ‘somente na medida em que descobre a ambigiiidade das palavras, dos valores, do homem, na medida em que reconhece 0 universo como conflitual © em que, abandonando as certezas antigas, abrindo-se a uma visio problemética do mundo, através do espetaculo, ele proprio se torna consciéncia tragica “Tensio entre o mito e as formas de pensamento proprias da cida- de, conflitos no homem, o mundo dos valores, 0 universo dos deuses, carter ambiguo e equivoco da lingua ~ todos esses tragos marcam profundamente a tragédia grega. Mas o que talvez a defina no que € essencial € que o drama levado em cena se desenrola simultaneamente a0 nivel da existéncia quotidiana, num tempo humano, opaco, feito de presentes sucessivos c limitados ¢ num além da vida terrena, num tem- Po divino, onipotente, que abrange a cada instante a totalidade dos acontecimentos, ora para oculté-los, ora para descobri-los, mas sem que nada escape a ele, nem se perca no esquecimento. Por essa unidio © 23. Sobre o lugar e 0 papel da ambiguidade entre os Tragicos, ef. W. B. Stanford, Ambiguity in Greek Literature, Studies in Theory and Practice, Oxford, 1939, cap. X° xm “TENSOES & AMBIGUIDADES NA TRAG HAGREGA 2 confrontagio constantes do tempo dos homens € com 0 tempo dos deu- ses ao longo da intriga, 0 drama traz. a revelagao fulgurante do divi no proprio decurso das ago A tragédia, nota Aristotel préxeos, Representa provém do dérico drain, correspondente ao stico prittein, agir. De fato, 0 contrério da epopéia e da poesia lirica, onde nao se desenha a cate- goria da ago, j4 que af o homem nunca € encarado como agente, a tragédia apresenta individuos em situagao de agir; coloca-os na eneru- zilhada de uma opgao com que estao integralmente comprometidos: mostra-o no limiar de uma decisao, interrogando-se sobre o melhor partido a tomar. “IlvAddn ti Spdow; Pilades, que fazer?” exclama Orestes nas Co¢foras* ¢ Pelasgo no inicio de As Suplicantes® verifi- ca: "Nao sci o que fazer; a angtistia toma conta de meu coragio; devo ow no agir?” O rei, entretanto, acrescenta imediatamente uma formula que, ligada a precedente, sublinha a polaridade da agio trégica: “Agir ou no agir, te Kexi TUZNV EAETV , € tentar o destino?” Tentar o destino: nos Trégicos, a agio humana no tem em si forga bastante para deixar de lado © poder dos deuses, nem autonomia bastante para conceber-se plenamente fora deles. Sem a presenga e apoio deles, ela nada é; abor- ta ou produz frutos que ndo sao aqueles a que visava. A ago humana é, pois, uma espécie de desafio ao futuro, ao destino e a si mesma, final- mente um desafio aos deuses que, ao que se espera, estardo a seu lado. Neste jogo, do qual nao € senhor, 0 homem sempre corre 0 risco de cair na armadilha de suas proprias decisées. Para ele, os deuses sto incompreensiveis. Quando por precaugao os interroga antes de agir € eles acedem em falar, a sua resposta € tao equivoca ¢ ambigua quanto a situagao sobre a qual seu conselho € solicitado. Na perspectiva trigica, portanto, agir tem um duplo caréter: de um lado, é deliberar consigo mesmo, pesar o pr6 e © contra, prever melhor possivel a ordem dos meios € dos fins: de outro, € contar com 0 desconhecido e incompreensivel, aventurar num terreno que nos é ina- cessivel, entrar num jogo de forgas sobrenaturais sobre as quais nao sabemos se, colaborando conosco, preparam nosso sucesso OU Nossa perda. Até no homem mais previdente, a ago mais refletida conserva © carter de um ousado apelo aos deuses a respeito do qual s6 pela resposta que € dada e, no mais das vezes, por experiéncia propria, se conhecera sua importincia e sentido preciso. E no final do drama que 08 atos assumem sua verdadeira significagao € os agentes, através da- quilo que realizaram sem saber, revelam sua verdadeira face. Enquan- to tudo nao se consumou, ainda os casos humanos continuam a ser a imitag’o de uma acao, mimesis personagens em agio,prdrtontes. E a palavra drama, 24. Coeforas, 899, 25. Suplicanies, 379-380. 2 MITO ETRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA cenigmas a) into Mais Obscuros, quanto mais os atores se julgam Seguros daquilo que fazem e sao. Como, instalado em sua de decifrador de enigmas e de rei justiceiro, conv. deuses inspiram, proclamando-se filho da Tykhe, deria compreender que, para si mesmo, ele é esse yeido de que os Sorte, Edipo po- nigma cujo sentido, 86 adivinharé ao descobrir que € 0 contrario do que acreditava ser: nio 6 filho da Tykhz, mas sua vitima, ndo o justiceiro, nao o rei salvador de sua cidade, mas a polugio abominavel que a esta fazendo parecer” Ele podera também, no proprio momento em que se reconhece respons Vel por ter forjado sua desgraga com suas préprias maos, acusar a di vindade de ter urdido e feito tudo previamente, de ter-se comprazido ‘em brincar com ele, desde 0 inicio até o fim do drama, para melhor perdé-lo ‘Como a personagem trégica se constitui na distancia que separa daimon de éthos, a culpabilidade trégica se estabelece entre a antiga Concepgio religiosa de erro-polucao, de hamartia, doenga do espirito, delirio enviado pelos deuses que necessariamente engendra o crime, © a concepgao nova em que 0 culpado, hamarton, ¢ sobretudo adikn, € definido como aquele que, sem ser coagido, deliberadamente decidiu cometer um delito””. Esforcando-se por distinguir as categorias de erro * Sujeitas A competéncia de tribunais diferentes, 0 @dvos SiKxcnos, GKOSGLOS, EKOUaLOG — mesmo que o faga de maneira desajcitada € hesitante —, 0 direito coloca a t6nica sobre as nogGes de intengao e de responsabilidade; levanta o problema dos graus de comprometimento do agente com seus atos. De outro lado, no quadro de uma cidade em que todos os cidadaos, ap6s discuss6es publicas de carter profano, dirigem os negécios do Estado, o homem comega a ter experiéncia de si mesmo enquanto agente mais ou menos autOnomo em relagao as forcas religiosas que dominam 0 univers, mais ou menos senhor de seus atos, podendo mais ou menos, por sua gnome, sua phrénesis, diri- Bir seu destino politico e pessoal. Essa experiéncia ainda incerta ¢ in- 26. Cf. R. P. Winnington-Ingram, op. cit €, 3 respeito do mesmo problema em Esquilo, A. Lesky, “Decision and Responsability in the Tragedy of Aeschylus". The Journal of Hellenic Studies, 86, 1966, pp. 78-85 Como nota Lesky, “freedom and ‘compulsion are united in genuinely tragie way" porque um dos wagos maiores da tragé- bia de Esquilo ¢ precisamente “the close union of necessity imposed by the Gods and the personal decision to act” 27. Na formula que Esquilo pOe na boca do Corifeu (Agamémmon, 1337-8). as ‘duas concepgoes contririas se encontram de certo modo sobrepostas e confundidas nas tmesmas palavras. Por sua ambigiidade, a frase se presta a uma dupla interpretagao: Vow Brel npotépay aly’ dmotetact pode querer dizer: “E agora se & preciso que pa- jue 0 sangue que seus antepassados derramaram”, mas também “E agora se € preciso, {Que pague 0 sangue que ovora, derramou”. No primeira caso, Agamemnon € vitima Ge uma maldigio ancestral: paga por faltas que nS0 cometeu. No segundo. expia crimes pelos quais € responsivel. TENSOES F AMBIGUIDADES NA TRAGEDIA GREGA 23 decisa daquilo que na hist6ria psicolégica do homem ocid categoria da vontade (sabe-se que nao ha na Grécia io do querer), na tragédia, expr uma interrogacio ansiosa a respe tiga um verda- ne-se sob a forma de o das relagdes do agente com seus atos: Em que medida o homem € realmente a fonte de suas ages? No prio momento em que sobre elas o homem delibera em seu foro mo, elas nao tém sua verdadeira origem em algo que nao € ele mes- mo? A significagao delas nao permanece opaca aquele que as empre: ende, uma vez que os atos tiram sua realidade nao das intengdes do agente, mas da ordem geral do mundo a qual s6 os deuses presidem? Para que haja acao tragica, 6 preciso que se tenha formado a no- cao de uma natureza humana que tem seus caracteres prdprios ¢ que, em conseqiléncia, os planos humano e divino sejam bastante distintos para oporem-se; mas € preciso que nao deixem de aparecer como insepardveis. O sentido tragico da responsabilidade surge quando a acdo humana dé lugar ao debate interior do sujeito, a intengao, a pre- meditacdo, mas nao adqu bastar-se integralmente a si mesma. © dominio proprio da tragédia situa-se nessa zona fronteiriga onde os atos humanos vém articular-se com as poténcias divinas, onde eles assumem seu verdadeiro sentido, ignorado do agente, integrando-se numa ordem que ultrapassa © ho- mem e aele escapa. Em Tucidides, a natureza humana, a dvOponivn garg define-se em contraste absoluto com a poténcia religiosa que é a TUyM. Sao duas ordens de realidades radicalmente heterogéneas. Na tragédia, elas constituem sobretudo os dois aspectos, opostos mas com- plementares, os dois p6los de uma mesma realidade ambigua. Toda tragédia, pois, desenvolve-se necessariamente em dois pla- nos. Seu aspecto de inquérito sobre o homem como agente responsé- vel s6 tem valor de contraponto em relagiio ao tema central. Enganar- nos-famos, pois, fazendo incidir todo 0 jogo de luzes no elemento psi colégico. Na famosa cena doAgamémnon, a decisao fatal do soberano se prende, sem duivida, a sua pobre vaidade de homem, talvez também md consciéncia de marido muito inclinado a ceder aos rogos de sua mulher, uma vez que traz Cassandra 4 sua casa como concubina, O essencial, porém, nio esti ai. O efeito propriamente tragico provém da relaco intima e, a0 mesmo tempo, da extraordindria distancia que ha entre 0 ato banal de caminhar sobre um tapete de parpura, com suas motivagées bem humanas, e as forcas religiosas que ele desencadeia inexoravelmente. Desde que Agamémnon pés 0 pé sobre 0 tapete, 0 drama esté consumado. E, se a peca se prolonga ainda um pouco, nao poderia trazer a cena algo que j4 nao estivesse realizado. Passado, presente, futuro vieram fundir-se numamesma significagao, revelada e condensada no simbolismo desse ato de hybris impia. Sabe-se agora o que foi real- 2 MITO E-TRAGEDIA NA GRECIA ANTIGA mente o sacrificio de Ifigénia: menos a obediéneia as ordens de Artemis, menos 0 duro dever de um rei que ndo quer cometer uma falta em relagao a seus aliados" que a fraqueza culposa de um ambicioso cuja x0, conspirando com a divina T¥khe”, resolveu imolar a propria filha; sabe-se o que foi a tomada de Troia: menos o triunfo da justiga e ‘0 castigo dos culpados que a destruigao sacrilega de toda uma cidade com seus templos; e, nessa dupla impiedade, revivem os crimes mais, antigos dos Atridas ej se inscrevem todos aqucles que se seguirsor 0 olpe que fere Agamémnon e que. finalmente, atingiré Clitemnestra través de Orestes. Nesse ponte culminante da tragedia, onde todos os 16s se atam, & 0 tempo dos deuses que surge na cena e que se manifesta no tempo dos homens™. 28. Cf. Agamemnon, 213. 29. dem, 187. unions WGKaK VARVEAW. Sobte esse verso, fo comentario de Ba. Fraenkel, Acseylus, Agamemnon, Oxford, 1980, 1p. 115, com referencia 0 S210, pp. 127-8 70, Sobre as relagBes entre as das ordens de temporalidade, procurar-se-4 0 estu- do de. Vidal Naquet, “Temps des dia e temp des hommes", Revue de histoire des vetigions, 187, 1900. pp. 33-80 3. Esbocos da Vontade na Tragédia Grega* Para o homem das sociedades contemporineas do Ocidente, a vontade constitui uma das dimensdes essenciais da pessoa**. Pode-se dizer sobre a vontade que cla é a pessoa vista em seu aspecto de agen- te, 0 eu visto como fonte de atos pelos quais ele nao somente é respon- sdvel diante de outrem, mas também aos quais se sente preso interior mente. A unicidade da pessoa moderna, a sua exigéncia de originalida- de, corresponde o sentimento de realizar-nos no que fazemos, de ex- Primir-nos nas obras que manifestam nosso eu auténtico. A continu; dade do sujeito que se busca no seu passado, que se reconhece em suas lembrangas, responde a permanéncia do agente, que € responsavel hoje pelo que fez ontem e que sente sua existéncia e sua coesio internas na medida em que suas condutas sucessivas se encadeiam, se inserem num mesmo quadro para, na continuidade de sua linha, constituir uma vo- cacao singular, A categoria da vontade, no homem de hoje, no supée apenas uma orientagdo da pessoa em diresao da ago, uma valorizagiio do agir eda realizagao pratica, sob suas diversas formas, mas, muito mais, uma Preeminéncia que, na agio, se atribui ao agente, a0 sujeito humano Posto como origem, causa produtora de todos os atos que dele ema- nam, O agente apreende-se a si mesmo, nas suas relagdes com outrem © com a natureza, como um centro de decisio, como detentor de um Poder que niio depende nem da afetividade, nem da pura inteligéncia: Poder sui generis do qual Descartes chega a dizer que é infinito, “em + Traduc3o de Anna Lia A. de Almeida Prado. *+* Este texto foi publicado em Psychologie comparat Meyerson, Paris, 1972, pp. 277-306, ‘fart, Homenagem a1

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