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© QUEE HISTORIA Vavy Pacheco Borges eet ae FAFI-BH 002241-007 a2 Obra: 0 que e historia Campus: DIAMANTINA Colecéo @ gp @ m Primeiros Passos “7 ham. 930.1 B7320 1993 2.ed or Borges, Vavy Pacheco Ma, O que 6 histéria 00022163 IW 8 UNBH -DIB Vavy Pacheco Borges O QUEE HISTORIA editora brasiliense Copyright © by Vavy Pacheco Borges, 1980 : Nenhuma porte desta publicogdo pode str gravada, armazeneda em sistemas eleiranicos, foocopiede, reproduide por meias mecinicos ou outros quaisquer sem autorizagto prévie da editor. Primeire edigdo, 1980 2* edigdo revised, 1998 (Goes \ 3 repress, 1996 98 Bny Dados tmernaconais de Caralogasto na Publicasso (cr) EK KE (S WDEREGISTRO \ oF142 1doosice z BATA 4s ‘% BIBLIOTECA 3, %. xy fa ‘que ¢histéria / Vavy Pacheco Borges —2* ~ Sto Paulo : Braslense, 1993. — (Co. rimeiros passos: 17) {ndices para catdlogo sistemaico: EHiséria 900 EDITORA BRASILIENSE S.A. RR, Bardo de lapetininga, 93 - HI? a 01082:908 — Sto Paulo — SP Fone (011) 58-7344 — Fax 2587023 iliada & ABDR SUMARIO Porque este livro? ....... Ahistoria da historia eee Apré-historia da historia. . Oaparecimento da historia . Ahistoria teolégica A erudigao, a razAo e 0 progresso na historia... 2.2. ee O materialismo histérico e a histéria académica ........ Perspectivas atuais .. . . Ahistéria, hojeemdia .. . . Oque 6 ahistériae paraque serve ..... 49 Como produzir a historia? Ahistéria no Brasil... . . Indicages paraleitura . . . . 4 Para Caio, | com imensa saudade. POR QUE ESTE LIVRO? _Ha certas definigdes que parecem desnecessérias. Histéria 6 um termo com o qual convivemos diaria- mente desde a infancia. A maior parte das pessoas a quem se fizer a pergunta-titulo deste livro se consi- deraré em condigées de respondé-la, coisa que nao se daria, por exemplo, se se perguntasse “o que 6 semiética?” ... Mas, ao tentar uma resposta a “o que é hist6ria?”, a pessoa se enrolara, ndo chegando a nenhuma definigao precisa, ou diré, com um certo desinteresse, refietindo um consenso mais ou menos geral: “A historia 6 0 que j4 aconteceu ha muito tem: po...”, [Pentro do quadro da chamada civilizagao européia ocidental, © Brasil 6 um pais “novo”, quase sem his- t6ria, pois seus quatro séculos nao parecem suficien= tes para criar uma consciéncia desse passado. Além ° VAVY PACHECO BORGES do mais, somos realmente um pais de jovens, com uma populagao de aproximadamente — segundo o PINAD do IBGE realizado em 1987 — 46% menor de 20 anos. Esse fator “juventude” 6 conjugado a uma grande porcentagem de analfabetismo, a um notavel desprestigio das ciéncias humanas e da cultyra e a um ensino antiquado e desmotivador: O descaso, a destruigdo dos vestigios concretos de nosso passado (construgées, paisagens, documentagao pictérica, es- crita e falada, etc.) 6 enorme. Todos esses elementos resultam num desinteresse pela hist6ria do pais. Esses jovens tém raz4o: o_passado visto por si mesmo, 0 passado pelo passado, tem um intere: muito limitado, e, por vezes, nulo. Mas a hist6ria, hoje em dia, nao visa explicar esse passado distante e morto. E.¢ a contribuigao que ela pode trazer para. a explicagao da realidade em que vivemos que nos leva a ver como Tundamental sua divulgagaoYora das u versidades e das escolas onde ela esta prisioneira ha longos anos. Essa.divulgagaa se torna importante na medida em que se acredita que a hist6ria, ajudando a explicar realidade, pode ajudar ao mesmo tempo a transforma-la. Tudo o que dissemos até agora nos incita a este pequeno livro, explicag&o inicial de um tema complexo @ dificil. Muitas obras j4 foram escritas sobre o tema; © que aqui escrevo resulta da assimilagao de pontos de vista de algumas dessas obras, durante anos de ain OQUEE HiSTORIA ° ensino e pesquisa. Indicarei alguns livros basicos para quem quiserir mais a fundo e conhecero que disseram sobre a histéria os seus estudiosos. Ahistéria, como as outras formas de conhecimento da realidade, esta sempre se constituindo: a-canhe- cimento que ela produz nunca é perfeito ou acabado. Ha inumeras discussées entre os varios especialistas sobre 0 que 6 a historia. Historiadores, filésofos, so- cidlogos, politicélogos, estéo sempre debatendo sobre isso. Os historiadores, em particular, procuram, deli- mitar, entre as outras dreas qué’estudam 0 hdmem, qual o campo especifico da historia, Tomam varias posigoes, diferentes e até conflitantes. Discutem se a histéria deve estudar s6 0 passado, se pode fazer previsées. Tratam de definir os métodos e técnicas mais adequados para se atingir 0 conhecimento his- t6rico. A utilizagao deste, sobretudo, 6 sempre dos assuntos mais polémicos: 0 que nao se pode fazer com tais conhecimentos! Como se pode manipular, pelas mais diversas raz6es, 0 passado do homem, o passado de um povo, de uma nagao! Alguns aspectos dessas discussées est&o aqui in- troduzidos de forma breve e facilitada, procurando encaminhar os primeiros passos do leitor. Para se compreender satisfatoriamente a histéria como hoje ela se configura, é preciso se recapitular sua origem e sua evolugao. Somente a histéria da historia pode nos fazer compreender como hoje ela —$—$—arenmeeneninic 10 AVY PACHECO BORGES se apresenta. Partimos, portanto, de um primeiro ca- pitulo que aborda essa histdria da hist6ria, desde sua origem nos mitos e na tradigao oral. No segundo capitulo articulamos nossa visao atual da historia, sua significagaéo e sua produgao. No apéndice final, colo- camos algumas informagées sobre a situagao da his- toria no Brasil. AHISTORIA DA HISTORIA A pré-hist6ria da historia “Historia” 6 uma palavra de origem grega, que sig- nifica investigagao, informago. Ela surge no século Vi antes de Cristo (a.C.). Para nés, homens do Oci- dente, a histria, como hoje a entendemos, iniciou-se na regio mediterranea, ou seja, nas regides do Orien- te Proximo, da costa norte-africana e da Europa Oci- dental. Antes disso, porém, vemos que os homens, desde ‘sempre, sentem necessidade de explicar para si pré- Prios sua origem e sua vida. A primeira forma de expli- cagao que surge nas sociedades primitivas 6 0 mito, ‘sempre transmitide em forma de tradicao oral. Entre 0s conhecimentos praticos, transmitidos oralmentede ‘Geracao a geracao, essas sociedades incluem expli- 12 AVY PACHECO BORGES cagées magicas e religiosas da realidade. Para nés, homens do século XX, acostumados a um pensamen- to dito cientifico, uma explicagao mitica parece pueril, irracional e ligada & superstigao. Mas 6 preciso que reconhegamos no mito’uma forma de pensamento primitive, com sua légica.e~coeréncia proprias, nao sendo simples invengao ou engodo 40 mito tem uma forga muito grande no tipo primitive de sociedade. Ele fornece uma explicagao que para os povos que a aceitam 6 uma verdade. O mito 6 sempre uma hist6ria com personagens sobrenaturais, os deuses. Nos mitos os homens sao objetos passivos da agao dos deuses, que sao res- ponsaveis pela criagao do mundo (cosmos), da natu- Teza, pelo aparecimento dos homens e pelo seu des- tino. Os mitos contam em gerala historia de uma criagdo, do inicio de algo. E sempre uma historia sagrada. Comumente se refere a um determinado espago de tempo que 6 considerado um tempo sagrado: 6 um passado to distante, 120 remoto, que nao o datam concretamente, nao sabem quando ele’se deu. E um tempo além da possibilidade de calculos: referem-se a ele como “o principio de todas as coisas”, “os pri- mérdios”. Os fatos mitolégicos sao apresentados um apés os outros, 0 que ja mostra, portanto, uma se- qiiéncia temporal; mas o mito se refere a um pseudo- tempo e nao a um tempo real, pois nao 6 datado de OQUEE HISTORIA 8 Rgistros da mitologia grega: uma estétua da deusa' Vénus ‘@.uma reproducao em ceramica de Aquiles @ seu filho morto. 4 VAVY PACHECO BORGES. acordo com nenhuma realidade concreta. Dai 0 mito mostrar o eterno retorno, a repetigao infinita: 6 um > tempo circular, nao linear. i Em geral o mito é visto como um exemplo, um precedente, um modelo para as outras realidades. Ele 6 sempre aplicado a situagdes concretas. Existem intmeros mitos da criagéo do mundo (mitos cosmo- génicos) que sao vistos como exemplo de toda situa- go criadora. As sociedades sé mostradas como tendo origem, geralmente, em lutas entre as diferentes divindades. Conhecemos a existéncia, entre 0 1V eo III milénios a.C., de sociedades mais complexas, nas quais existe a escrita e um governo centralizado, que dirige uma sociedade organizada em uma hierarquia social. Nes- sas sociedades, as fontes histéricas mais remotas sao as inscrigdes, assim como os anais religiosos (listas de sacerdotes, ceriménias religiosas, etc.). Esse governo é em geral mondrquico, e a sua (origem 6 sempre vista como divinaf Os reis repre- sentam os deuses e s4o eles que tudo decidem, sendo = seus atos registrados em anais. Sao esses os primei- ros registros voluntarios para a posteridade. Sao limi- {tados, pois tem objetivos politicos bem explicitos/ Entre essas civilizagdes destacam-se a egipcia e a mesopotamica, duas das mais importantes na chama- da Antiguidade Oriental. Na sua histéria, entramos em QUE E HISTORIA 7 contato com dois mitos da origem parecom ter sido muito signifieatvos coat ole a _Esses dois mitos so muito repr vos plicam a origem divina dos homens sempre lgads a uma idéia de renascimento. E a morte de um deus e © seu renascimento que trazem o aparecimento d: vida, da natureza e dos homens. “ __No Egito, conta-se que, nos primeiros tempos, Osi- fs (Geus da terra, do sol poente, responsavel pela fertlidade, @ por isso também visto como o deus do Nilo) 6 assassinado por um outro deus, seu irmao Set (deus do vento do deserto, das trevas e do mal), € Seu corpo espalhado por varias partes do pais. Sua irma-esposa Isis (deusa da vegetagao e das semen- tes), auxiliada por seu filho Hérus (deus-falcdo © do sol levante), vai conseguir, através de palavras magi- Cas, reunir todas as partes, e Osiris revive, indo morar entre os deuses. Muitos textos relatam diferentes for- mas do mito. Ele & visto como a luta entre a luz e as. trevas, como a vida sucedendo A morte; 6 visto como significando a vida que vem do Nilo, que gera a fert lidade do Egito. Essa versao da morte e do renasch. mento de Osiris 6 a forma de os egipcios explicarem nates imortalidade e sua eterna dependéncia da Na Mesopotamia, acredita-se em dois pri originérios: Tiamat (0 principio feminino) Sager principio masculino), deles descendendo todas as. ou- \VAVY PACHECO BORGES, tras geragdes de deuses. O ultimo deles, Marduk, vai vencer em luta os deuses antigos que 0 precederam. Ele vai formar o mundo com o corpo de Tiamat, ume- decendo-o com o sangue de um arquideménio, Kingu. Marduk, 0 criador dos homens, 6 o deus da capital da Babilénia. Para alguns, esse mito mostra os homens sendo criados pelos deuses para alimenta-los através de seu trabalho. Isso justificaria parcialmente a visao tragica do mundo e o pessimismo caracteristico da cultura da Mesopotamia, ao explicar por que ohomem nao obteve, nem poderia obter, a imortalidade. Na Grécia, por volta do primeiro milénio a.C., 0 mito comegaa ter uma conotacao diferente: vamos encon- tra-lo na poesia, por exemplo na Iliada, poema épico atribuido a Homero (datado provavelmente por volta do ano 1000 a.C.). Nele encontramos lendas e mitos da época micénica, bergo inicial da civilizagao grega. Entre outros mitos, la referidos, encontramos 0 da origem da Europa. Europa era filha de or, rei da. Fenicia, pais da Asia Menor, no Oriente Préximo. Zeus, 0 principal dos deuses gregos, por ela se apai- xona. Sob a forma de touro, vai seduzi-la e rapta-la, atravessando o mar Mediterraneo e levando-a para a ilha de Creta. La ela vai se tornar a mae de Minos e seu nome vai ser dado a uma das trés partes do mundo antigo. E curioso notar que a civilizagao euro- péia é, em grande pare horde dacalzaeao gTeG2. Por 6sse mito, vemos uma relacdo entre a Europa & ee COUEE HISTORIA 7 EAMM-NE Wo A. 25.4.8, ae S. a1 oe a Divine * CC) Raat QO Famale Um escriba egipcio trabaihando ¢ o nome Cledpatra escrito em hierogiifo. 18 VAVY PACHECO BORGES a Fenicia; ora, 0s fenicios sao os grandes navegadores que difundiram pelo Mediterraneo a civilizagao do Oriente Proximo; a eles devemos, entre outras con- tribuigdes, o alfabeto europeu ocidental © aparecimento da historia A explicagao mitica no vai, evidentemente, desa- parecer, continuando até hoje em quase todas as manifestagdes culturais, nao como a Unica forma de explicagao da realidade, mas paralela a outras, como a historia. Ao recontar ou recopiar essas explicagées, num certo momento, os homens passam a refletir sobre elas. E especialmente um estudioso dos mitos, Heca- teu de Mileto (col6nia grega da Asia Menor), no século Va.C., que vai, ao voltar do Egito, dizer: “Vou escrever © que acho ser verdade, porque as lendas dos gregos parecem ser muitas e risiveis". Na regiéo em que, Hecateu vive, cruzam-se muitas civilizagdes, e os viajantes, em seus contatos mutuos, vao-se esclare- cendo. A histéria, como forma de explicagao, nasce unida a filosofia. Desde 0 inicio elas estao bastante ligadas; a filosofia que vai tratar do conhecimento em geral. m seu inicio, 0 campo filosdfico abrange embriona- riamente todas as areas que depois iriam se afirmar a OQUEE HISTOR 10 como auténomas: a matematica, a biologia, a astro- nomia, a politica, a psicologia, etc. SA0 os préprios gregos que descobrem a importancia especifica da explicagao hist6rica. Herddoto, de acordo com a orien- tagao empreendida por Hecateu de Mileto, se propoe a fazer investigagbes, a procurar a verdade. Herédoto 'é considerado 0 pai da histéria, pois € 0 primeiro a 10 sentido de inves' quisa. Sua obra mais antiga comega assim: “Eis aqui @ exposigao da investigagao realizada por Herddoto de Halicarnasso para impedir que as ag6es realizadas_ pelos homens se apaguem com o tempo’. Ele e os primeiros historiadores gregos vao fazer indagagoes entre seus contemporaneos, aproveitando, para es- crever a histéria, também, as tradigdes orais e os registros escritos. Os cidadaos gregos querem conhecer a organiza- ao de suas cidades-estado, as transformagdes que elas sofrem. Percebe-se que emgeral os historiadores__ buscam explicagées para os momentos e situagdes. que atravessam as sociedades nas quais vivem, He- rédoto, por exemplo, estuda sobrotudo a guerra entre Os gregos e os persas (490-479 a.C.), grande con- fronto entre o Leste e o Oeste que marca o século V, no qual ele escreve; nessa guerra, os gregos, indo contra a expansao imperialista persa, garantem sua independéncia, o que vai permitir seu grande desen- volvimento posterior. Tucidides, outro historiador gre- 20 VAVY PACHECO BORGES go, estrategista de Atenas, que vive entre os séculos VelV aC., vai estudar as guerras do Peloponeso, entre Esparta e Atenas. Percebe-se, portanto, que os historiadores esto. ligados & sua realidade mais imediata, espelhando a preocupagao com questées do momento. Nao vemos mais uma preocupagao com uma origem distante, remota, atemporal (como existia no mito), mas sim a tentativa de entender um momento Jesu concreto, | presente ou proximamente passadof Ha uma narragao_ temporal cronolégica, referente agora a uma reali- fade concreta. No procuram mais conhecer uma realidade atemporal, mas a realidade especifica que vive, ade um determinado tempo e um determinado espaco. | A explicagao nao é 6 mais alribulda a causas sabre- _o(iumanas, nao sao mais 0s deuses os responsaveis- vie los dos homens. Estes comegam a exa- fatores humanos, como os costumes, oS interesses econémicos, a agao do clima, etc., embora ainda se encontrem referéncias aos mitos e aos deuses. Ha uma preocupagao explicita com a verdade, Po- libio, grego-e-histariador do sécula lla.C. (depots que que a-Gfécia foi conquistada por Roma), escreve: “Desde que um homem assume atitude de historiador, tem que esquecer todas as consideragdes, como 0 amor aos amigos e 0 édio aos inimigos... Pois assim como os (QUE E HISTORIA Ey seres vivos se tornam iniiteis quando privados de olhos, também a histéria da qual foi retirada a verdade nada mais é do que um conto sem proveito”. Ele testemunha a ascensao de Roma: sendo durante de- zesseis anos refém em Roma, procura saber como, em aproximadamente cinqiienta anos, os romanos se tornam donos do mundo habitado (na visao de entao, a zona mediterranea). A cultura romana 6, em grande parte, herdeira da cultura grega. As caracteristicas da historia na Grécia, 0s romanos acrescentam sobretudo uma nogao utili- taria, pragmatica: a hist6ria exalta o papel de Roma no mundo, servindo ao seu imperialismo. O mesmo Polibio escreve que Roma 6 “a obra mais bela e util do destino” e que todos os homens devem a ela se submeter. A historia 6 vista como mestra da vida, levando os homens a compreenderem o seu destino. Roma 6 0 centro do mundo, e a imposigao de seu destino € 0 destino histérico mundial. A hist6ria teolégica Aessa visao unificada da humanidade, os judeus, povo do Oriente Médio dotado de uma religiao e uma visao do mundo especificas, atribuem um outro sen- tido. Com a difusao da religiao judaico-cristaino Im- pério Romano, durante o periodo da desestruturagéo 2 VAVY PACHECO BORGES deste, temos grandes mudangas. O processo hist6rico ) pelo qual passa a humanidade 6 entao unificado nao( mais em torno da idéia de Roma, mas de uma visao | do cristianismo como fundamento e justificativa da historia. A influéncia do cristianismo é tao grande em) nossa civilizagéo que toda a cronologia de nosso passado é feita em termos do seu acontecimento central, a vinda do filho de Deus a terra. Cristo, tor- nando-se homem, possibilita a salvagéo da humani- dade, meta final da histéria. Todo o nosso passado dividido, como j4 notaram, nos tempos “antes de Cris- | to” (a.C.) e nos tempos “depois de Cristo” (d.C.). A / historia da humanidade se desenrolariade acordocom { um plano divino, sendo a vinda de Cristo a terra 0 centro desse processo. Ahistoria continua tendo uma viséo do tempo linear, cujo desenvolvimento é conduzido segundo um plano da Providéncia Divina. E a volta a uma explicagéo sobrenatural, semelhante & do mito, e também cos- mog6nica. Ela se impde no inicio do periodo medieval (séculos V e VI d.C.), perdurando como forma Unica por toda a Idade Média, quando se forma a civilizagao européia ocidental. A realidade agora esta dividida em dois planos: 0 superior, perfeito (representado por Deus) e o inferior, imperteito (representado pelos homens). Essa viséo é introduzida na historia por Santo Agostinho, em sua obra A Cidade de Deus; ele 6 0 primeiro formulador Que Ee HisTonA 2 de uma interpretacao teolégica da histéria (do grego, teos, ou seja, “deus*). O plano superior da realidade 6 a Cidade de Deus, enquanto que o plano inferior 6 a Cidade dos Homens. / O cristianismo 6 uma religido eminentemente his-}- térica, pois nao prega uma cosmovisao atemporal, mas sim uma concepgao que aceita um tempo linear, P que se ordena em fungao de uma intervengao divina| real na historia, Para a f6 crista, o fato de o préprio| filho de Deus se ter feito homem (sua vinda a terra preparada pelo povo judeu, através de seus profetas, seus reis e seus patriarcas) 6 um acontecimento his- t6rico, situado de maneira concreta, em determinado lugar e época. O sentido global da histéria da humanidade 6 re- velado por Deus aos homens, e a Igreja 6 a respon- savel pela orientagao da humanidade em sua busca. da salvagao. Os primeiros séculos da Idade Média vao _ser os da formagao da civilizagao européia ocidental. E entao | (que temos 0 aparecimento da Europa na hist6ria, com '2 afirmagao de uma identidade comum a diferentes Povos, que vivem uma forma de vida muito semelhan- te. As bases comuns a esses povos s40 0 mundo romano em desestruturagao e o chamado mundo bér- baro (composto por povos que viviam fora do dominio do Império Romano). Os elementos desses dois mun- dos vao se misturar lenta e completamente do 9 2 AVY PACHECO BORGES: IV ao Vil, através da influéncia da Igreja, que vad marcar profundamente toda a sociedade. E este um periodo muito importante para nés, pois somos, em grande parte e através de muitas vias, herdeiros dessa civilizagao. Estamos profundamente impregnados por seu modo de vida, seus valores, suas atividades culturais, etc. Todos ja vivenciamos a atrago que o chamado Velho Mundo exerce sobre nés, e a propaganda turistica faz tudo para aumentar esse sentimento. Os séculos iniciais da Idade Média sao de regressao demografica e cultural; a populagao vive em sua maior gate no campo e quase ninguém sabe ler (até o famoso imperador Carlos Magno era analfabeta!). A Igréja, grande proprietdria de terras, 6 quem registra a organizacao e as formas de trabalhar essas terras. So osinventarios das abadias de Saint-Germainsdos- Prés e de Saint-Denis, na Franga, os melhores docu- mentos para conhecermos como funcionava, na.seu inicio, o chamado sistema feudal, que se torna predo- minante do século IX em diante. Somente membros do clero sabem ler e escrever. ‘A maior parte do que foi escrito nessa época é feita pelo clero. Grande parte das fontes sao, poréxemplo, vidas de santos. A propria palavra clérigo (ou seja, ‘do clero”) quer dizer letrado, eminglés. Até hojenessa lingua a palavra conservou esses dois sentidos. OOUEE HISTORIA 2s a eae ea ee eee ee Os documentos leigos vao comegar a aparecer sé bem mais tarde, nos séculos XII, XIll, com o renasci- mento urbano e comercial; surgem como registros de comerciantes particulares, didrios de escudeiros, de cavaleiros famosos, de menestréis, etc. A historia esrita nesse periodo nao apresenta o mesmo tigor critico de investigacdo que apresentava entre os gregos, nem a mesma procurade compreen- $80 @ @xplicagdo: ela se compe sobretudo das cha- madas crénicas ou anais,,em que se relatam fatos, mais do que outra coisa. Os cronistas (a maior parte membros do clero) so elementos contratados por ‘uma casa real, um ducado, etc., para escrever sua histéria. Ha, portanto, nas obras deles, uma nitida vontade de agradar a quem os emprega. Nao ha uma Preocupagao em aferir a veracidade dos fatos; ha um predominio da tradi¢ao oral, sem se verificar 0 que jA se escrevera. A Idade Média é um perfodo em que se vé, asso- \ ciada a predominancia da fé, uma enorme credulidade > geral. Acreditava-se em lendas fantasticas, no paraiso terrestre, na pedra filosofal, no elixir da vida eterna, em cidades todas de ouro, etc. Existem lendas sobre ._ 08 mares estarem assolados por monstros, sobre a terra que terminava de forma subita por ser plana, ete. Toda essa mentalidade reinante refletiu-se na forma de se escrever a historia, na qual ha uma grande presenga do milagre, do maravilhoso e do impossivel. a de AVY PACHEGO BORGES Aos poucos isso tudo vai sendo substitudo por um melhor conhecimento do globo, que a Europa vai descobrir e explorar. S40 publicados estudos de geo- grafia, mapas, ha uma renovagao da viséo do mundo como um todo, e a histéria acaba refletindo essas alteragdes. \y A ccrudigdo, a razio e o progresso na histéria A sociedade européia ocidental esta, no periodo que 6 considerado como o inicio da Modernidade (século XVI), em plena desestruturagdo do sistema feudal. As condigdes de sociedade em crise permitem que um grupo social em formagao (a burguesia, em geral constituida por habitantes das cidades, com in- teresses no comércio e na industria, de inicio manu- fatureira, va se impor pouco a pouco, ao longo de alguns séculos, num fenémeno de urbanizagao inver- 0 a0 que se dera no final do Império Romano, e que se prolonga até nossos dias de forma inexoravel. Um mundo real devido 4 expansao comercial se estende a frente dos homens da Europa Ocidental, ¢ eles vao se dedicar 4 sua compreensao. Um huma- nismo que procura focalizar sua atengao no homem, como centro desse universo, se impde lentamente desde o final da Idade Média. O interesse pelo homem como centro do mundo vai surgir dentro e em oposigao OQUEE HISTORIA 2 @ uma sociedade medieval que esta preocupada sé com a fé crista, a qual entéo encerra a explicacéo Para todas as coisas; 0 peso da tradigéo 6 também um dos valores dominantes nesse periodo que termi- na. As mudangas sao lentas, mas constantes, em diregao a um abandono da antiga visio religiosa da historia que, porém, ainda influencia os filésofos e estudiosos dos séculos posteriores e possui adeptos até mesmo no nosso século. Qeantato com afilosofia arabe e, Por meio desta, fia grega, sobre- tudo a aristotélica, ificara_ bastante © ambiente cultural ‘da 6poca;-havia j4 desde os sécuilos XII e XII 0s que dividiam e os que conciliavam f6 e razao. Aos poucos, assim, vai-se formando uma concep- 940 nao teolégica do mundo e da histéda. Q conhe- cimentoln&o parte mais de uma a divina, tas de.uma explicagao da razao. O racionalismo se im dai em diante; no se procura mais a.salvagao ar Outro mundo, mas um progresso e a perfeigao aqui neste mesmo; nao se 6 mais guiado pela fé, mas pela razao. Uma outra corrente de pensamento, posterior- mente, se fortalece: 0 empirismo, que enfatiza o papel da experiéncia no conhecimento, recusando explica- Ses que nao se apdiem nos fatos. Durante o Renascimento, a cultura européia oci- dantal, desprezando os dez séculos medievais, pro- cura retomar a Antiguidade greco-romana, seus valo- Fes, sua arte, etc. Isso vai ter conseqiléncias impor- Ey VAVY PACHECO BORGES tantissimas para o conhecimento histérico. Com a preocupagao pelos textos antigos e por sua exatiddo, com a pesquisa e a formagao de colegGes de moedas, de objetos de arte, de inscrigdes antigas, vai ser le- vantado um enorme material para a reconstituicéo desse passado. Do século XVI ao XIX vao-se multi- plicar as técnicas para reunir, preparar e criticar toda essa documentacao, que fornece os dados e os ele- mentos para a interpretagao histérica. Esse conjunto de técnicas se aperfeigoa constantemente nesse pe- riodo e vai auxiliar a historia (seu conjunto constitui a erudig&o). Essas técnicas permitem que, nas polémicas levan- tadas pela divisao interna que se da na Igreja nesse periodo (a Reforma), numa procura de exatidao se busque saber exatamente o que se passou com a Igrejae ocristianismo. Um desses casos, porexemplo, 60deumamulher-papa, que teria existido nos séculos XI, XII ou XIll, a papisa Joana. No século XVI, des- cobre-se que isso fol algo criado no século XIII. Outro ‘exemplo tipico é 0 caso da Doagao de Constantino. Em 1440, descobriu-se que esse documento, impor- tantissimo durante a Idade Média, era falso, forjado no século VIII ou IX d.C. Seu texto relata a doagao feita por Constantino (imperador romano que conce- deu a liberdade ao cristianismo no ano 313 d.C.), ao papa Silvestre | da Italia e da cidade de Roma, assim como a primazia sobre os outros bispados mais im- OE E HISTORIA is portantes. Essa doagao era a base que justificava as pretensdes do papado, na Idade Média, a posse de territ6rios na Italia. Os estudiosos humanistas, numa linha que surge desde a segunda metade da Idade Média (século XII em diante), revivem a tradigao de critica dos filésofos (estudiosos de texto) e historiadores da Antiguidade. 'Do avango dessas técnicas eruditas é que nascem ou se afirmam a cronologia (estudo da fixagao das. datas), a epigrafia (estudo das inscrigdes), a numis- “ matica (estudo das moedas), a sigilografia (estudo dos selos ou sinetes), a diplomatica (estudo dos di- plomas), a onomastica (estudo dos nomes proprios), a herdldica (estudo dos bras6es), a genealogia (estu- do das linhagens familiares), a arqueologia (estudo dos vestigios materiais antigos), a filologia (estudo dos escritos antigos). Ha um esforgo continuo, através dessas técnicas, para se aprender a escolher os do- cumentos significativos, situd-los no tempo e no es- Pago, classifica-los quanto ao género e criticé-los quanto ao grau de credibilidade. No século XVIII, numa sociedade em plena trans- formagao, com a desestruturacao final do sistema feudal e o avango da ordem burguesa, surge o llumi- + nismo, corrente filosdfica que procura mostrar a t6ria como sendo o desenvolvimento linear progres- / Sivo e ininterrupto da razéo humana. Para os ilumi- “histas, a Idade Média foi o periodo das trevas (cau- 32363 pumantera cary 0 VAVY PACHECO BORGES sadas pela fé, como explicagao de tudo), mas agora, com 0 lluminismo, 0 conhecimento se aproxima da verdade ("iluminismo" vem de “luz"). Para esses filo- sofos, a humanidade ira cada vez mais dominar a natureza, numa evolugao progressiva constante}Com Voltaire, um dos maiores filésofos dessa escola, surge a preocupacao com a sociedade em seu sentido mais amplo — ele quer ver a “histéria da civilizagéo” —, preocupacao que acabaré impondo-se na Europa Oci- dental. © homem “‘iluminado’, levado pela fé em sua propria razao, trabalha para seu proprio progresso.| ‘Aburguesia, que depois das guerras napole6nicas, fica cada vez mais presente na Europa, vai procurar reorganizar suas formas de pensamento, buscando explicar a nova realidade. Nao so mais os tedlogos que esto no comando dessa explicago, mas sim os filésofos. O liberalismo é a explicagao, a justificagao racional dessa nova sociedade; essa corrente filosé- fica reclama o progresso através da liberdade, contra a forte autoridade das monarquias e da Igreja, que se. exerceu, durante muito tempo, em todos os niveis da sociedade. Depois da Revolucao Francesa, esse libe- ralismo, agora sem fungao destruidora, vai se fixar mais numa posigao organizadora dos estados nacio- nais liberais, cujo melhor exemplo 6 a Inglaterra. ‘Alguns historiadores do perfodo, chamados espe- cificamente de liberais, so muitas vezes estadistas, homens envolvidos na agao politica: com esse intuito ‘Ag. Keystone Voltaire: a razao na Historia. amplo produzem suas obras, em geral de carater ni- tidamente politico. No século XIX, temos a afirmagao dos nacionalis- mos europeus e conflitos dai recorrentes. Nesse sen- tido, os Estados em organizagao e estabilizagao (como a Inglaterra e a Franga) e os Estados ainda em pro- cesso de unificagao (como a Alemanha e a Italia) vao estimular o interesse pelo estudo de sua histéria na- cional. Surgem inimeras sociedades de pesquisa, go- vernamentais ou particulares. Cada pais vai levantar a documentagao referente ao seu passado. A Alemanha, em sua clara preocu- pao nacionalista, vai pesquisar sobretudo 0 perfodo medieval e procurar valorizar sua origem (barbara, ou seja, germanica). Compila uma série documental a Monumenta Germaniae Historica, que € a mais im- portante colegdo de textos medievais existente até hoje. E uma obra diretamente estimulada pelo governo e leva décadas 0 trabalho de recolhimento de textos, classificagdo, etc. Ai estao reunidas as mais variadas leis baérbaras © documentos sobre imperadores e pa- pas, cronicas, poemas, etc. Dentro dessa viséio nacionalista se encaixam alguns historiadores que so clasificados como romanticos pois, dotados de uma certa contemplagao sentimental da historia, procuram uma volta ao passado cheia de nostalgia. Para eles, a historia nao pode ser feita como OQUEE HISTORIA 2 uma anilise fria: o passado deve ser ressuscitado em todo o seu ambiente prdprio. A sua época predileta foi a Idade Média, com seus castelos, suas lendas e sua crueldade, seus cavaleiros e seus torneios, suas catedrais e seu misticismo. Para compreender a his- téria de cada nagao, preocupacao geral do século, os historiadores voltam ao passado, procurando carac- terizar 0 espirito de cada povo; esse espirito & que explica para eles sua situagao e sua maneira de ser. Ena Alemanha que surge a preocupagao de trans- formar a historia em uma ciéncia. A Europa vive uma 6poca de grande desenvolvimento das ciéncias natu- rais, como a fisica e a quimica. Os historiadores ale- maes, em reagao ao idealismo (que veremos daqui a pouco), querem que a histéria se torne uma ciéncia © mais segura possivel, como as ciéncias exatas. Pretendem um grau de exatidao cientifica semelhante: a elaboragao de métodos de trabalho analogos e efetivos, que estabelecessem leis e verdades de al- cance universal. Com a finalidade acima, seu trabalho vai se cen- tralizar numa critica serissima das fontes, visando ao al sa tendéncia, chamada “escola cientifica ale Leopold Ranke, cuja frase famosa exprime to 4 VAWY PACHECO BORGES realmente se passaram”. Seu trabalho 6 exigente, seguro, mas essa linha de orientacao vai acabar dan- do forga ao positivismo histérico, iniciado no século passado, mas com uma enorme influéncia até hoje. O positivismo coma filosofia-curge ligado as trans- formagdes da sociedade européia ocidental, na im- plantagao de sua industrializagao. Segundo essa for- ma de pensamento, cabe a historia um levantamento “cientifico” dos fatos, sem procurar interpreta-los, dei- xando & sociologia sua interpretagao. Para os histo- riadores positivistas, os fatos levantados se enca- deiam como que mecénica e necessariamente, numa relagao determinista de causas e conseqiiéncias (ou seja, efeitos). A histéria por eles escrita 6 uma suces- so de acontecimentos isolados, relatando sobretudo 0s feitos politicos de grandes herdis, os problemas dinasticos, as batalhas, os tratados diplomaticos, etc. Para realizarem trabalhos que considerem realmen- te cientificos, esses historiadores acham que é preciso ver 0 passado como algo morto, com o qual o presente em que vivem nada tem a ver, e que é possivel se ter em relacao ao objeto do passado que se estuda uma atitude absolutamente neutra. Nessa nova sociedade que se impée no século XIX aparece uma corrente filosdfica, 0 idealismo alemao, que traz enormes conseqiiéncias para a historia. He- gel, seu maior nome, vai estabelecer uma novaatitude (OQUE E HISTORIA Fo filos6fica frente ao conhecimento. Ele supera 0 tacio- nalismo que endeusa a azo, como a verdade abso- luta, e mostra que 0 conhecimento nao 6 absoluto, mas se constitui como um movimento, o dos con- trarios (lei da dialética: tese, antitese e sintese). Hegel transforma o conceito de progresso retilineo e indefinido (proprio do iluminismo) numa evolugao dialética em que nao é mais a razdo absoluta que explica tudo. A dialética, aceita desde a Antiguidade grega por alguns filésofos, 6 agora retomadaem outro sentido. O idealismo de Hegel 6 uma concepgao que mostra a primazia fundamental das idéias do homem em relacao a realidade e ao desenvolvimento do pro- cesso histérico. O materialismo historico e a historia académica No século XIX, temos a efetivagdo da sociedade burguesa e a implantagao do capitalismo industrial. criticado como forma de organizagao da sociedade; nessa linha, destacam-se dois pensadores, Karl Marx e Friedrich Engels. Ambos elaboram uma nova con- cepgao filosdfica do mundo (materialismo dialético), ao fazerem a critica da sociedade em que vivem e apresentarem propostas para sua transformagao. Seu método aplicado a histéria 6 0 materialismo hist6rico \ ) Ora, desde meados desse século 0 capitalismo 6 / | ( ( * VAVY PACHECOBORGES Os dois estudam sobretudo 0 capitalismo, a socie- dade burguesa, suas leis de evolugao e a transforma- cao dessa realidade fundamental que, da Europa, se estende ao resto do globo. Estudam, introdutoriamen- te, as formas de sociedade que precedem acapitalista. Ao fazer esses trabalhos, aplicam 0 método do ma- terialismo hist6rico, 0 que vai provocar, até nossos dias, uma mudanga definitiva na forma de pensar e produzir a histéria. Porém, como o materialismo hist6rico e seus fun- dadores estao, desde 0 inicio, ligados a uma tentativa de transformagao revolucionaria da sociedade capita- lista burguesa, sua influéncia na producao histérica da segunda metade do século passado 6 muito pe- quena. Apesar de haver por parte de muitos uma recusa formal e consciente dessa nova teoria, essa acaba Por influenciar todos os historiadores ocidentais, ao chamar a atengao para elementos fundamentais que nao eram anteriormente levados em conta. O materialismo historico mostra que os homens, para sobreviver, precisam transformar a natureza,.o Fazem-no no isoladamente, mas em conjunto, agindo em sociedade; estabelecem, para tal, relagdes que nao dependem diretamente de sua vontade, mas do mundo que precisam transformar e dos meios que vao utilizar para isso. Todas as outras~ Cove E HisTORIAS a oe relagdes que os homens estabelecem entre si depen- dem dessas relagdes para.a produgdo da vida, nao sob uma forma de dependéncia mecanica, direta e determinante, mas sob forma deum condicionamento. O ponto de partida do conhecimento da realidade sao. as relagdes que os homens mantém com a natureza e com os outros homens; no so as idéias que-vao provocar as transformacées, mas-as-eondigdes ma- teriais e as relagdes entre-os homens. - Essa atengao para 0 aspecto da produgao da vida material vai comegar a aparecer nos trabalhos dos historiadores nao marxistas: desde 0 inicio do século XX ha uma reagao contra a histéria positivista, que praticamente nada explicava, e, em sua procura de explicagao, os historiadores vao comegar a levar em conta os fenémenos da produgao (para eles produgéo = economia). Para Marx e Engels, a historia 6 um processo di- namico, dialético, no qual cada realidade social traz | dentro de si o principio de sua prépria contradig&o, o que gera a transformagao constante na historia. A realidade nao é estatica, mas dialética, ou seja, esta em transformag&o pelas suas contradigées internas. No processo histérico, essas contradigdes séio gera- das pela luta entre as diferentes classes sociais. Ao chamar a atengao para a sociedade como um todo, Para sua organizacao em classes, para o condiciona- Ey \VAVY PACHECO BORGES mento dos individuos a classe a que pertencem, esses autores também exercem uma influéncia decisiva nas formas posteriores de se escrever a hist6ria. Seus grandes legados a historia, portanto, sao a ) contribuigao para a andlise do capitalismo e a intro- , dugao do novo método de analise da realidade. Os trabalhos marxistas sobre a histéria vao proliferar na~ Russia, da segunda década do século em diante, com a subida de Stalin ao poder (1924). Eles so, porém, dominados por uma visao dogmatica, autoritaria, em que as finalidades politicas de implantagao-de uma sociedade socialista, segundo a visao de Stalin e seu partido, superam a finalidade de uma procura cuida- dosa de explicagdo da realidade, Esse dogmatismo leva a um empobrecimento do pensamento marxista, pois nao vé a realidade como dialética. Ele absolutiza 0 Estado e o poder, simplificando e esquematizando a hist6ria. Somente a partir de 1956, quando 0 dog- matismo stalinista comega a ser denunciado na Uniao Soviética, 6 que se vai, no campo dos historiadores marxistas, procurar superar os erros cometidos. ’ Na Europa, as primeiras universidades datam do século XIll, mas 6 somente no século XIX que o conhecimento histérico passa, a ter uma presenga especifica em seus curriculos- Dai em diante, 0 co- nhecimento historico passa a ser produzido sobretudo no ambito das universidades. Nessas domina uma vis&o filosdfica liberal, e o materialismo hist6rico nao OQUEE HISTORIA = 6 ai adotado, por estar associado, desde seu surgi- mento, a critica e transformagao revoluciondria da sociedade capitalista. Aos poucos, porém, vao aparecendo influéncias dessa teoria da historia; elas sao parciais e, nos meios universitarios, ainda predomina, até o século XX, a chamada hist6ria positivista; 6 uma histéria escrita sempre sob 0 viés nacional, orientada por preocupa- ¢&o essencialmente politica. E sobretudo na Franga que ocorrem as primeiras transformagées dessa histéria. Os trabalhos iniciais que revelam essa revisao s4o os elaborados pelos historiadores franceses, professores universitarios, da década de 30. Esses trabalhos sao publicados na revista Anaes de Histéria Econémica e Social, cujo primeiro numero 6 publicado em janeiro de 1929. Esse grupo ficou conhecido como a “escola francesa” ou “escola dos Anaes”; seus grandes iniciadores foram Marc Bloch e Lucien Febvre. Numa luta contra uma histéria que fosse somente politica, narrativae factual, a partir do desenvolvimento de outras ciéncias do homem, utilizando como inspiragdo suas técnicas e seus métodos, sao agora os responsaveis, como 0 foi © materialismo histérico, por um novo grande impulso no conhecimento hist6rico. Embora sem uma unidade tedrica, abrem, pelo exemplo de indmeros trabalhos, um campo mais amplo de andlise, além do limitado positivismo. Em vez do estudo dos fatos singulares, ABO3 BIBLIOTE FAFL +B « AVY PACHECOBORGES procuram chamar a atengao para a analise de estru- turas sociais (econémicas, politicas, culturais, religio- sas, etc.), vendo seu funcionamento e evolugao. Acei- tam uma histéria total, que veja os grupos humanos sob todos os seus aspectos e, para tal, uma historia que esteja aberta as outras areas do conhecimento humano, numa visdo global: economia, sociologia, politica, etc. Perspectivas atuais Aexpanséo colonialista levou a Europa a entrar em contato com outros povos, outras formas de vida, outros costumes, outras instituigdes; mas essas outras formas de organizag&o social eram sempre compara- das com a forma de organizagao européia, que era considerada como o padrao. A expansdo imperialista da Europa (ligada ao seu grande desenvolvimento industrial) acentuara esses contatos entre povos e culturas./O eurocentrismo, esse privilegiamento, essa colocaco da sociedade européia como modelo das outras, porém, continua. Do ponto de vista do euro- centrismo, a histéria 6 apresentada como um processo de desenvolvimento éontinuo, desde a pré-historia até 0 periodo contemporaneo; ela parece ter como meta final a civilizagao européia ocidental conforme esta se apresenta constituida no inicio do século, com seu ave € HISTORIA “ grande desenvolvimento técnico, econémico e cultu- ral. E légico que isto nao esta assim tao claramente enunciado, mas 6 0 que se sente nas entrelinhas de muitas das obras de historia européia. ‘A Segunda Guerra Mundial, ao projetar a importan- cia dos EUA, da Russia e do Japao, mostra aos historiadores a necessidade de rever suas posigdes eurocentristas. O grande papel desempenhado pelos EUA e pela Russia na vit6ria contra Hitler e nas pos- teriores conversagées de paz levou alguns historia- dores, em especial o inglés Geoffrey Barraclough, a rever 0 eurocentrismo. A Europa no poderia mais ser vista como 0 centro do mundo; explicar a histéria em fungao da historia da civilizagao ocidental nao faz mais sentido. E preciso, para se entender a presente situag&o, comegar a olhar para as outras partes de nosso globo. As mudangas ocorrem muito vagarosa- mente, e até hoje temos muita influéncia dessa visao eurocentrista. As maiores influéncias nos trabalhos de histéria, da metade do século em diante, sao, portanto, no mundo: ocidental, a visao do materialismo histérico e a visao da “histéria das civilizagdes”, ligada & escola dos “Anaes’, também chamada “escola francesa”. Elas partem de explicagdes da realidade bem opostas, pois. 0 Método com que abordam o estudo da realidade é basicamente diferente. Aparentemente podemserfei- \VAVY PACHECO BORGES tas algumas aproximagées entre essas duas visées. ‘Ambas se preocupam com a sociedade como um todo ecomalenta evolugao do processo historico. Ha entre seus historiadores uma preocupagao com uma expli- cago histérica do seu tempo e com a produgao da vida econémica. Os herdeiros da chamada “Escola dos Anaes”, a partir dos anos 70, galgaram os mais importantes postos académicos e editoriais; a partir disso, atingi- ram o grande publico francés muito interessado em historia, através dos grandes semanérios e horarios nobres em televisdo. Produzem o que 6 chamado nao muito corretamente de “nova histéria”, porque conti- nuam se inspirando em uma tradi¢ao interdisciplinar francesa que vem do inicio deste século; procuram trabalhar a partir de objetos, abordagens, fontes e documentos utilizados por outras disciplinas. Muitos comegaram a trabalhar com a chamada “historia serial", produzindo suas conclusdes a partir de fontes de dados estatisticos organizados em uni- dades temporais homogéneas e comparaveis. Em geral, nao se interessam somente pelas mudangas, mas também pelas permanéncias. Ha cada vez mais uma preocupagao pelo que existia dentro da cabega dos homens, em todos os seus aspectos; assim, al- guns trabalham com a chamada “historia das menta- lidades”, por exemplo, fazendo a histéria da morte, ou da alimentagao, do sexo, ou do medo no Ocidente. OQUE EHISTORA «© Ha uma preocupagao com os detalhes do cotidiano dos homens, em seus diversos grupos sociais. Alguns historiadores pretendem iluminar o mais geral do gru- PO, a partir de um Unico caso bem documentado; outros No se preocupam em pensar a sociedade como um todo, em localizar na totalidade social seu objeto de estudo. Valorizam entaéo novamente o fato Unico e singular, embora nao como o fazia a hist6ria positivis- ta, mas a partir do pressuposto que a diferenca 6 a forma essencial para se pensar a constituigéo de uma sociedade. Este breve resumo pretende introduzir 0 leitor no caminho percorrido pelo conhecimento histérico em seus aspectos tedricos e metodolégicos: quer mostrar como foi concebido e até hoje trabalhado. Percebeu-se, a partir da segunda metade deste) século XX, que a historia que fica escrita 6 sempre | marcada pela visao, pelos desejos, pelos interesses da chamada “classe dominante”. Qualquer sociedade ‘sempre se estrutura em diferentes grupos ou classes, uma das quais detém o poder politico, o poder eco- némico e o prestigio social. De uma forma sutil emuito bem articulada, nao visivel pelos incautos, @ s6,per ceptivel numa analise muito acurada, 0 grupo. BIBLIOTECA FAFI - Be “ AVY PACHECO BORGES dominante tenta sempre, por mecanismos muito com- plexos, impor aos outros grupos seu modo de ver a realidade, 0 que vai reforgar os seus interesses, pois ihe permite manter sua situagao de privilégio. Nessa visdo de mundo que é imposta esto implicitos seus valores, seus preconceitos, etc. Essa dominacao, evi- dentemente, nunca é total (nao ha nada de “absoluto” na historia dos homens), nem completamente cons- ciente e racional. Se assim fosse, nao se poderia pensar em transformagées. A dominagao tem suas proprias contradigdes e ambigilidades. . Assim, dentro do campo especifico da historia, ha ] um certo controle, nao explicito mas pratico, do registro ( e da documentagao. E muito dificil encontrar-se, por} exemplo, documentos da vida dos escravos na Grécia” classica (século V a.C.). Sabe-se, porém, que [4 havia uma populago com a proporgao de um homem livre para cada trés ou quatro escravos. Eram os cidadaos | livres os elementos que constituiam a classe dirigente da sociedade ateniense, e nao temos quase docu- mentagao sobre esses escravos, embora eles nao fossem analfabetos (eram prisioneiros de guerra de outras regides). No caminho percorrido, portanto, vemos que a his- °) toria nunca foi escrita sob a otica dos escravos da | Antiguidade ou dos servos medievais, mas somente sob a dos cidadaos livres da Grécia e de Roma e dos OQUEE HISTORIA “ senhores feudais sob a orientagao da Igrej , | te, viu-se a histéria escrita sob a ética da burguesia, | em suas inUmeras configuragées, em diferentes e| multiplos caminhos que nos mostram uma sociedade cada vez mais complexa e da qual possuimos cada | vez mais documentagao. J Do ponto de vista das técnicas de pesquisa, a historia esta em desenvolvimento constante. Desde as primeiras investigagdes gregas até o uso do com- putador, as formas de registrar os fatos histéricos e de utilizar suas fontes vém tendo um continuo aper- feigoamento. + Hoje, a0 terminar 0 século XX, cada vez mais a perspectiva de que uma obra de hist6ria 6 uma cons- | trugao do préprio historiador se impée: 6 ele quem | escolhe seu objeto, escolhe como vai trabalhd-lo, expé-lo, num abandono da crenga positivista em uma possivel neutralidade, pelo distanciamento entre o his- toriador e seu objeto de estudo. Também nao se pensa mais a hist6ria dos homens» como algo absoluto, objetivo, que esta prontinho nos arquivos, sendo somente necessario ir la buscar seus 1 dados para se ter da Hist6ria/— com “h” maitisculo — somente uma versao “verdadeira e Unica”. Pode-~ riamos dizer entao que a histéria nao 6 o passado, mas um olhar dirigido ao passado: a partir do que esse objeto ficou representado, o historiador elabora, “ \VAVY PACHECO BORGES: sua propria representagao. A histéria se faz com do- cumentos e fontes, com idéias e imaginagao. Assim 0 conhecimento hist6rico mergulha cada vez mais nas formas de sua propria produgao, em como foi e em como pode e deve ser escrito, isto 6, sua propria hist6ria e nas formas de procedimento que Ihe 840 préprias como forma de conhecimento. J A HISTORIA, HOJE EM DIA No novo dicionario Aurélio, ao se procurar 0 termo “histéria” encontramos muitos significados para a pa- lavra, Entre uns quinze enumerados, podemos des- tacar alguns que enfocam a histéria como: o passado da humanidade, o estudo desse mesmo passado, uma simples narragao, uma “lorota’, uma complicagao, etc. . Todos esses conceitos podem ser vistos como rela- cionados ao conceito atual de histéria. Como se percebe pelo primeiro capitulo, a historia de que aqui tratamos esta ligada.aos dois pri sentidos mencionados e que colocam clara ambigiiidade fundamental do termo: ele mesmo tempo, os acontecimentos-que se: @ 0 estudo desses acontecimentos.. Em « AVY PACHECO BORGES outras linguas, como por exemplo o alemao, existe mais de um termo. A histéria é a historia do homem, visto como um ser social, vivendo em sociedade. E a histéria das transformagdes humanas, desde o seu aparecimento na terra até os dias em que estamos vivendo. Desde © inicio, portanto, pode-se tirar uma conclusao funda- mental: quer saibamos ou nao, quer aceitemos ou ndo, somos parte da histéria, e todos desempenhamos nela um papel. E temos entdo todos, desde que nascemos, uma agao concreta a desempenhar nela. So os homens que fazem a hist6ria; mas, eviden- temente, dentro das condig6es reais que encontramos ja estabelecidas, e nao dentro das condigées ideais que sonhamos. Eis af a razéio de ser, a justificativa da histéria, em seu segundo sentido: o conhecimento historico serve para nos fazer entender, junto com ou- tras formas de conhecimento, as condig6es de nossa realidade, tendo em vista o delineamento de nossa atuagdo na historia. Os dois sentidos da palavra esto, pois, estreita- mente ligados: os acontecimentos histéricos (a hist6- ria-acontecimento) sAo 0 objeto de analise do conhe- cimento histérico (da histéria-conhecimento). Num extensdo ampla dos dois sentidos, hist6ria se- ria entao aquilo que aconteceu (com o homem, com a natureza, com 0 universo, enfim) e o estudo desses (OQUEE HISTORIA ° acontecimentos. Tudo tem sua historia, pois sabemos que tudo se transforma o tempo todo. Mas aqui nos interessam principalmente as transformagées das so- ciedades humanas. O sentido mais difundido do termo é 0 primeiro; a maior parte do tempo em que falamos em “histéria”, referimo-nos, por exemplo, a “historia da América’, ou “as grandes figuras da historia”. Mas aqui tratamos especificamente do segundo sentido, 0 de conheci- mento histérico, cujo objeto sao as transformagées permanentes dos homens vivendo em sociedade. O primeiro capitulo apresenta um breve resumo de como foi produzido até hoje este conhecimento. Neste capitulo veremos como é hoje compreendida e pro- duzida a histéria. Essa conceituago atual é resultante do longo caminho da histéria, observado no primeiro capitulo. O que € a hist6ria e para que serve? A funcao da historia, desde seu inicio, foi a de proxima as outras areas do conhecimento que estu- dam o homem (a sociologia, a antropologia, a econo- mia, a geografia, a psicologia, a demografia, etc.), procurando explicar a dimensdo que o homem teve e 40 sobre ela mes-, - * AVY PACHECO BORGES tem em sociedade. Cada uma dessas areas tem seu enfoque especifico. Uma visao mais ampla e mais completa, entretanto, exige a cooperagao entre as di- versas areas. Isso tem sido tentado pelos estudiosos com maior ou menor éxito, no chamado trabalho in- terdisciplinar, pois inclui diferentes disciplinas. A his- tria 6 hoje, entre as ciéncias humanas, uma ciéncia bastante fecunda sobretudo devido a isso. ~ A historia procura especificamente ver as transfor- magoes pelas quais passaram as sociedade humanas. A transformagao é a esséncia da historia; quem olhar para tras, na historia e sua propria vida, compreenderé isso facilmente. Nés mudamos constantemente; isso 6 valido para o individuo e também 6 valido para a sociedade. Nada permanece igual, e é através do tem- po que se percebem a mudangas. EYtudar as mudangas significou durante muito tem- pO uma preocupagéio com momentos que séo vistos como de crise e de ruptura... Hoje se sabe que mesmo mudangas que parecem stibitas, como os movithentos revoluciondrios, ndo somente foram lentamente pre- parados — de forma voluntaria e involuntéria, por di- ferentes circunstancias — mas nao conseguiram mu- dar totalmente as estruturas das sociedades onde se realizaram; séo exemplos significativos tanto a Revo- lugao Francesa como a Revolugéo Russa de 1917. © OUe E HISTORIA 31 Percebe-se, ligado a isso, uma preocupagao cada vez maior dos historiadores nao sé com mudangas mas também com as permanéncias. O tempo é a dimensdo de analise da histéria. 0 tempo histérico através do qual se analisam os acon- tecimentos nao corresponde ao tempo cronolégico que vivemos e que é definido pelos relégios e calen- darios. No tempo histérico podemos perceber mudan- gas que parecem rapidas, como os acontecimentos cotidianos: por exemplo num golpe de Estado, cujo desenrolar acompanhamos pelos jornais. Vemos tam- bém transformagées lentas, como no campo dos va- lores morais: 0 machismo, por exemplo, 6 um valor que impera na maior parte das sociedades que histéria estuda, a ponto de se poder dizer que a hist6ria que esté escrita mostra um processo praticamente sO conduzido pelos homens. No Ocidente, aproximada- mente de um século para c4, surge um questiona- mento mais constante desse valor milenar. Isso se da em grande parte devido a uma participagdo maior da mulher no processo de produgao. Quase sempre que a histéria da humanidade nos 6 apresentada, 6 a evolugao da sociedade européia ocidental que é tomada como modelo de desenvolvi- mento. Essa posi¢o eurocéntrica 6 errada: do ponto de vista da historia, a evolugdo da sociedade européia ocidental, com seu alto grau atual de desenvolvimento 2 AVY PACHECO BORGES: tecnolégico, nao deve ser um padrao de comparagao para se estudar a historia de qualquer outra parte do sistema capitalista, como, por exemplo, a América Latina. Nao se deve, por meio desse tipo de compa- ragao, julgar se uma sociedade esta “atrasada” ou “adiantada” em seu desenvolvimento historico. Nao ha uma linha constante e progressiva de de- senvolvimento na hist6ria da humanidade, para todas as sociedades ou nagées. Temos, ao mesmo tempo, hoje em dia, sociedades com formas de vida primitivas, consideradas ainda no chamado periodo pré-histérico (por exemplo, como certas tribos na Nova Zelandia), e sociedades com um grau de desenvolvimento que permite exploracées interplanetarias (como fazem os americanos e os russos). Nose percebe, ainda como ‘exemplo, uma linha constante e progressiva da pas- sagem, a partir da Antiguidade, do trabalho escravo ao trabalho assalariado: a escravidéo quase que de- saparece na Europa Ocidental, durante a Idade Média, para reaparecer na Idade Moderna, imposta pelos europeus nas Américas, como forma de relacao de trabalho dominante. Nao se deve, portant, identificar a idéia de processo historico com a de progresso necessério. Assim, na chamada Histéria Universal, ou, no cam- po mais didatico de uma Histéria Geral, portanto, dizer-se que existe um processo hist6rico linear, con- © ove E HISTORIA 53 tinuo, progressista é algo que no deve ser feito. Uma historia geral ou universal nao deve ser assim pensa- da. O desenrolar de cada sociedade é muito caracte- ristico, 6 Unico; hoje em dia estamos cada vez mais temerosos de pensar na possibilidade de leis para suas transformagées, pois se acredita que cada uma mude segundo ritmos e formas especificas. As alteragées sao decorrente da agdo dos préprios homens, sujeitos e agentes da historia. Nao é uma evolugao que se possa chamar de natural: a historia da humanidade é diferente da da natureza e a natureza também tem sua historia, pois ela também passa por mudangas; todo 0 universo, nas suas mais diferentes partes, sofre mudangas, e por isso tem sua histéria. Mas a historia é diferente justamente por ser feita pelos homens/ S46 os homens constituidos em sociedade que, embora nem sempre deliberada e consciente- mente, atuaram e atum para que as coisas se passem de uma ou de outra maneira, para que tomem um rumo ou outro. A entidade “Historia” nao existe. Uma forga superior externa aos homens (uma divindade, a determinagao das forgas produtivas, etc...), que os conduzisse como vefculos, nao existe. Nao se deve buscar uma razao para um desenrolar da historia da humanidade. O sentido dos diferentes acontecimentos historico e dos processos espeoffi- BIBLIOTECA FAFT - BY AVY PACHECOBORGES cos de transformagées sociais devem ser procurados nos préprios acontecimentos, através dos proce mentos que aqui introduziremos brevemente. A traje- téria do homem na terra 6 indeterminada, em busca de sua prdpria razao de ser. A finalidade desse co- nhecimento nao é explicar a razao de ser do homem na terra, nao é dar uma justificativa do que aqui es- tamos fazendo. Sua finalidade ¢ i que realmente aconteceu e acontece com os homens, _ o.que com el retamente. Essa andlise nao é para buscar uma filosofia da vida. ‘Saber 0 que o homem fez em sociedade desde que esta na Terra mostra muito sobre o proprio homem, ajuda a entendé-lo.e a-entender as sociedades, é como 0 fato de se saber o que faz e fez uma pessoa ajuda aentendé-la. Explicaras transformagées sociais esclarecendo seus comos e porqués leva a perceber que a situagao de hoje é diferente da de ontem. Isso pode nos permitir, seja uma grande satistagao propor- cionada pelo conhecimento, seja um melhor embasa- mento de nossas atuagées concretas na sociedade, ou mesmo as duas coisas. Nao estamos aqui falando ‘em se tirar ligdes de moral da hist6ria. Falamos sempre emChumanidade")Como ela esta em constantes transformagoes, Nao existe uma “es- séncia humana imutavel” desde 0 inicio dos tempos, mas homens diversos, em situagées diversas. A hu- OOUEE HISTORIA 5s manidade nao é um todo homogéneo, e a historia nao a analisa assim. Na realidade, dificilmente a historia- dor pode tratar, ao mesmo tempo, de toda a humani dade. Ao escrever a historia, em geral ele se ocupé especificamente de uma determinada realidade con- creta, situada no tempo e no espago. Estudam-se uma tribo, um povo, um império, uma nag&o, uma civili- zago, como, por exemplo, 0 povo judeu, antes do nascimento de Cristo; a formagao do Império Ma- cedénico, a civilizagéo greco-romana, o surgimento da Franga, etc. O homem é um ser finito, temporal e histérico. Ele tem consciéncia de sua historicidade, isto 6, de seu carater eminentemente historico. Q homem vive em um determinado periodo de tempo, em um espago fisico concreto; nesse tempo e nesse lugar ele age sempre, em relagao a natureza, aos outros homens, etc. E esse o seu cardter historico. Tudo 0 que se relaciona com 0 homem tem sua histéria; para des- cobri-la, 0 historiador vai perguntando: o qué? quan- do? onde? como? por qué? para qué?... Todos percebemos, por experiéncia, a ligagdo ba- sica implicita dentro da idéia geral de tempo: passa- do-presente-futuro. Fazer uma histéria do presente nao 6, escrever sobre ele, mas sobre indagagées e problemas contemporaneos ao historiador. E preciso conhecer 0 presente e, em historia, nés 0 fazemos % AVY PACHECO BORGES sobretudo através do passado, remoto ou bem préxi- mo. Conforme o presente que vivem os historiadores, so diferentes as perguntas que eles fazem ao pas- sado e diferentes sao as projegdes de interesses, perspectivas e valores que langam no passado. Eis Por que a histéria é constantemente _reescrita. 1Ss0 se resume bem na frase: “A historia é filha de_seu tempo”. Mesmo quando se analisa um passado que nos parece remoto, portanto, seu estudo é feito com indaga¢des, com perguntas que nos interessam hoje, para avaliar a significag&o desse passado e sua re- lagéo conosco. A historia vista como o estudo do passado parece hoje para todos um ponto pacifico. Mas a histéria tam- bém é aceita como o estudo do passado em fungao de um presente desde os historiadores gregos. A ligag&o da historia com 0 futuro, porém, 6 bem mais sutil: nao se pode falar em uma histéria do futuro. Qualquer colocagao nesse sentido é mera especula- 40. Pode-se falar em tendéncias, probabilidades, pos- sibilidades historicas, mas n&o mais do que isso. Fazé- lo seria impor um esquema prefixado de como as coi sas devem ser passar, 0 que 6 impossivel. A partir de um diagnéstico do presente, ela pode ajudar a de- linear ag6es, ndo mais que isso. OQUEEHSTORIA o Assim, fica bem claro por que no se define hist6ria hoje como o desenrolar de um processo evolutivo, linear, determinado por diferentes forgas, mas como um campo de diferentes possibilidades; falando-se por imagens, podemos pensar o desenrolar da histéria nao como uma régua, mas como um caleidoscépio. Vive- mos desde 0 final dos anos oitenta uma crise da cons- trugéo de modelos tedricos explicativos das transfor- magdes das sociedades criado pelas ciéncias huma- nas, em especial pela sociologia e que tiveram uma grande influéncia na historia. O historiador deve ficar sempre muito atento para nao tentar atribuir a poste- riori — pois o historiador trabalha sempre sobre um acontecimento, uma realidade, que j4 se deu — uma racionalidade que nao exista. Na Europa, em meio as grandes transformagoes que vém desde os meados deste século apés a Se- gunda Guerra Mundial, percebeu-se um grande de- senvolvimento do conhecimento histérico, sobretudo em fung&o da demanda da sociedade para entender suas mudangas. O atual impacto da “histéria politica” — hoje renovada de seu enfoque antigo e tradicional, ou seja, 0 estudo das grandes figuras governantes, das batalhas, dos tratados e das constituigdes — se da através de exame de novos objetos, como por exemplo 0 estudo do imaginario e das sensibilidades politicas, e tem essa origem. O desenvolvimento atual de uma “histéria cultural” na Franga, nessa mesma s VAVY PACHECO BORGES linha, 6 visto como ligado a avidez da sociedade con- temporanea francesa de aprender as relagoes entre valores e normas no campo das motivagées das agées sociais. Para muitos, 0 conhecimento do passado serve para manter as tradigdes, por vezes no sentido de tentar impedir as permanentes mudangas; para ou- tros, 0 sentido da histéria é propiciar 0 desenvolvi- mento de forgas transformadoras das sociedades. Portanto, em resposta a pergunta “para que serve a historia?” surgem respostas diversas e por vezes opostas. Como produzir a historia? historiador examina sempre uma determinada realidade, que se passou concretamente em um tem- po determinado e em um lugar preciso. Sua primeira tarefa é situar no tempo e no espago 0 objeto que ele quer estudar: a Inglaterra no inicio do capitalismo, os descobrimentos portugueses dos séculos XV e XVI, a revolta dos estudantes parisienses em maio de 68, etc. Cada realidade histérica é Unica, nao se repetindo nunca de forma igual. trabalho de investigacao do historiador tem pro- cedimentos muito semelhantes aos do detetive: 6 uma pesquisa no sentido policial do termo, buscando indi- OQUEE HISTORIA ° O historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em plena atividade da pesquisa. cios, provas e testemunhos, para encontrar os condi- cionamentos, os motivos e as razoes. S6 se pode conhecer algo do passado através do que desse ficou registrado e documentado para a posteridade. A maior parte da documentacao utilizada em histéria é escrita, a ponto de se considerar, impro- priamente, como “tempos hist6ricos” aqueles que se iniciam com a invengdo e a difusdo da escrita. Na verdade, isso nao é correto. O homem tem historia desde que ele existe na Terra, mesmo que ela nao esteja devidamente documentada para as geragées que vieram depois. Alguns periodos histéricos ficaram muito pouco do- cumentados por escrito. Para conhecé-los 6 preciso © auxilio das técnicas auxiliares da hist6ria, que sur- gem no século XVI e que so as nicas a ajudar a reconstituir uma determinada época. Por exemplo, 0 estudo dos povos barbaros que invadem o Império Romano entre os séculos Il e V d.C. 6 um dos mais incompletos, pois praticamente nao é documentado por fontes escritas. E sé com a ajuda da toponimia (estudo dos nomes de locais), da lingiiistica (estudo das linguas), da numismatica e da arqueologia que se pode chegar a algumas conclusées. O importante e essencial é que 0 trabalho do his- toriador se fundamente numa pesquisa dos fatos com- provados concretamente. Em geral, 6 comum, sobre- tudo em realidades histérieas mais proximas de nés, OOUEEHISTORA a que os vestigios dessas realidades sejam inumeros e que o trabalho do historiador se inicie por uma selegao desses dados. Essa selegao é feita em funcao dos a do passado que Ihe paregam mais significa- ivos. Adiversidade dos testemunhos do passado 6 muito grande. Tudo quanto se diz ou se escreve, tudo quanto se produz e se fabrica pode ser um documento his- totico. Antigamente aidéla de um documento historico ‘era _a de “papéis velhos”referentes.a“pessoas im- portantes” (reis, imiperadores,-generals, grandes no- mes das-artes ou das 1 ‘algigeas sex-as quals eram \ vistas Como os condutores da historia. Atuatmente tem-se consci de entre outros exemplos, 7 “uma caderneta de despesas de uma dona-dé-Casa, um | programa de de teatro, um sardipio de Yestaurante-umn \ folhete de propaganda sao vocumentosthistériess-sig- | nificativos e reveladores de seu jento- a ‘As fontes ou doclimentos N&O S40 Um espelho fiel da realidade, mas sao sempre a representagdo de parte 6U momentos particulares do objeto em questao. | Uma fonte representa muitas vezes um testemunho,” a fala de um agente, de um sujeito histérico; devem ser sempre analisadas como tal. Fazer-se uma listagem de fatos, sem carater expli- cativo, nao é histéria, 6 cronologia, que é uma parte que deve embasar o trabalho do historiador. Fazer uma interpretagao historica sem base concreta dos e ‘AVY PACHECO BORGES fatos € ficgao historica, e estd muitas vezes a servigo de outros interesses, em geral mais imediatisticos ligados a disputas de poder. Os fatos devem ser trabalhados pelo historiador de forma cuidadosa, conforme os métodos mais re- | centes e aplicdveis ao seu objeto de estudo. Infeliz- mente, a pesquisa do historiador, como a do deteti- ve, toma muito tempo e deve ser sobretudo muito critica e cautelosa; é preciso que nos lembremos sem- pre que a pressa é a grande inimiga do trabalho intelectual. Na atual sociedade de massas, todos os meios de ‘ comunicagéo — a chamada midia — fornecem fontes riquissimas para a historia dos tempos mais proximos, as quais devem ser manipuladas pelos historiadores | com cuidados especificos. Até agora, as fontes escri- | tas tém sido as mais aproveitadas; muitos trabalhos de historia feitos com a imprensa tém utilizado esse tipo de fonte respeitando sua especificidade; por exem- | plo, 0 joral. Para os historiadores positivistas, que; procuravam “uma verdade absoluta”, o jornal no po- | dia ser considerado um documento valido na medida em que continha uma subjetividade implicita. | Hoje é sabido que um 6rgao da imprensa estésem- pre defendendo posigdes, querendo formar opinies, ao vender informagao. E justamente isso que permite ao historiador detectar a posigéo politico-ideologica do jornal, ou seja, o que pensam de politicae quala OQUEE MSTORI seyrog “By Nos jornais toda a histéria de uma época. 6 VAVY PACHECO BORGES visdo da realidade que tém os proprietarios ou dire- tores do jornal, ou melhor, o grupo social que eles representam. E facil exemplificar, chamando a aten- 0 dos leitores para a diferenga entre um jornal da chamada imprensa burguesa e um jornal da cha- mada imprensa alternativa ou. Por meio da multipli- cidade de informagées, problemas, temas e teste- munhos que nos chegam em um jornal, podemos atingir muito da riqueza da realidade multifacetada de outros tempos e outros espagos. O historiador deve trabalhar os documentos com muito cuidado e critérios rigorosos. Nesse trabalho € preciso muitas vezes o recurso a técnicas espe- ciais. Por exemplo, para se conhecer a sociedade paulista do século XVII, so fundamentais os origi- nais de inventarios e testamentos da época (hoje em sua maioria impressos), guardados, para me- lhor conservagao, dentro de latas, no Arquivo do Estado. Para Ié-los € preciso o dominio das jé fala- das técnicas especiais. Na arqueologia, por inime- ras vezes a aliada fundamental da pesquisa hist6- rica, usa-se muito a técnica do carbono 14 para identificar a época a que pertence um objeto bem antigo. As atividades acima descritas séo as mais tradi- cionalmente associadas ao trabalho de um historia- dor. Todas as mais sofisticadas descobertas de- vem ser incorporadas pelos historiadores, como, 0.QUE E HISTORIA 6s h& muitos anos, o foram a maquina de escrever, o gravador, depois o xerox, mais recentemente o com- putador, etc. No meio da poeira de documentos antigos, na lama das escavagdes ou no manuseio de instrumentos muito desenvolvidos tecnicamen- te, 6 sempre o homem vivo que o historiador procu- ra encontrar, 6 a sociedade na qual esse homem viveu, trabalhou, amou, procriou, guerreou, diver- tiu-se, que o historiador quer decifrar. E, para tal, todo tipo de documento que esclarega esses as- pectos 6 de fundamental importancia. Um historiador, ao se propor fazer uma pesquisa, jd faz uma opeo bem sua, ao decidir qual 0 objeto que ele vai estudar. Sua escolha 6 sempre encami- nhada pela sua situagao concreta. O historiador € um homem em sociedade, ele também faz parte da historia que esta vivendo. Escreve sua historia his- toricamente situado, ou seja, numa determinada épo- ca, dentro de condigdes concretas de sua classe, sua instituigéo de ensino ou pesquisa, etc. Seu tra- balho sera condicionado tanto pelo nivel de conhe- cimento ent&o existente, pelos métodos e técnicas entdo a sua disposicao, como pelos interesses que ele possa estar defendendo, mesmo que incons- cientemente. 'A historia, como vimos, ndo é so levantamento de dados ou fatos; elas os relaciona entre si, pro- curando descobrir e sistematizar as relagdes exis- 6 VAVY PAGHECO BORGES tentes entre eles. A historia, como toda forma de conhecimento, procura desvendar, revelar, sistema | tizar relagdes desconhecidas, nao claras. Em historia, surge sempre Uma tarefa primordial: periodizar, isto 6, organizar a sucessao de diferen-_/ tes periodos cronolégicos. Ja mencionamos a pri- meira grande divisao que é feita na historia huma- na: a existente entre a historia e a pré-historia. Pa- ra_a maior parte dos historiadores, ciao ontis as dois period: da_pelo aparecimento escrita..Outras opinides indicam, como critério ara a entrada na chamada “historia”, 0 inicio do empre- go da agricultura ou da metalurgia. Seja qual for critério, a verdade é que o periodo considerado como pré-histérico, do qual temos bem pouco (ou quase nenhum) conhecimento, é muito maior do que o periodo historico: para aproximadamente 600 mil anos de pré-histria, s6 temos uns 60 mil de historia! Quéo pouco realmente sabemos da histé- ria do homem na Terral A histéria dita universal ou geral é dividida, tradi- cional € impropriamente, conforme jé colocamos, em idades: Antiga, Média, Moderna e Contempora- nea. A maior parte dos estudiosos hoje se bate contra essa divisao herdada de uma forma de con- tar a histéria mundial em fungao da civilizagao eu- ropéia ocidental. Essa diviséo se aplica realmente 86 a histéria do mundo ocidental. E ele o centro das (© QUEE HISTORIA o atengdes, ficando o restante do globo em plano secundario. A historia que é dividida é uma historia na qual as outras partes do globo sé entram em fungao de suas ligagdes com a Europa Ocidental e, assim mesmo, muito superficialmente. O Brasil, por exemplo, durante as idades Antiga e Média esta em plena “pré-histria”, s6 entrando na historia na Ida- de Moderna quando é descoberto! Essas divisoes implicam uma viséo eurocentrista e progressista, porque procura mostrar um padrao de desenvolvi- mento histérico do qual a sociedade européia oci- dental seria o apogeu. Infelizmente, apesar desses graves defeitos, essa divisdo esta tao arraigada em nossos curriculos universitarios e escolares quanto em nossas mentalidades. Na viséo de um materialismo histérico dito eta- pista, que se impés durante o stalinismo, ha uma periodizagao da histéria por meio de uma sucessdo de modos de produgao: 0 comunismo primitivo, o escravista (ou escravo ou escravagista), o feudal e © capitalista; segundo analisavam adeptos dessa visdo, esses modos de produgéo seriam seguidos pelo modo de produgdo socialista (j4 em existéncia em regides como Europa Oriental, China). Periodizar, organizar fatos em sua seqiiéncia cro- nolégica é uma etapa basica para o estabelecimen- to das relages entre eles, 6 uma necessidade fun- damental para a construgao de uma explicagao h iS- 88 \VAVY PACHECO BORGES torica. Assim, os historiadores trabalham com um periodo de tempo limitado entre datas que se esfor- gam por precisar; nesse sentido, fica muito clara a frase que diz que a exatiddo nao 6 uma qualidade do trabalho do historiador, mas sim sua obrigagao. A periodizagao, portanto, pode ser muito importan- te para mostrar as diversas épocas ou periodos em que a sociedade se organiza de diferentes formas. Ela é importante para mostrar a especificidade de um periodo, se mostrar no que um periodo constitui uma totalidade, uma realidade diversa de outra; em resumo, essa forma de periodizagao deve ter um] carater explicativo e nao serum mero enquadra- ¢ mento por balizas cronologicas. o Por que escolher uma data ou outra? Dentro da viséo de processo, as transformagdes em histéria sempre sao lentas e 6 quase impossivel marcarem- se datas-limite que indiquem delimitagées nitidas, as quais implicariam transformagées subitas. Em- bora tenhamos consciéncia clara de que cada vez mais se acelera o ritmo de mudangas do mundo contemporaneo — a ponto de nos parecer que o mundo mudou mais neste século do que em todos os anteriores —, sabemos que as transformages profundas e estruturais so muito lentas. OQUEE HISTORIA oo Mais recentemente, percebemos uma discussao de fundo entre os historiadores ja introduzida aqui: alguns deles se recusam a se preocupar com a chamada macro-histéria, com grandes sinteses, com as estruturas sociais. A especializagéo do conheci- mento histérico em inumeros campos tem um gran- de papel nessa fragmentagao. Para outros historia- dores, renunciar a se preocupar com visdes glo- bais, abrir mao do sentido politico da histéria e de sua ligagéo com o presente 6 decretar uma crise fatal para 0 conhecimento histérico. Também re- centemente, sobretudo depois da segunda metade dos anos 80, se comega a estudar cada vez mais as relagdes entre a historia e a memoria. Ao concluir 0 capitulo, fica bem claro que a histé- ria, como todas as formas de conhecimento, esta sempre se reformulando, buscando caminhos no- vos e préprios. Este capitulo nao é “receitinha ideal” de como escrever a histéria, valida “para todos os tempos e todos os lugares"! E dbvio que essa é a minha visao, resultante histérica de minha propria posigao. Infelizmente, 6 preciso desiludir-se de inicio: es- crever histéria nao é estabelecer certezas, mas é reduzir 0 campo das incertezas, é estabelecer um feixe de probabilidades. Nao é dizer tudo sobre uma determinada realidade, determinado objeto do pas- sado, mas explicar 0 que nesses é fundamental. 70 VavY PACHECO BORGES Nem por isso se deve cair num total relativismo em que toda e qualquer explicagao tenha a mesma im- portancia, 0 mesmo peso. Para muitos de nds, a historia chega ao século XXI como um grande cam- po de possibilidades. : Para esse tipo de conhecimento histérico, todas as conclusdes sao provisorias, pois podem ser apro- fundadas e revistas por trabalhos posteriores. Um “saber absoluto”, uma “verdade absoluta” nao ser- vem aos estudiosos sérios e dignos do nome; ser- vem aos totalitarios, tanto de direita como de es- querda, que, colocando-se como donos do saber e da verdade, procuram, por meio da explicagao his- torica, justificar a sua forma de poder. A HISTORIA NO BRASIL Nés aqui no Brasil (como nos outros paises da América), somos herdeiros da civilizagao européia ocidental. Dela herdamos instituigdes, técnicas, valo- Tes, etc., através da colonizagéo portuguesa. Os pai- ses da Peninsula Ibérica (Portugal e Espanha) sao os grandes navegadores dos séculos XV e XVI. A eles deve a América Latina o fato de “ter entrado na toria’, e toda a nossa formagao hist6rica esta ligada, desde 0 inicio de nosso perfodo colonial, a metrépole portuguesa que nos coloniza. Com o desenvolvimento capitalista do século pas- sado, os lagos com a Europa se estreitam por outras vias, pois ja éramos politicamente independentes des- dea terceira década. O aparecimento de um mercado mundial, através da revolugao comercial empreendida pelos europeus ocidentais desde o século XV; cons- BI TECA FAFT re VAVY PACHECO BORGES: titui um sistema capitalista mundial, do qual o Brasil desde entao faz parte. O sistema capitalista é composto essencialmente de partes diferentes e relacionadas entre si; nao se deve pensar que, necessariamente, vamos seguir 0 modelo de desenvolvimento das outras partes do sis- tema, que s4o as regides altamente desenvolvidas, como os paises do Mercado Comum Europeu, Suécia, EUA, etc. As diferentes partes do sistema tiveram e tém ainda hoje uma evolugao histérica propria; a cres- cente abertura do mundo socialista ou comunista ao mercado capitalista, como se dé no Leste europeu e na China, 6 um dado novo para a andlise do sistema. E, portanto, dentro desse quadro geral amplo, e, a0 mesmo tempo, dentro de uma realidade concreta pro- pria — a brasileira — que 0 nosso historiador produz historia. : Temos, desde 0 inicio, uma historia oficial: é a verso escrita pelos cronistas contratados pela casa real portuguesa para escrever a historia de seu pals, do qual éramos, depois da perda das Indias, a colénia mais promissora. Aqui também so criados cargos de cronistas nas diferentes cdmaras municipais. Esse género de historia, essencialmente narrativae registran- do fatos, continua sendo escrito pelos membros das sociedades histéricas, academias e institutos que fo- ram aqui introduzidos no século XVIII. Seus mem- bros sao muitas vezes figurdes (bardes, marqueses, ove éHisroaIa ” ministros, senadores), o que mostra ainda uma ligagao direta entre a hist6ria escrita e 0 poder oficial, pois os historiadores so vinculados diretamente ao Estado. Sao entao criados os arquivos e bibliotecas gover- namentais, que se preocupam com a documentagdo histérica, e que preservam as fontes que possuimos de nosso passado, embora boa parte da documenta- 40 sobre 0 periodo colonial se encontre nos arquivos portugueses. Hauma documentagao muito sugestiva do periodo, como, por exemplo, a escrita pelos jesuitas (corres- pondéncia, discursos, tratados), ocupados na educa- G40 de colonos e indios. Outros exemplos magnificos Ao as obras Cultura e Opuléncia no Brasil (de An- tonil, publicada em Lisboa no inicio do século XVIII) e Dialogo das Grandezas do Brasil (do Século XVII, de autoria discutida); sao verdadeiros levantamentos econémicos da situagdo da colénia, essenciais para © conhecimento do periodo. Também muito ricos, do ponto de vista histérico, s4o os depoimentos escritos pelos visitantes estrangeiros. Essa historia escrita in- voluntariamente 6 muito mais atraente e elucidativa do que a oficial. Ao contrario da América espanhola, que possui universidades desde 0 inicio da colonizag4o, o Brasil sé vai ter universidades a partir do século XX. Os historiadores que tentam escrever nossa historia fa- 7 VAVY PACHEGOBORGES zem-no isoladamente ou no Ambito das instituigoes Oficiais j4 apontadas. Nossa historia, como a histéria em geral, também 6, quanto as fontes e documentacdo existentes e quanto as interpretagdes, fortemente marcada pela ago dos grupos sociais predominantes no pais. Um dos nossos grandes historiadores 6 Francisco de Var- nhagen, de formacao da referida “escola cientifica alema’ (caracterizada pela grande preocupagéo com apesquisa eo levantamento de fontes). Aeledevemos um enorme impulso na produgao da historia brasileira. Ele escreve no Segundo Império (segunda metade do século XIX), em uma época em que aproximadamente 60% de nossa populagao é escrava. Analistas de sua obra mostram como ela se baseia em dois elementos interpretativos: a superioridade da forma monarquica (por ser responsavel pela unidade do pais apés a Independéncia) e a superioridade da raga branca. Isso mostra como seu trabalho esta im- pregnado dos valores e preconceitos da sociedade de sua época. Entretanto, o levantamento de fontes feito por ele, juntamente com o feito por Capistrano de Abreu, so fundamentais para os trabalhos posterio- res de historia do Brasil. Ao avaliarmos o valor da obra de histéria, sempre devemos fazé-lo dentro do con- texto que a produziu. Na Universidade, a introdugao da histéria se da sobretudo através da influéncia da Faculdade de Fi- QUE E HISTORIA 6 losofia, Ciéncias e Letras da Universidade de Sao Paulo, fundada na década de 30. Nessa fundagao foi muito marcante a influéncia de professores franceses. No campo da histéria, em especifico, essa influéncia € muito clara, sobretudo nos curriculos, programas e livros até hoje utilizados. Nossa historia é a biografia politica da nagao Brasil, & semelhanga das histérias nacionais européias do século XIX. Sua periodizagao — Colénia, Império e Republica — 6 a trilogia de nossas formas politicas. de organizagao; 6 essa tripartigéo que constitui a 4 espinha dorsal de nosso curriculo minimo (exigéncia do MEC) escolar e universitario, e, a partir disso, das Preocupagées das editoras. Confunde-se facilmente com a historia oficial que acaba marcando 0 que : aparece para a sociedade em geral, para o senso comum, como o “sentido verdadeiro” da histéria. Na visdo ampla que chega ao piiblico maior — de forma leve e esporadica, devido ao desinteresse geral ‘ pela hist6ria — 6 uma histéria conservadora, do bran- co vencedor em sua democracia racial. Seu desenro- lar é mostrado sem contradigées, incruento, quase sem derramamento de sangue, seja na conquista do territério nacional, seja na escravidao, na conquista da independéncia e posterior organizagao do pais durante 0 periodo da Regéncia, etc. A sociedade bra- sileira aparece como um todo equilibrado, em que-o “povo” surge de forma imprecisa e esporadica. 7 ‘AVY PACHECOBORGES. E uma historia feita de vildes e herdis: a metrépole (Portugal) contra a colénia (Brasil), o imperialismo (primeiro inglés, depois americano) contra a nagéo brasileira, etc., numa divisdo maniqueista, a qual ex- plica a realidade pela oposigao dos dois principios absolutos, o bem e o mal. O processo de evolugao € mostrado como tendendo a um progresso cons- tante e crescente, no qual acabara vencendo o heréi Brasil. . N&o se vé preocupago em descobrir as origens das contradigdes de nossa sociedade; muitos autores, quando tentam achar essa explicagao, atribuem os males do Brasil ao carater nacional de nosso povo; com diferentes variantes, culpam esse povo pela si- tuagao brasileira, na linha do romantismo histérico do s6culo XIX, explicando a realidade por fatores imuta- veis que se originam no passado. As versées mais recentes mostram a preponderan- cia do eixo Sul do pais (sobretudo Sao Paulo e Rio de Janeiro), o qual impde seus valores as outras regides, sem se preocupar com os conflitos regionais. Exemplificando concretamente esse tipo de hist6ria: sob D. Pedro Il, 0 Império 6 mostrado como uma fase calma, r6sea, com um imperador sAbio, culto, dedica- do, com a presenga de grandes nomes da vida par- lamentar, com relagoes paternais entre senhores e escravos; estao todos colaborando tao intensamente QUE E HisTORIA ” = ie A historia conservadora do branco vencedor. jee~ x 78 VAVY PACHECO BORGES. para o futuro do pais que é surpreendente que nao tenhamos conseguido evitar nenhum de nossos gra- ves problemas estruturais posteriores. Outro exemplo: a insurreigao pernambucana (ex- pulsao dos invasores holandeses do Nordeste, no século XVII) 6 mostrada como 0 inicio do sentimento nativista, de amor a terra natal: sua vitdria 6 0 resultado da unido fraternal das trés ragas: a branca (0 portu- gués), a negra e a india. Nao se fala da destruigao das tribos indigenas pelos portugueses e 0 fato de os bandeirantes sairem para aprisiond-las 6 elogiado como um grande feito de conquista territorial. Nao se explicam os quilombos negros, onde se refugiam os negros escravos a pro- cura da liberdade. Nas universidades ha toda uma produgao que pro- cura rever esses mitos. Certamente nao vejo o per- curso da produgo brasileira como uma mera decor- réncia, um reflexo das formas de se produzir histéria européia; mas esse percurso e 0 nosso apresentam muita semelhanga, em razo de nossos lagos culturais e de contatos universitarios. As discussdes sobre 0 conceito de historia e sobre sua finalidade marcam aos poucos — a partir sobretudo dos anos 70, quando a produgao dos cursos de pés-graduagao passa a ter um certo peso — a produgao brasileira, centrada so- bretudo no eixo Centro-Sul. ove esrOMA D. Pedro Il e a imagem oficial do nosso It império. 0 AVY PACHECO BORGES Omarxismo, em suas diversas tendéncias, influen- ciou nossos trabalhos de histéria, muitas vezes de forma bastante pragmatica. Das andlises hist6ricas muito marcadas pela sociologia e pela ciéncia politica, passou-se a recusar a pensar a historia através de modelos tedricos, como essas ciéncias humanas. Paralelamente, nossas préprias mudangas sociais motivam bastante nossas preocupagées com a histé- ria. Por exemplo, o crescimento da produgao de ana- lises sobre o periodo republicano se deu seguramente pelo seguinte: os desdobramentos do golpe politico- militar-empresarial de abril de 1964 afetaram direta- mente o mundo universitario e os historiadores tenta- ram, entéo, entender o que foi a Reptiblica no Brasil Ha um grande repensar do papel do politico, do Es- tado, das classes, etc... Na linha de denuncia da hist6ria oficial e conservadora ha muito ainda a ser feito, das mais diversas formas. Como um exemplo: nos anos 80 surge, ligado a uma movimentagao poli- tica geral da sociedade e sobretudo as greves de 1978 do ABC paulista, 0 tema de estudo de uma “classe operaria”; essa é muitas vezes estudada através de ‘seu cotidiano e nao de seus canais institucionais. Toda essa produgao esta muito circunscrita ao mun- do académico. Nos anos 80, 0 surgimento de uma atividade editorial acessivel a um pUblico maior — a partir de colegdes como esta Primeiros Passos @ Tudo 6 Histéria, seguidas de iniciativas semelhantes de QUE EHSTORIA ® outras editoras — alterou um pouco o quadro da transmissdo e divulgagao do conhecimento histérico em nosso pais. Entretanto, como mostrei no inicio do livro, a hist6ria nado tem, como outras manifestagdes da cultura tradicional, uma presenga significativa no pais. Sob muitos aspectos, tem-se as vezes aimpressao que resta-nos muitissimo a fazer; ha treze anos, quan- do publiquei este pequeno livro pela primeira vez, a situagao era, porém, mais desanimadora. Nota-se um movimento nos Ultimos anos que nos permite certa esperanga em relagao a preservacao do patriménio histérico e artistico. O cuidado com preservagao, le- vantamento e organizagao de documentagao histérica porém, tem ainda um avango muito precario. Em relagao ao ensino da histéria — em especial 0 ensino publico de primeiro e segundo graus—, 6 muito duro ter que escrever que no vejo ainda um raio de esperanga. As condigdes de trabalho do professor sao muito aviltantes, como patenteia a midia do pafs; a formagao universitaria de professores de historia é demorada, e supde que o professor conhega muito bem como é produzida essa forma de conhecimento; ssomente assim estaré ele (ela) em condig6es de evitar um ensino repetitivo e memorizador, que caracteriza 0 ensino da historia até hoje. Nao se consegue ainda, de forma sistematica e ampla, despertar nos alunos 0 interesse pelo raciocinio histérico, mostrar sua impor- @ VAVY PACHECO BORGES tancia. Ensino “decoreba” gera o “samba do crioulo doido”: embaralham-se em suas cabegas, desarticu- ladamente, nomes, datas, fatos e personagens; ha exemplos disso na midia, por ocasiao dos vestibulares, engragados pela sua confusao, se nao fossem tao tristes em sua significagao. No momento, a hist6ria no Brasil parece defrontar- se com um enorme desafio. E preciso encontrar uma solug&o para um problema complexo: a produgao his- t6rica deve aproveitar toda a experiéncia existente (do ponto de vista tedrico-metodolégico, do ponto de vista do trabalho critico de fontes, etc.). Mas, ao procurar atender a esses requisitos que garantem um bom nivel, a historia académica se fecha na “torre de Mar- fim” da universidade e nao alcanga 0 publico mais amplo, a sociedade @ qual se destina. Nao se pode ver esse problema como dizendo respeito apenas aos historiadores. Somente através de uma ampla luta pelo ensino e de uma defesa acirrada da cultura, a historia, como a expus neste livro — ter em nosso pais melhor produgao, ensino e divulgagao. Sera que consegui convencer vocé, meu leitor, que essa luta tem sentido e vale a pena? INDICAGOES PARA LEITURA ‘Como se pode perceber pelo livro, as leituras bésicas para 1nés so tradugdes sobretudo francesas e inglesas; no vamos indicar livros nao traduzidos. Como ¢ a ténica da colecdo, fiz um esforgo muito grande de selegao para esta introdugao. Vejamos: Para viso geral das tendéncias e perspectivas: Guy Bourdé e Hervé Martin: As Escolas Histéricas, Publi- cagdes Europa-América, 1990; Geoffrey Barraclough: A Historia, 2 vols., Lisboa, Bertrand, 1980; Charles Olivier Carbonnel: A Historiografia, Lisboa, Teore- ma, 1990. Para introdugéo nas discussées sobre o conhecimento hist6rico: Marc Bloch: Introdueao Hist6ria, Colecéio Saber, Publi- cag6es Europa-América (original dos anos 40); Edward H. Carr: Que 6 Hist6ria, Rio de Janeiro, Paz @ Terra, 1973; OTECA FAFI - BEY 8 VAVY PACHECO BORGES Jacques Le Goff (org.): Enciclopédia Einaudi, vol. 1, “His- toria- Memoria’, Lisboa, Imprensa Nacional, 1984. Também nesse sentido, ver os manuais universitarios: Jean Glénisson: Iniciago aos Estudos Histéricos, Sao Pau- lo, Difel, 1977; Ciro F. Cardoso e Hector P. Brignoli: Os Métodos da His- t6ria, Rio de Janeiro, Graal, 1979. Para discussao das tendéncias mais recentes: Jacques Le Goff e Pierre Nora: Histéria: Novos Métodos, Novos Problemas e Novas Abordagens (3 vols.), Rio de Ja- neiro, Francisco Alves, 1976; Edward P. Thompson: A Miséria da Teoria: ou um Planetério de Erros. Rio de Janeiro, Zahar, 1981; Frangois Furet: A Oficina da Hist6ria, Lisboa, Gradiva, 1985; Frangois Dosse: Histéria em Migalhas: Dos Annales & Nova Hist6ria, S40 Paulo, Ensaio, 1992. Para ver 0 marxismo em seu século de histéria: Eric J. Hobsbawn (org.): Histéria do Marxismo (varios vols.), Rio de Janeiro, Paz e Terra. Para acompanhar a produgao académica mais recente, ver: Revista Brasileira de Histéria, 6rgéo da Associagéo Nacional de Professores Universitario de Historia (ANPUH), com sede no Departamento de Histéria da Universidade de Sao Paulo. ‘Sobre ensino de histéria: ‘Suzanne Citron, Ensinar Histéria Hoje: A Meméria Perdida e Reencontrada, Portugal, Livros Horizonte; Conceigao Cabrini e outros: Ensino da Histéria: Reviséo Urgente. So Paulo, Brasiliense, 1986. fe ee SOBRE A AUTORA Vavy P. Borges é, desde 1987, professora no Departamento de Hist6ria da UNICAMP. Lecionov inicialmente no ensino particular de 18 e 2° graus; depois, por quase quinze anos, na PUC-SP, onde se interessou pelo ensino e divulgacio da histéria, Nessa linha, publicou este livro © em 1986 Ensino da Hist6ria: Revisdo Urgent, resultado de projeto que coordenara no inicio dos anos 80, Hé muitos anos Ieciona histéria da Idade Média: leciona e faz pesquisas em historia politica republicana. Nessa drea, tem publicados ‘sua dissertagio de Mestrado: Gertlio Vargas e a Oligarquia Paulista: Historia de uma Esperanca ¢ Muitos Desenganos (Brasiliense, 1979, esgotado) ¢ sua tese de Doutorado: Tenentismo e Revolucdo Brasileira (Brasiliense, 1992), OQUEE Pp Primeiros Passos 17 Colecdo « Uma Enciclopédia Critica He muito que a Histéria est6, no Brasil, confinada 4 prisdo das escolas e universidades. Encontra-se, pois, ( atastada de sua principal finalidade: levar 0 ser humano a refletir sobre as formas de vida @ de organizagGo social { ‘em todos os tempos e espacos, procurando compreender e explicar i suas causas e implicagées. E uma vez i que presente e passado estéo M4 indissociavelmente ligados na Histéria, © ensino e 0 estudo dessa disciplina se tornam imprescindiveis para o perfelto entendimento dos tempos modernos. ISBN 85-11-01017- B il

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