Um garoto de olhos injetados o olhava do outro lado do balcão e Alfonso maldisse esse emprego, não pela primeira vez. Ele aceitara trabalhar na livraria com um último olhar desgostoso para seu diploma pendurado na parede. Sua boa mãe que o perdoasse. Ele não conseguira ser o advogado que ela tanto quisera. Até tentara, verdade fosse dita, mas o martelo do juiz e os tribunais estavam para ele como voar estava para peixes. Fora assim que acabara aceitando dia desses a oferta do velho Melchior para atender a Florín. E isso incluía ter de abri-la nas primeiras horas da manhã. “Quem, em sã consciência, vai querer comprar um livro às quatro da madrugada?”, fora a sua pergunta àquela feita. E ganhara por resposta: “Ficaria surpreso”. E surpreso ele ficara ao perceber que, sim, garotos como aquele levantavam – se é que um dia dormiram – àquelas malditas horas e vinham à Florín querentes de café expresso, livros e boa música. Vez ou outra Alfons tinha de lidar com uns vagabundos e meliantes. Uma vez só teve de chamar a polícia. Na maior parte do tempo, só tinha de atender a esses drogados de olhar parado cuja maior infração na vida fora cultivar maconha no quintal de casa. — Se a gente não estivesse tu não teria conseguido entrar. — Certo. O melhor atendente do universo. — É. Acho que... É. — O garoto teve a decência de rir — Então... Eu posso ficar aqui? Tipo, só até... — Mas as palavras se perderam e ele não terminou o que dizia. — Pode. Mas aqui não é uma biblioteca. Se tu quiser ficar, compre alguma coisa. — Tá, tá. Certo. — Ele riu trêmulo. Certo, talvez Alfons devesse trabalhar em suas habilidades sociais. O rapazote fuçou nos bolsos e pôs umas moedas sobre o balcão — Então eu vou querer um expresso. Alfonso o deixou sozinho para achegar-se a cafeteira. Pôs a velharia para funcionar enquanto media o garoto a distância. Ele, que não se sabia observado, se enfurnara nos cantos mais escuros da loja e tomara para si um livro qualquer. Encarapitou-se sobre uma das poltronas com um exemplar de Manuel Puig aberto pelo meio, mesmo que seus olhos permanecessem fixos em algum lugar a sua frente, grandes como bolas de vidro.