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Oiavo de Carvalho
I
Kant
Aula 24
coleção
História
Essencial da
Filosofia
Kant
Aula 24
por Olavo de Carvalho
Editor
Edson Manoel de Oliveira Pilho
Projeto Gráfico
Monique Schenkels e Dagmar Rizzoio
Diagramação
Esliidio É - André Cavalcante Gimenez
Transcrição
Dcnny Marquesani
Revisão
Jessé dc Almeida Primo
Reservados todos os direi los desta obra. Proibida toda o <|iinl(|iii,i n,|iroiliu.;ao desta edição por
qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, loim opin pi evacuo ou qualquer meio.
Kant
Aula 24
coleção
História
Essencial da
Filosofia
£
2008
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I olcção História Essencial da Filosofia
Kant - Aula 24
por Olavo de Carvalho
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atualmente que apresente desta época uma imagem que esteja à altura
do que hoje se sabe a respeito na área dos estudos monográficos. Nós
podemos dizer que esse novo campo também não é tão recente, cie
começa, creio que em 1923 com a obra de Auguste Viatte, “Les sources
occultes du Romantisme’111 (As fontes ocultas do Romantismo) cm que
ele vai rastreando a influência que doutrinas esotéricas, alquímicas,
teosóficas, etc., tiveram no Movimento Romântico considerado mais
do ponto de vista literário, mas também pegando alguns filósofos aí no
caminho. A partir dessa sugestão inicial o pessoal começou a rastrear,
na década de sessenta saiu o livro do Jacques D'Hondt que eu citei no
Jardim das Aflições. Hegel secret (Hegel secreto), e isso foi somando,
somando resultado, daí, tudo isto converge para este livro, “Hegel and
the Hermetic Tradition”, de Glenn Alexander Magee, que c um livro
que eu nem acabei de 1er ainda, nias que já dá para perceber tudo o
que foi estudado nessa área. Para você chegar a uma conclusão nesse
ponto com relação a um filósofo, já são vinte ou trinta anos de trabalho
e até isto depois se incorporar na história da filosofia, sáo mais vinte
ou trinta anos, de modo que vocês podem dar por seguro que tudo o
que se lê hoje nas histórias da filosofia atualmente existentes, mesmo
nas melhores, a respeito deste período, vai ser muito mudado nos pró
ximos vinte ou trinta anos quando este material todo for incorporado
nas histórias da filosofia. Para vocês terem uma idéia das conclusões a
que o sujeito chega cu vou 1er uns parágrafos aqui para vocês, depois
mais tarde nós vamos ver isso direitinho quando estudarmos Hegel,
mas só para se ter uma idéia do período.
O livro começa assim:
“Hegel não é um filósofo, ele não é um amante ou buscador da sa
bedoria, ele acredita que a encontrou. Ele escreve no prefácio da Feno-
1Viatte, Auguste, ''Les sources oeeijll.es du romantisme". Editora : Albin Micliei, 1“ Hdiçao - 2001.
à
iiifitoiogia do Espírito: “Ajudar a trazer a filosofia para mais perto da
forma da ciência com o objetivo de que ela possa deixar de lado o título
de amor à sabedoria e tornar-se conhecimento efetivo, este c o objetivo
a que eu me propus”. No fim da Fenomenologia Hegel afirma ter che
gado ao conhecimento absoluto que ele identifica com a sabedoria.
A afirmação de Hegel de ler atingido a sabedoria é complctamente
contrária à concepção grega original da filosofia como amor à sabe
doria, isto é, como a busca continuada, sendo antes uma busca con
tinuada do que a posse final da sabedoria. Essa afirmação no entanto
é plenamcnte coerente com as ambições da Tradição Hermética, uma
corrente de pensamento que deriva o seu nome da chamada hermetica
ou corpus herrneticum, uma coleção de tratados e diálogos gregos e
latinos escritos no primeiro ou segundo século d. C.. e provavelmente
contendo idéias que são muito mais amplas”.
E assim ao longo do livro ele vai buscando as fontes herméticas, al-
quúnicas, esotéricas e ocultistas de praticamente cada linha de Hegel.
Então, ele diz:
“Interpretar Hegel como um autor, como um doutrinário her
mético não é uma das interpretações possíveis de Hegel, é a inter
pretação obrigatória, fora disso você não entende nada do que ele
está dizendo.”
Então você imagina que Hegel na história da filosofia é Lido as
sim como uma espécie dc culminação do racionalismo clássico. Isto,
depois deste estudo, não se sustenta mais, isso vai cair. Por mais
escandaloso que pareça, a bibliografia acumulada a respeito é muito
grande. Uma disciplina como a história da filosofia, que é uma dis
ciplina de conjunto, de síntese, não vai sc permitir ser afetada por
uma ou outra descoberta particular, mas quando as coisas começam a
acumular chega uma hora que não dá mais para segurar. Muita gente
pode tentar ainda continuar lendo Hegel e Fichte e Scheliing dentro
/
da linha costumeira. E sc isso demora um tempo para chegar na his
tória da filosofia, você imagina o tempo que isso vai levar para chegar
ao Brasil. Nós podemos quase profetizar que no Brasil as pessoas
jamais chegarão a saber disto.
Quanto mais a gente descobre essas coisas, mais a gente fica in
seguro com relação à visão costumeira que sc tem. Por exemplo, nós
não sabemos direito as ligações esotéricas, maçónicas do próprio Kant,
não temos idéia disso, o pessoal pegou muito o Hegel, mas depois que
descobriu tanta coisa a respeito de Hegel c Fichtc, a gente já fica com
um pé atrás com relação ao próprio Kant. Você veja que entre as in
fluências esotéricas importantes da época estava o tal do Swedenborg.
Emmanuel Swedenborg era um ocultista sueco que é um dos tipos
mais extraordinários da história, porque ele teve três vidas, ele primei
ro fez um sucesso enorme como poeta e hedonista, era considerado
um dos maiores da Suécia. De repente ele largou tudo isto para se
dedicar inteiramente às ciências naturais e à tecnologia. Na área da
tecnologia a sua realização máxima, única na história certamente, foi
um trilho que ele construiu para transportar por terra toda a Marinha
Sueca, atravessou a Europa, isso cm 1810 mais ou menos. Você imagi
ne uma obra desta na época, a dificuldade que teria para fazer, o cara
conseguiu transportar, levou toda a Marinha por terra. E fez uma série
de descobertas importantes, dc maneira que ele por volta dos cinqüen-
ta anos {a carreira literária foi até os vinte e cinco anos, aos vinte e
cinco anos ele parou e começou a carreira científica) estava no auge da
glória científica, era considerado o maior homem de ciência da Suécia,
ele também parou tudo e começou a terceira carreira, de místico, e
escreveu uma série de livros muito impressionantes com descrições dc
visões do céu e do inferno.
Quando Kant leu isso ficou indignado e escreveu então um escrito
chamado “Sonhos de um Visionário”, no qual ele impugna as visões de
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Swedenborg. Eu tenho a impressão de que essa leitura de Swedenborg
deve ter sido muito importante para o Kant, porque “Sonhos de um
Visionário” é um dos poucos escritos de Kant onde ele muda de tom,
você vê que ele está realmentc indignado, que ele está bravo; imaginar
Kant bravo é impossível, você não vê isso em parte alguma, é um ho
mem normalmente tão frio, e ali você vê que aquela coisa rcalmente
mexeu com ele e se tornou para ele importante provar de algum modo
que aqueles conhecimentos esotéricos trazidos pelo Swedenborg eram
não apenas falsos, mas impossíveis. De algum modo nós podemos
interpretar toda a obra de Kant como uma tentativa de provar a im
possibilidade do conhecimento de Deus, do infinito, da vida após a
morte, etc. e ao mesmo tempo uma tentativa dc criar uma religião que
fosse independente desses conhecimentos, ü u seja, uma religião que
já não seria baseada no conhecimento dos fatos de ordem espiritual,
mas seria baseada inteiramente em considerações e exigências de or
dem moral, ou seja, Kant é o inventor da transformação da religião em
moral. Um processo que certamente acabou afetando todas as religiões
ocidentais, ao ponto de que a redução da religião a exigências morais
está impregnada na opinião pública. A ideia mesma da religião, qual é
a noção que ela evoca imediatamente? A idéia de uma disciplina moral
que você tem que seguir. Isso está tão distante da idéia originária da re
ligião que, conforme eu creio já lembrei neste curso mesmo, o sistema
da teologia moral católica só ficou pronto no século XVIII, quer dizer,
até lá você tinha uma grande diversidade de critérios morais, é Santo
Afonso de Ligório que junta tudo e coloca ordem. Ora, a religião pôde
passar dezoito séculos se expandindo, ocupando a Europa inteira, che
gando até às Américas, educando os índios, sem ter um sistema moral
pronto, quer dizer que esse sistema moral não era tão vital assim para
a vida cristã. O aspecto da fé, do rito, do simbolismo, do imaginário e
tal era certamente mais importante. Nós podemos dizer que o aspecto
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cognitivo predominava, a religião era sobretudo o acesso a certas rea
lidades. Por isso o Evangelho se chamava “boa notícia”. O que é uma
boa notícia? É o comunicado de um fato e não a emissão de uma or
dem ou de um mandamento moral. Você vai ter o mandamento moral
também, mas ele faz parte de toda uma história, dc algo que aconteceu.
As primeiras discussões que aparecem sobre o cristianismo no século
I c II não são de maneira alguma de ordem moral, quer dizer, aquilo é
uma doutrina, uma visão do mundo que está sendo apresentada c que
as pessoas discutem para saber se o sujeito concorda ou não concor
da, se ele vê as coisas daquela maneira ou não, A ênfase moral é uma
coisa muitíssimo recente. Por exemplo, a partir do século XIX começa
a haver muito a expectativa de que o seguidor de uma religião aja na
sua vida pessoal precisamente de acordo com aquilo que ela manda. E
até então c durante a Idade Media inteira ninguém tinha esta expecta
tiva porque sabem que isto é muito idealístico, sabem que as pessoas
rcalmcntc não são assim. A ênfase estava muito mais colocada no fato
de que a religião era um meio de limpar as culpas dos pecadores e não
uma espécie de camisa de torça que eles tinham que vestir para todos
eles sc comportar direitinho até então. A diferença da sensibilidade
moderna para a antiga nisso aí c tão grande que ela chega a ser inima
ginável para o cidadão contemporâneo. Normalmentc, como existe a
visão da religião como sobretudo um código moral na modernidade, a
tendência (é quase que automática) o sujeito imaginar que este con
junto de exigências morais deveria ser ainda mais rígido e mais pesado
nos séculos anteriores. Quando na verdade todo o moralismo cristão,
pelo menos na esfera católica, c uma coisa bastante nova na história.
Não precisa dizer também que essa ênfase moral reflete um pou
co das tendências do protestantismo, mas no protestantismo o lado
moral se torna especialmcntc importante justamente pelo fato de que
você não tem mais a autoridade dogmática, você não tem mais um
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papa, que c o sujeito que assegura qual é a doutrina verdadeira e qual
c a falsa. Então, vocc passa a ter um problema de auto-organização
das comunidades e, cm função disso, é claro que, por um problema
prático, o aspecto moral se torna particularmentc importante. Você
não tem outro critério para você se orientar senão ver a conduta das
pessoas, e você mesmo se adaptar a uma conduta que lhe pareça mais
apropriadamente evangélica. Mas note bem que esta inclinação protes
tante para a religião moralista não é uma inclinação do tipo doutrinal,
ninguém disse que a coisa tinha que ser assim, foi simplesmente uma
circunstância prática que na formação das comunidades protestantes
tornou mais importante na prática o código moral do que os aspectos
doutrinais e cognitivos da religião. Mas com Kant esta ênfase se lor-
na explícita, Kant diz não apenas que a religião é assim, mas que ela
tem de ser assim e que só pode ser assim. Por que só pode ser assim?
Porque de acordo com ele só existem dois tipos de conhecimento, tem
aquele conhecimento que você adquire pelos sentidos e que lhe dá
então informação do que se passa no mundo exterior e existe o conhe
cimento de ordem racional que você obtém por análise dos conceitos
que você mesmo já tem. Ora, o conhecimento racional então só lhe
dará informações, só lhe acrescentará alguma coisa de ordem pura
mente formal que não se aplicará ao domínio dos fatos. Quer dizer, a
armadura formal, a armadura lógica da mente humana não contém fa
tos, ela só contém relações lógicas. E do conjunto das relações lógicas,
por mais que você as conheça e as esclareça, você não pode deduzir
que nenhum fato aconteceu, você só pode deduzir as condições gerais
que lhe permitiriam acontecer ou que o determinariam que aconte
cesse de tal modo. Mas, se aconteceu ou não, esta é uma informação
empírica, ou seja, tem que ser obtida pela experiência e portanto pelos
cinco sentidos. E diz ele [que] os fatos de ordem espiritual não são
nem uma coisa nem outra, eles não são acessíveis nem por análise de
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conceito porque eles não são constituídos apenas de formas lógicas;
eles têm a pretensão de ser acontecimentos reais, mas por outro lado
se são acontecimentos reais não são acontecimentos da ordem física,
portanto não são acessíveis aos sentidos; então, tudo o que a religião
pretende transmitir em matéria de conhecimento de Deus, dos anjos,
da vida após a morte, tudo isso aí, ele diz, são coisas que nós podemos
pensar, mas nós não podemos conhecer. Isso quer dizer que não temos
acesso ao tipo de experiência que seria necessário para você transmitir
alguma informação sobre Deus. A hipótese de que se a estrutura da
mente humana limita o nosso conhecimento a esses dois tipos, a hipó
tese de que esta limitação incidindo sobre o ser humano não limitasse
também concomitantemente o próprio Deus, em nenhum momento
ocorre ao Kant. Você veja que ao longo de toda a tradição espiritual
ninguém disse que o homem tem capacidade de chegar a tais ou quais
conhecimentos, nunca ninguém disse isso. Segundo os esoterislas e
ocultistas, que são da parte da tradição hermética ou gnóstica, através
de exercícios ascéticos, etc., você se torna capacitado para obter certos
conhecimentos de ordem espiritual. Mas isso aí são apenas grupos eso
téricos e gnósticos que tem essa pretensão, nenhuma religião jamais
teve; o que ela diz é que Deus infunde esse conhecimento em você por
um meio que só ele sabe. Então, nós podemos perguntar: em que me
dida o conhecimento dos limites do aparato cognitivo humano afetaria
realmentc a doutrina religiosa? A mim parece que não afeta dc manei
ra alguma. A idéia mesma de um Deus onipotente implica que cie pos
sa se comunicar com as suas criaturas por meios que transcendem as
limitações delas, porque essas limitações não afetam o próprio Deus.
O conceito, por exemplo, da ciência infusa... O que é ciência infusa? E
o conhecimento que você não tinha e de repente você aparece lendo.
Então c uma ciência que foi infundida ou infusa dentro dc você pelo
próprio Deus. Eu não vejo como o conhecimento das limitações da
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mente humana pudessem limitar também o fenômeno corno a ciência
infusa; já está dito desde o inicio que a parte ativa na produção desse
conhecimento não é o ser humano, porem o próprio Deus.
Mas Kant está seguro de que uma vez que ele demonstrou as limi
tações da mente humana, os conhecimentos de ordem metafísica, não
só os conhecimentos religiosos, mas todo conhecimento de ordem
metafísica está bloqueado de uma vez para sempre. “A não ser - diz
ele — que se mude o sentido da metafísica”. A metafísica, então,
para ela sobreviver como ciência, teria que desistir da sua pretensão
de conhecer os fenômenos que estão colocados para além da experi
ência sensível e ela tem que mudar a direção do seu enfoque, operar
um giro de cento e oitenta graus e passar a se interessar justamente
pela estrutura do aparato cognitivo humano. Dito de outro modo, a
metafísica tem que se transformar cm teoria do conhecimento. Então,
doravante, segundo Kant, não falaremos mais do infinito, da imorta
lidade, do scr, etc., etc., mas falaremos apenas das estruturas do co
nhecimento humano, seja no seu aspecto sensível, seja no seu aspec
to racional. O conhecimento da estrutura racional da mente humana
toma a forma então de um sistema das categorias. As categorias são,
dito de outro modo, os tipos de juízos que você pode fazer, os tipos
de afirmações que você pode fazer, No tempo de Aristóteles se di
zia que as categorias são os tipos de scr, quer dizer, as modalidades
de existência. Então, dizia Aristóteles, as coisas podem existir, por
exemplo, como substância. O que c substância? Substância é uma in
dividualidade metafísica, algo que é ele mesmo e não parte ou aspec
to de outra coisa. Ele define substância exatamente assim: substância
é aquilo que não é nem parte de outra coisa nem predicado de outra
coisa. Dito de outro modo, a substância c o único verdadeiro sujeito
das afirmações filosóficas. Mas nem tudo o que existe é substância,
existem também qualidades, por exemplo... ou existem quantidades,
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üu existem ações, existem ações que você faz e que você padece;
existem posições e relações; então, de tudo o que você conhece no
mundo, você pode classificar tudo conforme você esteja falando de
uma substância, dc uma qualidade, de uma relação, etc.
Aristóteles nunca chegou a uma conclusão exata de quantas cate
gorias existiam; ele tem uma lista de oito c tem uma lista de dez. Ago
ra, sc o conhecimento da estrutura do ser já não c mais cognoscível,
segundo Kant, então as categorias já não são mais tipos de existência,
modalidades de existência, mas são apenas modalidades pelas quais
nós enfocamos a existência, naturalmente ele tem que mudar a lista
das categorias. Ele faz uma lista de doze categorias que na verdade
vão corresponder não à lista das categorias que Aristóteles faz, mas às
categorias dos modos de predicação; por exemplo, você pode fazer urn
juízo de tipo categórico quando diz por exemplo que dois mais dois são
quatro; ou você pode fazer um juízo de possibilidade ou de impossibi
lidade c assim por diante. Então, nós vemos que as categorias de Kant
são apenas tipos de juízos que você pode fazer independentemente
do que seja a realidade a respeito da qual esses juízos estão falando.
Da realidade já não conhecemos mais nada, conhecemos somente as
estruturas do nosso próprio aparato cognitivo. E no aspecto do conhe
cimento sensível, também as duas grandes categorias do conhecimento
sensível são, segundo ele, o tempo e o espaço. Ele diz [que] se nós
não podemos conhecer nada da realidade externa objetiva, o tempo
e espaço têm que ser então formas da nossa própria percepção. Não
é que existem tempo e espaço fora de você, é você que enxerga ludo
dentro do tempo e do espaço; você não consegue perceber nada fora
do tempo e do espaço. Sendo que o tempo corresponde à modalidade
que você tem da percepção de vocc mesmo, e o espaço à modalidade
que você tem de perceber os objetos que não são você. Dito dc outro
modo, o tempo é a estrutura da existência do conhecimento interno
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que temos cie nós mesmos, e o espaço é a estrutura do conhecimento
que lemos do mundo em geral. Quando nós dizemos que algo existe,
nós queremos dizer que existe no tempo e no espaço; porem não pode
mos dizer que o próprio tempo e o espaço existem. Na verdade o existir
algo é estar colocado dentro do tempo c do espaço, mas o tempo c o
espaço por sua vez não têm propriamente a existência porque eles são
apenas a forma que nós temos de conhecer as coisas. Está aí admitida a
hipótese de que talvez não existam nem espaço, nem tempo, nós é que
enxergamos as coisas assim.
Cá para nós, eu acho tudo isso uma confusão miserável, mas o
trabalho que Kant tem para isto, para criar isso aí, é absolutamenLe
monstruoso. Por que na época isto impressionou tanto? Porque você
já vinha desde umas décadas antes, a partir do próprio Hume, já se vi
' David Hume, Aula 22, Olavo de Carvalho, Cd. f, Realizações, 2007.
havia lido Newton, e se convenceu de que Newton também tinha
razão, de que existe a gravitação universal, existe mais isto, mais
aquilo, ou seja. que Newton tinha chegado a uma descrição eficaz da
realidade física. Então a esta altura o problema que Kant ataca e que
ele vai tentar resolver através dessas idéias que eu acabo de expor é
justamente a de: como é possível uma ciência da natureza desenvol
vida. como Newton a descreve, se ao mesmo tempo, segundo Hume,
nós nada podemos conhecer além dos fenômenos? Como ele está
convencido dc que nós nada conhecemos além dos fenômenos, então,
isso quer dizer que ele não vai poder explicar a ciência de Newton
a qual ele endossa, ele não vai poder explicá-la como uma descrição
da realidade objetiva, mas ao mesmo tempo ele reconhece que ela é
válida. Então, como c possível uma ciência válida que você não sabe
se ela corresponde à realidade objetiva?
Está entendendo o problema? Para mim esse problema parece to
talmente artificial, mas foi assim que ele colocou, e esse problema es
tava na cabeça de muita gente na época.
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pensamento humano, à estrutura da percepção e à estrutura da ra
zão, ela será universalmente válida, ainda que nós não saibamos se
ela corresponde com a realidade objetiva. Significa que ciência válida
passa a ser aquela que convence igualmente a todos os homens ou que
deveria convencer igualmente a todos os homens e que sc ela estiver
errada, estarão todos errados juntos. Ou seja, em lugar do conceito
da realidade como princípio aferidor da veracidade ou falsidade das
nossas idéias coloca-se a idéia de humanidade. A universalidade da
estrutura do pensamento humano torna-se agora o verdadeiro critério,
ou seja, não há uma realidade acima de nós ou fora de nós que julgue a
veracidade ou falsidade das nossas idéias, E a nossa própria estrutura
que, por ser universal, por ser idêntica em todos os homens, garante
a validade desses conhecimentos. Mas garante a sua validade e não a
sua realidade. Não se fala mais da realidade, só existem os fenômenos
e os juízos válidos. O que é válido? Válido significa que confere com a
estrutura universal da mente humana.
Como é que fica dentro disso, dentro desse novo esquema, a idéia
da religião, a crença em Deus, por exemplo? Ele diz: :‘Nós não pode
mos saber se Deus existe ou Deus não existe, o que nós podemos fazer
é validar a religião pelo mesmo modo que nós validamos as ciências”.
Ou seja, em função da estrutura da razão humana ou da estrutura
do conhecimento humano em geral. Então, diz ele que a crença em
Deus é o que ele chama o imperativo categórico, quer dizer, alguma
coisa que tem que ser porque senão o homem seria menos homem,
estaria diminuído por assim dizer. Ele valida Deus, não em função da
existência de Deus, mas da necessidade que o homem tem de crer em
Deus para ele manter o seu estatuto, a sua nobreza humana. Quer
dizer que abolindo a realidade, abolindo Deus, abolindo a natureza,
abolindo as substâncias, sobra o quê? Somente a estrutura da mente
humana, e esta passa a ser o juiz supremo de todas as coisas. Na épo
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ca isto tem um impacto absolutamente formidável porque a crítica
fenomenista havia convencido todo mundo e por outro lado também
todo mundo estava convencido da validade da nova ciência, estava
todo mundo orgulhoso das conquistas da ciência física, c ao mes
mo tempo todo mundo persuadido de que a crítica fenomenista ou
céptica era válida. Quando Kant consegue harmonizar essas duas
coisas fazendo o que cie chama de “revolução copernicana”. ele diz:
“Assim como Copérnico tirou o centro do mundo da Terra e colocou
no Sol, eu estou virando também o universo inteiro das ciências que
antes girava em torno de um Ireco chamado realidade c agora gira
em torno da nossa mente“. Este giro... nós ainda estamos dentro
dele. Quer dizer, a influência de Kant no mundo é assim avassa
ladora, em todas as teorias científicas, seja na esfera de ciências
naturais, seja dc ciências sociais, o Kant está presente em tudo. Isso
quer dizer que esta precaução kantiana de jamais falar da realidade,
mas falar somente dos fenômenos, c dc privilegiar o processo e a
estrutura do conhecimento diante do objeto conhecido, quer dizer,
o objeto é preterido em favor do sujeito cognoscenle, isso aí está de
tal modo impregnado que eu acho que nunca mais nenhuma teoria
depois de Kant, nenhuma dessas teorias mais famosas que circulam
por aí, jamais pretendeu ser real, pretendeu apenas ser válida. Você
imagina então o efeito absolutamente anarquizanle que isso tem no
domínio da ciência.
(Aluno): - Acho que não só nas ciências, mas acho que já chegou
às últimas consequências, o homem comum já pensa dessa maneira.
Sim, o homem comum já c kantiano.
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titilido!" '‘Sim! Mas você acha que isso que eu estou dizendo é certo?”
"Não! É a sua opinião...”
Veja que esta idéia, por exemplo, este tipo de relativismo atenuado
que diz que todas as opiniões são válidas, você vê, isso c um eco lon
gínquo do Kant.
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O curioso é que esta grade de limitações kantianas oprimiu de tal
maneira o cérebro das gerações seguintes que todos tentaram sair de
lá de dentro, porém todos tentaram sair partindo do princípio de que a
conquista kantiana era definitiva. Então, você tem que partir de Kant
para diante, para a frente, você não pode voltar atrás, aquilo que ele
descobriu é válido e está dito. Até para você restaurar, por exemplo, a
metafísica, você teria que restaurá-la por um caminho que fosse kan
tianamente admissível; tudo o que está na filosofia do idealismo ale
mão, com Fichte, Schelling e Hegel, c baseado nesta ideia, quer dizer,
eles colocam o Kant como ponto de partida.
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(Aluna): - Quer dizer, o espaço e o tempo são as variáveis
básicas da física!
Sim, mas ele diz que você pode desenvolver toda a física do Ncwton
sem você pressupor a realidade externa do que você está dizendo. Você
vai dizer apenas que aquela armadura de conceitos e de observações...
de relações criadas por Newton correspondem aos fenômenos. Quer
dizer, de tudo aquilo que você colheu na realidade, todos os dados que
chegaram até você, aquela armadura combina com eles. Você não pode
dizer se as coisas são realmente assim.
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mos c esse mundo é assim, nós sabemos apenas que nós. seres humanos,
como coletividade vemos assim; como nós não podemos sair de dentro
da nossa estrutura cognitiva, jamais saberemos se é assim ou não, só
sabemos que todos vemos assim, então aquilo que estamos dizendo a
respeito não é necessariamente real, mas é universalmcnte válido,
22
você fazer a conta ele dois mais dois. Agora, tem coisas que vêm através
da experiência e que só são validadas pela experiência; por exemplo, o
falo de que vocês estão aqui agora; cu não posso por lógica, por mera
análise lógica dc conceitos, cu jamais poderia provar que vocês estão
aqui agora; eu preciso do dado de experiência para isso. Então, esse
conhecimento não somente c obtido por experiência, mas a condição
de validade dele está na própria experiência; mas tem outras que não,
você obtém pela experiência, mas a condição de validade deles não c
experimental, é lógica.
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sc cu não o observei? Isso e duma estupidez assim tão formidável!
Como você pode definir a coisa-em-si como aquilo que ela é indepen
dentemente do seu conhecimento? Isto é a primeira coisa, A segunda
coisa: toda a análise que Kanl faz é a análise do sujeito cognoscente,
quer dizer, a análise das estruturas racionais e perceptivas do sujeito
cognoscente. E através dessa análise ele chega à conclusão dc que o
princípio de validade do conhecimento é justamente a compreensão
dessa estrutura do conhecimento; então, cia passa a ser a medida de
aferição, ela, e não o objeto; o objeto nem precisa existir, se a estru
tura é universalmente válida, então, o conhecimento obtido por ela é
válido independentemente de o objeto existir ou não.
Só que nós temos aí um pequeno problema: este sujeito cognos
cente é sempre e unilatcralmcnte sujeito ou ele é também objeto? Eu
poderia ser sujeito sem ser objeto? E eu poderia chegar ao conheci
mento das minhas próprias estruturas cognoscitivas de sujeito se eu
não fosse objeto?
É claro que não!
Tudo o que Kanl fez foi examinar uma imagem no espelho fazen
do abstração de se aquilo é imagem de alguma coisa fora do espelho
ou não. Então, a imagem no espelho vai se parecer bastante com a
realidade; só que se vocé não se interessa por saber sc a imagem
refletida no espelho reflete algo externo ou não, tudo para você será
imagem no espelho daí para diante. Eu digo: tudo será imagem no
espelho, mas e o próprio espelho? Quer dizer, para o espelho refletir
alguma coisa fora, alguma imagem fora, é necessário que ele não seja
apenas uma imagem. Bastaria vocé inverter, dizer: olha. não existe
só a imagem no espelho, existe a imagem que você tem do espelho.
Você também está vendo o espelho! Senão, você não poderia dizer o
que ele está espelhando.
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O mundo de Kant é urna espécie de inundo bidimensional em que
sé) existe sujeito, e o sujeito é sempre e uniformemente sujeito. Se você
considerar aquele sujeito, por exemplo, o próprio Kant, como objeto,
você vai ver que a existência objetiva deste objeto é condição para
que ele seja sujeito. Quer dizer, sc tudo o que eu conheço, eu conheço
como fenômeno sem saber que tem algo por trás, eu preciso ver se eu
próprio poderia conhecer isso sendo eu mesmo apenas um fenômeno,
li a resposta é evidentemente “não”.
Então, Kant pula fora desse problema levando em conta somente
as estruturas do sujeito e jamais consentindo em se colocar a si mesmo
como objeto. Ora, o teste aí é bastante simples, se você se olha num
espelho você vê que a imagem que aparece no espelho é determinada
pela estrutura do espelho (não é isto?), quando Kant examina a mente
humana ele está examinando como se fosse um espelho e dizendo:
“olha, a imagem que sc reflete aqui não depende da estrutura do ob
jeto, depende da estrutura do espelho.” Quer dizer, a mente humana
é o espelho no qual se refletem os fenômenos, e eles adquirem uma
forma que é determinada pela estrutura dessa própria mente, assim
como a imagem no espelho depende das propriedades refletanles do
próprio espelho. Muito bem, mas quando você se olha no espelho, a
sua imagem é determinada só pelo espelho, ou pelo que você faz dian
te do espelho? Existe por um lado a estrutura do espelho e existe a
estrutura daquilo que se mostra ao espelho, nenhum dos dois pode
determinar totalmente o outro. Por exemplo, sc eu fizer tais e quais
gestos diante duma superfície que não tem o poder refletante nada se
refletirá, eu faço diante desta parede, não aparece nada nela; agora se
eu fizer diante do espelho, aparecerá o mesmo gesto. E sc eu não esti
ver diante do espelho, o espelho pode ter a faculdade refletante que ele
queira, ele não me refletirá. Portanto, é inteiramente absurdo você su
por que a partir dessa pura análise do sujeito você possa compreender
25
ü processo cognitivo, considerando o objeto apenas como fenômeno.
Porque você mesmo em você mesmo, você tem o aspecto fcnomênico
c você tem o aspecto substancial, c os dois não se confundem de ma
neira alguma. Porque se você, no instante em que você se conhece,
conhece algum fenômeno a seu próprio respeito, por exemplo, você diz
“eu estou com frio!’; bom, esse c um fenômeno, 6 um dado da expe
riência que chega até você. E quem registra isto? É outro fenômeno?
E este fenômeno, por sua vez, será registrado por outro fenômeno, e
por outro fenômeno, e por outro fenômeno, e por outro fenômeno...
Você terá multiplicado a coisa formidavelmente! Além disso, a idéia
que ICant faz da mente humana subentende que os fenômenos chegam
para nós de maneira totalmente caótica, eles não têm unidade, não
existe uma unidade na estrutura do universo, na estrutura do real. É a
menle humana que cria a estrutura e o mundo então é, na melhor das
hipóteses, um aglomerado de fenômenos que em si mesmo não tem
estrutura, Ioda estrutura nós damos. Damos como? Quando percebe
mos as coisas dentro do espaço c dentro do tempo estamos projetando
sobre os fenômenos as estruturas que se chamam tempo e espaço, as
quais estão na nossa mente.
Bom, isso para mim. c uma impossibilidade pura e simples. E
impossível você fazer isso. Por quê? Por exemplo, eu estou perce
bendo esta sala. O que significa eu percebê-la? Significa que eu a
enquadrei nas minhas categorias de espaço c tempo. E por causa
disso ela me parece ser uma sala com pessoas dentro, com esta, esta,
esta característica. Mas eu não sei se realmente essa estrutura que
eu estou percebendo corresponde à estrutura da entidade objetiva
que está diante dc mim.
Muito bem, e quando eu percebo que eslou percebendo? Ou seja,
eu percebo esta sala c cm seguida eu reflito sobre o alo que eu tenho
de perceber isto. Então, nesse instante eu me transformo para mim
mesmo no quê? Num fenômeno! Eu também não me conheço subs-
26
lanlivamente, só me conheço como dado fenomênico. Mas quando eu
percebo este dado fenomênico, por sua vez, cu o percebo desde um
outro ponto de vista que também é fenomênico. Você pega aquela fa
mosa frase do padre Ladusãns: “se eu sei, eu sei que sei, e se eu sei que
sei, eu sei que sei que sei”. Traduza isso na linguagem do Kant. Quer
dizer, se eu sei, isso não quer dizer que eu sei algo de objetivo, eu sei
apenas que algo foi fenomenicamente percebido. Mas se eu sei que sei,
eu também não sei que sei substantivamente, cu só sei que eu tive um
fenômeno de percepção da própria percepção, e em seguida tive outro
fenômeno da percepção da percepção, e assim por diante. Então, é o
espelho do espelho do espelho do espelho do espelho do espelho do es
pelho do espelho... Não dá para parar esla conta; não existe um limite.
Sc não existe um limite, como é que você pode dizer que você resolveu
o problema? Não, você criou um problema absolutamente formidável,
você criou um enigma. Porque o conhecimento que se processasse por
um jogo dc espelhos sem limite ele seria inviável sob todos os aspectos,
e você nem poderia chegar a dizer o que você está dizendo. Porque sc
você está dizendo é porque você fechou um esquema. Mas você mul
tiplicar um problema não c você rcsolvc-lo de maneira alguma. Então,
vale contra o Kant o mesmo argumento de Aristóteles contra a teoria
das formas ou das idéias de Platão. Se existe aqui um homem, mas a
verdadeira realidade deste homem é um outro homem que existe no
mundo das idéias, é porque existe uma semelhança entre eles. c esta
semelhança não é nem um nem o outro, é um terceiro homem. Tem eu,
tem o meu modelo no mundo das idéias e tem um terceiro homem que
é entre eu e o outro formando e elo de semelhança. Mas entre eu e esse
terceiro também tem que ter um outro.
28
mcnle, o que nós chamamos de universo é um tecido de relações, mes
mo que seja fenomênico, então a coisa-em-si só poderia ser aquela que
estivesse totalmente fora desse tecido de relações, e isto evidentemente
e nina condição impossível. A coisa-em-si é aquela que não transmitisse
informação alguma para ninguém a respeito de sua própria existência. É
claro que isso não pode existir.
29
Não! Isso já está incluído. Não tem nada que ver. Vamos supor
que eu quando vejo uma coisa eu opero uma distorção nela, ela me
manda um conjunto de informações das quais eu só pego algumas,
e essa seleção é determinada pela forma da minha percepção. Muito
bem, aquele conjunto de informações que ela me mandou e que eu
estou selecionando do meu modo, esta seleção que eu faço corres
ponde à estrutura dela ou não?
30
emite para a águia? Ele tem a capacidade de ser visto pelo mosquito
do jeito que a águia o vê? Não! Então, isto significa que a maneira
que a águia c o mosquito vêem o sapo não está determinada só pelo
aparato de percepção da águia e do mosquito, mas pela estrutura
do próprio sapo, ele não pode trocar isso, ele não tem poder sobre
is s o . Quer dizer que Ioda informação que é emitida e recebida, de
31
Claro! Vamos inverter: agora o sapo começa a ver como a águia ou
então ele emite informações para a águia c diz: “olha, eu não estou
aqui, eu sou o mosquito”. Ele não pode fazer isto! Quer dizer que
esse conjunto de perspectivas, cada uma limitada, que os vários seres
têm uns sobre os outros, não está somente neles enquanto observa
dores, mas enquanto objetos também. E você percebe isso claramente
quando você emite uma informação para você mesmo. Por exemplo,
ficando diante do espelho pelado ou vestido. Quer dizer, o espelho
não tem a capacidade dc captar você alem do que está na frente dele,
mas você também não tem a capacidade de projetar nele o que você
não está fazendo.
Toda esta idéia kantiana da estrutura da percepção é uma idéia
muitíssimo interessante, só que ela não existe independentemente
da estrutura dos objetos. Ele está supondo não só a existência de
um sujeito absoluto, quer dizer, um sujeito que fosse sempre e uni
formemente sujeito, mas ele está supondo que toda a humanidade
seja assim. Então, este é o primeiro furo. Não existe o sujeito sem ser
objeto e você se considerar como sujeito é uma abstração que você
está fazendo, quer dizer, você está apenas decidindo se examinar sob
metade dos aspectos que fenomenicamente você mostra. E você es
colheu essa metade, por quê? Porque você quis. Em vez de eu fazer
o exame da minha estrutura de percepção, que é a mesma coisa que
estrutura de recepção, vamos fazer um exame da minha estrutura de
emissão. Por exemplo, você só pode me ouvir numa determinada fre
quência dc onda, mas e se eu quiser falar nouLra frequência de onda,
cu consigo? Eu também não! Então, através da articulação do que eu
percebo com o que eu emito é que cu percebo que eu também sou um
objeto. Agora, se você diz: “não podemos conhecer a coisa-em-si!”
Eu digo: muito bem, mas eu também sou coisa? Eu também sou ob
jeto de conhecimento? Tanto sou que eu estou faiando a meu próprio
32
icspcilo. Eu mc conheço a mim mesmo só como sujeito? Fosso me
conhecer a mim mesmo só como sujeito cognosceníe? Não. Para isso
cu precisaria abolira minha própria existência no espaço c no tempo
e me considerar somente como receptor de sinais que não está em
parle alguma. Se eu estou em algum lugar, sc cu mesmo estou dentro
do espaço-tempo, então também estou me conhecendo a mim mesmo
como objeto. Eu vejo minha mão, vejo meu pé, ouço minha voz. Não
c assim? Lembro de meus próprios pensamentos, lembro de coisas
que mc aconteceram. Então, eu também sou objeto para mim. Eu
digo: muito bem, se eu não posso conhecer a coisa-em-si. eu também
não posso conhecer o eu-em-mim.
Não c assim? Agora, se eu não posso conhecer o eu-em-mim, então
nao há nenhuma diferença de valor cognitivo entre eu e os objetos, ou
seja, eu serei para mim mesmo tão real quanto os demais objetos ou
lao irreal quanto eles; se eu só posso conhecer as coisas como fenôme
no, eu também só posso rrie conhecer a mim mesmo como fenômeno.
Agora, em que medida um fenômeno pode ser sujeito e com que direito
você diz que um simples fenômeno tem uma estrutura de percepção
universalmente válida? Se é urn fenômeno, você só conhccc empirica
mente. E tudo o que você fez para analisar a sua estrutura de percep
ção, tudo isso, também seria fenomênico, não tem nenhuma razão para
que isso não seja fenômeno. Em suma, o universo de Kant está todinho
errado, é tudo fantasia, é tudo besteira, e é melhor esquecer. Kant não
disse nada, todo o universo de Kant me parece uma vasta pegadinha,
sabe, de tipo “faz dc conta que eu não estou aqui” e impressiona muito
por scr muito exato nos seus detalhes.
33
órgão como se tivessem. Aí há uma espécie de cisão entre o eu como
sujeito e. o eu como objeto, e além disso não se reajusta...
Eu entendo isso. Mas como c que você articula isso com o negócio
kantiano? Eu não entendi.
34
.is quais a sua experiência temporal não teria acontecido. Mas corno é
que você chega a isso? Pela análise da experiência temporal. E quem
disse que a sua experiência temporal aconteceu como teria de aconte
cei':' Se ela é como é, então, analisada ela revela que precisa de tais ou
quais condições. Essas condições, por sua vez, são apriorísticas, não
dependem da existência da própria experiência. Mas o conhecimento
que você tem delas depende de que você tenha a experiência. Então,
a única maneira de você chegar às condições a priori é a análise da
experiência, mas a experiência também é fenomênica. Então, por que
as condições que determinaram aquela estrutura daquela experiência
lém que ser universais? Teria que ser por um processo indutivo, você
analisa uma experiência, outra experiência, outra experiência, outra
experiência, nada pode lhe garantir que a análise da próxima experi
ência não vai lhe revelar outras condições a priori que você não tinha
percebido ainda. Aliás, o próprio Kant à medida que ele vai fazendo
análise vai descobrindo outras condições a priori.
35
ser racional e não percepliva. Se as duas únicas condições da percepção
são o espaço e o tempo, o que lhe permite dizer que tal coisa aconteceu
durante “x tempo” e cm tal lugar? Somente uma síntese racional, teria
que ser uma síntese lógica, não uma síntese perceptiva. Então, o fato dc
nós percebermos o movimento teria que ser explicado por um raciocínio
que você está fazendo.
36
raciocínio algo que você está percebendo pelos sentidos; outra coisa é
você dizer que a própria percepção nasce de um raciocínio. Eu digo: não,
da lem urna estrutura que pode ser, que é análoga ou homóloga a de
11ui raciocínio que você pode fazer. Ou seja, além dc você perceber uma
coisa, você pode prová-la racionalmente.
37
(Aluna): - Então, a questão que ele falou que existia um terceiro
caso seria que você acredita que percebeu algo, na verdade não per
cebeu porque aquilo não se passou, mas você teve uma alucinação e
elaborou um raciocínio em cima...
Sim, mas isso aconleceu!
38
não seriam mais fenômenos, mas resultado de um raciocínio meu; vocês
seriam conclusões lógicas e não fenômenos.
39
A percepção de tempo c de espaço não é distinta; aliás, você só percebe
o tempo por alterações no espaço, mesmo que sejam alterações inter
nas. Quer dizer, se você fizer abstração de toda e qualquer alteração no
espaço, portanto alteração corporal, não tem nem percepção de tempo!
Isto para você ver até que ponto a percepção de tempo e espaço está
articulada previamente a qualquer raciocínio que você laça.
40
"olha, at|ui nós nada afirmamos, nós apenas descrevemos as aparên
cias"! Mas tudo isso é teatro, porque não tem rigor nenhum nessas
coisas, isso aí é urna confusão miserável e de um artificialismo atroz.
41
nós que fazemos, nós que articulamos. Agora, para eu fazer isso com
os objetos eu teria que fazer isso comigo mesmo. Por exemplo, cu
estou percebendo vocês, quer dizer, eu os estou situando dentro das
minhas categorias de espaço e de tempo, e ao mesmo tempo estou
fazendo a mesma coisa comigo mesmo, eu também estou me situando
a mim mesmo no espaço e no tempo, e digo que a existência c apenas
isso. Mas não pode ser apenas isso, porque se você cruzou o espaço
c tempo você obteve uma coisa que não é nem espaço nem tempo!
E é este cruzamento mesmo que você chama de existência, então,
isso é uma terceira categoria. Por exemplo, você pode conceber uma
realidade espacial sem tempo? Eu digo: pode! A geometria faz exata-
mente isso, você concebe o espaço independentemente do tempo. E
você pode conceber o tempo também independentemente do espaço?
Pode! Só que quando você faz isso você sabe que está apenas pensan
do, você não está percebendo nada. Quando você percebe significa
que você percebe as coisas inseparavelmente no espaço e no tempo. E
esta fusão de espaço e dc tempo dá a esses objetos uma qualidade que
não é nem espacial nem temporal, ou melhor, que não é nem somente
espacial, nem somente temporal. Isso quer dizer que a categoria da
existência, embora ela consista da articulação de espaço c tempo, ela
não pode ser reduzida a espaço e tempo, ela é um terceiro ponto dc
vista especificamente diferente, então, nós temos três estruturas da
percepção: o espaço, o tempo e existência.
Mais tarde Xavier Zubiri vai dizer que perceber as coisas como
existentes é a forma específica da percepção humana. Isso significa
que o mundo do Kant é um mundo que é estrutural mente correspon
dente à realidade, só que é um mundo dc papel, é um mundo fictício,
que corresponde esfruturalmcnte, mas ele não é a realidade, ele é
apenas uma imagem num espelho.
42
[Aluno): - É uma abstração!
lile é mais que uma abstração, cie c uma ficção.
43
a estrutura de percepção humana que é uníversahncnte válida, então,
a humanidade se torna o centro da realidade, a comunidade humana
é tudo. Sem essa ideia da comunidade humana não teria havido Karl
Marx, a comunidade humana coino sujeito histórico que constrói a
sua própria realidade, etc,, etc,, sem Kant não teria lido Marx também,
embora Marx nunca reconhecesse essa dívida.
44
essa..." Todos estão buscando o quê? Formas a priori'. E ninguém che
ga para perguntar: mas espera aí, e se não for assim? E se estas famo
sas formas a priori existirem em pluralidade indefinida? E se em vez de
elas serem uma coisa que está antes da experiência, elas sejam apenas
aspectos da experiência? Que é o que me parece que são.
Você pode olhar por esse lado, por aquele lado, por aquele lado, você
sempre vai ver alguma coisa que está dentro do cenário c alguma coisa
que determina a forma do cenário. Se você está assistindo uma peça,
bom, tem o enredo da peça c tem as condições a priori que não fazem
parte da peça mas que a determinam: o formato do teatro, o tamanho
do palco, a personalidade dos atores, etc., etc., aquilo está colocado por
assim dizer antes e atrás da peça que você está assistindo. Mas por que
considerar que essas coisas que estão por trás têm prioridade? Aquilo
que visto sob um aspecto é condição a priori da experiência, visto de
outro aspecto c apenas um componente da experiência. Ou seja, é você
que está colocando uma coisa na frente e outra atrás. Por exemplo, você
pega a estrutura da linguagem, a estrutura da linguagem pode ser unia
forma a priori enquanto você está usando a linguagem sem pensar na
sua estrutura, tão logo você pensa na sua estrutura, ela se torna objeto
da experiência como qualquer outro. Não existe uma perspectiva estru
tural permanenle que separe frente e fundo. Frente e fundo estão conti-
nuamente mudando de posição conforme o lado pelo qual você olha.
' Ludwig von Mises (Lviv, 29 de Setembro de 18S1 — Nova Iorque, K) de OuLubro de 1973)
filósofo c economista. Maiores informações no siLe do Ludwig von Mises Institute: http://www.
mises.org
45
(Aluno): - Sim, mas eu digo o seguinte: porque ele também acha
que pode haver um por trás das decisões subjetivas, etc., mas ele diz:
“bom, só que a gente não sabe, então, enquanto não sabemos, vamos
trabalhar assim assado... então...”.
O IVÍiscs transforma todo esse kantismo apenas em precauções me
todológicas. Como precaução metodológica, tudo isso vale; não vale c
quando você dá urna validade dc um alcance metafísico para a coisa
e diz: “nós estamos realmcnte presos dentro desta estrutura kantia
na’1. Sc você dissesse: “não, eu von usar aqui esse método kantiano só
por necessidade de precaução, quer dizer, não vou dizer que as coisas
são exatamente assim como eu estou dizendo, direi apenas que elas
aparecem assim desde tal ponto de vista’’. Eu digo: muito bem, como
precaução vale. Mas isso é como o problema weberiano do juízo de
valor. Uma coisa c você dizer: espera aí, no estudo de tais ou quais cos
tumes, ou tais ou quais leis, ou tais ou quais ações humanas, eu farei
abstração do juízo de valor, ou seja, cu não considerarei se estes atos
eslão certos ou errados, etc., etc. Bom, eu não levar em consideração
c uma coisa, e esses aspectos não existirem lá c ouira completamenle
diferente. Agora, prosseguindo nessa linha kantiana a gente chega a
absurdos lotais e o sujeito que partindo do preceito metodológico de
que a sua ciência, às vezes uma sociologia, uma antropologia, não leva
rá em conta as diferenças de valor entre os fenômenos que ela estuda,
chegará à conclusão dc que não cxislem realmentc essas diferenças de
valor. Como que você pode afirmar que não existem aquelas coisas que
justamente o seu estudo não leva em conta? Como é que aquilo que a
sua ciência não estuda, aquilo que já foi declarado como fora do seu
horizonte de estudo pode scr declarado ao fim desse estudo existente
ou inexistente? É de um absurdo total, c uma coisa de meter sorvete
na testa, é uma coisa de gente burra, Quer dizer, se você não estuda tal
coisa, se a sua ciência não estuda tal coisa, então ela não pode se pro-
46
1111nciarsobre se essa coisa existe ou não. Não é isso? E tem o negócio
do Antropólogo Antropófago, não c? Tem uma apostila minha chama
da “O Antropólogo Antropófago”. Você vai estudar antropofagia, mas
você não vai dizer que aquilo é bom, nem mau, que há alguma diferen
ça de valor entre você alimentar uma criancinha ou alimentar-se dela.
“Nós aqui somos neutros, somos superiores a essas coisas”. Está bom,
você pode até estudar por esse lado. Embora, a abstenção de juízo
de valor nessa caso seja uma extravagância um pouco esquizofrênica.
Mas você abstrai assim. Agora, como é que ao fim desse estudo você
pode dizer sc a diferença de valor existe ou não, se logo no início você
já disse que o seu estudo não ia abranger esse fenômeno? Isso quer
dizer que a ciência sc considera tanto mais habilitada a se pronunciar
sobre um fenômeno quanto menos cia o estuda.
47
essa noção é auto-contraditória. Uma coisa da qual nada sc sabe não é
uma coisa-ern-si, é uni simples nada. Unia coisa da qual ninguém sabe
nada é uma coisa que não está relacionada com nenhuma outra, urna
coisa que jamais transmitiu informação nenhuma para ninguém, ou
seja, c uma coisa totalmente inócua, insípida, inodora, e que não está
em parte alguma, que não faz nada. Você está entendendo? E claro que
esta definição é um flatiis voeis, você não está dizendo nada com isso
aí. Então, se você disser: '‘podemos conhecer a coisa-em-si” ou “não
podemos conhecer”, dá na mesma. Na medida em que você separa
coisa-em-si e fenômeno c diz: “você só conhece os fenômenos”, então,
para mim é o seguinte, você falar de fenômeno sern falar da coisa da
qual o fenômeno c fenômeno, não significa nada, porque mesmo que
você só saiba da coisa aquilo que fenomenicamente ela lhe mostra, isto
é característica dela, e se você fez um recorte que não coincide perfei
tamente com a natureza da coisa é porque está na natureza dela só se
mostrar a você por esse aspecto, tanto que ela não tem o poder de se
mostrar sob outro aspecto. Por exemplo, por que é que as cores não
têm gosto? Você pinta uma superfície de vermelho, não sente gosto
nenhum. Não é assim? Você olha o vermelho, não tem gosto nenhum.
Está vendo como a sua percepção c limitada? Eu digo: mas não é a mi
nha percepção que é limitada, o vermelho não tem a capacidade dc ter
gosto por si! E quando eu percebo isto dele, eu estou percebendo urna
limitação que é dele e não minha; senão eu não seria capaz sequer de
perceber a diferença entre cor e gosto,
(Aluno): - Material!
+8
Claro, evidentemente! Mas acontece que com vários substratos ma-
leriais diferentes você pode produzir o vermelho. Não c isso?
49
(Aluno): - Mas não têm os dois?
Claro que sempre tem os dois!
(Aluno): - Não?
Claro que não!
50
(Aluno): - Está transmitindo.
(Aluna): - Mas aí é uma limitação sua não perceber. Não é isso?
Claro, é uma limitação minha não perceber, mas é uma limitação
dela lambem, cia não pode fazer isso de modo que eu perceba.
51
um corpo que reflete luz! Você emite cheiro porque lern certas substân
cias no seu corpo. Você emite som porque você tem boca.
52
(Aluno): - A mesa não pode mostrar o tampo para nós. a mesa
também é aí...
Você está entendendo? Quer dizer, a limitação nossa está compro-
porcionada à limitação dela. Ela está nas três direções do espaço ao
mesmo tempo. Mas ela não está do mesmo jeito, não está voltada toda
para o mesmo lado. Islo é uma limitação da estrutura dela.
(Aluna): - E nós podemos ajudá-la a que ela nos deixe perceber se...
Claro! Você pode olhar por um lado c pode olhar pelo outro, mas
não pelos dois ao mesmo tempo. Você precisa olhar por um lado. Guar
dar na memória aquele lado e depois ir para o outro. Esta diferença de
tempo que se passa entre uma percepção c a outra corresponde estru-
luralmente à diferença espacial de um lado e de outro. Sempre existe
essa eomproporcionalidade porque quando não existe a percepção não
se dá. Isso quer dizer que é impossível explicar a percepção somente
pela análise do sujeito. Ainda que você conheça toda a estrutura cogni
tiva do sujeito, isto não lhe permite perceber absolutamente nada.
53
Você não consegue ficar transparente. Não c isso? Então isso quer
dizer que a idéia de que exista um sujeito, que o sujeito seja o pólo
seguro da realidade, c de que a realidade em torno seja insegura, que
é a idéia cartesiana no fim das contas, esta é complctamcnte maluca,
isso não pode ser aceito nem por dois segundos, isso é uma ilusão, um
efeito hipnótico que prende as pessoas dentro do seu próprio ego e não
deixa sair mais. Agora, uma vez que você entrou lá dentro fica difícil
você sair, mas você só entrou porque você aceitou os conceitos iniciais,
e você não os examinou criticamente; porque se examinasse você tem
que dizer: olha, essa sua proposta é absolutamente inviável, não dá
para fazer isso que você está dizendo que vai fazer. Então, a filosofia dc
Descartes é inviável, de Thomas Hobbes é inviável, de John Lockc é in
viável, dc Kant é inviável, são projetos que na primeira já deveríam ter
sido recusados. '‘Olha, eu quero fazer um estudo assim, assim”, Pode ir
para casa, meu filho, isso aí você não vai fazer, só vai dizer que faz.
54
(Aluno): - Isso aí é...
Tudo isso aí é primarisnio, primarisnio, falta de técnica filosófica,
burrice, falta de cultura. E esse o problema desses caras.
55
E o terceiro problema: o terceiro problema é o chamado clima
de opinião; quer dizer que a instituição universitária, a mídia cul
tural, etc,, etc., as idéias imediatamente caem nessa máquina e se
espalham para tudo quanto c lado e começam a ser discutidas por
milhões de pessoas absolutamente desqualificadas e elas se trans
formam enlão numa corrente de força histórica antes de poder ser
discutidas seriamente. Então, você tem esses três problemas: a
ocultação, a ignorância e o falatório.
Antes de você saber porque c que o sujeito disse algo e se o que
ele disse vale ou não valo, aquilo já virou moda e já lem prós e contras
e já virou uma corrente cultural que afeta a vida das pessoas, afeta o
curso dos acontecimentos. A discussão saiu da esfera científica para
virar prática, para virar ação. E daí os cenários todos já estavam al
terados por aquele negócio. Você está entendendo? Então, este é o
método pelo qual você fica louco. Você inventa uma mentira para
você, esconde dc você mesmo porque que você está dizendo aquilo.
E em segundo lugar você se impede de fazer o exame crítico para
saber se aquilo é verdadeiro ou não. Mas em terceiro lugar você já sai
dizendo aquilo para todo mundo, e você já se torna conhecido como
o cara que detende aquela idéia. Faça isso urnas dez vezes c você já
está doidinho. Você não sabe mais quem c você, de onde você come
çou. Então, o que esses camaradas estão fazendo. Descartes, Kanl, é
enlouquecer a humanidade. E à medida em que nos últimos começa a
aparecer, o pessoal começa a abrir a caixa preta para saber quais são
as verdadeiras fontes, da onde eles tiraram essas idéias, são sempre
sociedades ocultistas, gurus secretos. Estas fontes não estão expostas
de maneira que você possa discutir seria mente, está tudo escondido.
Você tem a ocultação, em cima da ocultação você tem a mentira. E em
cima da mentira você tem a lenda e assim por diante. Eu digo: mas
como pode Ler uma discussão séria nesta base?
Sá
(Aluno): - Mas em grau menor isso existiu em Platào também, não é?
(Aluno): - Mas tem o negócio que o Giovanni Reate faz...
Não, o fato de você ter um ensinamento oral, se é um ensinamento
oral, ele não está escondendo! Ele está explicando para os seus alunos.
() que você tem é que apenas que cie faz uma diferença entre a parte
mais difícil, que é explicada só para uma elite, e a parte que é popular.
Mas ele não está escondendo, não está apagando fonte. Agora, você
pega um Hcgcl, ele nunca diz. de onde ele está tirando aquilo, os outros
é que às vezes percebem. Então, Schelling percebeu, Schelling logo
falou; 'isso que você eslá dizendo é tudo coisa do ]acob Bõehme!” Ele
não diz. que estava re-expondo maquiada a filosofia de Jacob Boherne,
não, ele simplesmente...
(Aluno): - Quem?
Jacob Bólieme, que era um visionário do século XVII...
(Aluno): - Um místico?
Um místico. Olha, o que você eslá expondo aqui, você pode partir
de um simbolismo alquímico, é inleiramente legítimo, você diz: "Olha,
tem um simbolismo alquímico que diz isso assim, assim, assim, agora
cu vou explorar isso aqui cognitivamente para ver o que dá.” Agora,
você esconde o simbolismo alquímico c começa a raciocinar de um
certo ponlo para diante, então isto é ocultação, o conjunto do que ele
escrever, do que ele disser publicamente, vai ter um efeito mítico sobre
as pessoas. Ele está lhe contando um pedaço da história e está escon
dendo outro, então, você nunca vai entender perfeilamente, você sem
pre enlendc que por trás do que cie diz tem algo. Mas o que é que tem?
Como você não sabe o que c, você fica adivinhando. Como você fica
adivinhando, você começa a projetar riquezas intelectuais lá que talvez
não eslejam lá, Você está entendendo? Então, daí cada um cria o seu
Hcgcl. Eu interpreto assim, ouro interpreta assado. Ninguém entendeu
coisa nenhuma, mas lodo mundo está discutindo a coisa c aquilo se
transformou numa influencia monstruosa sem que ninguém entendes
se. Isso c mistificação! Um homem sério, um Filósofo, um cientista, ele
não faz isto. Ele expõe tudo, diz: “Olha. a teoria c essa assim, eu tirei
daqui, eu acho que isso aqui está certo, você, por favor, verifique”.
Agora, sc eu escondo, eu não estou deixando você entender o que cu
eslou dizendo; então eu crio um simulacro dc racionalidade que está
cheio dc alçapões c dc insinuações pur trás, mas você não sabe direi
to quais são, está fazendo mágica mesmo. É a mistificação, você está
jogando areia nos olhos das pessoas. Agora, o fato c que quase todos
os filósofos do ciclo moderno fazem isto. Mas tem alguns onde a fonte
esotérica é clara porque não é ilegítimo você buscar isso lá, ao contrá
rio, o esoterismo é uma fonte de inspiração enorme, mas uma coisa é
você pegar unia inspiração, a outra coisa é você fazer de conta que não
está lá. Não é isso? Por exemplo, o Schelling reconhece todas as suas
fontes místicas sem problema nenhum. Então, você sabe ate onde você
pode coniprccndê-lo sem a referência mística e em que ponto onde
começa a precisar ir nessas fontes. Agora, fonte mística é uma coisa,
pertinência à sociedade secreta é outra coinpletamcntc diferente, por
que aí você está vinculado por juramentos de segredo, etc., etc., e uma
sociedade secreta, afinal de contas, é uma força agente na sociedade
humana à qual você está servindo de instrumento. Então, cria uma
filosofia que parece sc destinar a tais ou quais fins, mas tem uma outra
finalidade secreta por trás que você não sabe, Agora, você imagina al
gumas gerações de filósofos fazendo isso, onde é que vai parar? Chega
urna hora em que você tem que estourar essa bolha de sabão! Eu acho
que chegou a hora já cie fazer isso. Os caras, com f legei, já estão fa
zendo. É que esses estudos são mais ou menos recentes, |na hora| em
que eles começarem a sc incorporar na história da filosofia você vai ver
5N
que toda a nossa visão dos últimos séculos, toda ela é mistificada, nós
estamos vivendo na era da mistificação há três ou quatro séculos. Essa
história de que você não pode enganar todas as pessoas ao mesmo tem
po, cu digo: bom, você não enganar todas as pessoas durante todo o
tempo, mas você pode enganar a parte mais ativa da sociedade. E você
deixa a realidade para dois ou três carinhas que ninguém conhece,
que ninguém liga para eles c que eles estão sabendo da realidade, mas
que vão passar até por loucos. Essas coisas de Hcgel, os primeiros que
disseram isto, ninguém nem prestou atenção. Daí teve que vir outro, e
outro, e outro, e outro, você começa a acumular o número de provas,
aí chega uma hora que não tem mais como negar, isso é que nem o
Poro dc São Paulo, você pode esconder durante um tempo, mas depois
chega uma hora aquilo vai aparecer. E esse ciclo moderno é o ciclo da
mistificação, da ocultação, da total falta de sinceridade, por isso que cu
digo, as teorias desses caras não valem a pena ser discutidas, porque se
tem unta motivação oculla então a teoria tem duplo sentido, tem um
sentido para quem sabe a fonte e outro sentido para quem não sabe.
Então, você tem a senha, sem a senha você não vai entender o que o
cara está dizendo. Tudo isto c um empreendimento de manipulação da
sociedade humana, instrumento de poder e não de conhecimento.
I
59
que você acha que lem que ler um outro motivo além desse motivo
mesmo? Quer dizer; “nós temos aqui um plano, nós somos as pesso
as iluminadas c nós queremos ter o poder no mundo!” Se você acha
que você tem o conhecimento total e absoluto, o que mais natural do
que você mandar no mundo? É inteiramente natural, você não precisa:
“ah, cu vou ganhar dinheiro!” Dinheiro! Será que um cara desse pensa
em dinheiro? Voeê imagine, Hegel estava convicto de que ele alcan
çou a sabedoria final, o conhecimento absoluto. “Mas se eu tenho o
conhecimento absoluto por que esses caras não me obedecem?” Ato
contínuo, está lá você buscando o poder total, é a coisa mais natural
do mundo, aliás, seria até difícil o cara se conformar: “olha, cu sei
tudo c não mando nada!” É uma situação muito desconfortável, bas
ta você sabor um pouquinho, não é?... Quer dizer, saber tudo e não
mandar nada é próprio do filósofo, é um aspecto quase de santidade
do filósofo. “Olha, cu sei um monte dc coisa e quem está mandando
são esses ignorantes, eles podem fazer tudo errado, vai dar tudo errado
e eu não vou poder fazer nada para ajudar!” Isso aí desde Sócrates,
todos eles vivem assim. A filosofia começa com Tales, e Tales anali
sando a situação, ele disse: “Espera aí, tem o Império Persa, ele vai
crescer, e ele vai invadir esta merda aqui, então é melhor a gente se
unir para articular a defesa!” Todo mundo riu. Duas gerações depois,
o que aconteceu? Exatamente o que cie disse! Bom, Tales não sabia
tudo, não tinha o conhecimento universal, ele sabia islo, e saber isto
não adiantou nada. Agora, você imagina se o cara está convicto dc
que ele sabe tanto quanto Deus, então é quase impossível que ele não
busque um poder proporcional à sabedoria que ele acha que lem. Não
precisa nem saber nada, ela tem urna opinião, ela já acha que deveria
ter o poder dc colocar aquela opinião em ação? Você não vê quantos
brasileiros têm projetos de Brasil, têm soluções para o Brasil? O único
que não tem nenhuma sou eu, quer dizer, eu não sei o que fazer, agora,
60
lodo mundo sabe; e como sabem, então eles reivindicam o poder de
agir. Então, reivindicar o poder dc agir, a reivindicação de poder é com-
proporeional ao que você acha que sabe. O sujeito não precisa ter um
outro objetivo, não, isso já está intrínseco, seria impossível que essas
sociedades que acham que tem o conhecimento absoluto, etc., etc.,
que cias se conformassem cm permanecer sempre: “Nós temos aqui a
sabedoria então ficam esses bispos aí mandando, esses caras que não
sabem nada!” Para você se conformar de não ter o poder quando você
tem algum conhecimento, isso é sabedoria, para isso precisa ser um
filósofo mesmo, não sábio como Hegcl se pretende.
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dele; ele não vai ter mais Verdade alem do que ele precisa. Aquilo que
ele sabe de verdadeiro é absolutamente verdadeira; mas isso não quer
dizer que ele vai ter que saber a verdade completa. Eu não acredito que
a verdade seja uma qualidade dos nossos pensamentos, se você pegar
lá o texto “O Problema da Verdade e a Verdade do Problema", você vai
ver que a verdade para mim é urna qualidade que existe na própria re
alidade, a realidade é verdadeira, ela afirma algo, ela ensina algo e você
se coloca dentro disso. Para quê? Para você também ser real, para você
não ser uma sombra, para você não ser um fantoche. Se você disser:
“bom, qual é a sua contribuição original à filosofia universal?” Está
aqui... essa é a primeira. Esse conceito da verdade como um domínio,
nunca ninguém disse, isso aqui é meu mesmo. Pode ser que outro cara
tenha descoberto, mas eu não sei. nunca vi, na filosofia ocidental eu
nunca vi isso aí.
62
seu ser. É isto o que nós fazemos cm vida, nós absorvemos a verdade
para nos tornarmos verdadeiros e participarmos do reino da verdade.
E para que fazemos isso? Para fugir do risco da vida fantasmal. Por
que nós temos medo, por exemplo, da doença mental9 Porque c uma
vida fantasmal, você diz uma coisa e faz outra, aquilo que você está
dizendo, você mesmo não acredita, você está fora, é uma existência
fantasmal. Por que nós queremos, por exemplo, ser honestos? Por que
o ser humano tenta ser honesto? Não é só por uma exigência moral,
mas por uma exigência ontológica, ele tem não somente um dever de
honestidade, mas tem uma necessidade de honestidade para ele existir
realmente. Agora, honestidade considerada com toda a complexidade,
com toda a ambigüidade que o honesto c desonesto têm dentro dessa
vida. Como que e ser honesto? Por exemplo. Kanl achava que se entra
um ladrão na sua casa, c pergunta onde que está a grana, você não terri
o direito de mentir. Eu acho que isto iá c mentira. Isso é tido como ‘ah!
rigorismo moral kantiano, você não tem o direito dc mentir para...’
Isso não é rigorismo moral, isso é trapaça,
(Aluno): - Burrice...
Não, não só burrice, isso é trapaça. Ele está desarmando você pe
rante o ladrão. Dc onde saiu todo esse conceito atual dos direitos hu
manos, que os delinquentes matam trinta pessoas dentro da cadeia
c você fica com raiva dc quem? Deles? Não, você fica com raiva do
governo porque não fez nada. Isso é Kant, isso 6 puro Kanl, isso não c
rigorismo moral, isso é uma moral invertida, é a moral que não existe
na verdade, você não está na verdade da situação; a verdade da situa
ção diz que, por exemplo, para se defender de um ladrão você poderia
matá-lo. Sc cu posso matar o sujeito por que eu não posso nem mentir
para ele? Se eu posso fazer o mal maior, eu posso fazer o mal menor;
isto é a verdade da situação; para cu defender a minha propriedade,
63
eu posso agredir o cara. Se eu posso agredir, por que eu não posso
mentir? Mentir para uma pessoa é fazer o mal a ela, evidentemente.
04
lemos da vida fantasmal. Ou seja, nós queremos ser c queremos saber
o que somos e queremos ser o que queremos. Isto é a sua entrada no
mundo da verdade. Essa entrada é dificultosa, ela é por etapas e ela só
culmina quando a verdade da sua vida puder ser testada em face da
verdade como tal. Isso c o Juízo Final, o que é que você rcalmcnte fez.
Aquilo que não for verdadeiro, vai parar no Hades. Então, você vê a
que léguas cu posso estar do Kant, o Kant para mim c todo fantasmal,
aquilo é tudo fantasmagoria,
Agora, a verdade que existe no pensamento, cu não chamo de
verdade, eu chamo de veracidade. Veracidade é a qualidade que um
juízo tem de imitar a verdade no plano do pensamento. A veracidade
é a verdade pensada. Isto está tudo explicado lá naquela apostilinha.
Então, quando você tem um novo conceito da verdade você também
tem junto com ele um novo conceito do pensamento. Isso quer dizer
que a idéia de que toda essa coisa subjelivista, da modernidade, do
sujeito, do eu, do cogíio, das formas a priori e tal, para mim tudo isso
c fantasmagoria. Quando o Apóstolo diz: “Nele vivemos, nos move
mos e somos”. Nele quem? Deus! O que é Deus? Deus é a Verdade!
Então, nós estamos dentro da Verdade. Mas nós estamos ainda não
como pessoas, estamos apenas como bichinhos dotados da capacida
de dc tornarmos pessoas.
65
nio, e ate às vezes pela própria confusão moral criada pelas próprias
morais. Uma exigência como essa do Kant, por exemplo, lira você da
realidade por vinte anos. Porque você vai se basear num preceito moral
e não na verdade, você está sobrepondo um preceito moral ao próprio
Deus, você está dizendo que a sua bondade, o seu senso de dever é
superior ao próprio Deus. Porque se Deus montou a situação assim,
assim, assim, assim, é dentro dessa situação que você está sendo colo
cado, e você tem que dizer qual c a situação e o que eu estou fazendo
lá dentro. Aí sim, vocc tem que tirar a sua decisão moral do conheci
mento da realidade, do conhecimento verdadeiro da realidade, e não
de uma sentença moral previa. Por que Deus coloca como primeiro
mandamento “amar a Deus sobre todas as coisas”? Porque tudo o mais
depende disso, se você vai amar a sua própria honestidade acima do
próprio Deus, você não pode ser tão honesto quanto o próprio Deus,
não adianta, vocc tem que ter a cota de honestidade que a situação
exige na verdade perante o olhar de Deus. É aquele negócio que diz na
Bíblia que Abraão era um sujeito que caminhava diante de Deus. Quer
dizer que o sujeito está sempre espelhando a Verdade, o que ele faz é
em função da Verdade. Por isso muitas vezes ele fala coisas que um
outro pode até julgar desonestas, mas que perante Deus são honestas.
Isso é nrn grande mistério que tem na Bíblia, porque vocc pega um
monte de cara, Abraão, o rei David, Moisés, c tal, fizeram um monte
de sacanagem, e no entanto Deus os considerou perfeilos. Por que?
Porque eles não eram perfeitos quantitativamente, quer dizer, eles do
tamanhico que eram, a personalidade inteira deles refletia a verdade,
não toda a verdade, apenas a verdade comproporcional a eles. E du
rante o curso da nossa vida, nós só saberemos o que cada um de nós
precisa saber para ser verdadeiro, por isso que o problema da verdade
absoluta ou relativa não existe, a verdade é sempre absoluta e é sempre
relativa. É sempre absoluta cm si mesmo e é relativa na cota que chega
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a você. Ela tem que ser absoluta e tem que ser relativa, absoluta em si e
relativa a nós, relativa em nós. Esse é o mistério da personalidade hu
mana. Por que que certas criaturas humanas são tão mais interessantes
do que as outras? Elas não são fantasmais, cias continuam existindo
para você milênios depois de terem morrido. Por quê? Elas foram ilu
minadas pela Verdade, a Verdade aparece, então aquela personalidade
se torna Speculum Dei, espelho de Deus, mesmo com a sua imperfei
ção humana. Quer dizer, o que você pode realizar não é perfeição no
sentido quantitativo, mas apenas aquela que Deus exigiu de cada um;
c que é diferente para cada um, c que não tem fórmula para isso. Ago
ra, quando você perde totalmente o senso de orientação moral, então,
daí por um lado você se permite comportamentos desumanos, cruéis,
desonestos, etc., etc., e por outro lado você faz julgamentos morais de
rigor absoluto dc você mesmo e dos otilvos, Eu digo: então, você está
no inferno! Porque você proclama regras morais que estão muito acima
da sua capacidade, e você exige isso dos outros, c quando você mesmo
se dispensa delas, você se acusa cm segredo e se defende em público!
Eu digo: que é isso? Por isso que quando as pessoas vêm com proble
mas morais para mim, sabe qual é o único conselho que cu dou? Não
se preocupe com isso, meu filho! Que importam os seus defeitos, que
importam os seus pecados? Isso aí não tem a mais mínima importân
cia! Veja lá o que está fazendo de bom e continue fazendo de bom, vá
somando, somando, somando, no fim a conta dá certo. Agora se você
começa examinar muito seus defeitos, seus pecados, bom. em primeiro
lugar você está perdendo o seu precioso tempo, porque eu sei quanlo
c difícil você vencer um único defeito, por pequeno que seja; e se você
concentrar naquilo, você não vai fazer outra coisa na vida. Mas quem
disse que Deus está querendo isso de você? Por que você não espera
que ele lhe diga?
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(Aluno): - Por isso que ele fala: "Muito será perdoado a quem
muito amou”.
Mas é isso mesmo, ü segredo é só esse.
(Aluno): - Como é?
“Muito será perdoado a quem muito amou”. É isso, você ama a
Deus, você o quer, você o deseja, você quer que Ele fale eorn você, e
Ele vai lhe falando de pouquinho.
Isso é assim: toda preocupação moral é besteira, besteira total.
Agora, nós vivemos hoje numa época, ao mesmo tempo, de extrema
imoralidade c extremo moralismo, daí c uma coisa absolutamente in
fernal. Você vê os jornais, eles só mentem o tempo todo, colaboram
com tudo o que não presta, e estão o tempo todo de dedinho em riste
fazendo exigência moral: “Isto é uma imoralidade, isto tem que aca
bar!”, não c?
(Aluno): - E o bem?
É o próprio Deus, é a própria Verdade. Olha, Verum, Unum, tio
num ; os transcendentais de Duns Scot. Não, não há bondade para
além da Verdade.
É isso aí, se você está fazendo isso você está, como diz Abraão,
caminhando diante de Deus, se você errar algum negócio no caminho,
como você vai errar, a coisa será neutralizada; portanto, não tem que
se preocupar, você faz o bem e esquece o mal, o seu c o dos outros.
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(Aluno): - Bem humano?
Claro, seria um bem efetivo e não fantasmático. Você está fazen
do um bem totalmcntc inconsciente enquanto está fazendo um mal
consciente! É vida fantasmática, você está pensando uma coisa e está
fazendo outra. Eu quero que aquilo que cu esteja fazendo seja exata-
mente o que eu estou pensando. E isso que exatamente que eu estou
pensando c exatamente como Deus está vendo.
69
■
(Aluno): - Os Dez Mandamentos não servem como princípios morais?
Mas escuta: como é que você pode apreender a moral através de
princípios? Princípios são o conhecimento intelectual da moral e não
o conhecimento moral da moral. A moral se dá no reino da ação que é
sempre singular. Você conhecer os princípios não lhe ajuda em nada a
você agir de maneira melhor.
70
que era! Ele falou: Vocé vai morrer, vai botar um rei, cie vai botar
imposto, ele vai botar lei, ele vai chamar seus filhos para servir o
exército, ele vai querer suas as filhas para servir de escravas, só vai
dar problema. Por que vocês querem essa porcaria?”.4 Porque você
foi avisado duas vezes, no Antigo Testamento e no Novo, e até hoje
os caras não entenderam. Agora também tem os caras que pegam a
própria lei e dizem: “Vamos transformar aquilo num sistema jurídi
co!” Eu digo: para quê? Os tipos que eu mais detesto no mundo é
teólogo e jurista, são umas pessoas que vivem dizendo para os outros
0 que eles devem fazer. Faça você!
1 Samuel I. S:5-1K
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mesmo modo; em suma, a ideia ele que você possa substituir a confian
ça do ser humano no outro ser humano, quer dizer, a confiança mútua,
por um sistema de leis é unia utopia.
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que cia não vai mudar amanhã. E se der na cabeça do sujeito mudar,
bom, pode acontecer que simplesmente cortem a cabeça dele como já
fizeram uma vez,
Quem é o soberano? O soberano está acima da lei. Agora, se você
ao definir o soberano, você o define só cm termos abstratos: “ah, o
soberano c o povo!” Eu digo: bom, isso aí não resolve absolutamente
nada porque o povo são cento e oitenta milhões de pessoas... Como c
que vai reunir essas pessoas para tomarem providência? “Ah, vai ser
uma assembléia eleita, etc., etc.” Como é que as pessoas chegam lá?
Para chegar lá precisa ter dinheiro, precisa isso mais aquilo, então,
em suma. tem um poder supralegal que vai determinar quem são os
legisladores. Não c isso? O sujeito pede dinheiro para o Fernandinho
Beira-Mar: “olha, mc dá a grana aí para eu me eleger a deputado para
eu fazer de conta que eu estou fazendo a lei, quem está fazendo é você,
mas cu vou fazer, em seu nome sou eu que assino”. É ou não é assim?
Então, cu acho que a sociedade que funciona melhor c aquela na qual
você sabe quem é o poder supralegal e você não podendo cobrá-lo cm
nome da lei, você pode cobrá-lo em nome cia decência, em nome da
religião, em nome da simples humanidade: “Então, não, olha, você tem
o poder total, você pode fazer o que você quiser, mas você não vai fazer
tais e quais coisas... Por quê? Porque você é um bom sujeito. E você
também tem medo do Juízo Final, etc., etc.” Então, isso quer dizer que
na verdade... o único regime que exisle é a monarquia absoluta, todos
os regimes são monarquias absolutas. Numas você sabe quem é o go
vernante e noutras não.
Não c assim?
Qual c a melhor democracia que tem? Os Eslados Unidos! “Ah,
está tudo certinho!” Bom, mas acontece que por trás de tudo tem o
CFR, jCouncil on Foreign Relations] por trás do CFU tem o Skull and
73
Boncs e por trás deste tem não sei o quê, não sei o quê, e no fim tem
uma elite lá que está mandando...
74
“Olha, você não precisa nos matar, não precisa fazer nada, nós somos
honzinhos!” É o máximo que dá para fazer! Agora, que você sempre
está na mão do poderoso, que ele pode lhe matar a qualquer momento,
é claro que pode! Ele só não faz isso porque não quer. Agora, muito
da democracia moderna é só para escamotear a existência do poder. É
uma ilusão! No fim, quem garante a democracia? É a oligarquia!
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SGA A Serviço
l do Esporte:
Stretching Global Ativo
Norbcrt Grau
Fundamentos do SGA
Philippe Souchard
Carvalho, Olavo do
História essencial da filosofia /
por Olavo dc Carvalho - San Pauío: P Realizações, 2907
(Coleção hislória essencial da filosofia)
08-00322 CD D-109
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