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CINÉTICA ENZIMÁTICA

Conceitos básicos de cinética química.


Quando se diz que uma determinada reação tem tendência termodinâmica
para ocorrer num determinado sentido não se quer dizer com isso que ela
ocorra de facto a uma velocidade apreciável num intervalo de tempo
determinado. A velocidade a que ocorre uma determinada reação depende
de vários fatores como a natureza dos reagentes e a sua concentração, a
temperatura, e nalguns casos da presença de radiações e de catalisadores.
As reações químicas elementares de 1a ordem obedecem à lei de
velocidade expressa pela Equação 1: Equação 1 = k [A]

Se numa reação A→B, a velocidade de reação é proporcional à


concentração do reagente A e k é a constante de proporcionalidade a
reação diz-se de 1a ordem em relação a A; porque relaciona a
concentração de um reagente com a velocidade da sua conversão em
produtos diz-se que k é uma constante cinética.

Pode acontecer que uma determinada reação (A + B → P + ...) seja


elementar e de 1a ordem em relação a cada um de dois reagentes A e B,
sendo globalmente de 2a ordem:
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Equação 2: V= −k [A] [B]
Os valores de k e k1 (constantes cinéticas) são independentes da
concentração dos reagentes mas variam com a natureza destes e com a
temperatura, aumentando quando esta aumenta.
k1
Atentemos no esquema que se apresenta a seguir: A+B k2  P+Q

Fig. 1: Esquema de uma reação admitindo que é elementar de 2a ordem quer no


sentido direto quer no sentido inverso.

Se a transformação de A + B em P + Q é uma reação química elementar


o valor da velocidade de reação que podemos observar experimentalmente
na ausência de P e Q é igual a k1 [A] [B]. Se a reação inversa também é
uma reação química elementar então, na ausência de A e de B, a
velocidade que se pode observar experimentalmente nesta reação é igual
a k2 [P] [Q]. Qualquer que seja a concentração de A, B, P e Q a velocidade
de formação de P (= velocidade de formação de Q = velocidade de
consumo de A ou de consumo de B) que podemos observar
experimentalmente, sem recurso a compostos marcados
(radioactivamente, por exemplo) é dada pela Equação 3:
Equação 3: vaparente = k1 [A] [B] - k2 [P] [Q]

De notar que, a nível molecular, a velocidade a que ocorrem as reações


elementares não é influenciada pela presença de produtos e este facto pode
ser comprovado experimentalmente usando compostos marcados
radioativamente.
A Equação 3 permite-nos relacionar a Keq com as constantes k1 e k2. O
sistema está em equilíbrio quando as propriedades macroscópicas do
sistema se mantêm constantes no tempo, ou seja, quando vaparente = 0.
Donde:
[P]( ) [Q]( ) k1 [A]( ) [B]( ) k2
Equação 4: V = =
Deve notar-se que conhecer o valor da Keq não nos diz nada acerca do
valor absoluto das constantes k1 e k2 . Se, por exemplo, na reação em
análise o valor de Keq for 1 a única informação que este valor indica é que
k1 = k2 . Assim, se não nos estivermos a referir à conversão líquida de
reagentes em produtos, podemos dizer, sem contradição, que uma reação
se está a processar muito rapidamente (ou muito lentamente) e que se
encontra no estado de equilíbrio.

A maioria das reações químicas e todas as reações em que intervêm


catalisadores são reações complexas e podem tentar interpretar-se como
uma sequência de reações elementares em que ocorre a formação de
estados de transição e compostos intermediários que não chegam a atingir
no meio reativo uma concentração apreciável por métodos correntes de
análise.

Na presença de um catalisador a velocidade das reações aumenta. Do


ponto de vista de alguém que está interessado no mecanismo das reações
químicas, o catalisador é um novo reagente que foi adicionado no meio
reativo e que tem a característica especial de ser regenerado no final do
ciclo reativo em que intervém. A sua concentração total não varia durante
o processo reativo.
 Admitamos que a reação de transformação de A em
P+Q é, na ausência de catalisador, uma reação elementar de primeira
ordem e que v(sem catalisador) = k1 [A].
k1
A P+Q
Fig. 2: Esquema em que se admite que é elementar de 1a ordem relativamente ao
reagente A

Admitamos que, na presença de catalisador, o mecanismo reativo é


diferente. Cada vez que uma molécula de A se encontra com uma
molécula de catalisador C elas reagem para gerar um complexo ativado
AC e que este complexo se pode dissociar em C + P + Q. Nas reações
elementares, as constantes de velocidade que lhes estão associadas
dependem da natureza dos reagentes e, portanto, as constantes de
velocidade associadas ao processo de formação de AC e ao processo de
dissociação deste complexo em P + Q + C podem ser muito maiores que
o valor de k1.

No entanto a presença do catalisador não altera a Keq da reação. A Equação


5 exprime a Keq (Keq1) para a reação esquematizada na Fig. 2.
[P]( )[Q]( ) [ ]( )
Equação 5 1 =
Admitindo que o catalisador C é um reagente temos também de admitir
que é um produto (ver Fig. 3). Neste caso é a Equação 6 que exprime o
valor da Keq (Keq2) para a reação que é catalisada.

A+C P+Q+C
 Fig. 3: Esquema em que se admite que a conversão de A em P +


Q é catalisada pelo catalisador C.
[P]( )[Q]( ) [C] [ ] [C]
Equação 6 2 = ()

É, imediato reconhecer que Keq1 = Keq2 = Keq. Os catalisadores modificam


a velocidade das reações mas não modificam o valor da constante de
equilíbrio nem o sentido líquido em que a reação, macroscopicamente, vai
ocorrer e que pode ser previsto pela relação Keq/QR. Se a constante de
equilíbrio não for demasiado alta impedindo-nos de observar a reação
inversa (síntese de A a partir de P+Q) podemos constatar que esta reação
também é catalisada pelo mesmo catalisador C.

2 Natureza química das enzimas e modelos de interação


com os seus substratos.
As enzimas são os catalisadores que existem nos seres vivos. A palavra
“enzima” (do Grego: en, na + zima, levedura) foi inventada em 1878 por
Fredrich Wilhelm Kühne e traduz a ideia de que são substâncias que
existem dentro das células (as leveduras são seres vivos). A natureza
proteica das enzimas só foi definitivamente aceite nos anos 30 deste
século, na sequência dos trabalhos de James Summer (que purificou e
cristalizou a urease do feijão) e de John Northrop e Moses Kunitz (que
demonstraram correlação direta entre a atividade catalítica de preparações
purificadas de enzimas digestivas e o seu conteúdo proteico).

Curiosamente, estudos da década de 80 de Thomas Cech num protozoário


(Tetrahymena thermophila) e de Sidney Altman em E. coli demonstraram
atividade catalítica em certas moléculas de RNA. Daqui surgiu o termo
“ribozimas”: catalisadores biológicos de natureza não proteica, mas sim
ácidos ribonucleicos.

Tal como acontece com todos os catalisadores quando se diz que uma
enzima E catalisa a transformação A→P está-se implicitamente a dizer
que também catalisa a transformação inversa; a reação vai progredir
macroscopicamente no sentido A→P ou no sentido P→A dependendo da
relação Keq/QR.

Numa reação enzímica chamam-se aos reagentes substratos da enzima.


Relativamente aos catalisadores não enzímicos, as enzimas são em geral
mais potentes, atuam em condições “ pouco agressivas “ (pH próximo da
neutralidade, temperatura ambiente, etc.), têm uma enorme
especificidade, quer em relação aos substratos, quer em relação aos
produtos da reação que catalisam e as suas atividades podem,
frequentemente, ser reguladas por substâncias diferentes dos substratos e
dos produtos.
Sendo a sua natureza proteica significa que sofrem desnaturação (a sua
estrutura secundária, terciária ou quaternária modifica-se dramaticamente
ou deixa mesmo de existir) quando são misturadas com ácidos fortes ou
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quando são aquecidas. Nalguns casos, a desnaturação também pode ser
provocada pela adição de solventes orgânicos. Uma vez desnaturada, a
atividade de uma enzima desaparece irreversivelmente.
Sendo as enzimas moléculas proteicas o seu tamanho é, normalmente,
muito maior que o das moléculas dos substratos. Este facto, assim como
a enorme especificidade das enzimas relativamente aos substratos com
que podem interagir, levaram à introdução do conceito de “sítio ativo” (ou
“sítio catalítico”), um local específico modelado de tal forma que permite
a interação específica com o substrato ou substratos e onde ocorre a reação
química. Mesmo quando o substrato é uma outra proteína e não se pode
dizer que a enzima seja maior que o substrato, o local da proteína alvo
onde a transformação ocorre é limitado e vai depender da interação do
centro ativo da enzima com uma região específica da proteína alvo.
Fig. 4 Modelos de chave-fechadura e de encaixe induzido para a interação enzima-
substrato. O primeiro modelo (chave-fechadura) surgiu para explicar a alta
especificidade das enzimas em relação aos substratos nomeadamente a sua
interação com apenas um dos enantiómero. O segundo modelo (encaixe induzido)
surgiu da necessidade de explicar certos casos de inibição competitiva (ver
Capítulo 6.1). Em algumas enzimas estudos de difração de raios X apoiam o
segundo modelo (por exemplo, no caso da transcarbamílase do aspartato).

Em 1894, Emil Fisher descobriu que as enzimas da via glicolítica podem


distinguir enantiómeros (formas D de L) e esse facto levou-o a propor uma
analogia com “a chave e a fechadura” como modelo de interação entre as
enzimas e os seus substratos. Este modelo admite a existência de locais
preformados na enzima onde os substratos se podem ligar e reagir.
Koshland, em 1959, propôs um modelo diferente a que podemos chamar
de “encaixe induzido”; quando os substratos interagem com a enzima
provocam nestas modificações conformacionais que ocorrem não só no
“sítio catalítico” mas também se podem repercutir em toda a estrutura da
proteína (ver Fig. 4).

3 O que é a cinética enzímica?


A cinética enzímica é um ramo da Bioquímica que estuda as enzimas em
ação; a sua atividade catalítica. No entanto, pode também ser encarada
como um ramo da cinética química que estuda as propriedades catalíticas
das enzimas.
O estudo cinético de uma enzima visa primariamente caracterizar, ou seja
descrever, a atividade dessa enzima. In vitro estuda-se a atividade da
enzima procurando saber que tipo de reações pode catalisar, com que
substratos pode interatuar e como se modifica essa atividade (qualitativa
e/ou quantitativamente) quando se fazem variar as condições em que é
ensaiada. O valor de pH, a temperatura, o tempo de incubação, as
concentrações dos substratos, de cofactores ou de outras substâncias
(inibidores ou ativadores) são exemplos de condições de ensaio que
podem ser modificadas com o objetivo de observar como varia a atividade
da enzima, ou seja, como varia a velocidade da conversão ou conversões
que esta catalisa.
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4 Como fazer um estudo cinético de uma enzima?


O estudo cinético de uma enzima é feito in vitro. Para esses estudos podem
ser usados, como fontes de enzima, preparações que a contenham em
estado mais ou menos purificado; quanto mais purificada estiver a
preparação enzímica mais fácil será o seu estudo cinético. De acordo com
os objetivos definidos não devem estar presentes na preparação, outras
enzimas que interfiram no estudo que estamos a fazer.
Durante o complexo processo de purificação podem ocorrer alterações nas
características cinéticas da enzima de tal forma que as características
observadas podem não ser as mesmas da enzima no seu estado nativo;
além disso, as condições que usamos in vitro para estudar a enzima são
diferentes daquelas que a enzima tem no seu meio natural, a célula. Se o
objetivo dos estudos visa compreender o papel da enzima na célula os
resultados experimentais devem ser interpretados com especial prudência.
Estes estudos podem servir de guia para planear e interpretar experiências
realizadas em condições menos artificiais.
Quando uma atividade enzímica é estudada escolhe-se um meio de ensaio
apropriado para o seu estudo; o objetivo pode ser estudar como varia a
atividade catalítica da enzima quando modificamos as características
desse meio, mas numa fase precoce do estudo é necessário buscar
condições que permitam, no mínimo, reconhecer a existência dessa
atividade.
Se a enzima catalisa a transformação reversível A + B P + Q e a constante
de equilíbrio é muito superior à unidade, as dificuldades do estudo podem
ser minimizadas se escolhermos estudar a transformação de A + B em P
+ Q e não o inverso. Assim, se for esse o caso, adicionaríamos no meio de
ensaio os compostos A e B. Um tampão de pH com um pH determinado,
assim como outras substâncias como, por exemplo, cofactores essenciais
à atividade da enzima estão, em geral, também presentes no meio de
ensaio.

O meio de ensaio está a uma temperatura determinada e a reação pode ser


iniciada adicionando ao meio a preparação que contém a enzima. Para
determinar a velocidade de conversão de A+B em P+Q é indispensável
termos uma maneira de seguir (de modo contínuo ou descontínuo) como
cresce a concentração de P ou de Q (ou desce a concentração de A ou de
B) em função do tempo.

5 Que resultados podem ser obtidos no estudo cinético de


uma enzima? 5.1 Noção de atividade enzímica ou atividade
catalítica de uma enzima.
A atividade enzímica é uma propriedade medida pelo aumento de
velocidade de conversão de uma reação química que uma enzima produz
num sistema de ensaio especificado.

Admitamos que a reação A + B → P + Q é catalisada por uma determinada


enzima. Num meio de ensaio onde foram introduzidos os compostos A e
B, a velocidade de conversão dos reagentes em produtos (v 1) poderá não
ser nula na ausência de enzima. Se a reação é catalisada pela enzima a
velocidade de conversão na presença desta pode ser v2. A quantidade (v2
- v1) é uma medida da atividade catalítica presente na preparação enzímica
adicionada ao meio de ensaio. É frequente que a velocidade de conversão
na ausência de enzima (o valor de v1) seja tão pequeno comparado com v2
que, sem grande erro, se possa considerar v2 como correspondendo ao
valor da atividade catalítica da enzima.

É importante referir que e a atividade enzímica (a velocidade de


conversão na presença da enzima) é uma quantidade extensiva e que,
portanto, as suas dimensões são quantidade de substância/tempo (n/t). Se
a adição de 1 μL de uma dada preparação (soro sanguíneo, por exemplo)
que contém uma enzima a um meio de ensaio com 999 μL fizer com que
a velocidade de conversão seja de 1 μmol de produto formado/min a
atividade da enzima presente na preparação (1 μL de soro, no exemplo)
usada era de 1 μmol/min. Obviamente que, no caso em análise, a
velocidade da reação no tubo onde decorreu o ensaio também se pode
expressar como a velocidade da variação de concentração do produto;
seria 1 μmol mL-1 min-1. Embora as expressões “velocidade de reação”
(variação de uma concentração por unidade de tempo) e “velocidade de
conversão” (variação da quantidade de substância por unidade de tempo)
sejam, frequentemente, usadas como sinónimos existe uma diferença
entre elas e só a segunda, corresponde, estritamente, à definição de
atividade enzímica. Dado que a quantidade de substância que se forma
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num dado volume de meio de ensaio pode ser calculada a partir desse
volume e da variação de concentração, a conversão de velocidades de
reação em velocidades de conversão é uma operação aritmética trivial.

A atividade enzímica de um dado volume de preparação enzímica é


expresso como uma velocidade de conversão e pode ser expresso em UI
(Unidade Internacional). 1 UI é a quantidade de enzima que, num meio de
ensaio adequado, leva a que a reação ocorra à velocidade de 1 mol de
produto formado por minuto (ou 1 mol de substrato consumido por
minuto). No exemplo acima a quantidade de enzima adicionada ao meio
de ensaio foi de 1 μmol min-1 ou 1 UI.

Estritamente, a quantidade de enzima deveria referir-se à massa ou ao


número de moles de enzima mas, por razões que resultam do facto de, só
excecionalmente, se conhecerem estes valores e porque a atividade é
proporcional à quantidade de enzima (ver Capítulo 5.3), é muito mais
usual exprimir a quantidade de enzima usando unidades de atividade. Se
a velocidade de conversão induzida pela adição de 1 mL de uma
preparação enzímica a um meio de ensaio adequado, é de 1μmol/min, é
frequente escrever-se que a quantidade de enzima presente nesse mL de
preparação era de 1 UI; ou seja, que a atividade da enzima era 1 μmol/min.

5.2 Noção de v0 ou velocidade inicial.


Quando se faz uma experiência visando desenhar um gráfico quantidade
de P formado versus tempo e se espera tempo suficiente, obtemos quase
sistematicamente um gráfico com um aspeto semelhante ao da Fig. 5.
Num dado momento t a atividade catalítica é dada pelo declive da curva
nesse tempo t. À medida que o tempo de ensaio aumenta diminui a
velocidade. Isto pode ser causado pela diminuição de concentração de
reagentes (que se vão consumindo), pelo aumento de concentração de
produtos (que podem tornar significativa a velocidade da reação inversa
ou, ligando-se à enzima, provocar inibição) ou/e simplesmente porque a
enzima é instável nas condições de ensaio e sofre desnaturação. A
esmagadora maioria dos estudos de cinética baseiam-se na estimativa da
velocidade para tempo zero (velocidade inicial ou v0); nesse momento as
características do meio de ensaio, nomeadamente a concentração dos
substratos, são aquelas que foram escolhidas para o realizar.
Quando dizemos que medimos a atividade catalítica de uma enzima e que
essa atividade era, por exemplo, de 1 μmol/min estamos a referir-nos ao
v0. Se escolhêssemos arbitrariamente um outro tempo de ensaio, o valor
da atividade que apontássemos, já não refletia as condições que foram
escolhidas para o determinar. No entanto, na prática, também poderá ser
sensato escolher um tempo de reação em que a velocidade não tenha
diminuído demasiado (por exemplo, menos de 10% da velocidade inicial)
e considerar que a razão “quantidade de produto formado/tempo de
ensaio” é uma boa estimativa do v0 (ver Fig. 5).
Fig. 5 Quantidade de produto formado versus tempo. A atividade enzímica é uma
quantidade extensiva (n/t) e em cada momento t corresponde ao declive de uma
curva como a desta figura. A velocidade de conversão A → P diminui com o tempo
de ensaio. v0 é o valor do declive no tempo zero e o valor da atividade catalítica
para as condições de ensaio nesse tempo zero. No caso em análise o resultado da
operação de dividir a quantidade (μmol) de produto formado ao fim de 5 minutos
por 5 min poderia ser uma boa estimativa de v0: a atividade da enzima na
preparação enzímica que foi adicionada neste meio de ensaio seria 1UI (5 μmol/ 5
min = 1 μmol/min).

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5.3 Influência da quantidade de enzima na velocidade de


conversão v0.
Mantendo invariantes todas as outras condições de ensaio, a velocidade
de conversão v0 é diretamente proporcional à quantidade de enzima
adicionada no meio de ensaio. De facto, isto só se verifica se a
concentração molar de sítios catalíticos da enzima for muito mais baixa
que a concentração molar dos substratos mas, pelo menos nas condições
habitualmente usadas nos ensaios in vitro, esta condição é amplamente
satisfeita.
Assim, é de prever que o gráfico v0 versus quantidade de enzima seja uma
linha reta de declive positivo que passa pela origem (ver Fig. 6).

Como já referido, este facto permite entender que se use a atividade


enzímica como uma medida da quantidade de enzima e também permite
definir quantidades derivadas da atividade enzímica. Uma das unidades
derivadas mais frequentemente usada designa-se por atividade específica
e corresponde à atividade por massa de proteína.

Se, por exemplo, adicionarmos a um meio de ensaio adequado, 1 μL de


um homogeneizado hepático e a velocidade de conversão for 1 μmol min -
1
podemos dizer que esta era a atividade da enzima em questão no μL de
homogeneizado adicionado. Se, simultaneamente, soubermos que a
quantidade de proteína nesse 1 μL de homogeneizado era de 10 μg
podemos concluir que a atividade específica da enzima nesse
homogeneizado hepático era de 0,1 μmol min-1 μg de proteína. Este valor
poderia servir para comparar o resultado obtido com um outro em que se
usou a mesma técnica, mas um outro fígado como fonte de enzima. É de
notar que a atividade medida nos ensaios em questão dependem de
múltiplas escolhas (como a temperatura, o pH, a concentração de
substrato, etc.) e que só repetindo essas condições é que se podem
legitimante comparar os resultados obtidos com os dois fígados distintos.
Se, o que não é muito frequente, conhecermos o número de moles de
enzima adicionada no meio de ensaio podemos calcular a atividade
exprimindo-a em moles de substrato convertido por segundo e por mole
de enzima. Neste caso, a atividade seria expressa em s-1. A isto se chama
atividade enzímica molar e o conceito será desenvolvido no Capítulo 5.10.
Fig. 6 Atividade enzímica versus quantidade de enzima. Os três gráficos desta
figura representam o resultado de uma mesma experiência. Em cada um de 4 tubos
de ensaio contendo um meio especificado foram adicionadas 4 diluições de uma
mesma preparação enzímica; 1E, 2E, 3E e 4E representam as distintas quantidades
de enzima adicionadas. No gráfico da esquerda estão representados os traçados
obtidos (quantidade de produto formado versus tempo) para cada um dos tubos e
as retas que estimam v0 (a tracejado). O gráfico acima à direita representa v0 versus
quantidade de enzima. Os pontos do gráfico abaixo à direita representam a
atividade específica obtida em cada um dos quatro ensaios (UI/mg proteína). A
Equação 11 (ver à frente) mostra claramente que, quando as de condições de ensaio
são fixadas e a única que varia é a concentração de enzima, v0 é proporcional a
[Et], a concentração total de enzima no meio de ensaio.

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5.4 Influência da temperatura na atividade enzímica.


Em todas as reações químicas, incluindo as catalisadas por enzimas, a
velocidade das reações aumenta com a temperatura, mas a velocidade com
que uma proteína sofre desnaturação (e uma enzima se inativa) também
aumenta com a temperatura. O número de enzimas capazes de resistir a
temperaturas da ordem dos 100C durante alguns segundos é
extremamente restrito. A temperaturas elevadas, a velocidade de
desnaturação da enzima é muito alta podendo acontecer que a atividade
enzímica se anule pouco tempo após o início do ensaio (ver Fig. 7). Por
isso é prudente escolher temperaturas de ensaio que minimizem a
velocidade de desnaturação da enzima.
Fig. 7: Quantidade de produto formado versus tempo a várias temperaturas. O uso
de temperaturas elevadas pode dificultar ou mesmo impedir uma boa estimativa
de v0; assim é habitual usar temperaturas de ensaio em que a enzima é estável. Esta
figura mostra como pode variar a quantidade de produto ao longo do tempo para
ensaios de uma mesma enzima a várias temperaturas. Se usássemos um tempo de
incubação suficientemente curto poderíamos concluir que a enzima era mais ativa
a 60C; nesse tempo muito curto a velocidade da reação enzímica foi alta e ainda
não houve tempo suficiente para que a desnaturação se processasse em extensão
apreciável. Temperaturas mais baixas facilitam a estimativa de v0 pois a atividade
varia menos ao longo do tempo de ensaio.

5.5 Influência do pH.


O pH a que uma reação enzímica é estudada é normalmente imposto pelo
experimentador adicionando no meio de ensaio uma quantidade adequada
de um determinado tampão de pH. Um determinado tampão só funciona
adequadamente numa faixa limitada de valores de pH e se o objetivo é
estudar uma reação enzímica numa ampla gama de valores de pH temos
de escolher tampões diferentes. Assim, um determinado resultado
experimental atividade versus pH pode refletir apenas a influência do
tampão na atividade catalítica. Excluída esta possibilidade, os gráficos
experimentais atividade versus pH podem traduzir que a ligação de
protões em resíduos aminoacídicos críticos para a atividade da enzima (ou
nos substratos) tem consequências no valor da atividade que é medido.
Para determinadas condições de ensaio existe um pH ótimo, o pH a que
se obtém maior atividade (ver Fig. 8).
Se pretendermos estudar uma isoenzima A e, na mesma preparação
enzimática, estiver presente uma isoenzima B poderá ser difícil distinguir
qual das duas isoenzimas está a catalisar a reação. No entanto se os pHs
ótimos das duas isoenzimas forem diferentes pode-se favorecer uma delas
em detrimento da outra escolhendo um pH que otimize a atividade da
isoenzima que se quer estudar e prejudique a da outra (ver Fig. 8).
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Fig. 8: Atividade (unidades arbitrárias) de duas isoenzimas em função do pH do
meio de ensaio. Se a isoenzima A tem como pH ótimo, 7 e a isoenzima B, 10 pode-
se favorecer a atividade da isoenzima B escolhendo pH 10 para fazer ensaio.
Nestas condições o contributo da enzima A para a atividade global seria muito
baixa e seria sensato pensar que se estava a estudar a atividade da isoenzima B.

5.6 Influência da concentração dos substratos na atividade


enzímica e saturabilidade.
O efeito da concentração dos substratos na velocidade das reações
enzímicas foi sempre um tema com especial interesse quando se estuda a
atividade das enzimas.
Quando se estuda a influência da concentração de um substrato na
atividade duma enzima começa por fixar-se a concentração dos outros
substratos (se os houver) e das demais condições de ensaio e estuda-se
como varia a atividade versus concentração de um dos substratos.

Em 1902 Adrian Brown estudando a reação de hidrólise da sacarose (a


sua lise em glicose e frutose) e usando como catalisador sacarase observou
que para concentrações altas do substrato sacarose, a ordem da reação era
zero em relação à sacarose; ou seja, nessas concentrações a velocidade da
reação não variava quando variava a concentração de substrato. Brown
propôs um mecanismo que explicaria o fenómeno:

Equação 7 E + sacarose Esacarose E + glicose + frutose


A enzima formaria com o substrato um complexo intermediário (mais
tarde chamado complexo de Michaelis); este complexo Esacarose daria
origem aos produtos regenerando-se a enzima livre E e a velocidade de
reação seria proporcional à concentração deste complexo. Se a
concentração de sacarose for suficientemente elevada pode acontecer que,
praticamente, todas as moléculas de enzima presentes no meio estejam
ligadas à sacarose e que não seja possível, pela adição de mais sacarose,
aumentar a concentração do complexo Esacarose. Estas condições
dizem-se “de saturação”; a enzima está saturada de substrato e a
velocidade de reação não aumenta quando se aumenta a concentração
deste.
Nalgumas enzimas o gráfico atividade versus concentração do substrato
tem um aspeto semelhante à enzima h, enquanto noutras o aspeto deste
gráfico se assemelha ao da enzima s (ver Fig. 9). No primeiro caso (h) o
gráfico em questão é uma hipérbole retangular que passa pela origem
enquanto no segundo é um sigmoide (s). De qualquer forma ambos os
tipos de gráfico espelham uma característica dos resultados que se obtêm
quando se estudam enzimas: aumentado a concentração de substrato
atingir-se-ão concentrações que mostram que as enzimas “são saturáveis”.
Como será analisado no Capítulo 5.7, ao v0 medido em condições de
saturação chama- se Vmax.

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Fig. 9: Os gráficos atividade versus concentração podem ter aspetos diferentes mas
a saturabilidade é uma característica das enzimas.

5.7 Influência da concentração do substrato em enzimas com


“cinética de tipo michaeliano ou hiperbólico”.
Para muitas enzimas o gráfico v0 versus concentração de um dos
substratos, mantendo constantes todas as outras condições do meio, é um
ramo de uma hipérbole retangular que cruza os eixos horizontal e vertical
no ponto 0,0 (ver Fig. 9). Um tratamento matemático possível que explica
este tipo de gráficos em reações enzímicas com apenas um substrato (ou
mais de um, mas em que a concentração dos outros é fixa) foi proposto
por Leonor Michaelis e Maude Menten em 1913.

Estes autores admitiram vários pressupostos:
 1) Um mecanismo


representado pelo esquema seguinte:
k1 k3
E+S ES E+P+... k2

Fig. 10: Esquema do mecanismo proposto por Michaelis e Menten.

A velocidade de formação do complexo ES seria de 1a ordem em relação


a S (o substrato), e em relação a E (a enzima livre; não ligada a S); ou seja,
a reação seria globalmente de 2a ordem e a constante cinética associada
ao processo seria k1. Quer a velocidade de formação dos produtos, quer a
de dissociação do complexo ES em S + E seriam proporcionais à
concentração deste complexo: ambos os processos seriam de 1a ordem em
relação a ES e as constantes cinéticas seriam, respetivamente, k3 e k2.

2) A velocidade de formação dos produtos a partir do complexo ES era


muito lenta relativamente às velocidades de dissociação e formação do
complexo em E + S (k2>>k3 e k1[E][S]>>k3 [ES]) donde se poderia
admitir que a reação de formação e dissociação do complexo ES se
encontrava num estado muito próximo do equilíbrio químico.

3) O equilíbrio respeitante ao processo de formação do complexo ES se


atingia tão rapidamente que, na escala de tempo da conversão
macroscópica de S em P, se poderia considerar instantâneo e se mantinha
durante todo o tempo em que ocorria a transformação S → P+... Além
disso, a concentração de sítios catalíticos na enzima, [Et], era muito baixa
relativamente à concentração de [S] de maneira que, para que esse estado
de equilíbrio fosse atingido, muito poucas moléculas de S tinham que
reagir com E. Ou seja, enquanto era necessário considerar que, durante a
reação, parte das moléculas da enzima estavam na forma do complexo
ES e outras na forma livre (E), no caso de S a concentração total não era
significativamente afetada pela ligação à enzima: [S] era a concentração
de substrato no meio de ensaio e o valor que se poderia subtrair pelo facto
de algumas moléculas estarem ligadas no complexo ES era irrelevante.

Para a reação de dissociação do complexo ES definiram a constante de


equilíbrio Ks (s de substrato) que tem dimensões de concentração.

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[S][E] k2
Equação 8 Ks = = [E∙S] k

Com base nestes pressupostos definiram v0 como a velocidade da reação


(expressa, neste caso, como a velocidade de variação da concentração do
substrato ou dos produtos); essa velocidade será expressa pela Equação 9:

Equação 9 v0 = k3 [ES]

k3 é a constante de velocidade para a reação elementar de 1a ordem ES


→ E + P +...
 A concentração total de enzima ([Et]) é igual à soma das
concentrações de enzima livre ([E]) e da enzima complexada ([ES]):

Equação 10 [Et] = [E] + [ES]
 As Equações 8, 9 e 10 constituem um


sistema que pode ser desenvolvido de forma a obter v0 em função
k [Et][S]
de [Et], Ks e [S]:
 Equação 11 =

s [S]
 Um gráfico v0 versus [S] é um ramo de uma hipérbole retangular com


um aspeto que se adequa à
descrição da variação da velocidade das reações catalisadas pela maioria
das enzimas; ver Fig. 11.
Fig. 11: Variação da atividade de uma enzima com cinética de tipo hiperbólica
com a concentração de substrato.

Quando [S]>>Ks uma das parcelas do denominador da Equação 11 é


irrelevante comparativamente à outra e a Equação em análise simplifica
para v0=k3 [Et]. Nestas circunstâncias praticamente toda as moléculas de
enzima estão complexadas com substrato, [Et][ES] e, mantendo todas
as outras condições do ensaio, não seria possível aumentar a velocidade
aumentando a concentração de substrato. É imediato reconhecer que estas
são as condições que definimos como “de saturação” no Capítulo 5.6. Ou
seja, o valor de v0 medido nestas condições designa-se por velocidade
máxima, a sigla correspondente é Vmax, sendo Vmax = k3 [Et] (ver Fig. 11).
É de notar que o valor de Vmax obtido em determinadas condições de
temperatura e pH pode ser diferente daquele que é obtido noutras
condições de temperatura e pH. Vmax apenas significa v0 para
concentrações saturantes de substrato, nas condições de ensaio que foram
usadas.

Assim podemos escrever a equação de Michaelis-Menten como se segue:


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[S]
Equação 12 = Ks [S]

[S]
Quer nesta equação, quer na Equação 11, a razão representa a
percentagem de saturação da enzima. Ks [S]

Quando [S]>>Ks o seu valor é próximo de 1 e, como já referido, a enzima


[S]
está saturada.
 Quando [S]<<Ks, o valor da razão é pequeno e a
Equação 12 simplifica para
v0= Vmax [S]/Ks. Para valores de concentração de substrato muito
Ks [S]

mais baixas que o valor de Ks, praticamente toda

a enzima está na forma não complexada ([Et][E]) e a velocidade é


(quase) diretamente proporcional à concentração de substrato.
[S]
Quando [S]=Ks, o valor da razão é 1⁄2 e a enzima está hemisaturada, ou
seja, [E]=[ES] e a enzima Ks [S]

está igualmente distribuída entre as formas complexada e não


complexada. Nestas condições v0 = Vmax/2. Ver Fig. 12.
Fig. 12: Distribuição das formas enzímicas complexada e não complexada com o
substrato para três concentrações de substrato. Para valores de concentração de
substrato muito superiores a Ks (ou a Km) a soma no denominador da Equação 12
pode simplificar para [S]; a enzima está saturada, v0Vmax e a hipérbole, para estas
concentrações de substrato, “tende” para uma reta de declive nulo. Para valores de
concentração de substrato muito inferiores a Ks a soma no denominador da
Equação 12 pode simplificar para Ks; v0 é proporcional a [S] (e a constante de
proporcionalidade = Vmax/Ks) e a hipérbole, para estas concentrações de substrato,
“tende” para uma reta de declive = Vmax/Ks. Quando a concentração de substrato é
igual a Ks a enzima está hemisaturada e na Equação 12 o denominador pode
simplificar para 2 × [S]; v0 = Vmax/2. Ks é a concentração de substrato para a qual
v0 é igual a metade de Vmax. Na Equação 13 Ks será substituído por Km e todas estas
afirmações continuam a fazer sentido.

5.8 Significado da constante de Michaelis-Menten


Um dos pressupostos de Michaelis e de Menten, concretamente a
imposição de k3<<k2 e a consequente necessidade de equilíbrio químico
na formação e dissociação de ES, foi questionados por Briggs e Haldane
em 1925. Estes autores admitiram a possibilidade de não haver equilíbrio
químico nesse processo, mas que, na escala de tempo considerada, a
concentração do complexo ES se mantinha constante (estacionária)
durante o processo catalítico; ou seja que a soma das velocidades de
desagregação do complexo ES (k2 [ES] + k3 [ES]) iguala a velocidade
da sua formação (k1 [S] [E]). Ver Fig. 10.

Com base neste pressuposto, o desenvolvimento matemático leva a uma


equação semelhante à proposta por Michaelis e Menten (ver Equação 13),
mas em que a constante de equilíbrio Ks é substituída por uma outra Km,
sendo que o valor deste parâmetro é o determinado pela Equação 14.
[S]
Equação 13 = m[ S]

+
Equação 14 =
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De forma mais pragmática que Ks (que é uma constante de equilíbrio), o
valor de Km, a constante de Michaelis-Menten, pode ser definida como o
valor da concentração de substrato quando a atividade da enzima é metade
de Vmax (ver Fig. 13).
Fig. 13 Fig.8: Atividade versus concentração de substrato em enzimas com cinética
de tipo hiperbólico. O Vmax é o limite para que tende v0 quando a concentração do
substrato S tende para infinito. O Km é a concentração de substrato para o qual o
valor de v0 é metade do valor de Vmax. A Equação 13 descreve uma hipérbole
retangular passando pela origem, com uma assímptota horizontal (y= Vmax) e outra
vertical (x=- Km).

Admitindo, como fizeram Michaelis e Menten, que k3<<k2 a constante de


Michaelis-Menten será a constante de dissociação do complexo ES em
S + E (enzima livre) e coincide com Ks. Se aceitarmos tal como Briggs e
Haldane o valor do Km como definido pela Equação 14 o seu valor será
tanto maior quanto maiores forem os valores das constantes cinéticas
associadas à dissociação do complexo ES (em E+S no caso de k1; em
E+P no caso de k3) e tanto menor quanto maior for o valor da constante
cinética associada à formação do complexo ES (k1). Quer a
simplificação de Michaelis e Menten seja aceitável, quer não seja, o valor
do Km é uma medida da afinidade do substrato em relação à enzima. O
valor deste parâmetro tem as mesmas unidades que a concentração de
substrato e será tanto maior quando menor for a afinidade da enzima para
o seu substrato. Na Equação 13 o valor do Km está no denominador o que
significa que, quanto menor for o seu valor, maior será a atividade da
enzima.
Para determinadas condições de ensaio os valores de k1, k2 e k3 são
constantes e, portanto, também é constante o valor de Km; este valor não
varia com a quantidade de enzima utilizada no ensaio e é, portanto, uma
característica da atividade dessa enzima.

5.9 Influência da concentração de substrato em enzimas “com


cinética de tipo cooperativo ou sigmoide”.
Quando se estuda a influência da concentração de alguns substratos na
atividade de algumas enzimas podem obter-se gráficos v0 versus
concentração de substrato que se assemelham mais a um sigmoide que a
uma hipérbole (ver Fig. 9). Este fenómeno ocorre, por exemplo, nos casos
da cínase da glicose, da cínase-1 da frutose- 6-fosfato, da cínase do
piruvato, da desidrogénase do glutamato, da transférase de
amidofosforibosilo e da transcarbamílase do aspartato.

Para baixas concentrações de substrato a atividade cresce de forma


exponencial com a concentração deste. Para altas concentrações de
substrato manifesta-se o fenómeno da saturação: o facto de existir uma
quantidade limitada de enzima no meio de ensaio implica que, quando a
enzima está próxima da saturação, as variações da concentração de
substrato provocam modificações mínimas na atividade.

As cinéticas de tipo sigmoide também se chamam de tipo cooperativo ou


de cooperatividade positiva. A palavra cooperatividade surgiu na
sequência das teorias que foram formuladas em meados dos anos 60 do
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século passado para explicar o traçado sigmoide nos gráficos que
relacionam a quantidade de oxihemoglobina (hemoglobinaO2) com a
pressão parcial de oxigénio (pO2); a chamada curva de saturação da
hemoglobina.
Os modelos formulados tentam explicar porque é que, para baixas
concentrações de substrato (ou de O2 no caso da hemoglobina), um
aumento discreto nessas concentrações provoca aumentos
desproporcionadamente maiores na forma ligada da enzima (ou da
hemoglobina) e partem da constatação de que, na maioria dos casos, as
enzimas com esta característica são, tal como a hemoglobina, proteínas
oligoméricas (com estrutura quaternária). Talvez que o modelo mais
conhecido seja o que foi proposto por Koshland em 1966 desenvolvendo,
para o caso de proteínas (ou enzimas) com mais que um local de ligação
para o ligando (ou o substrato), um modelo por si formulado em 1959 (o
modelo de encaixe induzido; ver Capítulo 2). Na sua formulação mais
simples a proposta de Koshland admite que a ligação de uma molécula de
substrato num dos monómeros da enzima oligomérica induz uma
modificação conformacional nesse monómero que, por sua vez, influencia
a conformação dos outros monómeros de um mesmo oligómero de tal
forma que estes aumentam a sua afinidade para o substrato. A ligação de
uma molécula de ligando (o oxigénio ou um substrato) a um dos
monómeros da proteína em análise influência positivamente a ligação de
uma segunda molécula de ligando aos outros monómeros e algo de
semelhante se poderia dizer da ligação desta segunda molécula de ligando.
Ou seja, a ligação de moléculas de ligando aos monómeros de uma enzima
oligomérica “coopera” na ligação de mais moléculas de ligando nos locais
de ligação situados nos outros monómeros do oligómero.

O modelo de Koshland permite escrever equações muito complexas que


podem descrever adequadamente as curvas sigmoides nos gráficos
atividade versus concentração de substrato de todas as enzimas
oligoméricas com mais de um local de ligação para o substrato. No
entanto, deixam sem explicação alguns casos de enzimas monoméricas
que apresentam cinéticas de tipo sigmoide, como por exemplo a
glicocínase. Foram propostas teorias que explicam estas situações; em
muitas delas se admite a existência de mais de uma forma conformacional
para a enzima.
É de notar que nem todas as enzimas oligoméricas têm cinéticas de tipo
cooperativo; por exemplo os dados experimentais obtidos com a
desidrogénase láctica (uma enzima tetramérica) ajustam-se a uma cinética
de tipo michaeliano.

As equações resultantes do tratamento matemático do modelo de


Koshland (e de um outro formulado por Monot, Wyman e Changeux) são
demasiado complexas para serem usadas na prática da Bioquímica. Uma
forma mais simples e muito mais comum é usar (para a descrição
paramétrica das sigmoides), de forma pragmática, uma equação proposta
por Hill em 1913 para descrever a curva de saturação da hemoglobina.
Adaptando essa equação (equação de Hill) para o caso das enzimas temos
[S]
a Equação 15. Equação 15 =
( ) [S]

Nesta equação [S] é a concentração de substrato, S50 é a concentração de


substrato para a qual a enzima está hemisaturada e em que a velocidade é
metade de Vmax. (Nas cinéticas de tipo sigmoide a sigla S50 é mais
adequada que Km.) h é o coeficiente de Hill e é uma medida do grau de
cooperatividade (ou sigmoidicidade): quando h=1 a Equação 15
simplifica e é igual à equação de Michaelis-Menten (ausência de
cooperatividade; ver Equação 13), quando h>1 dizemos que a
cooperatividade é positiva e o gráfico v0 versus [S] é um sigmoide (ver
Fig. 14).
Por razões que serão discutidas à frente é frequente chamar às enzimas
que exibem uma cinética de tipo cooperativo enzimas alostéricas. No
entanto estas duas expressões não são sinónimas: existem muitas enzimas
sensíveis a efetores alostéricos e que podem por isso chamar-se também
de alostéricas que não apresentam cinéticas de tipo cooperativo.

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Vmax 10 Vo

Vmax/2 5

0
 0 5 10 15

h=4

h=2

h=1

S50
[Substrato]

Fig. 14 Fig.9: Gráficos v0 versus [S] usando a Equação 15 para diferentes valores
de h; S50=5 e Vmax = 10 para todos os casos. S50 é a concentração de substrato para
v0= Vmax/2.

5.10 A atividade enzímica molar


Já foi referido no Capítulo 5.3 que, em algumas situações, a atividade de
uma enzima se pode exprimir em unidades de tempo-1: a atividade
enzímica molar.

Quando se trabalha com enzimas purificadas, se se sabe a massa de


proteína presente na preparação enzímica e a massa molar da enzima, é
trivial calcular os moles de enzima presentes na preparação.

A constante cinética que relaciona a velocidade de formação de produtos


a partir do complexo intermediário ES foi, até aqui designada por k3 (ver
Equação 9, Equação 11 e Fig. 10). No entanto, também é frequente usar a
sigla kcat (e a expressão constante catalítica) para a designar. Tendo isto
em conta e o que se escreveu nos Capítulos 5.7 e 5.8 é imediato concluir
que a Equação de Michaelis-Menten pode ser escrita como se segue (ver
Equação 16).
[S]
Equação 16 = cat [Et] Km [S]

Nesta equação v0 representa uma velocidade de reação (variação de


concentração do substrato ou do produto por umidade de tempo) mas, se
multiplicarmos ambos os termos pelo volume de ensaio, obtemos a
atividade enzímica (que pode expressa pelo mesmo símbolo v 0) em função
da quantidade de enzima e de uma
[S]
razão que representa a percentagem de saturação (ver Equação 17). (É
de notar que uma equação Km [S]

representa o número de moles de enzima


semelhante pode ser escrita para o caso das enzimas com cinéticas de tipo
sigmoide; neste caso a razão que representa a percentagem de saturação
[S]
seria e, na maioria dos casos, Et representa o número de moles
( ) [S] Km [S]

[S]
Se exprimirmos Et em molaridade, o proa expressão Et Km [S]

[S]
de sítios catalíticos no meio de ensaio.) Equação 17 = kcat Et

que está a converter substrato em produto, ou seja, o número de moles do


complexo ES presente no meio de ensaio. Na Equação 17, kcat é o inverso
do tempo necessário para que uma molécula de enzima ligada ao substrato
complete um ciclo catalítico. Se o valor de kcat for, por exemplo, 1 s-1
significa que o tempo que uma molécula de enzima ligada ao substrato
demora a completar um ciclo catalítico é 1 segundo. Este valor também
se designa por
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turnover number e é uma forma adequada de exprimir a atividade
catalítica de uma enzima quando se conhecem os dados pertinentes para a
sua dedução. Se estivermos a fazer o ensaio em condições de saturação, o
kcat é o valor que resulta da divisão da velocidade de conversão (em mol s-
1
, por exemplo) pelo número de moles de enzima no meio de ensaio
(expresso em mol).

6 Modificadores da atividade enzímica: inibidores e


ativadores.
Quando comparamos um par de ensaios enzímicos feitos nas mesmas
condições (inclusive a concentração de substrato), exceto a presença e a
ausência de uma substância M, pode acontecer que as atividades sejam
significativamente diferentes. Nestes casos pode ser útil usar o conceito
de grau de modificação (inibição ou ativação) induzido por M (inibidor
ou ativador). O grau de inibição pode ser definido como a variação de
atividade provocada pelo inibidor relativamente ao ensaio em que ele
estava ausente: = (v0 - v0inibidor) /v0. No caso de ativação o grau de ativação
seria: = (v0ativador - v0) /v0. Ver Fig. 15.
140 120 100

80 60 40 20

v
o {} v
o

Fig. 15 Pela adição de determinadas substâncias ao meio de ensaio podemos


eventualmente aumentar ou diminuir a atividade catalítica da enzima. Quando em
determinadas condições de ensaio uma substância pode aumentar a atividade
enzímica diz-se um ativador; se diminui a atividade catalítica diz-se um inibidor.
O grau de ativação ou de inibição pode ser expresso como uma percentagem e
neste caso o seu valor será 100 × v0 /(v0 na ausência de modificador).

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