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CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA E FRACIONAMENTO DE DESPESAS (COMENTÁRIOS A
ACÓRDÃO DO TCU)
Karlin Olbertz Niebuhr
Mestre em Direito (USP) e Professora (UFPR)
Advogada de Justen Pereira, Oliveira e Talamini
1. A consulta do Senado Federal
O Senado Federal apresentou consulta ao TCU, indagando sobre a correta interpretação do art. 23
da Lei 8.666, especificamente no que diz respeito a modalidades de licitação e fracionamento de
despesas. A questão foi apreciada pelo Acórdão 1.540/2014 do Plenário. O Senado apresentou
cinco situações ao TCU, a seguir resumidas:
Situação 1
Emenda parlamentar acrescenta ao orçamento previsão de despesa para a construção de cinco
parques infantis. Por falta de recursos orçamentários para cobrir integralmente a despesa, celebra
se um primeiro convênio para construção de dois parques, no início do exercício orçamentário. Um
segundo convênio é firmado, ao final do exercício, em razão da obtenção de novos recursos, para
construção dos outros três parques. Como o valor de cada convênio não supera a R$150.000,00, é
realizado um convite para contratação dos dois primeiros parques (primeiro convênio), e outro
convite para contratação dos outros três parques (segundo convênio). Houve fracionamento
indevido de despesa? É necessário aguardar o levantamento dos recursos em sua integralidade
para realizar as obras?
Situação 2
Tratandose da mesma hipótese da Situação 1, imaginese o surgimento de novos recursos
orçamentários no mesmo exercício financeiro, e a celebração de novo convênio contemplando mais
dois parques infantis de valor individual inferior a R$150.000,00. Cabe realizar novos convites?
Situação 3
Emenda parlamentar acrescenta ao orçamento previsão de despesa de R$1.500.000,00 para um
Estado construir banheiros públicos em dez municípios. O valor é repassado mediante convênio e o
Estado resolve ratear a verba em dez parcelas iguais de R$150.000,00, distribuídas a dez
prefeituras. Cada prefeitura realiza um convite para a construção dos banheiros públicos em sua
cidade, privilegiando as empresas locais. Cabe utilizar o convite para cada uma das contratações?
Cabe utilizar o pregão?
Situação 4
Supondose existir conflito entre as hipóteses dos §§ 1º e 5º do art. 23 da Lei 8.666, e no caso de
objetos que apresentem a mesma natureza, mas que serão realizados em locais distintos, devese
priorizar o parcelamento para ampliar a competitividade ou licitar em conjunto os objetos,
concentrando a execução em um único prestador de serviço?
Situação 5
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Município celebra dois convênios no mesmo exercício financeiro e com o mesmo concedente,
originários de emendas apresentadas por parlamentares diferentes. Cada emenda não supera a
R$150.000,00. Os convênios possuem o mesmo título do projeto, mas as obras têm planos de
trabalhos, serviços e endereços distintos, e os convênios possuem prazos de execução, vigência e
prestação de contas também distintos. Cabe realizar convite?
2. O parcelamento obrigatório do objeto da licitação
A consulta trata especialmente da questão do parcelamento do objeto licitado (obras, serviços e
compras), que é obrigatório, nos termos do art. art. 23, § 1º, da Lei 8.666. Significa dizer que o
objeto da licitação deverá ser dividido no maior número de parcelas possível, respeitados os limites
de viabilidade técnica e econômica.
O parcelamento tem em vista assegurar a isonomia e ampliar a competitividade do certame.
Presumese que a competição resulta em propostas de preços melhores para a Administração.
Assim, se a Administração deseja adquirir mil computadores, poderá licitálos em vinte lotes de
cinquenta máquinas, por exemplo. A solução viabiliza a participação, no certame, de interessados
que não cumpririam os requisitos de habilitação para a integralidade da compra, mas que cumprem
os requisitos em vista de cada lote.
O parcelamento do objeto pode ocorrer mediante abertura de tantas licitações quantas forem
necessárias para a quantidade de lotes existentes ou através da adjudicação por itens em uma
mesma licitação. Neste caso, prevalece a orientação de que os requisitos de habilitação dos
licitantes devem ser avaliados em vista de cada lote ou item, e não da totalidade da aquisição.
3. O indevido fracionamento de despesas
Todavia, o parcelamento do objeto não deve servir como expediente para burlar o regime licitatório.
Retomase o exemplo da compra de mil computadores. O art. 23, inc. II, define as modalidades de
licitação segundo a despesa da Administração. Despesas mais vultuosas indicam objetos mais
complexos, que exigem modalidades de licitação mais rigorosas. Imaginese então que o orçamento
para aquisição de mil computadores alcance a um milhão de reais (mil reais por computador). Seria
o caso de instaurar licitação na modalidade de concorrência, que se aplica a compras que
ultrapassem R$650.000,00 (art. 23, inc. II, alínea c).
A Administração decide por parcelar o objeto em vinte lotes, tal como referido acima. O valor
estimado de cada lote resulta em R$50.000,00. Não é cabível, sob o argumento do valor da despesa
por lote, aplicar o convite como modalidade de licitação, destinado a compras até R$80.000,00.
Assim como não seria cabível concluir pela dispensa de licitação na hipótese de parcelamento em
lotes de cinco computadores (orçados em R$5.000,00). O próprio art. 24, inc. II, ressalva que a
dispensa somente se aplica para serviços, compras e alienações que não se refiram a parcelas de
um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez.
Logo, não se confunde o parcelamento do objeto da licitação com o fracionamento da despesa. O
parcelamento do objeto é devido e, até mesmo, obrigatório; mas daí não pode resultar o
fracionamento da despesa, que é indevido e configurase como ilicitude. Essa é a orientação do
TCU, reproduzida em seu manual Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU (4ª
ed., 2010), disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/ 2057620.PDF, acesso em
20/07/2014. O TCU anota que fracionamento, à luz da Lei de Licitações, caracterizase quando se
divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o
total da despesa ou para efetuar contratação direta. A Lei nº 8.666/1993 veda no art. 23, § 5º, o
fracionamento de despesa (p. 104 do manual).
Nesse sentido, esclarece Marçal Justen Filho: o que se proíbe é o fracionamento ser invocado como
pretexto para modificação do regime jurídico aplicável à licitação. A determinação da obrigatoriedade
de licitação e a escolha da modalidade cabível devem fazerse em face do montante conjunto de
todas as contratações, independentemente de fracionamento (Comentários à Lei de Licitações e
Contratos Administrativos. 16ª ed. RT, 2014, p. 373).
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Logo, será necessário preservar a modalidade licitatória que seria utilizada para a contratação não
parcelada, quando houver a realização de licitações diversas ou de adjudicação por itens. A exceção
fica a cargo de contratação de parcelas de natureza específica que possam ser executadas por
pessoas ou empresas de especialidade diferente do executor da obra ou serviço (Licitações e
contratos: orientações e jurisprudência do TCU, cit., p. 105).
Como decorrência, será sempre necessário planejar as contratações segundo o princípio da
anualidade orçamentária.
4. A consulta e a resposta do TCU
A vedação ao fracionamento de despesas é a razão pela qual o Senado Federal enviou consulta ao
TCU. As hipóteses levantadas indicam a não obtenção da totalidade dos recursos necessários às
obras especificadas. Como cada convênio repassaria o valor de R$150.000,00, o Senado Federal
questiona se seria cabível utilizar a modalidade convite, própria para obras e serviços de engenharia
até esse mesmo valor (art. 23, inc. I, alínea a), em detrimento da concorrência.
O TCU examinou a questão e, em que pese tenha concluído pela impossibilidade prática das
hipóteses trazidas pelo Senado Federal ? é que a Portaria Interministerial CGU/MF/MP 507/2011
veda a celebração de convênios para transferência de valor inferior a R$250.000,00, quando se
tratar de projetos de engenharia ? emitiu seu entendimento a respeito da questão.
O Relator, Ministro Walton Alencar Rodrigues, entendeu que como não há garantia de que serão
realmente liberados os recursos orçamentários para a realização de todos os objetos previstos em
emendas parlamentares, não se pode exigir que o gestor opte pela modalidade de licitação
pertinente ao todo contemplado na emenda. Dessa forma, não constituiria fracionamento de
despesa a celebração e execução de mais de um convênio, em virtude de liberações de recursos
orçamentários em períodos distintos para atendimento à emenda parlamentar.
Especificamente para responder às situações 1 e 2 (construção de parques infantis), e à situação 5,
o Relator utilizou outro fundamento, que é o da execução de obras distintas e independentes. Assim,
conforme o voto, não é caracterizada como fracionamento de despesa a celebração de convênios
em momentos distintos do exercício financeiro para execução de obras distintas e independentes.
Como a sociedade aproveita cada obra individualmente, não haverá fracionamento de despesa, nem
é necessário aguardar o levantamento dos recursos em sua integralidade para dar início às obras.
Sobre a situação 3 (construção de banheiros públicos), o Relator, com o auxílio do Ministro José
Jorge, concluiu que a resposta depende da formatação do convênio. Se o convênio autorizar o
repasse de recursos pelo Estado a seus municípios, por meio de novos convênios, cada município
será o executor da parcela que lhe cabe, não havendo impedimento a que os objetos sejam licitados
de acordo com a modalidade correspondente aos valores subtransferidos, efetivamente envolvidos
em cada contratação. Logo, não haverá fracionamento de despesa e cabe a utilização da
modalidade de licitação adequada aos valores utilizados por cada um dos municípios.
Se, ao contrário, o convênio não autorizar o repasse de recursos pelo Estado aos municípios,
caberá ao Estado executar a despesa, realizando licitações nas modalidades adequadas aos
valores dos itens a serem contratados, sem fracionamento de despesa. O Ministro José Jorge
acrescenta que o fato de alguns itens serem destinados ou executados em localidades distintas não
autoriza, por si só, que a despesa seja fracionada de acordo com a sua destinação geográfica, como
poderia sugerir a interpretação literal (gramatical) da expressão ?mesmo local?, contida no art. 23, §
5 º, da Lei 8.666/93. O Estado deverá levar em conta o somatório dos valores envolvidos em todas
as contratações de itens da mesma natureza, para definir a modalidade de licitação. Ainda neste
ponto, o Estado somente poderá realizar licitações distintas e independentes para cada localidade
se, comprovadamente, os potenciais interessados nos itens licitados forem também distintos,
possibilitando, assim, o efetivo aproveitamento dos mercados locais.
A situação 3 também propõe um questionamento lateral, referente à utilização do pregão como
modalidade de licitação. A posição do TCU é pelo descabimento do pregão, que não deve ser
utilizado para obras de engenharia (Súmula 257/2010).
Quanto à situação 4, em que se questiona eventual conflito normativo entre os parágrafos 1º e 5º do
art. 23 da Lei 8.666, o TCU firmou conclusão sobre a necessidade de os parágrafos serem
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interpretados conjuntamente. Nesse sentido, segundo o parágrafo 1º, o parcelamento é obrigatório
quando o objeto da contratação apresentar natureza divisível e tal não acarretar prejuízo técnico ou
econômico para o conjunto contratado. Essa circunstância independe das localidades em que se
realizarão as parcelas da contratação. Já de acordo com o parágrafo 5º, é vedada a utilização, para
cada parcela, de modalidade de licitação diversa daquela cabível para o conjunto contratado. Logo,
devese priorizar o parcelamento.
Informação bibliográfica do texto:
NIEBUHR, Karlin Olbertz. Contratação administrativa e fracionamento de despesas (comentários a
acórdão do TCU). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 89, julho de 2014,
disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].
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