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2017­5­30 CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA E FRACIONAMENTO DE DESPESAS (COMENTÁRIOS A ACÓRDÃO DO TCU)

CONTRATAÇÃO ADMINISTRATIVA E FRACIONAMENTO DE DESPESAS (COMENTÁRIOS A
ACÓRDÃO DO TCU)
 
Karlin Olbertz Niebuhr
Mestre em Direito (USP) e Professora (UFPR)
Advogada de Justen Pereira, Oliveira e Talamini
 
1. A consulta do Senado Federal
O Senado Federal apresentou consulta ao TCU, indagando sobre a correta interpretação do art. 23
da  Lei  8.666,  especificamente  no  que  diz  respeito  a  modalidades  de  licitação  e  fracionamento  de
despesas.  A  questão  foi  apreciada  pelo  Acórdão  1.540/2014  do  Plenário.  O  Senado  apresentou
cinco situações ao TCU, a seguir resumidas:
            Situação 1
Emenda  parlamentar  acrescenta  ao  orçamento  previsão  de  despesa  para  a  construção  de  cinco
parques infantis. Por falta de recursos orçamentários para cobrir integralmente a despesa, celebra­
se um primeiro convênio para construção de dois parques, no início do exercício orçamentário. Um
segundo convênio é firmado, ao final do exercício, em razão da obtenção de novos recursos, para
construção dos outros três parques. Como o valor de cada convênio não supera a R$150.000,00, é
realizado  um  convite  para  contratação  dos  dois  primeiros  parques  (primeiro  convênio),  e  outro
convite  para  contratação  dos  outros  três  parques  (segundo  convênio).  Houve  fracionamento
indevido  de  despesa?  É  necessário  aguardar  o  levantamento  dos  recursos  em  sua  integralidade
para realizar as obras?
Situação 2
Tratando­se  da  mesma  hipótese  da  Situação  1,  imagine­se  o  surgimento  de  novos  recursos
orçamentários no mesmo exercício financeiro, e a celebração de novo convênio contemplando mais
dois parques infantis de valor individual inferior a R$150.000,00. Cabe realizar novos convites?
Situação 3
Emenda  parlamentar  acrescenta  ao  orçamento  previsão  de  despesa  de  R$1.500.000,00  para  um
Estado construir banheiros públicos em dez municípios. O valor é repassado mediante convênio e o
Estado  resolve  ratear  a  verba  em  dez  parcelas  iguais  de  R$150.000,00,  distribuídas  a  dez
prefeituras.  Cada  prefeitura  realiza  um  convite  para  a  construção  dos  banheiros  públicos  em  sua
cidade, privilegiando as empresas locais. Cabe utilizar o convite para cada uma das contratações?
Cabe utilizar o pregão?
Situação 4
Supondo­se existir conflito entre as hipóteses dos §§ 1º e 5º do art. 23 da Lei 8.666, e no caso de
objetos que apresentem a mesma natureza, mas que serão realizados em locais distintos, deve­se
priorizar  o  parcelamento  para  ampliar  a  competitividade  ou  licitar  em  conjunto  os  objetos,
concentrando a execução em um único prestador de serviço?
Situação 5

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Município  celebra  dois  convênios  no  mesmo  exercício  financeiro  e  com  o  mesmo  concedente,
originários  de  emendas  apresentadas  por  parlamentares  diferentes.  Cada  emenda  não  supera  a
R$150.000,00.  Os  convênios  possuem  o  mesmo  título  do  projeto,  mas  as  obras  têm  planos  de
trabalhos, serviços e endereços distintos, e os convênios possuem prazos de execução, vigência e
prestação de contas também distintos. Cabe realizar convite?
 
2. O parcelamento obrigatório do objeto da licitação
A  consulta  trata  especialmente  da  questão  do  parcelamento  do  objeto  licitado  (obras,  serviços  e
compras),  que  é  obrigatório,  nos  termos  do  art.  art.  23,  §  1º,  da  Lei  8.666.  Significa  dizer  que  o
objeto da licitação deverá ser dividido no maior número de parcelas possível, respeitados os limites
de viabilidade técnica e econômica.
O  parcelamento  tem  em  vista  assegurar  a  isonomia  e  ampliar  a  competitividade  do  certame.
Presume­se  que  a  competição  resulta  em  propostas  de  preços  melhores  para  a  Administração.
Assim,  se  a  Administração  deseja  adquirir  mil  computadores,  poderá  licitá­los  em  vinte  lotes  de
cinquenta  máquinas,  por  exemplo.  A  solução  viabiliza  a  participação,  no  certame,  de  interessados
que não cumpririam os requisitos de habilitação para a integralidade da compra, mas que cumprem
os requisitos em vista de cada lote.
O  parcelamento  do  objeto  pode  ocorrer  mediante  abertura  de  tantas  licitações  quantas  forem
necessárias  para  a  quantidade  de  lotes  existentes  ou  através  da  adjudicação  por  itens  em  uma
mesma  licitação.  Neste  caso,  prevalece  a  orientação  de  que  os  requisitos  de  habilitação  dos
licitantes devem ser avaliados em vista de cada lote ou item, e não da totalidade da aquisição.
 
3. O indevido fracionamento de despesas
Todavia, o parcelamento do objeto não deve servir como expediente para burlar o regime licitatório.
Retoma­se o exemplo da compra de mil computadores. O art. 23, inc. II, define as modalidades de
licitação  segundo  a  despesa  da  Administração.  Despesas  mais  vultuosas  indicam  objetos  mais
complexos, que exigem modalidades de licitação mais rigorosas. Imagine­se então que o orçamento
para aquisição de mil computadores alcance a um milhão de reais (mil reais por computador). Seria
o  caso  de  instaurar  licitação  na  modalidade  de  concorrência,  que  se  aplica  a  compras  que
ultrapassem R$650.000,00 (art. 23, inc. II, alínea c).
A  Administração  decide  por  parcelar  o  objeto  em  vinte  lotes,  tal  como  referido  acima.  O  valor
estimado de cada lote resulta em R$50.000,00. Não é cabível, sob o argumento do valor da despesa
por  lote,  aplicar  o  convite  como  modalidade  de  licitação,  destinado  a  compras  até  R$80.000,00.
Assim como não seria cabível concluir pela dispensa de licitação na hipótese de parcelamento em
lotes  de  cinco  computadores  (orçados  em  R$5.000,00).  O  próprio  art.  24,  inc.  II,  ressalva  que  a
dispensa somente se aplica para serviços, compras e alienações que não se refiram a parcelas de
um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez.
Logo, não se confunde o parcelamento do objeto da licitação com o fracionamento da despesa. O
parcelamento  do  objeto  é  devido  e,  até  mesmo,  obrigatório;  mas  daí  não  pode  resultar  o
fracionamento  da  despesa,  que  é  indevido  e  configura­se  como  ilicitude.  Essa  é  a  orientação  do
TCU,  reproduzida  em  seu  manual  Licitações  e  contratos:  orientações  e  jurisprudência  do  TCU  (4ª
ed.,  2010),  disponível  em  http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/  2057620.PDF,  acesso  em
20/07/2014. O TCU anota que fracionamento, à luz da Lei de Licitações, caracteriza­se quando se
divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o
total  da  despesa  ou  para  efetuar  contratação  direta.  A  Lei  nº  8.666/1993  veda  no  art.  23,  §  5º,  o
fracionamento de despesa (p. 104 do manual).
Nesse sentido, esclarece Marçal Justen Filho: o que se proíbe é o fracionamento ser invocado como
pretexto para modificação do regime jurídico aplicável à licitação. A determinação da obrigatoriedade
de  licitação  e  a  escolha  da  modalidade  cabível  devem  fazer­se  em  face  do  montante  conjunto  de
todas  as  contratações,  independentemente  de  fracionamento  (Comentários  à  Lei  de  Licitações  e
Contratos Administrativos. 16ª ed. RT, 2014, p. 373).

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Logo, será necessário preservar a modalidade licitatória que seria utilizada para a contratação não
parcelada, quando houver a realização de licitações diversas ou de adjudicação por itens. A exceção
fica  a  cargo  de  contratação  de  parcelas  de  natureza  específica  que  possam  ser  executadas  por
pessoas  ou  empresas  de  especialidade  diferente  do  executor  da  obra  ou  serviço  (Licitações  e
contratos: orientações e jurisprudência do TCU, cit., p. 105).
Como  decorrência,  será  sempre  necessário  planejar  as  contratações  segundo  o  princípio  da
anualidade orçamentária.
 
4. A consulta e a resposta do TCU
A vedação ao fracionamento de despesas é a razão pela qual o Senado Federal enviou consulta ao
TCU.  As  hipóteses  levantadas  indicam  a  não  obtenção  da  totalidade  dos  recursos  necessários  às
obras  especificadas.  Como  cada  convênio  repassaria  o  valor  de  R$150.000,00,  o  Senado  Federal
questiona se seria cabível utilizar a modalidade convite, própria para obras e serviços de engenharia
até esse mesmo valor (art. 23, inc. I, alínea a), em detrimento da concorrência.
O  TCU  examinou  a  questão  e,  em  que  pese  tenha  concluído  pela  impossibilidade  prática  das
hipóteses  trazidas  pelo  Senado  Federal  ?  é  que  a  Portaria  Interministerial  CGU/MF/MP  507/2011
veda  a  celebração  de  convênios  para  transferência  de  valor  inferior  a  R$250.000,00,  quando  se
tratar de projetos de engenharia ? emitiu seu entendimento a respeito da questão.
O  Relator,  Ministro  Walton  Alencar  Rodrigues,  entendeu  que  como  não  há  garantia  de  que  serão
realmente liberados os recursos orçamentários para a realização de todos os objetos previstos em
emendas  parlamentares,  não  se  pode  exigir  que  o  gestor  opte  pela  modalidade  de  licitação
pertinente  ao  todo  contemplado  na  emenda.  Dessa  forma,  não  constituiria  fracionamento  de
despesa  a  celebração  e  execução  de  mais  de  um  convênio,  em  virtude  de  liberações  de  recursos
orçamentários em períodos distintos para atendimento à emenda parlamentar.
Especificamente para responder às situações 1 e 2 (construção de parques infantis), e à situação 5,
o Relator utilizou outro fundamento, que é o da execução de obras distintas e independentes. Assim,
conforme o voto, não  é  caracterizada  como  fracionamento  de  despesa  a  celebração  de  convênios
em  momentos  distintos  do  exercício  financeiro  para  execução  de  obras  distintas  e  independentes.
Como a sociedade aproveita cada obra individualmente, não haverá fracionamento de despesa, nem
é necessário aguardar o levantamento dos recursos em sua integralidade para dar início às obras.
Sobre  a  situação  3  (construção  de  banheiros  públicos),  o  Relator,  com  o  auxílio  do  Ministro  José
Jorge,  concluiu  que  a  resposta  depende  da  formatação  do  convênio.  Se  o  convênio  autorizar  o
repasse de recursos pelo Estado a seus municípios, por meio de novos convênios, cada  município
será o executor da parcela que lhe cabe, não havendo impedimento a que os objetos sejam licitados
de acordo com a modalidade correspondente aos valores subtransferidos, efetivamente envolvidos
em  cada  contratação.  Logo,  não  haverá  fracionamento  de  despesa  e  cabe  a  utilização  da
modalidade de licitação adequada aos valores utilizados por cada um dos municípios.
Se,  ao  contrário,  o  convênio  não  autorizar  o  repasse  de  recursos  pelo  Estado  aos  municípios,
caberá  ao  Estado  executar  a  despesa,  realizando  licitações  nas  modalidades  adequadas  aos
valores  dos  itens  a  serem  contratados,  sem  fracionamento  de  despesa.  O  Ministro  José  Jorge
acrescenta que o fato de alguns itens serem destinados ou executados em localidades distintas não
autoriza, por si só, que a despesa seja fracionada de acordo com a sua destinação geográfica, como
poderia sugerir a interpretação literal (gramatical) da expressão ?mesmo local?, contida no art. 23, §
5 º, da Lei 8.666/93. O Estado deverá levar em conta o somatório dos valores envolvidos em todas
as  contratações  de  itens  da  mesma  natureza,  para  definir  a  modalidade  de  licitação.  Ainda  neste
ponto, o  Estado  somente  poderá  realizar  licitações  distintas  e  independentes  para  cada  localidade
se,  comprovadamente,  os  potenciais  interessados  nos  itens  licitados  forem  também  distintos,
possibilitando, assim, o efetivo aproveitamento dos mercados locais.
A  situação  3  também  propõe  um  questionamento  lateral,  referente  à  utilização  do  pregão  como
modalidade  de  licitação.  A  posição  do  TCU  é  pelo  descabimento  do  pregão,  que  não  deve  ser
utilizado para obras de engenharia (Súmula 257/2010).
Quanto à situação 4, em que se questiona eventual conflito normativo entre os parágrafos 1º e 5º do
art.  23  da  Lei  8.666,  o  TCU  firmou  conclusão  sobre  a  necessidade  de  os  parágrafos  serem
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interpretados conjuntamente. Nesse sentido, segundo o parágrafo 1º, o parcelamento é obrigatório
quando o objeto da contratação apresentar natureza divisível e tal não acarretar prejuízo técnico ou
econômico  para  o  conjunto  contratado.  Essa  circunstância  independe  das  localidades  em  que  se
realizarão as parcelas da contratação. Já de acordo com o parágrafo 5º, é vedada a utilização, para
cada parcela, de modalidade de licitação diversa daquela cabível para o conjunto contratado. Logo,
deve­se priorizar o parcelamento.
 
Informação bibliográfica do texto:
NIEBUHR, Karlin Olbertz. Contratação administrativa e fracionamento de despesas (comentários a
acórdão  do  TCU).  Informativo  Justen,  Pereira,  Oliveira  e  Talamini,  Curitiba,  nº  89,  julho  de  2014,
disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].

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