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O ESTADO SOCIAL E O

RECONHECIMENTO DOS
DIREITOS SOCIAIS

HENRIQUE DAMIANO*

Resumo: Estado de Bem-Estar Social é aquele interessado no bem-estar, oposto ao


comunismo e ao autoritarismo.

O Welfare State apareceu para superação das contradições históricas deriva-


das do liberalismo clássico. Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado Social
desenvolveu-se nos países componentes do bloco ocidental. Em países em
vias de desenvolvimento ainda é incipiente a atuação do Estado no campo
social, em que pesem as cláusulas sociais inseridas em suas Constituições.

O Estado deixou de centrar-se preponderantemente no direito, não sendo o


único meio de ação, senão um dos instrumentos de gestão, tendo como
contrapartida a justiça distributiva material, e atualizando-se mediante a eficá-
cia das políticas e prestações estatais.

Quando o Estado estende sua influência a quase todos os domínios que ante-
riormente pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse
instante, o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado Social
(BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6ª ed.,
Malheiros, 1996, p. 186).

Sumário: 1 Introdução; 2 O Estado social; 2.1 Objetivo histórico; 2.2 A formulação da


idéia e sua constitucionalização; 3 Notas características do Estado social;
3.1 Estado e sociedade; 3.2 Progresso técnico; 3.3 Estado liberal; 3.4 Condi-
ções mínimas; 3.5 Desenvolvimento econômico; 3.6 Sistema tributário;
3.7 Representatividade; 4 Estado social e estado de direito; 5 Princípio da
legitimidade; 6 Princípio da divisão de poderes; 7 Princípio da legalidade; 8
O controle da legalidade e da constitucionalidade; 9 Conclusão.

Palavras-chave: Estado Social; Estado Liberal; Disfunções Sociais; Ação do Estado no


Desenvolvimento Econômico e Social; Liberdade e Mínimos Vitais.
*Henrique Damiano é Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e doutorando pela Universidade Castilla
– La Mancha – Espanha

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1 INTRODUÇÃO registraram-se medidas estatais de interven-
Outras denominações que recebem ção social. Hoje as encontramos com cará-
este modelo de Estado são Welfare State, ter generalizado, pois já não se limitam à re-
Estado de Bem-Estar e Estado Social De- solução das mais imediatas necessidades
mocrata, denominações devidas a econômicas, ou medidas de beneficência,
KENNETH EWART BOULDING1 , e que posto que se estende a todos os âmbitos vi-
significa, neste caso, um Estado interessa- tais, como a promoção do bem-estar, da cul-
do no bem-estar, oposto ao comunismo e ao tura, da diversão, etc., e também no que res-
autoritarismo. peita aos destinatários das mesmas, que já
não são somente as classes obreiras, mas
A idéia do Estado subjacente e as
também a classe média.
mencionadas denominações desenvolveram-
se plenamente nos países industrializados e O mesmo ocorreu no campo econô-
pós-industrializados, porém algumas delas mico, apesar do princípio geral do laissez-
servem de modelo orientador para os países faire (palavra de ordem do liberalismo eco-
em trânsito ao desenvolvimento, do mesmo nômico, cunhada no século XVIII pelos
modo que serviram às constituições demo- fisiocratas franceses, proclamando a mais
cráticas e liberais. absoluta liberdade de produção e comercia-
lização de mercadorias), relativo ao Estado
As denominações de Estado de par-
do século XIX, em todos os países houve
tidos e de Estados de associações aludem a
medidas alfandegárias destinadas a defen-
problemas específicos do processo de dis-
der ramos econômicos específicos do co-
tribuição do poder. O conceito de Welfare
mércio exterior. Também houve subsídios
State refere-se a uma dimensão da política
estatais a determinadas atividades técnicas.
estatal, as finalidades do bem-estar social: é
Havia algumas medidas estatais de interven-
um conceito mensurado em função da dis-
ção econômica, porém de caráter setorial e
tribuição das cifras destinadas aos serviços
localizada, como medidas subsidiárias e cor-
sociais e de outros índices e as questões que
retivas dos desajustes do sistema que se con-
se colocam, tais como seus custos, suas pos-
siderava, em geral, auto-regulado. Atualmen-
síveis contradições e sua capacidade de re-
te encontramos, de forma geral, uma políti-
produção, podem também ser medidos
ca estatal de direção permanente e progra-
quantitativamente.
mada do conjunto das atividades econômi-
Por outro lado, a denominação e o cas.
conceito de Estado Social inclui, não só os
2 O ESTADO SOCIAL
aspectos do bem-estar, mas também os pro-
blemas gerais do sistema estatal de nosso 2.1 Objetivo histórico
tempo, que em parte podem ser medidos e No que tange aos elementos sócio-
em parte simplesmente estendidos. O históricos, que propiciaram a passagem do
Welfare State refere-se a um aspecto da Estado Liberal ao Social, eles são principal-
ação do Estado, não exclusiva de nosso tem- mente dois.
po, posto que o Estado da época do absolu- De um lado, a necessidade de dar
tismo também foi qualificado como Estado solução aos problemas ou disfunções cria-
de bem-estar, embora o Estado Social se re- dos pela estrutura do Estado Liberal. Como
fira aos aspectos totais de uma configura- recorda KAMMLER2 o poder público vi-
ção estatal típica de nossa época. nha sendo solicitado para atuar de mediador
As medidas de adaptação e transfor- nos fortes enfrentamentos que o capital e o
mação do Estado liberal-burguês no campo trabalho vinham provocando. O Estado, ven-
do social não são totalmente novas, pois no do-se assim envolvido, reagia com a adoção
século XIX e princípios do século XX, de medidas sociais, e ocasionalmente, com

BOULDING, Kenneth Ewart. O significado do século XX, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro: 1966
1

KAMMLER, Jorg. Funções de Governo, Introdução à ciência política. Anagrama, Barcelona, Espanha: 1971, pág 62.
2

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medidas repressivas, dando a impressão de hoje se conta) e, de outro, este mesmo de-
que estava integrando os trabalhadores no senvolvimento, com os riscos inerentes a ele,
sistema, até que a grande crise de 29 pro- exigiu que a função diretiva permanecesse
duziu os efeitos definitivos: de um lado o nas mãos do Estado.
autoritarismo e a ganância excessiva do ca- 2.2 A formulação da idéia e sua
pitalismo em prejuízo da justiça social e, por constitucionalização
outro, abandonando a sua própria dinâmica,
Como precursor da idéia de Estado
compactuava com a produção dos dese-
Social costuma-se citar LORENZ VON
quilíbrios sociais.
STEIN4 , que, em 1850, defendeu que havia
As profundas crises econômicas e o terminado a época das revoluções das re-
agravamento da luta de classes, presentes formas políticas para começar a revolução
no período entre-guerras, repercutiram de- das reformas sociais, pela qual somente uma
cisivamente na estabilidade das instituições teoria e uma práxis consciente permitiriam
políticas. As experiências totalitárias euro- enfrentar com êxito o futuro. Entendeu-se
péias e o desastre da Segun- que a fortaleza do Estado de-
da Guerra Mundial, levou as pende do nível moral e ma-
potências ocidentais ao com- terial de seus cidadãos, pelo
promisso histórico de evitar que é absurdo permitir a mi-
a volta ao sistema anterior séria da população, de sorte
ou a caída em um socialis- “...corrigir as disfunções
que corrigir as disfunções
mo de inspiração soviética. sociais de uma sociedade sociais de uma sociedade in-
Para tal propósito re- industrial competitiva não é dustrial competitiva não é tão
sultou extremamente útil a tão só uma só uma exigência ética, se-
política econômica propos- não também, uma necessida-
ta por KEYNES3 , em 1936: exigência ética, senão de histórica a fim de se evi-
segundo ele, era possível também, uma necessidade tar uma revolução social.
chegar por métodos demo- histórica a fim de se evitar Dentro da história da
cráticos e sem alterar, fun- idéia do Estado Social, devem
damentalmente, a economia uma revolução social.”
mencionar-se também cer-
capitalista, ao aumento da tas tendências do pensamen-
produção, aumento da ca- to social democrata clássico,
pacidade aquisitiva das mas- iniciadas por LASALLE e
sas e redução do desem- perseguidas, mutatis
prego. Para obter êxito seria necessário que mutandis, pelas direções marxistas
o Estado assumisse a função orientadora e revisionistas, inclusive as centristas. O Es-
o controle do processo econômico sem che- tado foi, e é, um instrumento de dominação
gar a adquirir a propriedade ou os meios de de classes, porém é também uma instituição
produção. que, sob pressão dos partidos e das organi-
Por outro lado, contribuíram ao de- zações obreiras, pode conseguir constantes
senvolvimento e à atual complexidade das melhoras para as classes trabalhadoras, as
funções estatais, as possibilidades oferecidas quais, têm interesse em um Estado forte,
pelo desenvolvimento tecnológico na medi- eficaz e socialmente orientado; sua presen-
da em que facilitou a presença das ações ça para a sociedade e para o cumprimento
estatais (impossíveis de conceber sem as das funções sociais, exige desenvolvimento de
técnicas de controle e programação com que suas atividades econômicas e administrativas.

3
KEYNES, John Maynard. Breve Tratado Sobre a Reforma Monetária. Editora Fondo, México, 1992, pág. 18/25
4
MARTINEZ, Elias Gonzalez-Posada. La Europa Social. URL www.der.uva.es/trabajo/euso.html. 21/03/2005.

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Uma futura sociedade socialista é impensável como “um Estado Democrático e Social de
sem um Estado que assegure a direção do Direito”. A Constituição espanhola de 1978
processo produtivo. A luta não é contra o estabelece em seu artigo 1.1 que “Espanha
Estado. Embora a democracia política seja se constitui em um Estado Social e Demo-
uma forma de dominação de classes, deve- crático de Direito”.
se considerá-la como uma valiosa e defini- 3 NOTAS CARACTERÍSTICAS DO
tiva conquista da civilização e somente sob ESTADO SOCIAL
a qual poderá avançar a democracia social.
A democracia tem, pois, dois momentos: o Limitar-nos-emos agora aos aspectos
político e o social. O primeiro é pressuposto que permitem colocar em relevo as noções
inescusável para conseguir o segundo e este básicas do Estado Social.
é, por sua vez, a plena realização dos valo- 3.1 Estado e sociedade
res de liberdade e igualdade proclamados por Em primeiro lugar, a diferença que
aquele. Parafraseando uma famosa expres- ocorria na etapa anterior, Estado e Socieda-
são escolástica, poderíamos de, já não são realidades se-
sintetizar esta posição dizen- paradas nem opostas. O Es-
do que o socialismo não anu- tado anterior não podia nem
la a democracia, senão a “O Estado Social posiciona-se devia modificar a ordem so-
aperfeiçoa. no sentido de que a sociedade, cial natural e espontânea,
A formulação da datada de racionalidade, cujo
deixada a seus mecanismos
idéia de Estado Social (de equilíbrio sustentava-se so-
Direito) se deve a auto-reguladores, conduz à mente com o reconhecimen-
HERMANN HELLER 5 , pura irracionalidade e de que to da liberdade e da igualda-
militante social democrata, de. O Estado Social posi-
só a ação do Estado pode
que enfrentou o problema ciona-se no sentido de que a
concreto da crise da demo- neutralizar os efeitos
sociedade, deixada a seus
cracia e do Estado de Di- disfuncionais de um mecanismos auto-regulado-
reito, e que considera que é res, conduz à pura irraciona-
desenvolvimento econômico e
preciso evitar não só a dita- lidade e de que só a ação do
dura fascista mas também social controlado.”
Estado pode neutralizar os
a degeneração a que se con-
efeitos disfuncionais de um
duziu o positivismo jurídico
desenvolvimento econômico
pelos interesses das catego-
e social controlado. Por conseguinte, o Es-
rias dominantes. Para isso não é necessário
tado não pode limitar-se a assegurar as con-
renunciar ao Estado de Direito, senão dar-
lhe um conteúdo econômico e social. Só o dições ambientais de uma suposta ordem so-
Estado Social de Direito (escrevia em 1929) cial imanente, nem a vigiar os distúrbios de
pode ser uma alternativa válida frente à anar- um mecanismo auto-regulado e, pelo con-
quia econômica e frente à ditadura fascista trário, há de ser ele o regulador decisivo do
e, portanto, só ele pode ser a via política para sistema social e deve dispor-se à tarefa de
salvar os valores da civilização. estruturar a sociedade através de medidas
diretas ou indiretas: “Estado Social – disse
A idéia de Estado Social foi
H.P. IPSEN – significa a disposição e a res-
constitucionalizada pela primeira vez em
ponsabilidade, a atribuição e a competência
1949 pela Lei Fundamental (Constituição)
do Estado para a estruturação da ordem
da República Federal Alemã, ao defini-lo, em
social”6 . Os limites para a estruturação da
seu artigo 20, como “um Estado Federal,
ordem social são discutíveis e podem
Democrático e Social”, e, em seu artigo 28,

5
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. URL: www.mindef.gov.br

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manifestar-se nas seguintes posições: 1) O estatais totalitárias capazes de resolver tem-
Estado Social tem como função assegurar porariamente alguns dos problemas existen-
os fundamentos básicos do status econômi- tes, como a greve e a ordem pública, porém
co e social adaptando-os às exigências do à base de grandes custos, como a anulação
tempo atual e excluindo permanentemente das liberdades, a constante aplicação da vi-
os distúrbios para seu bom funcionamento, olência, o reinado de um terror difuso, a po-
de modo que, em essência, está destinado a lítica exterior agressiva ocasionando a des-
garantir o sistema de interesse da socieda- truição da ordem internacional, etc. Por con-
de atual, da sociedade neocapitalista; 2) O seguinte, se o Estado queria subsistir deve-
Estado Social significa uma correção não ria estar disposto a controlar permanente-
superficial, senão de fundo; não factorial mente os aspectos econômicos, sociais e
(parcial), senão sistemática (total) do status culturais da sociedade. E caso o Estado De-
quo, cujo efeito acumulativo conduz a uma mocrático de Direito queira continuar tendo
estrutura e estratificação social novas e con- vigência, deveria adaptar seus valores às
cretamente a um socialismo democrático. novas exigências e incluir em seus objetivos
A política estatal leva a cabo, direta a regulamentação permanente do sistema so-
ou indiretamente, uma ação estruturadora da cial. Em termos de teoria de sistema, deve-
sociedade nos países industrializados e pós- ria dispor-se a controlar seu ambiente
industrializados e que se manifesta em múl- socioeconômico a fim de não receber
tiplos aspectos como, por exemplo, em sua insumos negativos incapazes de serem ab-
contribuição às modificações da estra- sorvidos pelo sistema estatal.
tificação e mobilidade social, criando, se não De outro lado, a sociedade exercia
novas classes, novas categorias sociais, pro- uma ação coercitiva sobre o Estado dado
movendo o potencial científico-tecnológico que, por sua própria ação, era incapaz de
através dos programas de investigação e resolver os conflitos existenciais que alber-
desenvolvimento, abrindo o desfrute de bens gava em seu seio ou, dito de outro modo,
materiais e imateriais mediante o crescimen- havia perdido sua capacidade de auto-regu-
to dos serviços sociais, especialmente de lamentação e havia de buscar no Estado a
saúde e educação, criando por si mesma ou ação reguladora de que carecia. E, por to-
promovendo a criação de novas frentes de dos os grupos da sociedade, qualquer que
trabalho, reduzindo, por medidas jurídicas e fora seu status econômico, postulava-se
econômicas, o âmbito e a intensidade da luta energicamente, apesar de que em sentido dis-
de classes, etc. Em outras palavras, a soci- tinto e contraposto, a ação do Estado para
edade atual não seria como é sem a perma- dar à sociedade a ordem que esta era inca-
nente e sistemática ação do Estado. A este paz de dar-se. Em suma, o Estado era inca-
resultado tem-se chegado, historicamente, paz de subsistir sem proceder à
tanto por uma coerção da sociedade pelo reestruturação da sociedade e a sociedade,
Estado, como por uma coerção do Estado por sua vez, era incapaz de subsistir sem a
pela sociedade. Pelo ponto de vista estatal, ação estruturada do Estado.
as experiências dos anos anteriores à Se- 3.2 Progresso técnico
gunda Guerra Mundial, mostraram que a O Estado Social nasce e se desenvol-
existência do Estado estava submetida a for- ve em íntima convivência com o progresso
tes tensões, a grandes gastos de energia, a técnico. Este tem proporcionado toda sua ca-
permanentes crises políticas, etc., que em pacidade para garantir ao cidadão as opor-
alguns países terminaram com o regime de- tunidades vitais. O avanço tecnológico é tão
mocrático e livre para dar lugar a formas importante que condiciona as relações sociais
6
IPSEN, H.P, Europaisches Gemeinschaftsrecht apud GARCIA-PELAYO, M.- As transformações do Estado
contemporâneo. Aliança, Madri,1985, p. 64.

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e se impõe na ordem política, dando lugar a como o controle obreiro, a co-gestão e a
extraordinárias modificações em tal ordem. autogestão.
3.3 Estado liberal Deste modo, enquanto o Estado tra-
O Estado Social não pretende negar dicional se sustentava na justiça comutativa,
os valores e fins do Estado Liberal (a liber- o Estado Social se sustenta na justiça
dade e a igualdade do indivíduo). Ao contrá- distributiva; enquanto o primeiro consigna-
rio, assume-os e trata de fazê-los mais efe- va direitos sem menção de conteúdo, o se-
tivos, dando-lhes uma base e um conteúdo gundo distribui bens jurídicos de conteúdo
material partindo do pressuposto de que in- material; enquanto o Estado tradicional era
divíduo e sociedade não são categorias iso- fundamentalista, um Estado legislador, o Es-
ladas e contraditórias, tendo implicações re- tado Social é um Estado gestor a cujas con-
cíprocas de tal modo que não se pode reali- dições devem submeter-se as modalidades
zar um sem o outro. Não há possibilidade de das legislações; enquanto que um se limita-
atualizar a liberdade se seu estabelecimento va a assegurar a justiça legal formal, ao ou-
e garantias formais não vêm tro se estende a justiça le-
acompanhadas de condições gal material. No Estado tra-
existenciais mínimas que fa- dicional, tratava-se de pro-
çam possível seu exercício teger a sociedade do Esta-
real. Enquanto nos séculos do; no Estado Social, prote-
XVIII e XIX pensava-se ge-se a sociedade pela ação
“O Estado Social é um
que a liberdade era uma exi- do Estado. Naquele, trata-
Estado que se va-se de um Estado que se
gência da liberdade humana,
atualmente se pensa que a responsabiliza para que realizava pela omissão das
dignidade humana (materia- os cidadãos contem com entidades privadas, neste,
lizada em pressupostos trata-se de um estado que
“mínimos vitais”, a se realiza por sua ação em
socioeconômicos) é uma
partir dos quais podem forma de prestações sociais,
condição para o exercício da
exercer sua liberdade.” direção econômica e distri-
liberdade. A propriedade in-
buição do produto nacional.
dividual tem como limite os
interesses gerais da comu- 3.4 Condições mínimas
nidade, dos trabalhadores e O Estado Social é um
dos empregados. A seguri- Estado que se responsabili-
dade formal tem que vir za para que os cidadãos con-
acompanhada da seguridade material fren- tem com “mínimos vitais”, a partir dos quais
te à necessidade econômica permanente ou podem exercer sua liberdade. Se o Estado
contingente, através de instituições como o Liberal quis ser o estado “mínimo”, o Esta-
salário mínimo, o seguro desemprego, a aten- do Social quer estabelecer as bases econô-
ção médica, etc. A seguridade jurídica e a micas e sociais para que o indivíduo, a partir
igualdade perante a lei, devem ser do mínimo garantido por aquele, possa de-
complementadas com a seguridade de con- senvolver-se. Daí que os alemães definiram
dições vitais mínimas e com a correção das o Estado Social como Estado que se res-
desigualdades econômicas e sociais. A par- ponsabiliza pela “procura existencial”
ticipação na formação da vontade estatal (Daseinvorsorge). O homem desenvolve
deve ser aperfeiçoada com uma participa- sua existência dentro de um âmbito consti-
ção no produto nacional, através de um sis- tuído por um repertório de situações e de
tema de prestações sociais e com uma par- bens e serviços materiais e imateriais, por
ticipação na democracia interna das organi- uma possibilidade de existência, designada
zações e das empresas, através de métodos como espaço vital. Dentro desse espaço,

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desse âmbito ou condição de existência, tem- tributário. O que é próprio do Estado Social,
se que distinguir, de um lado, o espaço vital é seu caráter redistribuidor das rendas que,
dominado, ou seja, aquele que o indivíduo com o auxílio do sistema tributário, lhe per-
pode controlar e estruturar intensivamente mite atender à urgente demanda de servi-
por si mesmo, o espaço que não tem que ços sociais.
coincidir necessariamente com a proprieda- 3.7 Representatividade
de (poço da casa ou da aldeia, o cavalo de
O Estado Social é, antes de tudo, um
carga, o cultivo particular). De outro lado, o
Estado em que os processos de representa-
espaço vital efetivo constituído por aquele
âmbito em que o indivíduo realiza faticamente tividade adquirem a complexidade inerente
sua existência. É constituído pelo conjunto à acumulação de representatividades de na-
de coisas e possibilidades das quais se ser- turezas diversas. A mais ampla represen-
ve, porém sobre as quais o senhorio não tem tatividade política a que tem conduzido os
controle (serviço público de água, sistema métodos democráticos do Estado Social, veio
de tráfego ou de telecomunicações, ordena- somar todo tipo de manifestações grupais
ção urbanística, etc.). que esperam ser ouvidas, bem para obter
prestações do Estado benfeitor, bem para
A civilização tecnológica tem aumen- chamar a atenção e impor condições ao Es-
tado constantemente o espaço vital efetivo tado arrecadador. Em alguns casos tais ma-
e diminuído gradativamente o espaço vital nifestações ou vozes se institucionalizam
dominado ou, dito de outro modo, o indiví- (conselhos econômicos e sociais), em ou-
duo tem perdido crescentemente o controle tros, atuam mediante pressões de diversos
sobre a estrutura e os meios de sua própria tipos.
existência. A necessidade de utilizar bens e
serviços sobre os quais se carece de poder O Estado Social conviveu com a má-
de ordenação e disposição direta, produz a xima expansão do constitucionalismo. O Es-
pobreza social, instabilidade da existência. tado Social herdou do Estado Liberal os pos-
Diante disto, atua o Estado como uma de tulados do Estado de Direito, tornou-os re-
suas principais missões na responsabilida- ais e efetivos, na mesma medida em que
de da procura existencial de seus cidadãos, dotou-os de princípios democráticos, respei-
levando a cabo as medidas que assegurem tando-os e impulsionando-os.
ao homem as possibilidades de existência que 4 ESTADO SOCIAL E ESTADO DE
não pode assegurar-se por si mesmo, tarefa DIREITO
que ultrapassa as noções clássicas de serviço A Constituição Alemã deu início à
público como a de política social stricto sensu. fórmula “Estado Social de Direito”, dando
3.5 Desenvolvimento econômico origem ao desenvolvimento desse conceito
O Estado Social não reconhece os por juristas e politólogos alemães.
direitos sociais no mesmo nível de exigência O Estado de Direito em sua formula-
e garantia que o Estado tradicional, posto ção originária é um conceito polêmico, ori-
que os direitos sociais costumam ser de con- entado contra o Estado absolutista, contra o
figuração legal e submetidos à ação do le- Estado poder e especialmente contra o Es-
gislador. As funções sociais que assume o tado polícia, que fomentava o desenvolvi-
Estado têm um condicionamento básico, o mento geral do país e fazia a felicidade de
desenvolvimento econômico, de sorte que o seus súditos à custa de incômodas interven-
êxito das políticas estatais produzem-se de ções administrativas na vida privada e que,
forma proporcional ao nível que se conte com como correspondia a um Estado burocráti-
uma economia saneada. co, não era incompatível com a sujeição dos
3.6 Sistema tributário funcionários e dos juízes à legalidade. O Es-
O Estado Social conta com um ins- tado de Direito em seu sentido original, é
trumento jurídico excepcional, o sistema um Estado cuja função capital é estabelecer

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e manter o Direito e cujos limites de ação totalmente coerente com sua teoria de Di-
estão rigorosamente definidos por este, po- reito e de Estado, não prosperou nos países
rém, bem entendido que o Direito não se ocidentais. E com razão, pois a idéia do Es-
identifica com qualquer lei ou conjunto de tado de Direito continua tendo sentido não
leis com indiferença em seu conteúdo, pois só do ponto de vista dos valores jurídicos e
o Estado absolutista não excluía a legalida- políticos, senão também do ponto de vista
de, senão com uma normatividade acorde da funcionalidade do sistema estatal, já que
com a “idéia do Direito”. O Estado de Di- introduz nele fatores de incerteza. Uma con-
reito significa, assim, uma limitação do po- cepção do Estado de Direito formulada den-
der do Estado pelo Direito. A legalidade é tro de um marco caracterizado pela distin-
um componente da idéia do Estado de Di- ção entre Estado e sociedade, por valores
reito, não se identifica com qualquer legali- jurídicos considerados como imutáveis e por
dade, senão como uma legalidade de deter- uma determinada distribuição do poder polí-
minado conteúdo e sobretudo com uma le- tico-social, não pode manter-se em seus ter-
galidade que não lesione certos valores que mos clássicos e que há de sofrer o corres-
se expressam em normas ou princípios que pondente processo de adaptação às novas
a lei não pode violar. A idéia de Estado de situações ambientais.
Direito surge do jusnaturalismo e em coe- Alguns doutrinadores postulam a in-
rência histórica com uma burguesia, cujas trodução do momento social no Estado de
razões vitais não são compatíveis com qual- Direito, distinção entre o Estado formal e o
quer legalidade, nem com excessiva legali- Estado material de Direito, distinção que
dade, senão com uma legalidade destinada pode variar nas modalidades de sua formu-
a garantir certos valores jurídico-políticos, lação, cabendo sintetizar do seguinte modo:
certos direitos imaginados como naturais, que O Estado material de Direito não se refere
garantissem a livre demonstração da exis- à forma, senão ao conteúdo da relação Es-
tência burguesa. tado-cidadão, sob a inspiração de critérios
A expressão Estado de Direito se in- materiais de justiça; não gira só em torno da
corporou às constituições em tempos muito legalidade, mas na legitimidade em uma idéia
recentes. Sua formulação não está ligada ao do Direito, expressão dos valores jurídico-
direito positivo, mas, sim, é resultado da políticos vigentes em uma época. Em reali-
construção dos juristas. Vagamente enunci- dade, poderia afirmar-se que não se trata
ada pela primeira vez por KANT e por tanto dos conceitos contraditórios, quanto de
HUMBOLDT e de modo mais rigoroso por dimensões e de momentos do Estado de
VON MOHL, foi desenvolvida pelos Direito: os componentes formais são os
tratadistas alemães de direito administrativo, mecanismos para atualizar os valores
que construíram uma teoria politicamente jurídico-políticos que inspiram o Estado e
neutral, porém sustentada sobre valores ju- que racionalizam a ação deste, uma vez que
rídicos cuja evidência não se discutia e so- os valores jurídicos necessitam ser
bre uma estrutura de poderes completamente atualizados através dos mencionados meca-
concreta, todo o qual era uma atualização nismos. Porém, em todo caso, podem distin-
axiológica e organizativa, fora do liberalis- guir-se das modalidades de Estado de Di-
mo sem adjetivação, fora do liberalismo de- reito: a liberal e a social, bem entendido que
mocrático. Só mais tarde, o pleno desenvol- esta última não significa a ruptura com a
vimento do positivismo jurídico se despre- primeira, senão um intento de adaptação das
gou desta vinculação subjacente e conduziu notas clássicas do Estado de Direito a seu
à plena e consciente identificação do Direi- novo conteúdo e a suas novas condições
to com a Lei e do Estado de Direito com o ambientais.
Estado legal. 5 PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE
Para KELSEN, todo Estado é um Os valores básicos que deviam ser-
Estado de Direito. O critério de KELSEN, vir ao Estado de Direito Liberal Burguês,

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através de sua ordem jurídica, seriam os di- sua purificação de aderências feudais (que
reitos individuais e mais especificamente, a implica a pluralidade de titulares de direitos
liberdade individual, a igualdade, a proprie- sobre uma mesma coisa), sua formulação,
dade privada, a segurança jurídica e a parti- por assim dizer, clara e distinta não tem lu-
cipação dos cidadãos na formação da von- gar até a revolução francesa e até sua for-
tade estatal. Tal critério coincidia com o sis- mulação pelos juristas como “o domínio ili-
tema das concepções políticas e dos inte- mitado e exclusivo de uma pessoa sobre uma
resses dos grupos e estratos dominantes, de coisa” (SAVIGNY); esta formulação bur-
maneira que a dimensão da axiologia (ou guesa tem sofrido como todo o mundo sabe,
seja, havia uma adequação entre a idéia vá- uma série de retificações para passar a ser
lida do Direito e os interesses dos estratos) um direito não só protegido, senão também
que, dadas as condições históricas, estava limitado e intervindo pela lei e a administra-
em condições de estabelecer o direito. ção, ao que se acrescenta que a estrutura,
O Estado Social não nega esses va- mesmo da propriedade individual, tem intro-
lores, porém lhes dá um novo significado e duzido a distinção entre o direito e os frutos
os complementa com outros critérios de uma coisa, que nem sempre é o exercido
axiológico-políticos. Em realidade, nenhum pelo proprietário. Parecidas reflexões pode-
dos valores antes mencionados teve uma riam fazer-se sobre outros direitos clássicos,
significação unívoca e permanente ao longo porém haveria distração demasiada e, para
da história, senão uma coincidência em uma o nosso objetivo, bastam os exemplos men-
idéia básica suscetível de distintas configu- cionados. O que nos interessa é recordar
rações. Quem tem um conhecimento da his- que a liberdade política é irreal se não vem
tória das idéias políticas (que não é o mes- acompanhada da liberdade das dependênci-
mo que a história das teorias políticas) a li- as econômicas; que a propriedade há de ter
bertas romana é distinta da libertas medie- como limite sua funcionalidade para os sis-
val e esta da liberdade moderna; toda liber- temas social e econômico e os direitos dos
dade é liberdade de algo e para algo, por que participam em fazê-la produtiva; que a
conseguinte, cada época histórica e/ou cada seguridade não se estenda somente à dimen-
estrato ou grupo social deve colocar o pro- são jurídica, senão à dimensão existencial
blema de frente estabelecendo que coerção em geral; que a igualdade não seja só frente
concreta deve postular-se para a manuten- à lei, mas que se estenda, na medida do pos-
ção de liberdades: frente à coerção do se- sível, aos encargos e benefícios e que a par-
nhor; frente às oligarquias associativas; fren- ticipação se amplie aos bens e serviços e às
te ao Estado; frente às necessidades eco- formas de democracia social.
nômicas sustentadas sobre uma organização
político-social; ou como se diz hoje, frente O Estado Social acolhe os valores ju-
ao “sistema”. Não menos variável é o con- rídico-políticos clássicos, porém de acordo
teúdo concreto do “para quê?” das liberda- com o sentido que tem tomado através do
des e dos pressupostos individuais ou coleti- curso histórico e com as demandas e condi-
vos delas; por exemplo: para a burguesia clás- ções da sociedade do presente. Ademais, a
sica, o indivíduo era sujeito direto da liber- tais direitos clássicos acrescentam-se os di-
dade sem necessidade de mediação algu- reitos sociais e econômicos e, em geral, o
ma; por outro lado, para a classe obreira a derivado da função da procura existencial.
liberdade individual frente à necessidade Por conseguinte, não só inclui direitos para
econômica é derivada da liberdade sindical. limitar a ação do Estado, como também di-
Análogas trocas de significações podem en- reitos a prestações pelo Estado, que natu-
contrar-se também na propriedade, pois a ralmente, devem obedecer ao princípio da
instituição da propriedade privada se perde eficácia, o que exige uma harmonização
na noite dos tempos, não é menos certo que entre racionalidade jurídica e a racionalidade

REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 27


técnica. O Estado, por conseguinte, não só que tratava de garantir formalmente medi-
deve omitir tudo o que seja contrário ao di- ante a limitação da ação do Estado pelo freio
reito, como também exercer uma ação mútuo de seus poderes. No Estado Social, a
constante através da legislação e da admi- liberdade é um valor de primeira categoria,
nistração que realiza a idéia social do direi- porém só pode se fazer valer articulado com
to. Ao Estado se colocam problemas com- outros (principalmente diante da seguridade
plexos, porém cada tipo de Estado tem que econômica) que tem de ser garantido mate-
responder à complexidade de sua própria rialmente pela intervenção concertada (e não
época, cada tipo de Estado deve procurar separada) dos poderes do Estado. Em se-
que tal complexidade não seja desorganiza- gundo lugar, o modelo da divisão de poderes
da, senão organizada e controlada, de tal respondia a uma racionalidade organizativa,
modo que exclua, na medida do possível, as a uma divisão das tarefas fundamentais do
condutas erradas. E para tal fim é necessá- Estado conforme a qual cada função devia
rio conservar as linhas mestras do Estado estar a cargo de um órgão distinto, precisa-
de Direito.
mente por aquele que por sua estrutura era
6 PRINCÍPIO DA DIVISÃO DE PO- mais apropriado para ele. Assim, como
DERES deliberer – disse MONTESQUIEU – est
Outro requisito inicial do Estado de le fait de plusieurs, a formação das leis
Direito era a divisão de poderes intimamen- deve ser tarefa do Parlamento e como agir
te vinculada à garantia da liberdade e ao est le fait d’un Seul, deve estar com o Exe-
império da lei. A rica doutrina iniciada por cutivo. O Estado Social é um Estado
MONTESQUIEU que, em palavras de manager, uma boa parte da legislação for-
RANK, era “uma abstração do passado, um mal, aprovada pelo Parlamento, tem sua ori-
ideal do presente, ao mesmo tempo em que gem em projetos de lei apresentados pelo
um programa para o futuro”7 , sofreu ao lon- Governo, ao que se une, por outra parte, que
go do tempo um processo de dogmatização, o mesmo Parlamento pode ver-se na neces-
convertendo-se em uma proposição acrítica sidade de agir mediante as chamadas “leis
de fé. A divisão e implicação de poderes mediadas”. A tudo isso devemos incluir que
transformou-se em separação e derivou em
o controle da constitucionalidade das leis li-
uma fórmula vazia de sustentação política,
mita os poderes do Parlamento e concede
organizativa e sociológica, em uma pura for-
aos juízes uma função que ultrapassa a
mulação que ignora a existência de outros
assinalada por MONTESQUIEU. Em re-
poderes e, em geral, as transformações no
sumo, a unidade de instituição e função tem
funcionamento do sistema estatal. Porém,
sido substituída por um sistema mais com-
deixando de lado a história da teoria, mais
plexo em que um mesmo poder cumpre dis-
tarde transformada em princípio apriorístico tintas funções e uma mesma função é cum-
da divisão de poderes, nosso problema con- prida por distintos poderes. Finalmente, a
siste em determinar em que medida o mo- divisão de poderes respondia originariamente
delo clássico de tal divisão é compatível com a uma fundamentação sociológica enquanto
as exigências do Estado Social e, em que cada um dos poderes do Estado sustenta-
medida, se vê obrigado a sofrer processos va-se sobre uma realidade social autônoma,
de adaptação. de modo que a “independência” de cada
Em primeiro lugar, a doutrina clássi- poder teria como infra-estrutura a autono-
ca da divisão de poderes respondia a uma mia de seus portadores: o Executivo se sus-
racionalidade axiológica unilateralmente ori- tentava sobre a instituição monárquica, o
entada: o máximo valor era a liberdade, a Legislativo, dividido em duas câmaras,

7
RANK, Leopold Van apud GARCIA-PELAYO, M. - As transformações do Estado contemporâneo. Ob. cit., p. 43.

28 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO


sobre os níveis da nobreza e do Terceiro Es- permaneça fortemente relativizada por sua
tado, e o Judicial, se bem que para comum articulação a um só centro que ori-
MONTESQUIEU estava composto de enta, tanto a ação do governo, como a do
juízes leigos e carecia de presença perma- parlamento. O parlamento e o governo se
nente, era investido, em realidade, pela elite convertem em órgão de legitimação das de-
da toga. cisões dos partidos, pois o certo é que cada
Tanto a redução do Estado a três ní- um deles tende a constituir-se em uma insti-
veis, como as realidades que os sustenta- tuição zelosa de suas prerrogativas, sujeita
vam, deixou gradativamente de ter vigên- a sua própria dialética e submetida a exi-
cia. Em primeiro lugar, como mostrou gências e coerções de uma realidade que só
GARCIA DE ENTERRIA, já na mesma se patenteia quando se acede ao exercício
Revolução Francesa, surge a administração do poder, com a conseqüência freqüente de
como um poder autônomo de ação perma- que quem o ocupa atue conforme a uma re-
nente com poder e jurisdição próprias, dota- presentação das coisas não sempre coinci-
do da faculdade de regulamentação da lei – dentes com a de seu próprio partido. Em re-
o que permite desviar seu sentido ou blo- alidade, não se trata – em termos gerais –
quear sua vigência dilatando a correspon- de uma dependência unilateral, senão de uma
dente regulamentação – e autor e ator ao interação ou de um circuito entre os critéri-
invés de um ramo específico da administra- os do partido majoritário e as exigências da
ção, à vez de uma específica rama que a ação estatal; entre a participação daquele
administração, uma vez que é um órgão for- nas decisões governamentais e sua conver-
malmente dependente do governo, constitui são em agente de apoio da política governa-
por si uma realidade sociológica, um mental, uma vez que as decisões devem ser
Beamtenstand ou nível de funcionários que tomadas. A estas funções dos partidos go-
permanece em seus postos, embora troque vernamentais deve-se incluir o exercício do
a composição do Governo e do Parlamento poder de controle por parte dos partidos na
e que praticamente é o único poder do Esta- oposição.
do que se recruta, por si mesmo, através de Em resumo, a tripartição dos poderes
exames e concursos perante tribunais com- é demasiadamente simples para explicar a
postos, na maioria dos casos, pelos próprios divisão dos poderes em um Estado e em
funcionários, apesar de que a nomeação de uma sociedade acentuadamente complexa,
funcionários corresponda formalmente ao o que unida a outros possíveis critérios de
chefe do Estado ou a uma instância do Go- distribuição, conduziu à formação de novas
verno. Finalmente, concebida como órgão teorias da divisão de poderes. Entre elas me-
subordinado de execução da decisão, é cer- rece ser mencionada a de W. STEFANI8
to que seus superiores níveis tecnoburo- que distingue entre: 1) divisão horizontal co-
cráticos participam com seus informes e es- incidente com a clássica (alguns, como ve-
tudos no conteúdo da decisão. remos mais adiante, a reduzem a dois pode-
Junto a este quarto poder, têm surgi- res); 2) divisão temporal, ou seja, a duração
do também os partidos e as organizações de limitada e a rotação no exercício do poder
interesses, convergindo entre si por relações público; 3) a divisão vertical ou federativa,
de influência recíproca. Ele não somente que se refere à distribuição do poder entre a
inclui outros atores, mas também introduz instância central e as regionais ou locais, e
modificações na estrutura real do sistema que, como é obvio, pode expressar-se em
clássico dos três poderes estatais. Com efei- distintos graus de autonomia; 4) divisão
to, quando a maioria do parlamento e o go- decisória: enquanto que as divisões anterio-
verno pertencem ao mesmo partido ou co- res têm caráter normativo, esta, ao contrá-
alizão de partidos, pode ocorrer que a “in- rio, se refere aos atores que intervêm na
dependência” entre ambos os órgãos prática da tomada de decisões políticas;

REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 29


5) divisão social de poderes entre os estra- disciplinador e sustentador do Estado, tem a
tos e grupos da sociedade. A elas incluire- função de disciplinar e limitar o uso do apa-
mos a divisão entre a autoridade política sus- rato estatal pelos pretendentes e mantene-
tentada sobre uma investidura pública e a dores do poder”. A ele cabe acrescentar que
autoridade técnica, operational authority, o conjunto de conceitos normativos criados
sustentada sobre os conhecimentos neces- em torno da divisão de poderes contribui,
sários para tomar ou realizar uma decisão. para garantir, juridicamente, a liberdade in-
Sob tais pressupostos pode-se che- dividual. A politização do governo e do par-
lamento, que, como vimos, relativiza a auto-
gar à conclusão de que o sistema clássico
nomia de ambos, tratou de ser neutralizada,
da divisão de poderes passou a constituir um
tanto na teoria como na práxis institucional,
subsistema dentro de um sistema mais am-
pelo realçamento da judicatura a um poder
plo, o que não só significa a relativização de capaz de defender o cidadão dos excessos
sua importância desde o ponto de vista da da Administração e da Legislação, ante tudo,
teoria política e do Estado, senão que signi- mediante o controle da constitucionalidade,
fica também mudanças substanciais em sua que a converte em guardião do correto uso
estrutura interna, devido precisamente à re- do aparato estatal, até o ponto em que al-
lação de seus términos com outros compo- guns tratadistas transformam a tripartição
nentes do sistema geral, do que é exemplo, clássica na dualidade Governo/Parlamento,
entre outros, a redução da “independência” de um lado e judicatura, de outro.
entre o parlamento e o governo, como con-
7 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
seqüência de sua comum articulação a um
mesmo partido ou coalizão de partidos, a que O princípio da legalidade significa que
antes fizemos menção. Nada disto quer di- toda ação da Administração e toda decisão
zer que o mantenimento e a funcionalidade dos tribunais devem ser uma aplicação da
jurídico-política da divisão clássica de pode- lei. Tal princípio é coerente com o princípio
res careçam de sentido, senão que simples- da ilegitimidade racional (no sentido de MAX
mente modificaram seu sentido. Com efei- WEBER), segundo o qual não mandam os
to, tem, todavia, a função de assegurar a homens e nem as autoridades, senão as leis.
unidade e a estabilidade do Estado demo- Assim é também com a segurança jurídica
crático, já que sobre o que um pluralismo como um dos valores a garantir pelo Estado
desordenado não pode haver mais que um e é, não menos, com a hegemonia do Parla-
pluralismo desordenado e desintegrado, so- mento dentro do esquema clássico da divi-
bre o que é impossível fundamentar ordem são de poderes. Corolário do princípio da
estável alguma. Tem a função de contribuir legalidade é, prescindindo aqui das circuns-
à racionalidade do Estado democrático in- tâncias jurídico-políticas em que se originou
troduzindo fatores de diferenciação e arti- – o da reserva legal, segundo o qual toda
culação no exercício do poder político, pelas intervenção que afete a liberdade e a pro-
forças sociais e de obrigar os grupos politi- priedade só pode ter lugar em virtude de uma
camente dominantes a adaptarem o conteú- lei formal, aprovada pelo Parlamento.
do de suas vontades a um sistema de for- Quando se formulou o princípio da le-
mas e de competências, objetivando, assim, galidade, entendia-se por lei uma
o exercício do poder, o que, unido à crítica normatividade geral, abstrata, válida para um
da oposição no parlamento, põem limites a número indefinido de casos e para um tem-
seu exercício arbitrário pelo partido do go- po indeterminado. Tal idéia abstrata e gené-
verno ou pelos partidos majoritários. Como rica da lei correspondia: 1) com uma idéia
disse MAX WEBER 9 , a divisão dos três das funções do Estado e 2) com uma idéia
poderes “tem, todavia, um certo valor da racionalidade. No primeiro aspecto,

8
SANCHES FERRIZ, R. Introdução ao Estado Constitucional. Ed. Ariel, Barcelona, 1993, pág.36
9
SANCHES FERRIZ, R. Introdução ao Estado Constitucional. Ob. cit., p. 39

30 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO


correspondia a um Estado que se limitava a não só para criar uma ordem geral para a
criar as mínimas condições ambientais para ação, senão também como instrumento de
que os sistemas social e econômico, supos- ação, então as leis não podem ter sempre
tamente auto-regulados, atuassem confor- caráter geral e abstrato, senão freqüen-
me sua própria dialética, ou seja, a lei criava temente, específico e concreto, de acordo
uma ordem para a ação de outros, porém com a singularidade e, freqüentemente, com
ela mesma não era – normalmente – um ins- a temporalidade do caso a regular ou do ob-
trumento de ação ou intervenção do Estado jetivo a conseguir. Ele não está acorde com
no curso dos acontecimentos. A lei deveria a idéia de racionalidade típica de nosso tem-
ser expressão da vontade popular expres- po: com a chamada razão instrumental,
sada por seus representantes, não é menos funcional, sistemática, operacional, etc., que
certo que, através da mediatização do Par- desconhece uma ordem racional objetiva e
lamento, era também expressão da para a qual não há mais que racionalidade
racionalidade; não se tratava de substituir subjetiva. Conforme a ela, é racional aquele
um decisionismo por outro, o tel est notre que, dada uma relação mais ou menos com-
plaiser do rei pelo representante do povo, plexa entre fins e meios, serve para lograr
senão que partindo do princípio de que “da um objetivo, de modo que a razão não é uma
discussão sai a luz”, acreditava-se que da ordem substancial, senão um mecanismo
composição honesta de vontades e critérios funcional, um procedimento cujo valor, no
na discussão parlamentária surgia a melhor dos casos, se mede por sua funcio-
racionalidade da lei. Tal idéia tem como su- nalidade, ou seja, por sua soma positiva para
posto uma crença herdada da ilustração, a o mantenimento de um sistema hic et nunc.
saber, a idéia de que existe uma racionalidade Porém, sistema no sentido que atualmente
objetiva que encerra tanto um logos (umas tem o conceito nas chamadas ciências soci-
relações necessárias entre as coisas) como ais não pode constituir um critério certo e
um nome (cuja expressão é o estado natu- permanente de racionalidade, pois não é algo
ral), que existe uma ordem objetiva imanente permanentemente dado, sendo construído,
à realidade obtida ao entendimento, seja reproduzido ou transformado pela ação con-
partindo de alguns princípios seguidos de um tínua, de tal maneira que, o mais que se pode
discurso lógico, seja mediante um processo afirmar é que, na situação S, tal medida con-
de análise e de síntese. A discussão tribuirá para seu mantenimento, porém na
parlamentária é o procedimento adequado situação S¹, pode contribuir para seu blo-
para descobrir a racionalidade objetiva em queio, de modo que haverá que anular a
sua dimensão normativa, do mesmo modo medida anterior ou, o que é mais freqüente,
que o é a livre concorrência no mercado para tomar uma contramedida. Por outra parte,
proporcionar uma racionalidade econômica ao estender-se ao âmbito do Estado, e sen-
objetiva. Partindo desses pressupostos, a lei, do o Direito um método capital da ação des-
genérica e abstrata, como é a razão, cria ela te, nos encontramos: 1) com que a legisla-
mesma uma racionalidade objetiva, uma or- ção já não gira só em torno de valores jurídi-
dem racional ao que devem adaptar-se e ao cos, nem segue só uma dialética jurídica,
que podem reduzir-se as condutas e os acon- senão que pode converter-se em instrumento
tecimentos. A lei formal aprovada pelo Par- auxiliar para a realização de outros valores
lamento é completada com as normas e adaptar-se à dialética destes; 2) a lei pas-
regulamentárias para sua aplicação emitidas sa a ser assim um instrumento para a exe-
pela administração, seja em virtude de seu cução de decisões de distintas espécies, pelo
próprio poder, seja por autorização do Par- que se compreende que algumas perspecti-
lamento. vas politológicas ignorem completamente o
Tais pressupostos deixaram de ter Direito para considerar como conceito cen-
vigência. Quando o Estado utiliza a legislação, tral do Estado, o do sistema político de decisão;

REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 31


3) a legislação tem forçosamente que au- com contornos claros e distintos, o princípio
mentar tanto em quantidade como em di- da reserva legal em um estado de perma-
versificação, de maneira que poderíamos nentes intervenções no processo econômi-
imaginar uma situação limite na qual a acu- co e social. Tendo em conta todas essas mo-
mulação de atos de racionalidade jurídica ins- dificações da estrutura normativa, podemos
trumental, destruiria a própria razão jurídi- chegar à conclusão que o Estado Social de
ca, ou seja, a certeza proporcionada pela or- Direito significa um Estado sujeito à lei legi-
dem jurídica. timamente estabelecida conforme o texto e
Em todo caso, na legislação aprova- a práxis constitucionais, com indiferença de
da pelo parlamento, encontramos uma diver- seu caráter formal ou material, abstrato ou
sificação de formas devidas, em parte, à concreto, constitutivo ou ativo, a qual, em
quantidade mesma de legislação (já que todo todo caso não pode colidir com os preceitos
aumento quantitativo que não queira termi- sociais estabelecidos pela constituição ou re-
nar em caos produz por si mesmo a diferen- conhecidos pela práxis constitucional como
ciação), ao caráter instru- normatização de uns valores por e para os
mental da lei, à impossibili- quais se constitui o Estado
dade de entrar em especi- Social e fundamenta sua le-
ficações técnicas na neces- galidade.
sidade de adaptação às cir- 8 O CONTROLE DA
cunstâncias cambiantes; e, LEGALIDADE E DA
“...Estado Social de
assim, junto às formas clás- CONSTITUCIONALIDADE
sicas de lei proliferam outros Direito significa um O Estado de Direito
tipos de leis, como as leis me- Estado sujeito à lei inclui o controle da legalida-
didas, as leis quadro legitimamente de dos atos do Estado pelos
(declaratórias de princípios), Tribunais ordinários ou ad-
a maioria das prescrições le- estabelecida conforme ministrativos. Ao controle
gais que afeta o cotidiano da o texto e a práxis da legalidade e da cons-
vida e as condições de exis- constitucionais.” titucionalidade, são incluídos
tência do homem de nosso por alguns Estados, a
tempo, não foram aprovadas constitucionalidade das
pelo parlamento, senão leis por órgãos judiciários.
estabelecidas pelo governo, Em um Estado material de
a administração direta ou a Direito, tal controle não
corporação de direito públi- pode limitar-se à pura di-
co, seja em virtude do exercício do poder mensão formal, incidindo também no exa-
regulamentador, seja por autorização me dos valores materiais estabelecidos pela
legislativa, seja para complementar as lacu- Constituição, sem necessidade de que estes
nas da lei quadro e cumprir os objetivos das se expressem no detalhe de um preceito,
leis programáticas, etc.. Formalmente, qui- senão que podem ser determinados através
çá tudo possa reduzir-se a uma decisão do de uma interpretação do sentido total da
parlamento mais ou menos vaga ou precisa, Constituição.
expressa ou latente. Porém, mais além de Em um Estado no qual a vida cotidia-
todo formalismo, sabemos que os regulamen- na do homem está submetida à intervenção
tos podem desviar o sentido da lei ou blo- ou ao trâmite administrativo, os Tribunais não
quear sua aplicação, que em uma lei quadro bastam para a proteção dos direitos e inte-
o programa é muito difícil de determinar se resses dos cidadãos, sendo criado e esten-
a legislação governamental é adequada às dido para distintos países e com distintas mo-
premissas ou aos objetivos estabelecidos em dalidades e âmbitos de ação, a figura do
dita lei; sabemos que é muito difícil manter, Ombusdman, isto é, de um cargo cujo titular

32 REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO


é designado pelo parlamento em uma pes- técnicas?; como determinar, em uma pala-
soa imparcial e cuja função é defender o vra, se uma norma é funcional ou não funci-
público contra arbitrariedades administrati- onal, sendo que a funcionalidade é sua ratio
vas ou a má administração e dotado de po- essendi? Pois se são normas para um obje-
der para investigar, criticar e publicar, po- tivo definido, é claro que devem entrar no
rém sem faculdades para anular a ação ad- âmbito de seu controle, o problema de se
ministrativa. são realmente adequadas para conseguir o
Todavia, restam por resolver muitos objetivo em questão. O poder já não benefi-
problemas. Desde seus começos, e muito cia, nem ameniza ao cidadão tão somente
singularmente desde BODINO10, o Estado com os meios tradicionais, senão também
tem sido pensado e construído como uma mediante políticas econômicas e sociais er-
instituição iuscêntrica e seria razoável con- rôneas ou certeiras, ou sob o suposto de co-
siderar o passo do Estado absolutista ao li- nexões técnicas. Estes e outros problemas
beral como um aperfeiçoamento do análogos rebaixam as possibilidades do con-
iuscentrismo: em realidade, não significa trole judicial por muitos que
outra coisa o Estado de Di- podem ou queiram estender
reito. Atualmente, o Estado
o âmbito de sua competên-
deixou de centrar-se única ou
cia e a flexibilização dos
preponderantemente no direi-
“Atualmente, o Estado métodos interpretativos.
to, nem este é seu único meio
de ação, senão tão só um dos deixou de centrar-se única Sua solução radica em al-
instrumentos de gestão, e a guns sistemas de controle
ou preponderantemente no
justiça distributiva material de muito mais complexos que
direito...” incluem não só órgãos es-
outro, devendo atualizar-se
mediante a eficácia das polí- tatais, mas também para
ticas e das prestações esta- “...devendo atualizar-se estatais ou sociais, mais
tais. Por conseguinte, o con- captáveis intelectualmente
mediante a eficácia das pela projeção sobre o tema
trole da legalidade não é hoje
mais que uma dimensão do políticas e das prestações de modelos estrutural-
controle da ação estatal. Por estatais.” funcionalistas, sistêmicos
outra parte, houve também ou cibernéticos, que pelas
uma troca na concepção categorias jurídicas tradici-
mesma do ius que, como onais.
antes havíamos dito, não se 9 CONCLUSÃO
sustenta ou não só se sustenta em uma O Estado, deixando de lado o viés do
racionalidade objetiva, nem se limita a criar liberalismo clássico, passou a interferir nas
através da lei, uma ordem para a ação, se-
relações econômicas e sociais, objetivando,
não que se mostra como um modo de apli-
fundamentalmente a implantação de uma
cação da razão instrumental ou técnica. Ele
maior igualdade material entre os homens.
coloca novos problemas no tocante ao con-
Abandonando a política abstencionista, o
trole da legalidade, pois, como determinar
Estado passou a atuar positivamente com o
se uma legislação subordinada de caráter
escopo de assegurar a justiça social entre
técnico cumpre com os objetivos da lei bási-
os homens, garantindo-lhes o direito ao tra-
ca da que é especificação?; como determi-
nar se uma intervenção na propriedade ou na balho, à previdência, à educação e à saúde,
liberdade não está justificada pelas exigências dentre outros direitos sociais. Para tanto,

10
BODINO, Jean. Les Six Libres de la Republique apud GARCIA-PELAYO, M. Garcia, As transformações do Estado
contemporâneo. Ob. cit., p. 83

REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 33


foram instituídos serviços públicos e engen- ao conjunto da população, direitos econômi-
drada uma política fiscal que desse suporte cos e sociais básicos, sem os quais o indiví-
aos gastos do Estado, de tal sorte que todos duo não tem condições de desenvolver a ple-
pudessem contribuir, através da tributação nitude de suas potencialidades.
para a correção das injustiças sociais. Após a Segunda Guerra Mundial, o
O escritor brasileiro PAULO Estado Social fincou bases nos países com-
BONAVIDES11 nos oferece uma síntese ponentes do bloco ocidental. A proteção so-
do que seja Estado Social, “Quando o Esta- cial cresceu nos países desenvolvidos da Eu-
do, coagido pela pressão das massas, pelas ropa e América do Norte. Em países em de-
reivindicações que a impaciência do quarto senvolvimento, ainda é incipiente a atuação
estado faz ao poder político, confere, no do Estado no campo social, em que pesem
Estado constitucional ou fora deste, os di- os esforços dos últimos tempos, principal-
reitos do trabalho, da previdência, da edu- mente em decorrência das cláusulas sociais
cação, intervém na economia como distri- inseridas nas Constituições e que embora
buidor, dita o salário, manipula a moeda, re- muitos conservadores aventam em querer
gula os preços, combate o desemprego, pro- derrubá-las em face dos ventos neoliberais
tege os enfermos, dá aos trabalhadores e ao que sopram pelos rincões do planeta.
burocrata a casa própria, controla as profis-
sões, compra a produção, financia as expor-
BIBLIOGRAFIA
tações, concede crédito, institui comissões
de abastecimento, provê necessidades indi-
viduais, enfrenta crises econômicas, coloca BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal
na sociedade todas as classes na mais es- ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 6ª
treita dependência de seu poderio econômi- ed., 1996.
co, político e social, em suma, estende sua EWART BOULDING, Kenneth. O signifi-
influência a quase todos os domínios que cado do século XX. Rio de Janeiro: Fundo
dantes pertenciam, em grande parte, à área de Cultura, 1966.
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peração das contradições históricas deriva- 1934.URL: www.mindef.gov.br
das do liberalismo clássico, que apenas ga-
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nentes das classes dominantes da socieda- Social. Madrid: Aguilar, 1974
de, e não se preocupavam com as questões KAMMLER, Jorg. Funções de Governo,
sociais e o pauperismo da população. Não Introdução à ciência política. Barcelona,
suprimiu, ao contrário do que aconteceu nos Espanha: Anagrama,1971
chamados Estados socialistas do já derru- KEYNES, John Maynard. Breve Tratado
bado bloco soviético, as liberdades funda- Sobre a Reforma Monetária. México:
mentais do indivíduo. Ao contrário, buscou Fondo, 1992.
garanti-las de maneira efetiva ao estender

11
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Malheiros, 6ª ed., São Paulo, 1996, p. 186.

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REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO 35

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