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A PEDAGOGIA MUSICAL SEGUNDO CARL ORFF

Tradução da ficha prática de trabalho La rythmique Jaques –Dalcroze


elaborada por Musique et Culture , Strasbourg- França

1. Carl Orff e sua obra (1895-1982)

Carl ORFF nasceu em Munique em 1895.

Compositor e homem de teatro, fortemente influenciado pelo caráter


mágico, ritual, encantatório das músicas ditas primitivas e pela riqueza das
músicas arcaicas de grandes civilizações.

A obra prima de seu repetório é um grande tríptico cênico integrado por


três Cantatas: Carmina Burana, Catulli Carmina e O Triunfo de Afrodite.

Em 1924, em Munique, Carl ORFF e Dorothea GUNTHER fundaram uma


Escola de Dança, Movimento e Música. Pouco depois, juntou-se a eles Maja LEX,
bailarina e musicista, e Gunhild KEETMAN, que – tornando-se a principal
colaboradora de Carl ORFF – teve papel primordial no desenvolvimento do
SCHULWERK (Schulwerk significa literalmente obra escolar, mas está
empregada aqui no sentido de atelier – matéria e atividade – de música
elementar, cf. ítem 3.).

Durante a guerra de 1939-1945, a escola foi fechada e os trabalhos de C.


ORFF e KEETMAN foram interrompidos.

Em 1948, um programa escolar em uma rádio Bávara foi proposto à


ORFF e KEETMAN que aproveitaram da ocasião para por em prática uma
pedagogia a partir da música elementar. Estes programas tiveram grande
repercussão tanto na Alemanha como no exterior. Depois, uma série de
coletâneas foram publicadas para mostrar o que havia sido possível efetuar com
as crianças ao longo dos programas; mas o material editado foi editado apenas
a título de exemplo, sugerindo outras possibilidades.

2. A Pedagogia Ativa

Mais artista do que pedagogo, ORFF afirmou “(...) meu Schulwerk não
constitui absolutamente o resultado de planos pré-concebidos, mas é no
conjunto fruto da aplicação adequada das idéias dominantes nos anos vinte”

Efetivamente, desde o início do século, e mesmo antes, os pedagogos


(tais como DECROLY, MONTESSORI , FREINET...) interessaram-se pelas
possibilidades de uma educação ativa. Mas o que é uma educação ativa, o que
se entende por método ativo ou pedagogia ativa?

Primeiramente, a palavra “ativa” significa ato e não agitação, ato ou


movimento adaptado a uma finalidade fundada sobre um interesse.

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A primeira característica das pedagogias ativas é o respeito pela
criança. Cada criança tem sua própria natureza, seu próprio potencial, suas
próprias atitudes, sua própria identidade cultural. O educador, sem idéias pré-
concebidas sobre o nível de normas úteis, deve seguir com cada criança, ao
ritmo de seu crescimento, de seu desenvolvimento físico, psíquico e intelectual,
individual e único. O papel do educador não é reprimir mas cooperar.

A segunda característica das pedagogias ativas é que a criança não


deve receber os conhecimentos todos preparados de fora, mas deve
tomar uma iniciativa essencial à sua aprendizagem. Aprendizagem não é
sinônimo de acumulação de conhecimentos, mas de experiências. Trata-se para
o educador de educar a criança e não de ensinar, com o objetivo não de saber
mas de ser . Enfim, saibamos que deixar à criança uma iniciativa essencial à
sua aprendizagem não significa jamais deixá-la fazer qualquer coisa. O laisser
faire (deixar fazer – espontaneismo) total é tão prejudicial quanto o dirigismo
magistral. O educador deve ter um objetivo de ensino estruturado e graduado,
uma finalidade coerente de formação musical.

No que concerne às artes, a pedagogia tradicional “só consegue visualizar


na pedagogia artística o valor intelectual”, a pedagogia ativa consegue também
ver “o gesto artístico enquanto valor fundamental ” (Maneveau). Foi
guiado por este espírito que trabalharam ou trabalham na pedagogia musical
DALCROZE e WILLEMS na Suissa, KODALY na Hungria, MARTENOT na França e
ORFF na Alemanha... Para eles, uma educação musical ativa “não pode mais
formar servidores da música. A música não é uma deusa a servir...A finalidade
está no homem e não na sua utilização” (Maneveau). A pedagogia de C. ORFF
repousa sobre o conjunto desses elementos.

3. Pedagogia Orff: Música elementar

Carl Orff propõe levar todo mundo à música, não somente a aprender
música, mas permitir a todo mundo “fazer música” como meio de expressão.
Que cada criança possa expandir-se vivamente, explorando, desenvolvendo sua
musicalidade, e se comunicando através dela.

Esta música “para si e feita por si próprio”, na qual “o fato de participar é


mais importante que o resultado”, ficará constantemente ligada à idéia de
“música elementar” (M. Blackburn).

Mas o que é a música elementar? Carl ORFF responde:” a palavra, em


sua forma latina , significa pertencente aos elementos, primordial, original,
rudimentar, tratando dos primeiros princípios...a música elementar nunca é
música só, mas forma uma unidade com o movimento, a dança e a linguagem.
É a música da qual participamos não mais como ouvinte, mas como executante.
Ela não emprega grandes formas, nem grandes estruturas arquiteturais, não é
sofisticada, utiliza formas em sequências curtas, ostinatos, rondós. A música
elementar é próxima da terra, natural, física, se situa nos limites da
aprendizagem e da experiência de cada um e diz respeito à criança.” (traduzido
e citado por Grenier)

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Haverá sempre então, na pedagogia ORFF, unidade, globalidade na
abordagem e depois o estudo dos elementos fundamentais da música que a
criança viverá na globalidade das atividades musicais, através dos meios de
expressão musical; elementos, atividades e meios de expressão sendo
interdependentes.

Para que a música seja acessível a todos, elementar, a linguagem e o


material musical deverão se fazer em harmonia com o desenvolvimento
biológico da criança. Não queimemos etapas, pois o problema da criança não é
saber música, mas primeiramente fazê-la, vivê-la e viver com ela.

A aprendizagem musical se fará de certa forma em paralelo com o


desenvolvimento histórico da música. No início de sua utilização, a criança terá,
portanto essencialmente um contato pessoal e ativo com o material sonoro e
fará suas próprias experiências. Depois pouco a pouco ouvirá, imitará,
memorizará, se apropriará e manipulará um vocabulário musical, feito de
células depois de frases rítmicas, melódicas, originadas das parlendas,
pequenas fórmulas, canções e rondas infantis, verdadeiros tesouros populares,
que pertencem ao próprio mundo verbal, musical e corporal da criança. Esse
repertório aumentará abrindo-se também à música clássica ocidental, às
músicas contemporâneas, ao folclore de todos os países... pois somente através
de um vocabulário musical cada vez mais vasto a arte poderá se renovar e se
desenvolver.

A . Os elementos fundamentais da música

Cada elemento da música será vivido e depois estudado segundo uma


verdadeira ontogênese. (Ontogênese = estudo das transformações sucessivas
pelas quais passa o indivíduo em seu desenvolvimento)

 O RITMO

O ritmo é o único elemento essencial e comum a todas as músicas e expressões


musicais mais espontâneas da criança. É, portanto pelo ritmo, na sua forma
elementar, que deve começar a educação musical:

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 canon rítmico
 poliritmia: sobreposição de ritmos diferentes
 ritmos aleatórios
 etc...

 A MELODIA

A ontogênese da melodia será vivida em uma progressão de canções infantis,


desde as células melódicas mais simples, “a 3ª do cuco”, formada de dois sons
passando por células de 3 sons, 4 sons, que nos conduzem às
escalas pentatônicas de 5 sons: patamar

importante, antes de passar à hexatônica de 6 sons e à escala diatônica maior

de 7 sons:

Descoberta
 Dos modos (jônio, dórico, frígio, lídio, mixolídio, eólio)
 Das escalas de compositores modernos, tais como DEBUSSY , BARTOK...
 Das escalas de outras culturas
 De melodias aleatórias...

 A HARMONIA

A harmonia será vivida e depois estudada de três maneiras diferentes:

1. Harmonia como acompanhamento: sua ontogênese segue a ontogênese da


melodia:
 acompanhamento de
notas pedal, o mais
elementar, pois é feito de
uma só nota, a tônica:

 acompanhamento de bordão, feito


de um bicorde de dois sons: a tônica
e a dominante. O acompanhamento
de bordão é possível para todas as
células melódicas, escalas
pentatônicas compreendidas:

 depois, pouco a pouco, iniciação e estudo da harmonia clássica.

2. A parafonia e a polifonia, empregadas essencialmente como


acompanhamento “de cor” (timbre).
3. A harmonia pura, sucessão de acordes, sem voz dominante, sem melodia, e
enfim, a harmonia aleatória.

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 TIMBRE

É de certa forma a cor do som e o complemento de todos os outros elementos


 timbre da voz falada ou cantada
 percussão corporal
 instrumental Orff e instrumentos de todo tipo

 A FORMA

Ela constitui a arquitetura de uma obra musical. Ontogênese da forma:


 uma só frase A
 alternância de duas frases: ABA, AABA, ABABA (rondó simples)
 sucessão ou alternância de mais de duas frases: ABC, ABACA...(Rondó
encadeado), ABACABA (Rondó simétrico)
 transformação, por ex.: tema e variações
 adição: canon (a mais elementar) e introdução sucessiva de vozes
diferentes

B. As atividades musicais

 A AUDIÇÃO ATIVA
 escuta dos sons ambientes, naturais ou artificiais
 escuta de ruídos produzidos intencionalmente
 escuta do som em todos os seus parâmetros:
a) localização espacial: de onde vem o som?
b) Duração: ritmo
c) Altura: melodia
d) Alturas sobrepostas: parafonia ou harmonia
e) Intensidade: forte ou suave
f) Timbre: quem, o que produz o som?
g) Forma: qual é a estrutura da obra ouvida?
h) Cor: a que gênero de música o que estamos ouvindo pertence?

A audição permite o reconhecimento, assimilação, apropriação e depois a


reexpressão do material (ruído ou música) ouvido; e na reexpressão, na
assimilação, existe já interpretação.

 A INTERPRETAÇÃO: é exprimir, ou seja, explicar um material sonoro ouvido.


Mas esse material é forçosamente transformado, ainda que pouco, pelo
executante que é único: existe já, portanto, improvisação.

 A IMPROVISAÇÃO é uma criação do momento (não escrita), criação ao


mesmo tempo que execução, feita do vocabulário do executante.
Contrariamente à audição, e à interpretação, que se ligam ambas a criações
do passado, a improvisação é uma criação em processo.

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C. Os meios de expressão musical

 A VOZ, o mais formidável instrumento ou meio de expressão do ser


humano:
 Ruídos
 Voz falada: onomatopéias, parlendas, advinhas, textos, poemas,
histórias, lendas...
 Voz cantada: sentido do fraseado, da respiração; duos, trios, corais...

 O MOVIMENTO e o ritmo são indissociáveis:


 Tomada de consciência do corpo e do espaço: motricidade, reflexos,
coordenação de gestos
 Mímica, danças, expressão corporal
 Arte dramática.

 OS INSTRUMENTOS respondem à uma necessidade imperiosa da criança. Em


sua expressão musical, todas as etnias utilizam instrumentos:
 Voz
 Percussão corporal
 Instrumental Orff. O instrumental de Carl Orff é um conjunto de
instrumentos simples, elementares, mas de qualidade, inspirados de
autênticos instrumentos da Idade Média e da Renascença e de
instrumentos folclóricos do mundo inteiro, que complementam esses
instrumentos primordiais que são a voz e a percussão corporal.

Carl Orff considera seu instrumental primeiramente como “um campo de


experimentações”, antes de ser uma orquestra.

Enfim, o instrumental responde à necessidade que a criança tem não somente


de tocar um instrumento (de acordo com seu nível de estudos, suas
possibilidades, os instrumentos são utilizados primeiramente para pesquisas de
“cor” antes de serem progressivamente utilizados com sua técnica adequada),
mas também de participar em uma música de conjunto, de uma expressão em
grupo (de fato, psicólogos como H. Wallon e J. Piaget ressaltaram nos jogos de
expressão a necessidade da presença do outro, participante ou espectador). A
este instrumental podem se juntar quaisquer outros instrumentos – objetos
sonoros, instrumentos clássicos, folclóricos, populares...

Para concluir, é possível dizer que graças à pedagogia Orff, a criança, ao mesmo
tempo cantora, dançarina, mímica, instrumentista atriz...pode viver a música,
atividade artística em todas as sua modalidades criativas.

ONDE E COMO SE DIFUNDE A PEDAGOGIA ORFF?

Atualmente, a pedagogia “Orff” difundiu-se no mundo inteiro. Ela dispõe de um


centro internacional de encontros e formação:

Instituto ORFF de SALZBURG.


ORFF SCHULWERK ZENTRUM SALZBURG
Frohnburgweg 55
A 5020 Salzburg Austria

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Na FRANÇA, a pedagogia ORFF foi introduzida por Aline PENDLETON e Jos
WUYTACK. Compositor e pedagogo belga, professor da Universidade de
Louvain, Jos Wuytack anima numerosos estágios em vários lugares do mundo,
em francês, inglês e espanhol.

A formação pedagógica segundo o espírito de C. Orff pode ser estudada na


França através dos cinco estágios organizados por MUSIQUE ET CULTURE.
Informações C.E.N.A . M. 51, Rue Vivienne - 75002 PARIS (é necessário
verificar a atualidade desse último tópico.)

Anne Marie GROSSER


Presidente da Associação dos animadores Orff
da região perisiense.

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