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Capítulo 4

Asma Aguda –
Avaliação e Tratamento

Gustavo Falbo Wandalsen


Maria das Graças Nascimento e Silva
Dirceu Solé

■ Introdução No atendimento da exacerbação atual, é importante


interrogar sobre a duração e a intensidade dos sintomas
A asma é uma das principais doenças crônicas da in- de tosse, dispnéia, sibilância e aperto no peito, fatores
fância e suas exacerbações representam uma das princi- desencadeantes e/ou precipitantes da crise (infecções
pais causas de procura a serviços de emergência pediá- respiratórias, exposição a alérgenos ou poluentes), sinto-
trica. A despeito do surgimento de potentes fármacos mas sugestivos de processos infecciosos (principalmente
antiinflamatórios de controle, as taxas de mortalidade de vias aéreas), uso prévio de medicação de resgate, ho-
por asma, em crianças e adolescentes, aumentaram nas rário da última medicação e medicações de uso crônico.
últimas décadas e a asma ainda representa uma das prin- Em relação à história pregressa, é importante ques-
cipais causas de internação no Sistema Único de Saú- tionar sobre a data do último episódio agudo, sua fre-
de1,2. Esses dados evidenciam que o manejo eficaz da qüência (principalmente no último ano) e a de visitas a
asma no longo prazo ainda permanece como um desa- serviços de urgência, necessidade prévia de internação
fio de saúde pública. hospitalar, internação em unidade de terapia intensiva,
A crise aguda de asma representa a exacerbação de além de história de entubação e de ventilação mecânica.
um processo patológico crônico que pode e deve ser De modo geral, crises mais prolongadas, manutenção
tratado, e é possível interpretá-la como resultado da fal- de sintomas apesar do correto tratamento domiciliar da
ta de tratamento médico adequado. Infelizmente, os crise, uso crônico de medicação antiinflamatória para
serviços de urgência ainda permanecem como princi- asma, histórico de visitas freqüentes a serviços de urgên-
pal, se não único, local de atendimento médico de gran- cia ou internações e problemas psicológicos ou psiquiátri-
de parcela de asmáticos, e o tratamento da crise aguda cos são fatores que indicam maior dificuldade para con-
de asma ainda é excessivamente centralizado nesses ser- trole da crise e necessidade de tratamento mais agressivo.
viços, mesmo nos casos leves, que, na maioria das vezes,
poderiam ser tratados no próprio domicílio do pacien-
te, por familiares bem orientados. Exame físico
O exame físico tem papel fundamental na confirma-
■ Diagnóstico ção diagnóstica e na determinação da gravidade das crises
Anamnese de asma. A anamnese, apesar de sua importância, baseia-
se nas impressões subjetivas das crianças e/ou de seus fa-
A anamnese bem feita, ainda que sucinta e objetiva, miliares, que, muitas vezes, não são capazes de estimar
auxilia na avaliação adequada da gravidade da crise e adequadamente a intensidade e a gravidade dos sintomas.
pode indicar pacientes que necessitam de tratamento Não há nenhum sinal clínico capaz de isoladamente
mais agressivo, bem como de maior atenção por parte predizer a gravidade da crise de asma3. O exame físico
do médico. Em casos de insuficiência respiratória agu- deve incluir, além da avaliação torácica, a avaliação do
da, os primeiros cuidados devem ser prontamente esta- estado geral da criança, do seu nível de consciência, das
belecidos e a anamnese pode ser realizada enquanto a vias aéreas superiores e a mensuração dos sinais vitais.
criança recebe o tratamento inicial. Basicamente, deve- Crianças em bom estado geral, com expressão tran-
se questionar dados relativos à crise atual e à história qüila e confortável, são muito menos propensas a apre-
pregressa da doença. sentar crise grave do que crianças ansiosas, irrequietas
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ou agitadas. Cianose, dificuldade de fala, rebaixamento Medições da função pulmonar indicam de forma
do nível de consciência, bradicardia e ausência de mur- objetiva o grau de obstrução brônquica e devem ser
múrio vesicular à ausculta são sinais de falência respira- empregadas sempre que possível. Entretanto, elas são
tória iminente e indicam necessidade de atuação ime- difíceis de serem realizadas em crianças menores de 6
diata. anos de idade e em crianças em crise grave. Apesar de a
Os sinais vitais devem ser sempre registrados e con- espirometria ser o teste mais recomendado e aplicado
frontados com valores de normalidade para a idade (Ta- na avaliação da asma crônica, é raramente disponível
bela 4.1). A avaliação do pulso paradoxal é valorizada em serviços de urgência.
por muitos autores, mas essa medida se mostra difícil na O volume expiratório forçado no 1º segundo
prática clínica, principalmente em crianças pequenas. (VEF1) é o parâmetro mais útil na avaliação da crise
Taquipnéia, retrações e sibilos expiratórios são observa- aguda de asma. Valores de VEF1 acima de 80% do pre-
dos em grande parte das crianças em crise aguda. visto para idade e sexo são considerados normais, en-
quanto que valores entre 60 e 80% indicam obstrução
leve; entre 41 e 59%, obstrução moderada; e valores
iguais ou inferiores a 40%, obstrução grave6.
Tabela 4.1 Valores de normalidade de sinais vitais em Na prática, o teste de função pulmonar mais empre-
crianças gado na avaliação da crise aguda é a mensuração do pico
de fluxo expiratório (PFE). Essa medida, apesar de me-
Freqüência Freqüência Pressão
nos sensível que a espirometria, apresenta boa correlação
respiratória cardíaca arterial
Idade (movimentos/min) (batimentos/min) sistólica (mmHg)
com o VEF1, custo muito menor e é mais fácil de ser rea-
lizada. Idealmente, os valores de PFE devem ser compa-
Até 2 meses < 60 < 160 60 a 105 rados com os melhores valores pessoais e, quando da au-
3 a 11 meses < 50 < 140 70 a 110 sência desses, com valores previstos para sexo e estatura7.
Os exames de função pulmonar devem ser interpre-
1 a 4 anos < 40 < 120 75 a 105
tados com cuidado em crianças não habituadas a esses
5 a 8 anos < 25 < 110 85 a 115 testes, já que dependem de técnica e esforço adequados.
9 a 12 anos < 20 < 100 88 a 125 A mensuração do PFE, mesmo sendo mais fácil de ser
realizada que a espirometria, não é adequadamente fei-
> 12 anos < 15 < 100 95 a 135
ta por parcela significativa dos asmáticos em exacerba-
ção aguda8.
Os principais parâmetros empregados na classifica-
ção da crise aguda de asma estão expostos na Tabela 4.2.
Retração supraclavicular e contração dos músculos Vários escores clínicos foram desenvolvidos visan-
esternomastóideos são sinais clínicos que se associam a do otimizar a avaliação clínica da crise aguda de asma,
um maior grau de obstrução brônquica3. Os sibilos classificar sua gravidade, prognosticar seu curso e quan-
usualmente são difusos e expiratórios, tornando-se ins- tificar a resposta ao tratamento9. Entre eles, o escore de
piratórios e expiratórios em graus mais intensos de obs- Wood-Downes, exibido na Tabela 4.3, permanece como
trução brônquica. As retrações subcostal e abdominal um dos mais úteis e práticos10.
também são freqüentes. Por esse critério, crianças com nota clínica igual ou
As infecções virais são responsáveis por mais de inferior a 2 são consideradas em crise leve, crianças com
70% das crises de asma de crianças e adolescentes. Des- notas 3 ou 4, em crise moderada, e crianças com nota 5
sa forma, a avaliação das vias aéreas superiores (ouvi- ou mais, em crise grave. Notas de 7 ou mais indicam fa-
dos, garganta e nariz) deve fazer parte do exame físico. lência respiratória.
Inúmeros estudos clínicos já foram realizados ten-
tando buscar marcadores para identificar precocemen-
Classificação da gravidade
te pacientes com crises de difícil controle e com neces-
A avaliação da saturação de oxigênio (SaO2) pela sidade de internação hospitalar. Entretanto, há
oximetria de pulso deve ser realizada sempre que possí- evidências claras de que o melhor momento para se rea-
vel. Essa medida contribui de forma objetiva na deter- lizar essa avaliação é 1 ou 2 horas após administração da
minação da gravidade da crise de asma e já demonstrou terapêutica inicial11,12.
ter boa correlação com valores de função pulmonar e A morte por exacerbação aguda de asma é situação
níveis de PaO2.4 Em avaliação cega, realizada em pron- rara. No entanto, algumas características podem facili-
to-socorro, Manecker et al. demonstraram que o exame tar a identificação dos pacientes com risco de óbito por
físico, isoladamente, é pouco sensível na detecção de asma, entre os quais se destacam:
crianças com hipoxemia5. ● passado de asma quase fatal que necessitou de entuba-
De modo geral, considera-se que valores de SaO2 ção e ventilação mecânica;
abaixo de 92% são indicativos de crise mais grave, so- ● hospitalizações por asma aguda no último ano;
bretudo após inalação com agente beta-2-agonista de ● uso contínuo de corticosteróides orais com interrupção
curta ação. recente;
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Tabela 4.2 Parâmetros clínicos e laboratoriais empregados na classificação da crise aguda de asma2

Leve/moderada Grave Muito grave

Consciência Normal Normal ou excitado Agitado, confuso, sonolento


Dispnéia Ausente ou leve Moderada: frases Grave: frases curtas ou monossilábicas,
incompletas, choro curto dificuldade para se alimentar
Freqüência respiratória Normal ou aumentada Aumentada Aumentada
Musculatura Retração intercostal Retrações acentuadas (subcostais Retrações acentuadas ou em declínio
acessória leve ou ausente e/ou esternocleidomastóideas)
Ausculta Sibilos localizados ou difusos Sibilos localizados ou difusos Murmúrio ausente, pouca entrada de ar
PFE (% previsto) > 50% 30 a 50% < 30%
SaO2 > 95% 91 a 95% ≤ 90%
PaO2 (ar ambiente) Normal Próximo a 60 mmHg < 60 mmHg

PaCO2 < 40 mmHg < 40 mmHg > 45 mmHg

Tabela 4.3 Escore de Wood-Downes10


Radiografias de tórax não estão indicadas de forma
rotineira e devem ser requisitadas apenas naqueles ca-
0 1 2 sos em que, apesar de tratamento medicamentoso apro-
priado, a resposta não está sendo satisfatória, ou na sus-
Murmúrio Normal Desigual Diminuído
vesicular
peita de aspiração de corpo estranho, pneumonia,
pneumotórax ou pneumomediastino13. O hemograma
Uso de Pouco ou Moderado Intenso pode contribuir nos casos em que há febre e suspeita de
musculatura nenhum
acessória
infecção concomitante. É importante lembrar que a
grande maioria das crises agudas de asma cursa com in-
Sibilos Poucos/ Moderados Intensos ou fecções virais e que o uso de corticosteróides pode in-
expiratórios (in e expiratórios) ausentes
duzir neutrofilia.
Avaliação Normal Euforia ou Coma Em casos de hospitalização, tratamento por perío-
neurológica depressão do prolongado, uso de doses altas de agente beta-2-ago-
Cianose ou Não Presente Presente nista e em cardiopatas, deve-se monitorar os níveis sé-
PO2 70 a 100 (ar ambiente) (FiO2 40%) ricos dos eletrólitos.
(ar ambiente) ≤ 70 (ar ambiente) ≤ 70 (FiO2 40%)

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico de crise aguda de asma em crianças
ou adolescentes com relato de diversas crises anteriores
é relativamente fácil de ser feito e poucos diagnósticos
● uso irregular de corticosteróides inalados; diferenciais devem ser descartados.
● dependência de agentes beta-2-agonistas de curta dura- O diagnóstico é mais difícil de ser estabelecido em
ção, especialmente os que usam mais de 1 aerossol do- casos de 1ª crise de obstrução brônquica e em lactentes.
simetrado em 1 mês; Nesses, bronquiolite e crises de sibilância desencadea-
● história de doença psiquiátrica ou problemas psicológi- dos por infecções virais são as causas mais comuns de
cos incluindo o uso de sedativos; obstrução brônquica, podendo ser diferenciados das
● história de não-adesão aos planos de tratamento médi- crises de asma pela história típica, pela resposta ausen-
co orientados. te ou reduzida a broncodilatadores e pela ausência dos
fatores de risco associados à asma14.
Exames complementares A aspiração de corpo estranho é muito mais freqüen-
te até os 3 anos de idade e, geralmente, apresenta-se com
Poucos exames complementares são necessários na quadro de dispnéia e sibilos de início súbito, após engas-
avaliação da crise aguda de asma. A gasometria arterial go ou crise de tosse. Muitas vezes, está associada a estridor
deve ser solicitada apenas em crises graves, sem respos- e insuficiência respiratória, com sibilos localizados e hipe-
ta adequada à terapêutica inicial e que mantenham bai- rinsuflação unilateral. Há casos, entretanto, em que não
xa SaO2. Crises leves ou moderadas cursam com taquip- há história nem achados clínicos sugestivos e que são tra-
néia e conseqüente alcalose respiratória. Crises com tados como asmáticos de difícil controle, resistentes ao
obstrução brônquica mais grave levam à retenção de tratamento usual. O diagnóstico definitivo e a remoção
CO2 mesmo na presença de taquipnéia. do corpo estranho são realizados durante broncoscopia.
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A disfunção de cordas vocais consiste na sua adução ■ Tratamento


paradoxal levando à obstrução alta das vias aéreas, que
é possível ocorrer tanto em asmáticos quanto em não- O tratamento da crise aguda de asma deve ser nor-
asmáticos. O quadro clínico pode ser muito semelhante teado para o controle das 3 principais alterações fisiopa-
ao da asma aguda, com taquipnéia e sibilos, sendo raro tológicas encontradas: hipoxemia, obstrução brônquica
o achado de hipoxemia e cianose. A presença de obstru- e inflamação. Também, tem de ser iniciado o mais pre-
ção de padrão extratorácico na espirometria sugere o cocemente possível, visando prevenir ou minorar a fase
diagnóstico, que é comprovado pela laringoscopia, feita tardia da resposta inflamatória.
em vigência dos sintomas. Após a avaliação inicial da criança, o tratamento
Crianças e adolescentes com insuficiência cardíaca deve ser introduzido conforme a gravidade do quadro,
congestiva ou malformações vasculares geralmente e precisa ser reavaliado periodicamente. Na Figura 4.1,
apresentam história e/ou achados de exame físico su- está exposto IV Diretrizes Brasileiras no Manejo da
gestivos. Má-resposta ao tratamento preconizado para Asma2.
asma e alterações na radiografia de tórax também po- Entre os principais erros no manejo da crise aguda
dem corroborar a suspeita clínica. de asma, destacam-se:

• O2 se SaO2 ≤ 95%
• β2-agonista a cada 20 minutos, até 1 hora (3 doses)
• Corticosteróide (IV ou VO) caso o paciente seja córtico-dependente
ou se não responder ao β2-agonista

Boa resposta Resposta parcial Má resposta


• PFE > 70% • PFE entre 40 e 70% • PFE < 40%
• ↓FR e FC; sibilos raros ou ausentes; • ↑FR e FC; sibilos e dispnéia moderados; • ↑FR e ↓FC; entrada de ar; uso acentuado
sem uso de musculatura acessória uso de musculatura acessória de musculatura acessória; dispnéia intensa
• SaO2 > 95% em ar • SaO2 entre 91 e 95% em ar • SaO2 < 91 % em ar

Aumentar intervalos de β2-agonista Manter ou adicionar corticosteróide oral


a cada 2 horas e manter β2-agonista a cada 20 minutos

Observação mínima de 1 hora Reavaliar a gravidade em 1 hora

Estável Instável Boa resposta Má resposta


• PFE > 70% • PFE < 70% • PFE > 70% • PFE < 40%
• SaO2 > 95% e outros • SaO2 < 95% e outros • SaO2 > 95% e outros • SaO2 < 91% e outros
parâmetros melhorando parâmetros sem melhora parâmetros melhorando parâmetros sem melhora

Alta domiciliar com orientação Resposta incompleta Hospitalização


• PFE entre 40 e 70%
• SaO2 entre 91 e 95% e outros
parâmetros melhorando

Continuar tratamento. Considerar


hospitalização se não houver melhora

Figura 4.1 Algoritmo para o tratamento da crise de asma em serviço de urgência.


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● avaliação incorreta da gravidade da crise, sem a identi- tamol ou equivalente) por aerossol dosimetrado ou ina-
ficação de pacientes de risco; lador de pó], se necessário. Em casos em que se verifi-
● uso da aminofilina como principal droga no tratamento; que boa resposta, esses medicamentos devem ser espa-
● uso de beta-2-agonistas em subdoses ou com grande in- çados para cada 2 a 6 horas.
tervalo entre as doses; Nos casos com resposta má ou incompleta, deve-se
● retardo na administração de corticosteróide sistêmico manter a administração a cada 20 minutos e adicionar
ou não-indicação da sua administração; outras drogas (consenso). Os beta-2-agonistas são par-
● uso de sedativos e hiper-hidratação; cialmente seletivos para os receptores brônquicos, e ta-
● liberação precoce para o domicílio; quicardia, palidez e tremores são freqüentemente obser-
● falta de orientação sobre o tratamento domiciliar e si- vados com o uso de doses repetidas.
nais de piora; Recentemente, alguns estudos têm proposto o uso
● administração indiscriminada de antibióticos. do formoterol, beta-2-agonista de longa ação, no trata-
mento da crise aguda, principalmente em exacerbações
Suplementação de oxigênio leves16,17. No momento, entretanto, são poucas as evi-
dências que justificam o uso dessa droga em crises mo-
A hipoxemia pode aparecer precocemente na crise deradas ou graves.
aguda de asma, secundária a distúrbio de ventilação- A adrenalina por via subcutânea foi considerada,
perfusão, muitas vezes agravada pela administração de por muitos anos, o tratamento de eleição da crise agu-
broncodilatadores. A avaliação da SaO2 tem de ser rea- da de asma, mas atualmente está relevada a segundo
lizada em todo paciente que apresente algum sinal de plano por não apresentar efeito broncodilatador supe-
gravidade, não havendo consenso, porém, sobre o pon- rior ao dos agentes beta-2-agonistas e pela elevada
to de corte ideal indicativo de suplementação de oxigê- ocorrência de eventos adversos decorrentes de seu efei-
nio. De modo geral, recomenda-se manter saturação to não-seletivo alfa e beta-agonista. Permanece como
acima de 90%, com cuidados adicionais em cardiopa- opção válida em casos graves (0,01 mg/kg até 0,3 mg) e
tas. A suplementação de oxigênio pode ser feita por câ- naqueles em que, por algum motivo, houver contra-in-
nula nasal, máscara ou balão de oxigênio, preferindo-se dicação do uso dos beta-2-agonistas.
oxigênio umidificado e aquecido13,14. A associação de brometo de ipratrópio, agente anti-
colinérgico, aos beta-2-agonistas pode induzir broncodi-
Broncodilatadores latação superior à dos beta-2-agonistas isolados em asmá-
ticos e, dessa forma, constitui alternativa no tratamento
Os agentes beta-2-agonistas de curta duração são os da crise aguda. Esse fármaco atua bloqueando receptores
fármacos de escolha no tratamento da broncoconstri- de acetilcolina na junção neuromuscular da musculatura
ção aguda, sendo o fenoterol, o salbutamol e a terbuta- brônquica, e reduz, assim, o tônus colinérgico intrínseco
lina as drogas mais empregadas. Sua potente ação bron- das vias aéreas. Possui início lento de ação e efeito máxi-
codilatadora ocorre após ligação aos betarreceptores da mo em 30 a 60 minutos após sua administração. Seu uso
musculatura lisa bronquial, mediada pela ativação da de forma isolada não é recomendado e há consenso de
adenilciclase e pelo aumento da produção intracelular de que deve ser empregado em crianças e adolescentes em
AMP-cíclico. Possuem rápido início de ação, em poucos crises graves (125 a 250 mcg/dose, 10 a 20 gotas)2,18.
minutos, pico de ação ao redor de 15 a 30 minutos e du- As xantinas (aminofilina e teofilina) não são habi-
ração entre 4 e 6 horas. tualmente utilizadas no tratamento da crise aguda de
A via inalatória é a preferida no tratamento da cri- asma. Essas drogas não apresentam efeito broncodilata-
se aguda, não havendo diferenças significativas entre dor superior ao dos beta-2-agonistas e seus elevados e
nebulização e administração de aerossol dosimetrado perigosos efeitos adversos limitam seu uso. As xantinas
com espaçador, mesmo em pacientes com crise grave. possuem margem terapêutica estreita e metabolismo afe-
Quando os medicamentos são administrados por nebu- tado por diferentes fatores, devendo ser administradas,
lização, a máscara facial deve permanecer ajustada à preferencialmente, em infusão contínua e com controle
face da criança, pois a deposição pulmonar da medica- de níveis séricos. Problemas gastrintestinais, cefaléia, hi-
ção diminui significativamente quando a máscara é potensão, arritmias, convulsões e encefalopatia tóxica são
afastada alguns centímetros. Os inaladores de pó devem exemplos de seus eventos adversos mais comuns.
ser reservados aos pacientes familiarizados com o seu
uso e, apesar de sua praticidade, são de difícil adminis- Corticosteróides
tração em parte das crianças com crise mais grave.
A via oral deve ser evitada pela necessidade de ad- A necessidade de uso de corticosteróide sistêmico
ministração de doses maiores da medicação, absorção deve ser avaliada para todo paciente que se apresente
variável da droga, maior freqüência de efeitos adversos em crise aguda de asma em serviço de urgência. A infla-
e maior tempo para início de ação15. mação é uma das principais causas da limitação ao flu-
Inicialmente, na 1ª hora, pode-se administrar agen- xo aéreo na asma e os corticosteróides são as principais
tes beta-2-agonistas a cada 20 minutos [0,1 mg/kg/dose drogas antiinflamatórias disponíveis, além de se terem
até 5 mg/dose por nebulização ou 200 mcg/dose (salbu- demonstrado capazes de reduzir a gravidade dos sinto-
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mas e a necessidade de hospitalização. Devem ser em- efeitos adversos incluem náuseas, hipotensão, bradicar-
pregados precocemente na crise, já que demoram algu- dia e fraqueza muscular.
mas horas para iniciar sua ação. Heliox, mistura de oxigênio e hélio, consiste em um
A via oral é a mais recomendada, já que não há di- possível tratamento adjuvante da crise aguda grave. O
ferença clínica significativa em relação à via intraveno- hélio é um gás inerte, porém, misturado ao oxigênio,
sa, reservada a crianças com dispnéia acentuada, recusa apresenta densidade menor que a do ar, diminuindo o
a ingesta de medicação oral ou com vômitos19. Pretere- turbilhonamento nas vias aéreas e facilitando a oxige-
se a via subcutânea por ser muito dolorosa e pela possi- nação na via aérea distal. Já foram demonstradas me-
bilidade de necrose local. lhora na função pulmonar e diminuição do tempo de
Corticosteróides de meia-vida intermediária devem tratamento em serviço de emergência e da necessidade
ser preferidos pela menor indução de efeitos colaterais, de hospitalização com o uso desse gás26.
sendo a prednisona e a prednisolona (1 a 2 mg/kg/dia, Para ser efetivo, ele é empregado na razão de 70:30
máximo 60 mg) os mais utilizados por via oral, e a hi- ou 80:20 de hélio e oxigênio, respectivamente. Pode ser
drocortisona e a metilprednisolona (1 a 2 mg/kg de ata- utilizado para nebulizar agentes beta-2-agonistas ou
que e mantida a cada 6 horas, se necessário) por via in- de forma contínua. O heliox, entretanto, não é dispo-
travenosa. Doses superiores às recomendadas não nível na grande maioria dos serviços de emergência, e
adicionam melhora clínica adicional, mas, sim, efeitos recente metánalise concluiu que, apesar de promissor,
colaterais20. Após o controle do quadro agudo, os corti- ainda não há evidências suficientes para seu uso de for-
costeróides orais devem ser mantidos por um curto pe- ma rotineira27.
ríodo, geralmente entre 5 a 7 dias. A quetamina é um agente anestésico capaz de pro-
Segundo alguns estudos, o uso de altas doses de duzir anestesia, sedação e amnésia, sem depressão respi-
corticosteróides inalados, como droga adicional aos ratória. Pode ser empregada na crise de asma por indu-
beta-2-agonistas, mostrou-se eficaz no tratamento de zir potente broncodilatação, secundária a liberação de
crianças em crise aguda de asma, com efeitos semelhan- catecolaminas, relaxamento direto da musculatura lisa e
tes aos dos corticosteróides orais21,22. Outros autores inibição do tônus vagal28. Alguns estudos demonstra-
encontraram que o uso de corticosteróides inalados, em ram que o seu uso não produz efeito adicional ao da te-
adição aos sistêmicos, diminui o tempo de hospitaliza- rapia usual em pacientes com crises moderadas e gra-
ção e acelera a melhora clínica23. Esses achados, porém, ves28,29. Entretanto, pode ser considerada uma boa
carecem de evidências adicionais e o papel desses fár- alternativa nos casos em que haja necessidade de seda-
macos no tratamento da crise aguda ainda não é bem ção para entubação e ventilação mecânica.
definido24. O montelucaste, antagonista de receptor de leucotrie-
no, utilizado no tratamento crônico da asma, já foi avalia-
Outras drogas do como coadjuvante no tratamento agudo da asma. Há
estudos em adultos mostrando resultados promissores,
A utilização endovenosa de sulfato de magnésio em tanto por via endovenosa quanto por via oral30,31.
pacientes graves já foi avaliada por uma série de estudos
clínicos. O mecanismo de ação do magnésio ainda não Manejo do paciente grave
é totalmente compreendido, mas acredita-se que atue
modulando os canais de cálcio, e diminuindo a contra- Crianças francamente dispnéicas têm de ser manti-
ção muscular, com conseqüente broncodilatação. Pare- das em jejum até que haja melhora clínica. Pacientes
ce agir, também, inibindo a degranulação de mastócitos graves ou que permaneçam em observação por longo
e a liberação de acetilcolina. período precisam receber hidratação venosa, que deve
Recente metanálise encontrou 5 estudos clínicos, visar a manutenção da hidratação basal; a expansão vo-
randômicos e controlados com placebo sobre o uso do lêmica deve ser feita com cautela, apenas em casos de
sulfato de magnésio na faixa etária pediátrica25. Quatro desidratação, visto que a hiper-hidratação pode ocasio-
concluíram que a droga é eficaz quando utilizada junto nar edema pulmonar e piora clínica.
com o agente beta-2-agonista inalado e o corticosterói- O metabolismo do potássio é alterado na crise agu-
de sistêmico, enquanto 1 deles concluiu o contrário. Na da de asma e pacientes graves, com exacerbações pro-
análise conjunta dos dados, o uso de sulfato de magné- longadas, podem apresentar baixas concentrações séri-
sio em crises moderadas e graves reduziu a necessidade cas. O monitoramento freqüente deve ser feito e se
de hospitalização, melhorou a função pulmonar e o es- necessária a reposição endovenosa é indicada.
core de sintomas25. Casos muito graves, que não respondam adequada-
Apesar de ser uma droga muito promissora, o exato mente à terapia usual, devem receber continuamente
papel do sulfato de magnésio no esquema terapêutico da beta-2-agonista endovenoso. Esses pacientes apresen-
crise aguda de asma ainda não está definido e há necessi- tam iminência de falência respiratória e precisam ser
dade de estudos adicionais. Ele é utilizado principalmen- adequadamente monitorados pela real possibilidade de
te em casos graves, quando do fracasso do tratamento necessitarem de entubação e ventilação mecânica.
usual, em infusão contínua de 50 a 75 mg/kg (dose má- Especula-se que o fracasso da terapia com agente
xima de 2 a 3 g), administrados em 20 a 30 minutos. Seus beta-2-agonista inalado, em crises graves de asma, ocor-
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ra em razão da impossibilidade de a droga alcançar a via serviços de urgência. Toda criança e todo adolescente
aérea distal, pela acentuada obstrução brônquica, oca- asmáticos devem receber acompanhamento médico,
sionada por broncoespasmo e por rolhas de muco. O seja por parte do pediatra, seja pelo especialista. Alguns
uso endovenoso dessa droga, então, resolveria o proble- consensos sugerem que o paciente tem de retornar ao
ma e induziria melhora clínica. médico que o acompanha entre 3 a 5 dias após a procu-
Apesar de recomendado em diversos consensos in- ra pelo serviço de urgência, para a reavaliação da crise e
ternacionais, ainda são poucas as evidências que de- o ajuste do tratamento.
monstram, em crianças, maior efetividade do uso endo-
venoso de beta-2-agonista em relação ao tratamento ■ Resumo
usual32. A administração de beta-2-agonista endoveno-
so deve ser realizada, preferencialmente, em unidade de A avaliação do paciente em exacerbação aguda de
terapia intensiva. asma deve ser rápida e objetiva. O uso de escores clíni-
A terbutalina e o salbutamol são as drogas mais es- cos e a mensuração da SaO2 são altamente recomenda-
tudadas para uso endovenoso. A dose preconizada de dos. Atenção especial deve ser dada a pacientes com co-
terbutalina é de 2 a 10 mcg/kg em bolo, seguida de infu- nhecidos fatores de risco e de gravidade.
são contínua de 0,08 a 0,4 mcg/kg/min. Os efeitos cola- O tratamento com administração seqüencial de
terais são mais comuns que os observados pela via inala- agente beta-2-agonista, por via inalatória, deve ser
tória e incluem tremores, cefaléia, vômitos, taquicardia, prontamente estabelecido, assim como o tratamento
hipotensão e arritmias33. A freqüência cardíaca e a pres- com corticosteróide sistêmico, quando necessário. A su-
são arterial precisam ser monitoradas cuidadosamente plementação de oxigênio é recomendada para pacientes
em pacientes que recebam essas drogas. Costumam ser com hipoxemia. Casos mais graves, que não respondam
aceitos valores de até 200 batimentos cardíacos por mi- ao tratamento inicial, devem permanecer em observa-
nuto em crianças menores de 12 anos, e de 160 a 180 em ção. Na Figura 4.1, há um fluxograma com as recomen-
crianças maiores. dações gerais do tratamento.
A entubação e a ventilação mecânica devem ser evi- Após a melhora do quadro agudo, os asmáticos de-
tadas sempre que possível, já que são procedimentos vem receber recomendações sobre como prosseguir o
considerados de risco, com mortalidade relativamente tratamento em casa e orientações sobre sinais de alerta.
alta. Apnéia, coma e falência respiratória são indicações O esquema de tratamento crônico da asma tem de ser
absolutas de entubação e ventilação mecânica, enquanto revisto ou iniciado.
que hipoxemia acentuada (SaO2 < 80 a 85%) em vigên-
cia de suplementação de O2, hipercapnéia com acidose
respiratória, exaustão, incapacidade de falar e alterações
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Capítulo 5

Asma na Intercrise – Aspectos Diagnósticos,


Classificação e Tratamento de Manutenção

Antonio Carlos Pastorino


Ângela Bueno Ferraz Fomin

prevalência6. Na Fase III deste mesmo estudo no Brasil


■ Introdução desenvolvido entre 2002 e 2003, pesquisadores
A asma permanece como uma das doenças crônicas brasileiros encontraram prevalências médias de asma no
mais freqüentes e cuja prevalência apresentou acentua- último ano de 24,3% entre escolares de 6 a 7 anos e de
do aumento nos últimos anos em todo o mundo, espe- 19% entre adolescentes de 13 a 14 anos7.
cialmente na faixa etária pediátrica.
Com base no estudo ISAAC (International Study of ■ Definição
Asthma and Allergies in Childhood), a ocorrência de
sintomas de asma tem variado entre 0 e 30% em várias A asma pode ser definida como uma doença infla-
regiões do mundo1, sendo constatado maior número de matória crônica das vias aéreas, em que estão envolvi-
casos na Austrália, na Nova Zelândia e na Inglaterra. das muitas células e elementos celulares. A inflamação
Nos Estados Unidos os últimos dados de prevalência crônica provoca aumento na hiper-responsividade das
de asma estimam que 22 milhões de pessoas sejam afe- vias aéreas, acarretando episódios recorrentes de sibi-
tadas, sendo 6 milhões de crianças. O número de óbitos lância, falta de ar, opressão torácica e tosse, particular-
nos EUA vem diminuindo apesar do aumento do número mente à noite ou no começo da manhã.
de asmáticos, mas as taxas de hospitalização têm per- Esses episódios estão associados à obstrução das
manecido estáveis na última década, com as maiores taxas vias aéreas e, em geral, são espontaneamente reversíveis
entre as crianças de 0 a 4 anos de idade2. ou a partir de tratamento1.
O número de óbitos nos Estados Unidos também
elevou-se gradualmente nesse mesmo período, mas da- ■ Diagnóstico
dos recentes apontam para uma tendência de queda nas
taxas de mortalidade entre 1996 e 1999 e estabilização História
na tendência do crescimento dessa doença entre 1995
(5,5%) e 1996 (5,4%)3-5. O diagnóstico de asma é essencialmente clínico.
Os dados obtidos pelo Sistema de Informações Episódios de falta de ar, chiado e sensação de aperto no
Hospitalares do SUS (DATA-SUS) apontam que 17,7% peito são os sintomas mais comuns e o seu aparecimen-
de todas as internações por causas respiratórias são de- to apresenta uma variabilidade temporal dependente da
vidas à asma. Por outro lado ocorreu uma ligeira queda idade, da gravidade e do tratamento em uso. A história
no número de internações por ano decorrentes de asma de atopia familiar e/ou pessoal, como dermatite atópica
no Brasil entre 2004 (329.182 casos) e 2006 (272.712 ca- e rinite alérgica, auxilia no diagnóstico de asma.
sos) com cerca de 50% das internações em menores de Algumas perguntas-chave foram propostas pelos
10 anos. Quanto às taxas de mortalidade por asma, os consensos mundial e brasileiro de asma1,8 e devem ser
dados apontam média de 0,24% de óbitos entre 2003 e consideradas para o diagnóstico. São elas:
2005 somando-se todas as faixas etárias6.
Dados da doença no Brasil, utilizando o estudo ● Alguma vez o paciente teve crises recorrentes de asma?
ISAAC entre escolares de 6 a 7 anos e 13 a 14 anos, mos- ● Alguma vez o paciente apresentou tosse à noite?
traram grandes variações regionais, mas com porcenta- ● Alguma vez o paciente apresentou tosse ou chiado após
gens atingindo valores comparáveis aos de países de alta praticar exercício físico?
550 T R ATA D O D E P E D I AT R I A ■ SEÇÃO 10 A L E R G I A / I M U N O LO G I A

● Alguma vez o paciente apresentou chiado, tosse ou aperto As curvas de padronização utilizam valores segun-
no peito após a exposição a alérgenos ambientais (poeira, do a idade, o sexo e a altura do paciente. Crianças pré-
fungos, animais domésticos) ou poluentes? escolares apresentam dificuldade de realização desse
● Alguma vez o paciente apresentou “gripe que atinge os exame por falta de coordenação.
pulmões” que demorasse mais de 10 dias para melhorar? São sugestivos de limitação ao fluxo de ar e asma os
● Os sintomas do paciente melhoram com medicamentos seguintes valores encontrados na espirometria e apre-
para a asma? sentados nas IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da
Asma8:
Exame físico
● a redução do VEF1 inferior a 80% do previsto na expi-
Assim como os sintomas clínicos, o exame físico ração forçada, com valores de VEF1/CVF inferiores a 75
pode apresentar-se com as mais variadas formas, inclu- e 86% em adultos e nas crianças, respectivamente;
sive com a normalidade. O sibilo é o achado mais co- ● obstrução do fluxo aéreo que melhora após o uso de
mum na ausculta pulmonar, mas em pacientes em broncodilatadores, com valores maiores que 7% para
broncoespasmo a ausculta pode ser normal apesar da VEF1 em relação ao previsto e 200 mL em valor abso-
diminuição do fluxo respiratório. luto. A ausência de resposta ao broncodilatador em um
A crise de asma caracteriza-se quando o paciente teste isolado não descarta a possibilidade de asma;
apresenta mais sintomas clínicos como dispnéia, falta ● aumentos de VEF1 espontâneos ou após uso de cor-
de ar e chiado. Além do estreitamento das vias aéreas, há ticóides orais (30 a 40 mg/dia, por 2 semanas) de 20%
um aumento na produção de secreção de muco local excedendo 250 mL em valores absolutos;
que acarreta uma hiperinsuflação pulmonar, na tentati- ● VEF1 maiores ou iguais a 80% são considerados nor-
va de manter as vias aéreas abertas. mais, entre 60 e 80% como obstrução leve, entre 40 e
Ao mesmo tempo, o paciente faz uso da musculatu- 60% moderada e abaixo de 40% como obstrução grave
ra acessória torácica, o que se expressa pela retração de ao fluxo aéreo.
fúrcula e retrações intercostais, entre outras, passíveis
de visualização ao exame físico. Nas crises muito graves, Espirometrias com VEF1 menores do que 80% já
o desconforto respiratório torna-se evidente e, muitas classificam o paciente fora de tratamento como asma
vezes, está associado a cianose, dificuldade para falar e persistente, pelo menos de moderada gravidade. A es-
taquicardia. pirometria deve ser realizada em intervalos regulares
para monitorar as variações na função pulmonar do pa-
Medidas da função pulmonar ciente asmático, decorrente do tratamento ou da
própria evolução da doença.
Muitos pacientes portadores de asma geralmente
não reconhecem a presença e a gravidade da sua doença, Pico do fluxo expiratório (PFE)
exigindo que os profissionais de saúde estejam atentos
para seu reconhecimento. A maneira mais adequada de A monitoração da asma com medidas de pico de
diagnosticar a limitação do fluxo respiratório e a sua re- fluxo expiratório tem se tornado cada vez mais útil, pois
versibilidade com o uso de broncodilatadores é a realiza- são dispositivos portáteis, relativamente baratos, per-
ção das medidas de função pulmonar. A hiper-responsi- mitindo que o próprio paciente controle sua asma. As
vidade pulmonar pode ser identificada indiretamente IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma8 têm
pelas medidas de função pulmonar, especialmente recomendado a utilização da variação diurna do PFE
quando são utilizados os testes de provocação com me- como indicativo de obstrução variável das vias aéreas e
tacolina ou histamina. de asma nas seguintes condições:
A medida do pico de fluxo expiratório (PFE) tam-
bém pode ser usada para avaliar a presença da asma e a ● diferença percentual média entre as três maiores medi-
eficácia do tratamento. A espirometria e o PFE são uti- das de PFE efetuadas pela manhã e à noite com varia-
lizados para o diagnóstico, a classificação e a monitora- ções maiores que 20% em, pelo menos, 2 ou 3 semanas;
ção da enfermidade. ● aumento de PFE de pelo menos 15%, após o uso de
broncodilatadores de curta duração ou curso oral de
Espirometria corticosteróide.

A espirometria é o exame padrão-ouro de medida É importante notar que as medidas de PFE nem
da função pulmonar, mas, para tanto, é preciso seguir as sempre se correlacionam com as medidas de função
recomendações e padronizações existentes. É um exame pulmonar na asma, sendo necessária a realização de ou-
reproduzível apesar de depender do esforço e da cola- tras medidas para avaliar a gravidade da doença. O ideal
boração do paciente e, por isso, geralmente são realiza- é conhecer a melhor medida de PFE do próprio pacien-
das pelo menos 3 curvas, sendo considerada como re- te, que deve ser orientado para perceber precocemente
sultado final a melhor curva. a deterioração dos seus sintomas.
A S M A N A I N T E R C R I S E – A S P E C TO S D I AG N Ó S T I CO S , C L A S S I F I C A Ç Ã O E T R ATA M E N TO D E M A N U T E N Ç Ã O 551

Medida da hiper-responsividade pulmonar aéreo. Nos consensos atuais, a classificação utilizada ba-
seia-se na gravidade, considerando-se os sintomas, as
Nos casos em que os pacientes apresentam sinto- doses de uso de broncodilatador de curta duração e o
mas consistentes de asma, mas com função pulmonar comprometimento da função pulmonar. Estudos têm
normal e ausência de reversibilidade com o uso de demonstrado que a gravidade baseada nos sintomas
broncodilatadores, o diagnóstico de asma ainda pode está correlacionada com os índices anatomopatológicos
ser feito por meio da medida da hiper-responsividade inflamatórios nas vias aéreas.
das vias aéreas. O grau de limitação do fluxo aéreo e sua variabili-
A hiper-responsividade pode ser medida utilizan- dade permitem dividir a gravidade da asma em 4 cate-
do-se testes de provocação com metacolina, histamina gorias: intermitente, persistente leve, persistente mode-
ou exercícios físicos. Essas medidas são sensíveis para o rada e persistente grave. Essa divisão é importante nas
diagnóstico de asma, porém têm baixa especificidade, decisões sobre o tratamento inicial do paciente, porque,
ou seja, testes negativos são úteis para excluir o diagnós- quanto mais grave se apresenta a asma, maior deve ser
tico de asma, mas um teste positivo não significa neces- o arsenal terapêutico utilizado para o seu controle.
sariamente que o paciente tem asma. A classificação da gravidade da asma utilizada nas
Pacientes com rinite alérgica, fibrose cística, bron- IV Diretrizes Brasileiras no Manejo da Asma e no
quiectasias e doença pulmonar obstrutiva crônica po- GINA1,8 está baseada no quadro clínico do paciente
dem apresentar hiper-responsividade pulmonar. antes do início do tratamento (Tabela 5.1).
O controle do paciente deverá ser avaliado a cada
Medidas da inflamação das vias aéreas nova consulta e pelo menos após 3 meses da ma-
nutenção do regime terapêutico inicial. A cada 3 meses e
A avaliação da inflamação das vias aéreas pode ser de acordo com o nível de controle, o tratamento poderá
realizada examinando-se a presença de eosinófilos e ser ampliado, mantido ou até mesmo reduzido (Tabelas
células metacromáticas no escarro induzido após ne- 5.2 e 5.3).
bulização com solução salina hipertônica. Em adição, É importante ressaltar que mesmo o paciente classi-
níveis de óxido nítrico ou monóxido de carbono exa- ficado como leve pode apresentar exacerbações ou crises
lado têm sido considerados como marcadores infla- de asma grave. Se essas crises não forem reconhecidas e
matórios na asma, porém, essas medidas ainda não tratadas adequadamente, as exacerbações podem ser fa-
são utilizadas para seguimento clínico dos pacientes tais. Dados de literatura têm identificado como fatores
asmáticos. de risco para a mortalidade por asma: crise anterior de
asma com risco de vida, hospitalizações no último ano,
Medidas do estado alérgico problemas psicossociais, entubações decorrentes da
asma, redução ou retirada da corticoterapia e a não-ade-
O diagnóstico de alergia pode ser suspeitado desde são ao tratamento recomendado.
a anamnese com a presença de antecedentes familiares
e pessoais de alergia e confirmado com a determinação
da IgE específica tanto por provas in vivo (testes cutâ- ■ Tratamento de Manutenção
neos) quanto in vitro (dosagem sérica de IgE).
Os testes cutâneos representam a principal ferra- Princípios gerais
menta para avaliar o estado alérgico: são rápidos, relati- O conhecimento adquirido sobre os mecanismos
vamente baratos e podem ser feitos ambulatorialmente. envolvidos na inflamação crônica alérgica e o arsenal
Devem ser realizados por um profissional treinado, terapêutico que surgiu a partir dele têm como objetivo
pois, além de apresentarem riscos de reações adversas principal o adequado controle da asma, controle que
graves, podem induzir a resultados falso-negativos ou deve, entre outros pontos:
falso-positivos se não forem adequadamente feitos ou
se forem usados extratos não-padronizados. ● prevenir ou eliminar sintomas crônicos, inclusive sinto-
A medida da IgE sérica é mais onerosa e pode ser mas noturnos;
realizada em pacientes impossibilitados de fazer os tes- ● prevenir crises e reduzir ao mínimo as visitas a pronto-
tes cutâneos ou como complementação desses testes. socorros;
Os alérgenos mais importantes no Brasil são os ina- ● reduzir ou eliminar o uso de beta-2-agonistas;
lantes, destacando-se os ácaros das espécies Der- ● manter atividades físicas e exercícios sem limitação;
matophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis, além das ● manter o PFE com variação menor do que 20%;
baratas, epitélios de animais (cão e gato) e, em algumas ● reduzir ou evitar efeitos colaterais das medicações.
regiões mais ao sul do Brasil, dos polens8.
O adequado tratamento da asma depende de ava-
■ Classificação liação individualizada e regular do paciente e do meio
ambiente onde ele vive. Vários parâmetros devem ser
A asma pode ser classificada com base na sua etio- observados durante as consultas para saber se o contro-
logia, na gravidade ou no padrão de limitação do fluxo le da asma foi obtido; entre eles, destacam-se:
552 T R ATA D O D E P E D I AT R I A ■ SEÇÃO 10 A L E R G I A / I M U N O LO G I A

Tabela 5.1 Classificação da gravidade da asma*

Parâmetro Intermitente Persistente leve Persistente moderada Persistente grave

Sintomas Raros Semanais Diários Diários ou contínuos

Limitação de atividades Nenhuma Presente nas crises Presente nas crises Contínua
**
Crises Raras Afetam atividades e o sono Afetam atividades e o sono Freqüentes
***
Despertares noturnos Raros Mensais Semanais Quase diários

Broncodilatador para alívio Raro Eventual Diário Diário

PFE ou VEF1 ≥ 80% do previsto ≥ 80% do previsto 60 a 80% do previsto ≤ 60% do previsto

Variação VEF1 ou PFE < 20% < 20 a 30% > 30% > 30%

Fonte: baseada no GINA1 e IV Diretrizes Brasileiras para Manejo da Asma8.


* Classificar os pacientes sempre pela manifestação de maior gravidade.
** Crises infreqüentes, mas que coloquem a vida em risco, devem ser classificadas como persistentes moderadas.
*** Despertar noturno com chiado ou tosse é um sintoma grave.
PFE = pico de fluxo expiratório; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo.

Tabela 5.2 Níveis de controle do paciente com asma1,8

Parâmetro Controlado Parcialmente controlado Não-controlado


(pelo menos 1 em qualquer semana)

Sintomas diurnos Nenhum ou mínimos 2 ou mais/semana 3 ou mais parâmetros presentes em


qualquer semana

Despertares noturnos Nenhum Pelo menos 1

Necessidade de Nenhuma 2 ou mais/semana


medicamentos de resgate

Limitação de atividades Nenhuma Presente em qualquer momento

PFE ou VEF1 Normal ou próximo do < 80% do previsto ou do melhor individual,


normal se conhecido

Exacerbação Nenhuma 1 ou mais por ano 1 em qualquer semana

● sintomas diários, incluindo sintomas noturnos;


Tabela 5.3. Esquema de tratamento baseado no estado de
controle1,8
● manutenção da atividade física;
● presença de crises;
Estado de controle Conduta ● absenteísmo à escola e ao trabalho;
● necessidade de medicação de resgate: broncodilatador
Controlado Manter o paciente na mais baixa etapa
de controle de curta duração;
● avaliação pela prova de função pulmonar ou pico de
Parcialmente controlado Considerar aumento na etapa de
fluxo expiratório.
controle

Não-controlado Aumentar a etapa até a obtenção Esses parâmetros fazem parte da classificação da
do controle asma fora do tratamento de manutenção, que deve ser
Exacerbação Condutas apropriadas para a sempre revista a cada consulta e, uma vez não se obser-
ocorrência vando controle, servirá para modificar a terapêutica de
manutenção em uso.
A S M A N A I N T E R C R I S E – A S P E C TO S D I AG N Ó S T I CO S , C L A S S I F I C A Ç Ã O E T R ATA M E N TO D E M A N U T E N Ç Ã O 553

Mais recentemente têm sido introduzidos testes de de AD acoplados a aerocâmaras com máscara facial ou
controle da asma com poucas perguntas objetivas feitas peça bucal ou IP.
aos pacientes, especialmente nos maiores de 12 anos, A função das aerocâmaras é eliminar a necessidade
com o objetivo de auxiliar o médico e o próprio doente de coordenação entre o disparo do AD e a inalação do ae-
no reconhecimento do controle de sua asma. Um dos rossol, que pode ser difícil para a maioria dos pacientes e
questionários mais utilizados é o Asthma Controle Test requer constante treinamento. Outras vantagens das ae-
– ACT desenvolvido por Nathan et al. em 2004. Contém rocâmaras são: reduzir os efeitos adversos locais e sistê-
cinco questões com pontuação de um a cinco conforme micos dos medicamentos pela redução da dose, que pode
o melhor controle, sendo considerados controlados os permanecer na orofaringe; reduzir o gosto ruim na boca
pacientes com pontuação maior ou igual a 20 (máximo e o efeito freon frio que, muitas vezes, desencadeia tosse.
de 25 pontos) e descontrolados os pacientes com pontu- A maior indicação do uso de NJ continua sendo
ação menor ou igual a 15 pontos9. para pacientes que não conseguem usar corretamente
Os medicamentos para asma visam à prevenção AD e IP, dificuldade que é bem contornada pela utiliza-
ou à reversão dos sintomas ou da obstrução e podem ção das aerocâmaras. Os nebulizadores ultra-sônicos
ser divididos em medicações de manutenção ou de usuais geram partículas de tamanho altamente variável
alívio, administradas por diferentes vias. A via inalada e não devem ser usados quando da administração de
permanece a mais eficiente por veicular as medicações suspensão de budesonida.
diretamente nas vias aéreas, atingindo-se altas con- A classificação da gravidade da asma tem baseado a
centrações locais com mínimos efeitos adversos sistê- escolha do tratamento de manutenção, que deve per-
micos. manecer por pelo menos 3 meses, quando uma nova
A escolha do melhor dispositivo de administração reavaliação clínica poderá indicar uma redução das do-
da medicação utilizada para asma é de extrema impor- ses utilizadas ou até mesmo aumento ou modificação
tância e depende, muitas vezes, da cooperação dos pa- do esquema terapêutico, se não foi conseguido o con-
cientes e de seus familiares, devendo ser observadas al- trole dos sintomas.
gumas características apresentadas na Tabela 5.4. Os consensos atuais têm procurado obter o contro-
le rápido dos sintomas com a melhor dose para aquela
classificação e, a partir dessa dose, proceder a reduções
gradativas até a dose com a qual ainda se consiga con-
Tabela 5.4 Escolha dos dispositivos para administração de trole clínico com mínimos efeitos colaterais8.
medicações inalatórios em crianças, conforme a idade1
O consenso mundial para Asma (Global Initiative
Faixa etária Dispositivo de Alternativa for Asthma – GINA1) define como asma controlada
preferência (Tabela 5.2) quando o paciente encontra-se com:
Menores de 4 anos Aerossol dosimetrado Nebulizador
associado a aero- de jato
● nenhum sintoma diurno (2 ou menos/semana);
câmaras com máscara com máscara facial
● nenhuma limitação de atividades diárias, incluindo
facial exercícios;
● nenhum sintoma noturno ou despertar devido a asma;
Entre 4 e 6 anos Aerossol dosimetrado Nebulizador
associado a aero-câmaras de jato
● nenhum uso de medicação de resgate (2 ou menos/se-
com peça bucal com peça bucal mana);
● função pulmonar normal ou quase normal;
Maiores de 6 anos Inaladores de pó seco Nebulizador de jato ● nenhuma exacerbação.
ou aerossol dosimetrado com peça
com espaçador e bucal
peça bucal A asma na criança maior do que 5 anos e em adul-
tos apresenta os mesmos mecanismos fisiopatológicos.
Entretanto, o seu tratamento na criança apresenta algu-
mas particularidades decorrentes do crescimento e do
desenvolvimento físico e cognitivo, dos efeitos e das rea-
Existem 4 classes de dispositivos inalatórios: ções adversas aos medicamentos.
Muitas medicações, entre elas corticosteróides,
● aerossol dosimetrado (AD): inaladores pressurizados beta-2-agonistas e teofilina, são metabolizadas mais ra-
com doses medidas (sprays ou “bombinhas”), com ou pidamente em crianças do que em adultos e com maior
sem aerocâmaras acopladas; rapidez entre as crianças menores, se comparadas aos
● inaladores de pó (IP); escolares.
● nebulizadores de jato (NJ);
● nebulizadores ultra-sônicos (NU). Farmacoterapia
A preferência de cada tipo de dispositivo dependerá Os consensos para o diagnóstico e o tratamento da
da idade e da própria medicação a ser utilizada, mas asma vêm sendo publicados há mais de 15 anos e so-
têm sido cada vez mais recomendados os dispositivos mente recentemente foram incorporadas as recomen-
554 T R ATA D O D E P E D I AT R I A ■ SEÇÃO 10 A L E R G I A / I M U N O LO G I A

dações baseadas em evidência nos Consenso da Organi- Nas etapas II, III e IV, a terapêutica de manutenção
zação Mundial da Saúde – Global Initiative for Asthma de 1ª escolha é de corticosteróides inalatórios (CI) como
– GINA e Consenso Americano – National Asthma monoterapia (nível de evidência A), devendo a dose ser
Education Prevention Program (NAEPP) – Guidelines maior conforme a gravidade da asma.
for the Diagnosis and Management of Asthma (EPR-3) Na etapa II (asma persistente leve), as alternativas
– 20071,8,10. para os CI são os antileucotrienos (nível de evidência B)
São consideradas as melhores opções terapêuticas ou cromoglicato dissódico.
aquelas definidas por estudos randomizados, duplo cego Na etapa III – asma persistente moderada, a
placebo controlados ou metanálises destes estudos com primeira opção é o uso de CI em baixa ou média dose.
grande número (nível A) ou pequeno número de casos O associado à beta-2 inalatório de longa duração
(nível B), respectivamente. Evidências baseadas apenas (BILD) deve ser introduzido em crianças maiores de 6
na experiência de especialistas, sem estudos comprovan- anos e, neste caso, as doses utilizadas dos CI seriam
do tais achados, são classificadas na categoria mais baixa baixas. Outras alternativas são a associação de baixas
de evidência – nível D11. doses de CI com antileucotrieno ou teofilina de ação
Na Tabela 5.5, estão descritos os esquemas de trata- prolongada nesta etapa do tratamento de crianças.
mento em cada etapa, observando-se a preferência da Não se deve utilizar BILD como monoterapia para
escolha e as possíveis alternativas, de acordo com a IV o tratamento de manutenção da asma (nível de evi-
Diretriz Brasileira para o Manejo da Asma e GINA dência A).
20061,8. Na etapa IV – asma persistente grave, podem ser
Na etapa I, que se refere à asma intermitente, só de- utilizadas as mesmas opções acima, com associação de
vem ser utilizados os broncodilatadores de curta du- doses moderadas ou altas de CI com BILD; se não ocor-
ração para alívio dos sintomas quando necessário, no rer controle, podem ainda ser associados antileu-
máximo por 3 a 4 vezes/dia. A via de administração cotrienos e/ou teofilina de ação prolongada.
preferencial sempre deve ser a inalatória. Não são Na etapa V quando todas as alternativas anteriores já
necessários medicamentos de manutenção, a não ser estiverem sendo utilizadas sem controle clínico, pode ser
nos casos onde ocorrerem crises esporádicas, mas necessária a utilização de doses baixas de corticosteróide
graves, devendo neste caso ser reclassificados como per- oral (CO), pela manhã ou até mesmo em dias alterna-
sistentes moderados e tratados conforme esta classifi- dos. Nesta etapa, se não ocorrer controle e o paciente for
cação (evidência D). maior de 12 anos e apresentar as indicações precisas,
Se o uso de medicações ocorre mais do que 1 vez/ pode ser utilizado o anti-IgE (omalizumab – Xolair®).
semana por mais de 3 semanas e, se a prova de função Para o tratamento da crise, em qualquer etapa, pode
pulmonar se torna anormal no período intercrítico, o ser utilizado beta-2 de curta duração (evidência A).
paciente deve ser considerado como asma não controla- O tratamento de manutenção deve permanecer por
da, devendo ser iniciada medicação profilática de 3 meses após o adequado controle clínico e somente
manutenção. após esse período de avaliação e com boa resposta pode

Tabela 5.5 Etapas do tratamento da asma de acordo com a gravidade para crianças maiores de 5 anos1,5

Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 Etapa 5

Educação em asma
Controle ambiental

Beta-2 de curta Beta-2 de curta Beta-2 de curta Beta-2 de curta Beta-2 de curta
duração S/N* duração S/N* duração S/N* duração S/N* duração S/N*

Opção Selecione uma Selecione uma Adicionar 1 ou mais em Adicionar 1 ou mais em


das opções abaixo das opções abaixo relação à etapa 3 relação à etapa 4
Opção preferencial CI baixa dose CI baixa dose + Moderada ou alta – dose de Corticosteróide oral – dose baixa
BILD CI + BILD
Crianças < 6 anos:
dose moderada de CI
Outras opções Inibidores de CI dose moderada Inibidores de leucotrienos Anti-IgE
leucotrieno ou CI baixa dose Teofilinas
cromonas + antileucotrieno
CI dose baixa +
teofilinas

CI = corticosteróide inalatório; BILD = broncodilatador de longa duração; SN = se necessário..


*Máximo uso: de 3 a 4 vezes/dia; acima desse valor, procurar auxílio médico.
A S M A N A I N T E R C R I S E – A S P E C TO S D I AG N Ó S T I CO S , C L A S S I F I C A Ç Ã O E T R ATA M E N TO D E M A N U T E N Ç Ã O 555

ser reduzido o esquema terapêutico, mantendo-se as de CI mostraram que a altura final prevista foi atingi-
mínimas doses necessárias para controle da doença. Se da10,12,13. Em crianças, a ingestão de dietas com cálcio
o controle não é obtido, rever sempre a técnica utiliza- em doses adequadas para a idade e exercícios físicos de-
da para administração das medicações e a adesão ao es- vem ser sempre revistos (evidência D).
quema proposto antes da sua intensificação, lembrando A soma total dos corticosteróides utilizados em pa-
que o correto tratamento depende de uma cooperação cientes alérgicos (CI com outros corticosteróides de uso
da família, do paciente e da equipe de saúde. nasal, na pele, e os corticosteróides orais nas crises) deve
ser levada em conta na observação dos efeitos colaterais.
Corticosteróides inalatórios (CI) Os consensos atuais concluem que os CI são a te-
rapêutica de manutenção a longo prazo mais efetiva
Os corticosteróides permanecem como os mais efe- para asma persistente leve, moderada e grave, sendo
tivos antiinflamatórios para o tratamento da asma, de- bem tolerados e seguros nas doses recomendadas (evi-
monstrando melhora na função pulmonar, redução na dência A)1,8,10.
hiper-responsividade brônquica, redução de sintomas e
da freqüência e gravidade das crises (evidência A). Cromonas
Os corticosteróides reduzem a produção de citoci-
nas, o recrutamento de eosinófilos para as vias aéreas e Seu mecanismo de ação ainda não é totalmente
a liberação de mediadores inflamatórios. Seus efeitos conhecido, mas parece possuir efeito antiinflamatório
antiinflamatórios são mediados por receptores que com inibição parcial na liberação de mediadores após a
modulam a expressão de genes inflamatórios. A dife- ligação pela IgE nos mastócitos por bloqueio nos canais
rença entre os diversos CI se faz pela sua potência tópi- de cloro. No Brasil, apenas o cromoglicato dissódico
ca e sua biodisponibilidade sistêmica após a inalação, inalatório é comercializado, devendo ser utilizado de 3
que representa as frações combinadas do CI que é ab- a 4 vezes ao dia para uma melhor ação. Administrados
sorvido através da mucosa das vias aéreas e a fração de maneira regular podem controlar asma persistente
deglutida e absorvida pelo trato gastrintestinal e que es- leve, asma induzida por exercícios e pelo ar frio1. A par-
capa à inativação no fígado (Tabela 5.6). tir dos anos 1990, seu uso foi reduzido em função da in-
Uma das formas de reduzir a absorção da fração trodução dos CI e, em recente revisão, a eficácia do cro-
que atinge a boca e orofaringe (de 70 a 90%) é a utiliza- moglicato sobre o placebo para o tratamento da asma
ção de aerocâmaras (evidência A) e também a higiene não foi demonstrada14.
bucal (evidência B), que evitam os principais efeitos co- São necessárias 4 a 6 semanas de uso contínuo para
laterais dos CI que são a candidíase oral e a rouquidão. se determinar eficácia individual. Sua maior vantagem
Mesmo com doses elevadas de CI, o perfil de segurança está no pequeno número de efeitos colaterais, sendo o
é melhor do que o uso de corticosteróides orais. principal deles a tosse induzida pelas preparações de pó.
Outros efeitos colaterais como cataratas, glaucoma, A conclusão dos consensos atuais é de que as cromonas
supressão supra-renal e mesmo alterações no metabo- podem ser alternativa para crianças de todas as idades
lismo ósseo têm sido raramente descritos, mas o risco no tratamento da asma persistente leve, mas não são a
da asma não-controlada deve ser pesado, especialmente terapêutica de escolha (evidência A)1,8,10.
se for possível manter controlados os pacientes com do-
ses baixas ou médias de CI. Xantinas
O efeito dos CI sobre o crescimento das crianças
mostrou uma redução no crescimento linear durante o A aminofilina, cujo conteúdo em 80% é de teofili-
primeiro ano de tratamento contínuo, mas estudos na, vem sendo utilizada para o tratamento da asma há
prospectivos com uso prolongado de doses moderadas mais de 20 anos. As xantinas possuem efeito diurético,

Tabela 5.6 Doses diárias recomendadas (mcg/dia) de corticosteróides inalados em crianças com asma1

Droga* Baixa Média Alta


> 5 anos Adultos > 5 anos Adultos > 5 anos Adultos

Dipropionato de beclometasona 100 a 200 200 a 500 > 200 a 400 > 500 a 1000 > 400 > 1.000 a 2.000

Budesonida 100 a 200 200 a 400 > 200 a 400 > 400 a 800 > 400 > 800 a 1.600

Budesonida – suspensão para 250 a 500 - > 500 a 1.000 - > 1.000 -
nebulização

Fluticasona 100 a 200 100 a 250 > 200 a 500 > 250 a 500 > 500 > 500 a 1.000

Ciclesonida 80 a 160 80 a 160 > 160 a 320 > 160 a 320 > 320 > 320 a 1.200

* Como as preparações contendo clorofluorcarbono (CFC) como propelente serão substituídas pelo hidrofluoralcano (HFA), as doses deverão ser revistas.
556 T R ATA D O D E P E D I AT R I A ■ SEÇÃO 10 A L E R G I A / I M U N O LO G I A

aumentam a força muscular diafragmática, além do pa- A associação de CI e BILD no mesmo dispositivo
pel antiinflamatório pouco conhecido. O grande pro- pode facilitar o seu uso, com maior adesão ao tratamen-
blema em sua utilização crônica é a proximidade do ín- to, mas mantém fixas as doses utilizadas. O uso em dis-
dice terapêutico e do índice tóxico, o que obrigaria à positivos separados pode trazer benefícios na retirada
dosagem seriada dos níveis séricos de teofilina. de alguma das medicações e facilitar a utilização dos
As apresentações de ação prolongada de teofilina BILD para asma induzida por exercício ou com sinto-
são úteis no controle de sintomas noturnos em asma mas principalmente noturnos.
persistente grave mesmo utilizando-se CI (evidência B). Dados recentes do estudo realizado em grande
Como terapêutica de associação, a teofilina de ação pro- número de pacientes que comparou o tratamento diário
longada é menos eficiente que os beta-2 inalatórios de com salmeterol ou placebo em adição ao tratamento
longa duração ou BILD (evidência A), mas é de baixo usual da asma mostraram aumento do risco de óbitos
custo1,8,10. relacionados à asma em pacientes tratados com salme-
A aminofilina de uso endovenoso ainda tem papel terol (13 óbitos de 13.176 pacientes tratados por 28 se-
no tratamento da crise grave de asma, mas a monitora- manas com salmeterol versus 3 óbitos de 13.179 pa-
ção dos níveis séricos deve ser sempre observada para se cientes com uso de placebo)16; outro estudo utilizando
manter valores abaixo de 15 mcg/mL. altas doses de formoterol mostrou aumento do número
Em crianças menores de 5 anos, existe o benefício clí- de crises graves de asma17, o que levou a agência contro-
nico do uso de xantinas como broncodilatador (evidência ladora de medicamentos americana (Food and Drugs
C), entretanto, são necessários mais estudos duplos-cegos Administration – FDA) a determinar um alerta em to-
e controlados por placebo para a definição da dose e a das as bulas de preparações contendo LABA.
comparação com outras medicações usadas nessa faixa Estudos farmacogenéticos mostraram o papel do
etária. Em lactentes, não há relatos de estudos bem dese- polimorfismo no gene do receptor beta-2 adrenérgico
nhados e não existem conclusões sobre o assunto. na posição 16. Wechsler et al.18 mostraram que ho-
A intoxicação pelas xantinas envolve múltiplos ór- mozigotos para arginina (Arg/Arg) na posição 16 que
gãos, incluindo sintomas gastrintestinais (náuseas, vô- recebiam salmeterol associados a CI apresentavam
mitos, gastrite), sintomas neurológicos (estimulação menor VEF1, aumento dos sintomas e aumento do uso
neurossensorial, cefaléia e convulsões), cardíacos (ta- de beta-2 de curta duração em comparação com pa-
quicardia, arritmias), podendo levar à morte indivíduos cientes recebendo a mesma associação de medicações
com nível sérico acima do considerado seguro. mas que apresentavam glicina na mesma posição 16
(Gly/Gly), demonstrando o papel do polimorfismo
Beta-2 inalatórios de longa duração (BILD) genético para maior ou menor ação de determinado
medicamento.
Os broncodilatadores podem ser classificados como Os efeitos colaterais dos BILD incluem estimulação
de curta e de longa duração, e os BILD têm sua ação cardiovascular, tremores musculares e hipocalemia,
mantida por mais de 12 horas, na comparação com as 4 mas são mais raros do que o uso de beta-2 agonistas via
a 6 horas dos de curta duração. Alguns estudos têm de- oral. Doses máximas diárias recomendadas para os
monstrado efeito antiinflamatório discreto dos BILD, BILD são de 100 microgramas para salmeterol e 24 mcg
mas que não torna seu uso isolado eficiente sem estar para formoterol.
associados aos CI (evidência A). Os BILD de uso oral são alternativa interessante nas
Existem 2 BILD comercializados no Brasil: salmete- crianças menores de 5 anos e incluem as formulações de
rol e formoterol: o primeiro é considerado um agonista liberação lenta como o bambuterol, que é uma pró-dro-
parcial, e o segundo, agonista total do receptor beta-2. ga que se converte em terbutalina no organismo. Assim
Outra diferença entre os BILD é seu início de ação, com como os outros BILD, o bambuterol atua como beta-2-
ação mais rápida (minutos) para o formoterol e um agonista, relaxando a musculatura lisa, melhorando o
pouco mais lenta para o salmeterol (30 minutos). Até o clearance mucociliar, diminuindo a permeabilidade vas-
presente momento, os estudos não têm indicado seu uso cular e agindo como modulador de substâncias libera-
para o tratamento da crise de asma (evidência D)1,8,10. das pelos mastócitos e basófilos.
A melhor opção para o uso dos LABA é sua associ- Os BILD de uso oral são úteis no controle dos sinto-
ação com CI nos casos de asma persistente moderada ou mas noturnos da asma, isoladamente ou em associação
grave em crianças maiores ou iguais a 5 anos, o que pro- aos corticosteróides. Efeitos adversos são raros, podendo
move melhora dos sintomas em geral, na asma noturna, ocorrer estimulação cardiovascular, ansiedade e tremo-
na função pulmonar, reduzindo o uso de beta-2 de cur- res. Quando usados concomitantemente com beta-2-
ta duração e o número de crises (evidência A para ≥ 12 agonistas de curta duração ou teofilinas, podem agravar
anos de idade, evidência B para a idade entre 5 e 11 as reações cardiovasculares.
anos). Nas etapas 4 e 5 de tratamento da asma, a associa-
ção de CI aos LABA tem se mostrado mais eficiente do Antileucotrienos
que o uso de doses elevadas de CI isoladamente, mas
cada paciente deve ser avaliado em relação aos efeitos A classe de medicamentos com ação sobre os leuco-
colaterais e os benefícios da associação1,8,10,15. trienos inclui os antagonistas dos receptores de cisteinil
A S M A N A I N T E R C R I S E – A S P E C TO S D I AG N Ó S T I CO S , C L A S S I F I C A Ç Ã O E T R ATA M E N TO D E M A N U T E N Ç Ã O 557

leucotrienos (montelucaste, pranlucaste e zafirlucaste), imunoterapia na asma tem mostrado benefícios tanto
cuja função é bloquear as interações com seus recepto- na redução da necessidade de medicamentos como no
res. O bloqueio dos cisteinil leucotrienos promove bron- escore de sintomas19.
codilatação induzida por aspirina, exercícios e, após ex- A indicação da imunoterapia deve levar em conta a
posição alergênica, redução de sintomas incluindo a real etiologia alérgica da asma e se o extrato alergênico
tosse. Há melhora da função pulmonar, redução no nú- disponível para aquele alérgeno está bem padronizado,
mero de crises e efeito antiinflamatório, mas com menor justificando seu uso por pelo menos 2 anos, com todos
ação na comparação com baixas doses de CI. os custos e riscos envolvidos. A imunoterapia não deve
Seu uso está justificado em associação aos CI na ser utilizada quando a asma não está sob controle, pelo
tentativa de reduzir as doses de CI para o adequado risco aumentado de reações sistêmicas graves.
controle da asma (evidência A), mas com menor efeito A introdução de imunoterapia na asma deve, neces-
do que a associação CI e BILD (evidência A). A grande sariamente, envolver o julgamento de um especialista
vantagem dos antileucotrienos, especialmente o monte- com treinamento em alergia e imunologia e ser sempre
lucaste, é sua utilização na faixa etária pediátrica, com realizada em ambiente hospitalar.
apresentações via oral a partir dos 6 meses de idade, o
que facilita a adesão ao tratamento, e também pela fal- Controle ambiental
ta de efeitos colaterais sobre o crescimento, a minerali-
zação óssea e o eixo supra-renal, efeitos observados no A retirada de alérgenos e outros irritantes não-es-
uso prolongado de altas doses de CI. pecíficos do ambiente onde o paciente asmático vive
Os consensos de asma têm indicado o uso de an- deve fazer parte do tratamento de manutenção e o ideal
tileucotrienos como monoterapia apenas na asma persis- é a prevenção anterior ao estabelecimento de sintomas
tente leve como segunda alternativa após os CI (etapa 2 – decorrentes dessa exposição (prevenção primária ou
evidência A), e com bons efeitos na asma induzida por secundária).
exercício ou pela aspirina e para reduzir a dose dos CI Embora a retirada total dos alérgenos envolvidos na
quando associado aos mesmos CI nas outras etapas de asma seja muito difícil de ser atingida, a redução do con-
tratamento (etapas 3, 4 ou 5). Antileucotrienos têm sido tato com alérgenos da casa, como animais domésticos,
utilizados como terapia adjuvante aos CI, mas em baratas e ácaros da poeira doméstica em pacientes sensi-
maiores do que 12 anos de idade e adultos é preferida a bilizados, se mostra eficiente em muitos pacientes asmáti-
associação entre CI e BILD (evidência A)1,8,10. cos (evidências A)1,8,10,20. Nem sempre a redução efetiva
dos alérgenos ambientais se traduz em melhora clínica e
cada paciente deverá ser avaliado individualmente no
Outras medicações controle dos alérgenos a que está sensibilizado21. Encapar
Recentemente foi introduzido o anticorpo anti-IgE, colchões e travesseiros (poros < 10 mm), remover car-
que se ligaria aos receptores de alta afinidade para IgE petes e tapetes, lavar roupas de cama 1 vez/semana com
em mastócitos e basófilos, evitando a liberação de me- água quente (55º a 60ºC) ou água fria, detergente e água
diadores (histamina) e inibindo a síntese de outras mo- sanitária, remover carpetes ou outros reservatórios de
léculas pró-inflamatórias (leucotrienos, citocinas e qui- alérgenos no dormitório ainda são consideradas no con-
moquinas). Mas o seu uso tem sido restrito apenas aos trole para os ácaros (evidência A)1,8.
casos de asma alérgica persistente grave, que não se A educação em asma é uma parte importante de
beneficia com nenhum outro esquema terapêutico (eta- todo o tratamento e muitas falhas no seu controle não se
pa 5) em pacientes maiores do que 12 anos e com níveis devem à perda do efeito das medicações, mas a fatores
séricos de IgE de até 700 UI/L (evidência B). As doses agravantes, subutilização das medicações, comorbidades,
recomendadas são calculadas de acordo com o peso do técnicas inadequadas de utilização dos dispositivos de
paciente e os níveis de IgE (0,016 mg/kg de anti- inalação, falta de controle ambiental ou simplesmente di-
IgE/UI/mL IgE – subcutâneo a cada 2 a 4 semanas). Os ficuldades em adquirir as medicações.
efeitos colaterais mais comuns são locais em 45% dos Todos esses pontos devem ser pesquisados em cada
consulta e a melhor forma de tratamento deverá ser anali-
casos (dor, edema, eritema e prurido), e raramente ga-
sada pelo médico, pelo paciente e pelos seus familiares,
nho de peso, hipotensão, tonturas, sonolência. Náuseas,
conjuntamente, para a melhora da asma e o bem-estar do
diarréia, exantemas e urticárias leves e anafilaxia, de-
paciente.
vendo ser administrado intra-hospitalar1,8,10.

Imunoterapia
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Capítulo 6

Lactente Sibilante – Diagnóstico Diferencial

Evandro Alves do Prado


Denise Arruda Costa

■ Introdução das vias aéreas, produzindo, assim, um aumento da sua


obstrução em determinadas doenças, como na bron-
A avaliação de um lactente com sibilância persis- quiolite1.
tente ou recorrente abrange história clínica cuidadosa,
exame físico e provas laboratoriais para se estabelecer o
diagnóstico e instituir o tratamento mais eficaz.
■ Fatores de Risco
Define-se lactente sibilante como aquele que apre- Na história clínica, devem ser avaliados os possíveis
senta 3 episódios de sibilância no período de 1 ano, nos fatores de risco associados à sibilância. Numa das con-
primeiros 2 anos de vida. Mais recentemente, procura- clusões do clássico estudo de Tucson, liderado por Fer-
se definir, de forma diferenciada, lactente sibilante nando Martinez, constatou-se que aproximadamente
como aquele que apresenta 3 crises de sibilância em um 40% das crianças com sibilância durante os primeiros
período de 2 meses ou crise de sibilância que persiste anos de vida mantiveram sibilância persistente quando
por mais de 30 dias nos 2 primeiros anos de vida. avaliadas aos 6 anos. O mesmo trabalho evidenciou que
A sibilância no lactente é encontrada com muita as crianças com sibilância persistente aos 6 anos eram
freqüência na clínica pediátrica. Sua prevalência varia aquelas com história familiar de asma e níveis elevados
entre 4 e 32%1. Existem várias razões para explicar essa de IgE aos 9 meses de idade quando comparadas aos
síndrome tão freqüente, principalmente relacionadas à controles2,3.
anatomia e à fisiologia das vias aéreas nessa faixa etária, O tabagismo materno durante a gravidez e no pe-
e talvez outras ainda não totalmente esclarecidas. ríodo neonatal afeta a função pulmonar e pode levar
ao desenvolvimento de sibilância persistente. Stick et
■ Considerações Anatômicas al.4 encontraram forte associação entre diminuição da
função pulmonar e tabagismo materno. As taxas de
Algumas peculiaridades anatômicas predispõem fluxo expiratório forçado estão diminuídas nas crian-
um lactente ao estreitamento das vias aéreas, como a ças expostas ao tabagismo materno durante a gravidez
deficiência dos canais colaterais de ventilação (poros de quando comparadas às crianças cujas mães não são fu-
Kohn e canais broncoalveolares de Lambert), o aumen- mantes.
to da musculatura lisa nas vias aéreas e a inserção hori- Outros fatores de risco que afetam a função pulmo-
zontal do diafragma. Os canais colaterais de ventilação nar e levam à sibilância em lactentes incluem a hiperten-
são deficientes tanto em tamanho quanto em número são materna na gravidez4, o baixo peso ao nascimento
no pulmão do lactente, facilitando o colapso pulmonar (inferior a 2.500 g)5 e a prematuridade (menos de 33 se-
e uma maior obstrução das vias aéreas. manas)6. História familiar de asma aumenta o risco de
sibilância e está associada à função pulmonar reduzida
■ Considerações Fisiológicas em lactentes.
O efeito protetor do aleitamento materno no de-
As razões físicas de sibilância freqüente no lactente senvolvimento de episódios de sibilância induzida por
incluem o aumento da resistência das vias aéreas perifé- vírus subseqüentes é controverso. Wright et al.7 encon-
ricas e das vias aéreas superiores. Em lactentes e em traram incidência diminuída de sibilância persistente
crianças com até 5 anos de idade, as vias aéreas perifé- aos 6 anos de idade em crianças alimentadas com leite
ricas podem contribuir com 50% da resistência total materno quando lactentes.
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Além do tabagismo e do aleitamento materno, mui- considera-se a obstrução de vias aéreas de maior cali-
tos outros fatores ambientais predispõem à sibilância bre, como compressão traqueal intrínseca ou extrínseca
recorrente como: infecções respiratórias virais, exposi- e outras anormalidades. A ausculta sobre o pescoço aju-
ção a antígenos da poeira domiciliar e introdução pre- da a diferenciar o ruído emitido pelas vias aéreas supe-
coce em creches. riores do das inferiores.
Outro aspecto importante do exame físico é a ava-
■ Avaliação Diagnóstica liação de orofaringe, nariz e ouvidos.

História clínica Diagnóstico diferencial


Um primeiro episódio de sibilância associado a si- O diagnóstico diferencial do lactente sibilante é
nais de infecção do trato respiratório inferior e ocor- bastante extenso. As causas de sibilância no lactente po-
rendo no inverno sugere o diagnóstico de bronquioli- dem ser divididas em várias categorias: inflamação
te. A história de sibilância, tosse ou dificuldade (asma, fibrose cística, displasia broncopulmonar), in-
respiratória que acontecem após infecções virais e de fecções (traqueíte, bronquiolite, tuberculose), doença
exposição tabágica, a ar frio ou a antígenos da poeira do refluxo gastroesofágico com ou sem aspiração, mal-
domiciliar sugere hiper-responsividade das vias aé- formações congênitas (anel vascular, anomalias das vias
reas8. O relato familiar de asma ou doenças atópicas, aéreas e cardíacas, cisto esofágico), compressão brôn-
como eczema, é de muita ajuda e favorece a sensibili- quica e traqueal intrínseca ou extrínseca (corpo estra-
zação alergênica. nho, linfadenopatia) e doença extratorácica. Outras
Outros fatores que devem ser considerados na possibilidades incluem apnéia do sono, discinesia
história são: relatos anteriores de dificuldade respirató- primária, disfunção de corda vocal, imunodeficiência,
ria, admissão hospitalar, tratamento em unidade inten- insuficiência cardíaca congestiva.
siva e necessidade de ventilação mecânica. É imporante A infecção viral respiratória é uma das principais
avaliar o uso prévio de medicações a fim de se evitar sub causas de sibilância em qualquer idade9,10. Existem vá-
ou superdosagens. rios tipos de vírus respiratórios que são capazes de de-
Crianças pequenas estão sempre em risco de aspira- sencadear doenças respiratórias11.
ção de uma grande variedade de corpos estranhos. Os rinovírus, o parainfluenza, o influenza, o vírus
Deve-se dar também atenção especial à história alimen- sincicial respiratório (VSR), os adenovírus e os corona-
tar, pois regurgitações freqüentes, engasgos e irritabili- vírus são capazes de desencadear quadros de resfriados
dade sugerem doença do refluxo gastroesofágico. comuns, pneumonia, bronquiolite e asma12. Outros
A história de esteatorréia e de déficit ponderoesta- vírus que sabidamente causam simbilância na infância
tural deve alertar o pediatra sobre a possibilidade de fi- são o metapneumovírus humano, o qual afeta crianças
brose cística. Na prematuridade com ventilação mecâ- no período de inverno, e o bocavírus, que é um par-
nica prolongada, é preciso considerar o diagnóstico de vovírus encontrado em crianças pequenas, hospita-
displasia broncopulmonar. lizadas por infecções do trato respiratório inferior13.
Em sua maioria, as infecções respiratórias na infân-
Exame físico cia são conseqüências da infecção pelo VSR, que causa
aproximadamente 50% dos quadros de broncoespasmo
O exame físico completo está indicado na avaliação e 80% dos casos de bronquiolite. Aproximadamente
do lactente sibilante. Na inspeção geral, deve-se estar 70% das crianças são infectadas pelo VSR no 1º ano de
atento para o aspecto crônico de doença. Cianose e ba- vida e quase todas as crianças até o 3º ano de idade. Al-
queteamento digital sugerem a possibilidade de fibrose guns pacientes que têm bronquiolite evoluem com
cística, doença supurativa pulmonar ou doenças cardía- asma. Vários fatores têm sido implicados, tais como: al-
cas. As evoluções de peso e altura estão diminuídas nas tos níveis de IgE específica para o VSR e de proteína
doenças crônicas. catiônica eosinofílica no lavado broncoalveolar14. Nas
Estigmas de doença atópica podem ser vistos no crianças de mais idade, os rinovírus são capazes de de-
exame da cabeça e incluem a linha de Dennie-Morgan sencadear 60% das infecções respiratórias agudas15.
(dupla prega infrapalpebral), tubérculo de Kaminski O vírus da influenza ocorre nas epidemias e o grau de
(protuberância no lábio superior), sinal de Hertog (ra- comprometimento é função do tipo de agressão viral e da
refação no terço externo das sobrancelhas). resistência do hospedeiro. O quadro clínico pode variar
Durante o exame físico da criança que sibila, deve- de simples infecção do trato respiratório superior até
se diferenciar as fases da respiração (inspiração e expira- doença pulmonar grave com alto risco de mortalidade.
ção), assim como a qualidade do som emitido. Estridor O vírus parainfluenza afeta qualquer grupo etário e
(respiração ruidosa durante a inspiração) sugere origem está particularmente associado ao crupe (laringotra-
extratorácica do som. O sibilo é musical e acompanhado queobronquite) em crianças pequenas. Os adenovírus
de expiração prolongada. causam resfriados comuns, mas podem estar associados
O sibilo expiratório sugere obstrução das vias aé- à pneumonia grave ou, em raros casos, à bronquiolite
reas periféricas, ao passo que, quando ele é bifásico, obliterante. Os coronavírus causam cerca de 15% dos
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resfriados comuns e raramente estão associados a ma- 2 a 3 anos de idade que tenham quadro de eczema ató-
nifestações pulmonares. pico e apresentem manifestações de hipersensibilidade
Uma das hipóteses mais interessantes que rela- no trato respiratório inferior decorrente de sensibiliza-
ciona vírus e asma foi proposta por Core e Holgate16: ção alergênica (no Brasil, principalmente ácaros da
os vírus são capazes de agredir e destruir o epitélio poeira domiciliar).
brônquico, com liberação de citocinas já identificadas O lactente sibilante tem vários diagnósticos dife-
por células epiteliais lesadas. Outros dados relevantes renciais. A Tabela 6.1 evidencia as prováveis patologias
desse estudo são a capacidade dos vírus de: atrair célu- que levam à sibilância em função de determinados
las como eosinófilos e linfócitos, produzir IgE especí- questionamentos.
fica, favorecer a liberação de histamina e leucotrienos
de mastócitos e provocar a liberação de bradicinina.
A agressão viral ao epitélio brônquico, com res-
postas de IgE mediadas, pode ser uma das propostas Tabela 6.1 Guia prático para o diagnóstico diferencial
para a associação entre infecção viral, atopia e asma17. do lactente sibilante

Questionamentos Possibilidades
Infecção viral e sistema nervoso autônomo
Em que idade começou a sibilar? Diferenciar causas congênitas e
Os vírus são capazes de provocar bloqueio beta- não-congênitas
adrenérgico, mas esse não parece ser um evento tão im- A sibilância começou Aspiração de corpo estranho
portante, já que no lactente existe um menor número subitamente?
de receptores beta-adrenérgicos. A anormalidade prin-
cipal seria o intenso predomínio parassimpático talvez Existe um padrão de sibilância? Episódico: asma
Persistente: doença congênita/
decorrente da destruição ou da disfunção do receptor genética
M2 muscarínico. A neuroaminidase liberada pelos vírus
destrói os resíduos de ácido ciálico da membrana dos A sibilância está associada DRGE, apnéia do sono, asma,
à tosse? outras alergias
receptores e, assim, pode levar a uma dessas alterações.
Outro dado relevante é conseqüência da ação de A sibilância está associada à DRGE
neurotransmissores não-adrenérgicos não-colinérgicos, alimentação?
como a substância P, potente mediador inflamatório. A sibilância está associada a Fibrose cística, imunodeficiência
Esse conhecimento atual explica por que é tão impor- múltiplas infecções respiratórias?
tante a administração de beta-2-agonistas e anticolinér-
A sibilância está associada Infecção viral respiratória (VSR,
gicos (brometo de ipratrópio) nas crises de sibilância especificamente a sintomas de rinovírus, parainfluenza,
nos primeiros anos de vida. O uso de antiinflamatórios vias aéreas superiores? metapneumovírus humano)
deve ser encorajado para a diminuição dos efeitos da
A sibilância se modifica com a Traqueomalácia, anomalia de
agressão viral ao epitélio brônquico. postura do paciente? grandes vasos
Uma condição a ser valorizada na sibilância dos lac-
tentes é o refluxo gastroesofágico (RGE) patológico ou Existe histórico familiar de Infecções e atopia
a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Além de sibilância?

sibilância, o laringoespasmo também pode ser uma DRGE = doença do refluxo gastroesofágico.
conseqüência, na presença ou ausência de sintomas gas- Fonte: adaptado de Weiss13.
trintestinais. Algumas hipóteses explicam a relação
complexa entre RGE e sibilância: mecanismo direto (as-
piração), mecanismo indireto por meio de terminações Avaliação laboratorial
nervosas (teoria reflexa) ou, ainda, um mecanismo des-
crito há alguns anos que envolve a participação de neu- O diagnóstico etiológico da síndrome do lactente
rotransmissores ditos neuropeptídeos (substância P) li- sibilante baseia-se no histórico familiar e ambiental, no
berados a partir do esôfago exercendo seus efeitos exame clínico e em provas laboratoriais e radiológicas,
inflamatórios nos pulmões, através da via colinérgica18. de acordo com o quadro clínico.
Além dos sintomas respiratórios, alguns outros po- Alguns exames se fazem necessários e são extrema-
dem estar associados: irritabilidade, choro incontrolável, mente importantes.
regurgitações, vômitos e dificuldade de ganhar peso.
Na clínica pediátrica, é comum considerar o diag- Hemograma e velocidade de hemossedimentação
nóstico de asma em lactentes que “chiam” ou sibilam de
forma recorrente ou persistente. Embora muitos fatores O hemograma, que pode ser realizado em qualquer
de risco para atopia sejam reconhecidos, como história hospital ou posto de atendimento pediátrico, visa
familiar, tabagismo materno, prematuridade, aleita- orientar o diagnóstico de uma infecção bacteriana, viral
mento artificial e exposição precoce a alérgenos, deve-se e até de uma parasitose ou mesmo doença de hipersen-
levar em conta essa possibilidade em crianças abaixo de sibilidade.
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Sorologia e cultura para vírus Avaliação de alergia alimentar


Embora não-disponível em muitos hospitais pediá- Embora muito discutida, não se pode esquecer a
tricos, a sorologia para vírus pode orientar em relação possibilidade de sensibilização para alérgenos alimenta-
ao agente desencadeante do processo de sibilância. No res na eclosão de sintomas de sibilância no lactente.
período até os 2 e 3 anos de idade, a simples identifica- Proteínas heterólogas do leite de vaca, ovo, trigo e soja
ção do vírus pode estabelecer o diagnóstico de bron- são os mais freqüentes desencadeantes de alergia ali-
quiolite, e se a sibilância é recorrente, levanta-se até a mentar. Os testes cutâneos de leitura imediata e a dosa-
possibilidade de hiper-reatividade brônquica como gem de IgE específica para esses antígenos devem fazer
conseqüência de uma agressão epitelial. Como relatado parte da investigação.
anteriormente, existe um conceito de que a bronquioli-
te pode desencadear sensibilização alergênica. Avaliação de refluxo gastroesofágico

Soroaglutinação para micoplasma A monitoração prolongada do pH esofágico é con-


siderada o padrão-ouro para o diagnóstico de RGE,
A infecção pelo Mycoplasma pneumoniae, agente mi- com altas sensibilidade e especificidade altas quando
crobiano extremamente agressivo para o epitélio brôn- comparada à seriografia esôfago-estômago-duodenal, à
quico, embora não muito comum nessa faixa etária, deve ultra-sonografia e à cintilografia.
ser afastada por meio de provas de soroaglutinação. Embora com valor diagnóstico ainda discutido, a
ultra-sonografia abdominal é um exame não-invasivo,
Dosagem de cloro e sódio no suor com boa especificidade, baixa sensibilidade, preconiza-
do para refluxo gastroesofágico oculto. Ela determina o
A fibrose cística é diagnóstico diferencial importan- número de episódios de refluxo em um período de 10 a
te no lactente sibilante. O déficit ponderoestatutal asso- 15 minutos.
ciado a quadro pulmonar de hiper-reatividade brôn-
quica, infecções respiratórias recorrentes e alterações Avaliação da função pulmonar
digestivas como a esteatorréia pode sugerir essa possibi-
lidade. As provas funcionais respiratórias são extrema-
É importante ressaltar que, para a realização do mente importantes em algumas situações clínicas, po-
exame, é recomendada a suspensão dos corticosteróides rém não são realizadas de rotina no Brasil. O predomí-
inalados e/ou sistêmicos utilizados, muitas vezes, na nio do componente obstrutivo, restritivo ou misto pode
tentativa de diminuição da inflamação e da hiper-reati- orientar o diagnóstico. Martinez et al.2 observaram que
vidade brônquicas. lactentes que desencadeavam broncoespasmo induzido
por vírus apresentavam provas funcionais respiratórias
Avaliação das imunidades humoral e celular alteradas antes do 1º episódio de sibilância. Isso aconte-
cia particularmente em meninos.
Em raros casos, o lactente sibilante é portador de
um quadro de imunodeficiência. Algumas síndromes Outros exames
cursam com dispnéia, sibilância e infecções respirató-
rias recorrentes. Sugere-se a avaliação de imunidade hu- Broncoscopia
moral pela dosagem de imunoglobulinas séricas (IgG e Com fibra ótica flexível, pode ser feita rapidamente
subclasses, IgA, IgM e IgE), contagem de linfócitos T e com segurança e ser útil em casos de: aspiração de cor-
(CD3) e linfócitos B (CD19, CD20) e subpopulações de po estranho; anormalidades congênitas de nasofaringe,
linfócitos CD3 (CD4+ e CD8+). laringe e grandes vias aéreas; realização de lavagem
É imperioso afastar o diagnóstico da síndrome de broncoalveolar nos casos suspeitos de infecção ou aspi-
imunodeficiência adquirida mediante pesquisa de anti- ração.
corpos anti-HIV.
Raio X de tórax
Avaliação de atopia É capaz de avaliar área cardíaca (cardiopatias), hi-
perinsuflação com diafragma rebaixado (bronquiolite e
A asma brônquica atópica é conseqüência da sensi- asma), condensações, massas mediastinais, infiltrados
bilização por alérgenos inaláveis, principalmente antí- migratórios, atelectasias etc.
genos da poeira domiciliar. Os altos níveis de IgE sérica Crianças com sibilância recorrente ou com um úni-
e de IgE específica para esses alérgenos podem sugerir co espisódio de sibilância sem causa aparente e que não
essa possibilidade. Podem-se também realizar testes de respondem a broncodilatadores devem ser submetidas
leitura imediata com antígenos de ácaros, epitélio de à radiografia de tórax.
animais, fungos e de baratas. A sua positividade, A tomografia computadorizada e a ressonância
associada ao histórico clínico pessoal e familiar, pode magnética podem ser necessárias em casos de avaliações
firmar o diagnóstico. adicionais.
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O PPD (derivado protéico purificado da tuberculi- 7. Wright AL et al. Relationship of infant feeding to recurrent wheezing
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