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A tradução original de Lc 1,28 e sua importância

Em Lc 1,28 lemos “Entrando, o anjo disse-lhe: Ave, cheia de graça, o Senhor é Contigo”.
O texto em grego, no seu original, diz: “kai eiselqwn o aggeloV proV authn eipen
caire KECARITWMENH o kurioV meta sou euloghmenh su em gunaixin”.

O anjo do Senhor, mensageiro de Deus, Gabriel, não saudou Maria pelo seu nome
próprio, mas a chamou de Kecaritwmenh (lê-se kecharitoméne). O anjo não diz “Ave,
Maria, cheia de graça”, mas sim “Ave, Kecaritwmenh”, dando à mãe de Deus um
novo nome.

O que significa, biblicamente falando, uma pessoa ter seu nome mudado por Deus?
Quando Deus troca o nome de uma pessoa nas Sagradas Escrituras, sempre está
relacionada com uma missão confiada a esta pessoa ou com um significado relacionado
com a mesma.

Poderíamos aqui dar vários exemplos, mas fiquemos com alguns. Quando o Senhor
troca o nome de Abrão para Abraão, o novo nome trazia sua missão de ser “pai dos que
creem”. Quando Jesus, Deus Filho, trocou o nome de Simão para Pedro, deu-lhe a
missão de ser “alicerce, fundamento” de sua Igreja. Poderíamos citar Jacó e tanto outros
casos bíblicos semelhantes.

A lógica do Senhor não pode ser contraditória. Deus não é incoerente. Logo, o mesmo
foi feito com Maria, através do anjo Gabriel. Todo anjo (salvo os caídos) proclamam a
verdade do Senhor. Logo, o anjo Gabriel, cuja missão também é caracterizada pelo seu
nome, de “anunciador”, proclama o novo nome de Maria.

Este nome novo, Kecaritwmenh, tem um grande significado. Podemos afirmar, com toda
certeza, que o próprio Deus chama Maria por este novo nome, usando como interlocutor
o Arcanjo Gabriel.

Para o português, Kecaritwmenh foi pobremente traduzido como “cheia de graça”. Na


tradução dita Vulgata, para o latim, feita por São Jerônimo, como “Gratia Plena” (que no
português seria algo como “plena de graça”). Apesar da tradução de São Jerônimo se
aproximar mais do termo Kecaritwmenh, “plena de graça” ainda não faz justiça ao
verdadeiro significado da palavra usada pelo anjo para nomear a mãe de Deus e nossa
mãe.

Kecaritwmenh é o particípio perfeito, passivo, do verbo grego “charitoo”, que quer


dizer graça, no sentido de união, amizade com Deus. Particípio é a forma nominal
do verbo que expressa ações PLENAMENTE CONCLUÍDAS.

Em outras palavras, “Charitoo” é o verbo grego usado para significar o estado de


santidade de uma pessoa diante de Deus. Estando no particípio, significa que tal estado
está plenamente concluído, isto é, Kecaritwmenh. O nome de Maria dado pelo anjo.

No grego, existem duas palavras que expressam este estado de santidade, de graça. A
primeira é “Charitoo” que significa um estado de santidade plena, diante de Deus.
E a segunda palavra é “Charis”, que significa um estado de santidade ou graça
“momentaneamente recebida”, um favor imerecido.
Kecaritwmenh é um derivado do verbo “Charitoo”, formado por um prefixo “KE”
e um sufixo “MENH”. O prefixo Ke mostra que a ação foi realizada no passado,
desde o início e o sufixo Menh afirma que esta ação não tem fim, é por toda a vida.

Em outras palavras, Deus realizou uma obra PLENA na Santíssima Virgem Maria,
de forma PERFEITA, desde o início, desde que a alma de Maria foi criada por Deus,
desde sua concepção. E esta ação se prolonga, pois não tem fim. Por isso é
correto dizer que Maria foi concebida sem a mancha do pecado original.

Se o anjo quisesse mostrar que Maria se tornou santa no ato da saudação angelical, se
a Bíblia quisesse afirmar isto, usaria o particípio passivo “Karitúmene”, e se quisesse
transmitir que a Maria foi santificada só no passado, teria utilizado “Kharitothéissa”.

Objetivamente, Kecaritwmenh significa “plenamente santa em todos os


momentos de sua vida”, logo, concebida sem mácula.

Em Atos dos Apóstolos 6,8, está escrito “Estevão, cheio de graça e fortaleza, fazia
grandes milagres e prodígios entre o povo”. No original, usa-se o termo “Charis”,que
significa, como já mencionado, uma graça imerecida, ou melhor, que Estevão,
momentaneamente, estava cheio de graça. Em detalhes, Maria desde sempre, desde
sua concepção foi e é PLENAMENTE E PERFEITAMENTE (=no sentido de “desde
sempre”) SANTA, enquanto que Estevão estava apenas num dado momento de sua
vida, cheio de graça.

Alguns alegariam: se Maria chamou Deus de “meu salvador”, significa que ela tinha
pecados, o que contradiria a expressão Kecaritwmenh, certo?

Não. Pensemos com calma. Deus salva Maria, concedendo-lhe esta graça plena e
perfeita. Preservar do pecado original também indica salvação, pois nenhum ser
humano pode se salvar. Maria recebeu antecipadamente a salvação conquistada pelo
homem-Deus para nós, na cruz.

Imaginemos dois cegos dirigindo-se a um lamaçal. E um homem, a observar a cena. O


primeiro cego cai no lamaçal enquanto que o segundo é impedido pelo homem que tudo
observava. Este mesmo homem também salva o primeiro, resgatando-o do lamaçal. O
primeiro, ele salvou da lama, e o segundo, foi salvo de se sujar, de cair no lamaçal. São
duas formas de salvamento, por isto, no caso de Maria, Deus a salvou de pecar,
enquanto que a nós, Deus nos salvou da mancha do pecado. Deus nos salvou do
pecado e Maria, Deus salvou de pecar. De fato, Deus também é salvador de Maria,
a Kecaritwmenh, a sempre repleta do favor divino.

Este termo utilizado pelo anjo do Senhor para nomear Maria é tão sublime e especial
que só foi usado duas vezes nas escrituras. Uma, nomeando Maria, com o prefixo Ke e
o sufixo Menh, indicando “desde o início e para sempre” e a outra, indicando Jesus
Cristo... Isto mesmo, o próprio Deus, em Ef 1,3.6 quando diz “Bendito seja Deus... que
nos agraciou (echaritôsen) no Amado”. Percebam a importância de Maria no plano de
salvação.

Logo, Maria vem a ser a primeira e a mais enriquecida de todas as criaturas. Maria
é a antecipação dos dons que receberemos, está toda imersa em
Deus. Sempre repleta do favor divino, sempre repleta de graça (presença de
Deus).

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