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INTRODUÇÃO

1. Direito Penal
Conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente relevantes
uma determinada consequência jurídica, uma sanção jurídica ou, conjunto de
normas jurídicas que fazem corresponder a uma descrição de um determinado
comportamento uma determinada consequência jurídica desfavorável.
A esses factos penalmente relevantes correspondem determinadas sanções
jurídico-penais, que são basicamente:
- As penas, e as principiais são:
· Prisão;
· Multa.
- As medidas penais, e as principiais são:
· Medidas de segurança;
· Medidas de correcção.
a) Medidas de segurança
Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-
delituais e são baseadas na perigosidade do delinquente.
No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que toda
a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a culpa é
simultaneamente o limite da medida da pena.
Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto
criminoso, maior será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.
O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser a
culpa, mas sim a perigosidade, ou seja, justifica-se a imposição daquela medida
de segurança quando há suspeita de que aquele indivíduo que cometeu aquele
facto penalmente relevante volte a cometer novo ilícito, de gravidade semelhante.
b) Medidas de correcção
São medidas (penais) que se aplicam a jovens delinquentes.
A partir dos 16 anos, o indivíduo tem plena capacidade de culpa e sobre ele
pode recair uma pena: pena de prisão ou pena de multa. Antes dos 16 anos, o
indivíduo é inimputável.
c) Penas
Sanção característica do Direito Penal. Prevista e regulada nos arts. 40º segs.
CP.
A pena de prisão tem um limite mínimo de um mês e um limite máximo de 20
anos podendo ir até aos 25 anos em determinados casos (art. 41º CP).
A pena de multa tem um limite mínimo de 10 dias e um limite máximo de 360
dias (art. 47º CP).
A pena de prisão distingue-se da pena de multa:
- A pena de prisão é uma pena privativa da liberdade, em que o indivíduo é
encarcerado num determinado estabelecimento prisional onde cumpre a
pena, vendo a sua liberdade de movimentação coactada;
- A pena de multa é uma pena de natureza essencialmente pecuniária, se o
juiz condenar alguém pela prática de um crime com uma pena de multa e
esta não paga, ela tem a virtualidade de ser convertível em prisão.
2. Definição estrutural de Direito Penal
Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas com uma
determinada estrutura. Essa estrutura é a descrição de um facto, de um
comportamento humano que é considerado crime ou contravenção, a que
corresponde uma sanção jurídico-penal1[1].
Estrutura da norma penal:

1[1]
Vulgarmente uma pena.
- A descrição de um facto – previsão;
- A sanção jurídica que corresponde à prática desse facto – estatuição.
Mas nem sempre as incriminações ou crimes estão descritos pressupondo da
parte do agente, um comportamento activo; em Direito Penal são crimes não só
determinadas acções, como também determinadas omissões.
Pune-se não a actividade, mas precisamente o “non facere”, uma omissão, uma
inactividade, quando a lei obrigava, naquelas circunstâncias, a que a pessoa
actuasse. A norma tem uma estrutura decomposta numa previsão e numa
estatuição.
- A estrutura das normas penais insertas na parte especial tem, de um modo
geral, esta bipartição entre uma previsão e uma estatuição;
- As normas da parte geral permitem de alguma forma encontrar princípios e
preceitos que contemplam o que está na parte especial.
3. Crítica há definição estrutural da norma penal
Esta definição estrutural do Direito Penal não nos resolve o problema de saber
se, em determinados campos em que também são aplicadas consequências
jurídicas desfavoráveis a pessoas que cometem determinados factos relevantes, se
isso é ou não Direito Penal, poderá não ser: poderá ser por hipótese direito
disciplinar, ilícito da mera ordenação social; ilícito das contravenções (coimas)
etc.
Também nestes casos é cominada uma consequência jurídica desfavorável
(uma estatuição) para quem incorre num determinado facto previsto.
O objecto do Direito Penal são os factos penalmente relevantes, sendo os de
maior importância os crimes.
4. Definição formal e material de crime
Formalmente pode-se dizer que o crime é uma acção ou um facto típico, ilícito
e culposo.
Portanto, os crimes principais encontram-se na parte especial do CP. Mas
encontram-se muitos crimes tipificados em outros diplomas legislativos: Decreto-
lei2[2], leis.
Materialmente, crime é todo o comportamento humano que lesa ou ameaça de
lesão (põe em perigo) bens jurídicos fundamentais.
Existe um princípio basilar e que dá consistência à criminalização de
comportamentos que é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
O Direito Penal ao intervir, só deve emprestar a sua tutela, só está legitimada a
intervir para tutelar determinados bens de agressões humanas quando essa
tutela não puder ser eficazmente dada através de outros quadros sancionatórios
existentes no ordenamento jurídico. Ou seja, quando do direito civil, do direito
administrativo, não forem suficientemente eficazes para acautelar esses bens
jurídicos que as normas de Direito Penal procurem acautelar.
Bens jurídicos são valores da ordem ideal que o legislador considera, muitas
vezes por opção de para política, outras por opção de política penal ou política
criminal, procurando dar tutela jurídica. São bens jurídicos:
- Vida;
- Integridade física;
- Honra;
- Liberdade;
- Propriedade;
- Património em geral;
- Liberdade de movimentação;
- Liberdade de decisão; etc.

2[2]
Mediante autorização da Assembleia da República.
Por detrás de cada tipo legal de crime, encontram-se sempre a necessidade de
tutelar um ou mais bens jurídicos.
Não é legítima a criação de um comportamento criminoso, a criação de uma
incriminação, sem que por detrás dessa incriminação se tentem proteger bens
jurídicos fundamentais.
Formalmente o Direito Penal está legitimado pelas normas constitucionais,
mormente o art. 18º CRP, a Constituição aponta determinados critérios que o
legislador ordinário em matéria penal não pode ultrapassar. As normas penais
têm de estar em harmonia com as orientações constitucionais.
Mas, não é o legislador penal que cria o bem jurídico. O bem já existe porque é
um valor de ordem ideal, de ordem moral. Simplesmente o legislador, ao atribuir-
lhe tutela penal, transforma-o em bem jurídico.
A intervenção do Direito Penal por força do princípio da subsidiariedade só se
justifica quando seja para acautelar lesões ou ameaças de lesões de bens
jurídicos fundamentais.
5. Direito Penal no quadro das ciências penais
O Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas que têm a
virtualidade de associar a factos penalmente relevantes – os crimes e as
contravenções – determinadas consequências jurídico-penais.
- Formalmente, o Direito Penal é legitimado pelas próprias normas
constitucionais e a visão constitucional do funcionamento do Estado e da
sociedade é reflectida depois pelo legislador em sede de Direito Penal;
- Materialmente, aquilo que legitima o Direito Penal é a própria manutenção do
Estado e da própria sociedade.
Portanto, o Direito Penal só deve intervir quando e onde se torne necessário
para acautelar a inquebrantibilidade social.
Saber quais os bens estes valores da ordem moral e ideal que devem carecer de
disciplina jurídica e de tutela penal, pode fazer-se através de duas maneiras:
1) Através de um processo intra-sistemático, ou seja, inerente ao sistema:
averiguar quais são as incriminações constantes de legislação penal, quer
da parte especial do Código Penal, quer de legislação penal extravagante ou
avulsa; verificar que comportamento é que o legislador penal, face ao direito
vigente, considera como tal; saber depois de por detrás dessas
incriminações se encontram sempre bens jurídicos que o legislador pretende
tutelar.
2) Através de um plano sistemático crítico: indagam que valores, que bens,
carecem de tutela penal.
O Direito Penal é talvez o ramo de direito que mais próximo se encontra do
ordenamento moral. Muitos comportamentos que são considerados como
criminosos, não deixam de reflectir uma certa carga moral.
6. Princípio da subsidiariedade do Direito Penal
O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos
do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a
manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do
próprio Estado e da sociedade.
A este carácter subsidiário do Direito Penal, que se resume dizendo que o
Direito Penal intervém como ultima “ratio” no quadro do ordenamento jurídico
instrumental, deve opor-se um outro princípio que é o princípio da
fragmentariedade do Direito Penal, o Direito Penal não deve intervir para
acautelar lesões a todos e quaisquer bens, mas tão só àqueles bens
fundamentais, essenciais e necessários para acautelar a inquebrantibilidade
social.
O carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal deve ser também
analisado em consonância com outro princípio fundamental que é o princípio da
proporcionalidade.
Tal como Gallas dizia: “não se devem disparar canhões contra pardais, mesmo
que seja a única arma de que disponhamos”.
Significa isto que há que medir em termos de proporção, em termos de
grandeza, a necessidade que há de tutelar um bem fundamental, sendo certo que
a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são
características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental do
cidadão.
O Direito Penal só deve intervir quando a sua tutela é necessária e quando se
revela útil, quando tem alguma eficácia.
7. Âmbito e disciplina do Direito Penal
Segundo um critério que separa entre aplicação, criação e execução dos
preceitos de natureza penal, pode-se distinguir entre:
- Direito Penal material ou substantivo;
- Direito Penal adjectivo, formal ou Direito Processual Penal;
- Direito Penal da execução, também designado por Direito Penal executório ou
direito da execução penal.
A dogmática jurídico-penal, ou dogmática penal, é uma ciência normativa
que tem como fundamento e limite à lei positivada, a lei vigente. Neste caso, a lei
penal.
A dogmática parte da elaboração de conceitos que arruma num edifício lógico e
que vem permitir uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal, ou seja:
- Afirma-se que um crime é uma acção ou um facto típico, ilícito, culposo e
punível é obra dogmática;
- Afirmar-se, por exemplo, que um facto ilícito é um facto típico não justificado,
é também obra da dogmática jurídico-penal.
8. O que é a culpa?
É um juízo de censura formulado pela ordem jurídica a um determinado
agente.
Censura-se ao agente o facto de ele ter decidido pelo ilícito, o facto de ele ter
cometido um crime, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente, ter-se
decidido de harmonia com o direito.
Dentro do âmbito e delimitação do Direito Penal, pode-se distinguir três
conceitos:
1) Crimes;
2) Contravenções;
3) Contra-ordenações.
9. Principais diferenças de regime entre contravenção e crime
Nas contravenções não se pune nunca a tentativa, diferentemente do que
acontece no âmbito dos crimes por força do preceituado nos art. 22º e 23º CP, ou
seja, não há facto contravencional tentado, enquanto que há responsabilidade por
crimes praticados na forma tentada.
Não se pune a cumplicidade no âmbito das contravenções; ao passo que os
cúmplices dos crimes são punidos com as penas fixadas para os autores,
especialmente atenuadas, conforme preceitua o art. 27º/2 CP.
Quanto aos prazos de prescrição do procedimento criminal, tanto maiores
são quanto maiores forem as penas.
Tendencialmente é verdade que as contravenções são menos graves que os
crimes; por força do princípio da proporcionalidade, que é também um princípio de
política penal, a facto menos graves devem corresponder sanções menos graves;
onde, as contravenções são menos sancionadas que os crimes; logo, se os prazos
de prescrição do procedimento criminal são mais amplos consoante maiores
forem as penas, então se pode dizer que os prazos de prescrição do procedimento
criminal são mais curtos no âmbito das contravenções do que no âmbito dos
crimes (art. 117º CP).
É admissível a extradição em matéria de crime; não se admite extradição se se
tratar de uma contravenção.
No âmbito dos crimes, só há responsabilidade criminal se os factos forem
praticados dolosamente; ressalva-se a excepção do art. 13º CP, e a
responsabilização criminal por facto negligente, quando a lei expressamente o
disser.
Nas contravenções é indiferente a responsabilização fundada em facto doloso
ou facto negligente.
10. Semelhanças entre ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social
Ambos os ilícitos tentam proteger valores dignos de protecção legal.
O ilícito penal empresta, efectivamente, a protecção jurídico-penal, e o ilícito
de mera ordenação social empresta uma tutela administrativa.
Para prevenir violações a esses interesses que carecem de protecção legal,
ambos os ilícitos impõem aos infractores consequências jurídicas desfavoráveis.
Por outro lado, o crime tem de ser um facto típico. Também a contra
ordenação tem de ser tipificada na lei; conforme a definição do art. 1º CP.
O crime tem de ser um facto ilícito, contrário à lei. Por força do disposto no art.
1º DL 433/82, também a contra-ordenação.
O crime é um facto censurável e a contra-ordenação também.
11. Diferenças entre ilícito penal e ilícito de mera ordenação social
Os seus fins:
Âmbito de aplicação, enquanto que no âmbito do ilícito penal se exige sempre a
intervenção judicial, não se pode aplicar nenhuma sanção jurídico-penal sem a
intervenção dos tribunais.
Quem aplica as coimas no ilícito da mera ordenação social é a administração;
só em caso de não conformação é que poderá haver recurso para os tribunais
comuns3[3].
As sanções dos ilícitos são diferentes:
- A sanção característica do ilícito penal é a pena que assume duas
modalidades:
· Pena de multa, de natureza essencialmente pecuniária, mas que, quando
não paga, pode ser convertida em pena de prisão;
· Pena de prisão, que consiste numa privação da liberdade humana.
- A sanção do ilícito de mera ordenação social é a coima, que tem uma
natureza pecuniária e que, quando não paga, não pode ser convertida em
prisão.
No ilícito penal é possível a prisão preventiva. No ilícito da mera ordenação
social, não é admissível a prisão preventiva; é, contudo possível a detenção por 24
horas para identificação do suspeito.
No âmbito do ilícito penal, por regra e por força do art. 11º CP, vigora o
princípio da personalidade, salvo disposição em contrário, só as pessoas
singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Diferentemente sucede
no ilícito da mera ordenação social, em que as pessoas colectivas podem ser
sancionadas (art. 7º DL 433º/82). Não há impedimento conceitual à aplicação de
coimas a pessoas colectivas, diferentemente do que sucede enquanto regra no
âmbito do Direito Penal.
12. Direito Penal geral e Direito Penal especial
A base da distinção encontra-se no art. 8º CP.

3[3]
E não tribunais administrativos.
Quando se fala no artigo em Direito Penal militar e Direito Penal da marinha
mercante, isso são fundamentalmente leis penais específicas, ou seja, leis que
têm a ver com a categoria funcional de determinadas pessoas e que valem,
portanto, dentro de determinados limites. Aplicam-se, como os nomes indicam,
aos agentes que detêm essas qualidades.
Portanto, as disposições deste código penal aplicam-se não só ao Direito Penal,
como à restante legislação especial.
Significa, pois que o código penal está dividido em duas partes:
- Uma parte geral, que vai até o art. 130º CP, inclusive;
- Uma parte especial, que vai do art. 131º CP, em diante.
Há leis de carácter pessoal4[4] que saíram posteriormente à feitura e à
elaboração do código penal.

4[4]
Direito Penal especial.

TEORIA DO BEM JURÍDICO

13. Noção
Essência do Direito Penal como objectivo de proteger bens jurídicos fundamentais.
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um interesse de uma
pessoa ou da comunidade, integridade do Estado, vão-se sentar na própria pessoa ou na
comunidade.
Trata-se do objecto do Direito Penal, objecto que é em si mesmo socialmente
relevante fundamental para a integridade do Estado.
A noção material de crime era todo o comportamento humano que lesava ou ameaçava
de lesão bens jurídicos fundamentais.
A ideia de que o crime lesa bens fundamentais e não direitos remonta a Birnbaum (séc.
XIX), que vem dizer que os crimes não lesam direitos, mas sim bens, isto é, entidades
para além da própria ordem jurídica.
Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores da
existência social.
Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem, preexistem,
sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere tutela jurídica transforma
esses bens em bens jurídicos.
Estes bens são interesses da coexistência social, são valores reputados fundamentais
à própria existência da sociedade organizada em termos de Estado. Os comportamentos
que agridam lesem, ponham em causa, façam perigar esses interesses, devem ser
objecto de uma reacção.
O Direito Penal não deve intervir para tutelar todo e qualquer bem jurídico; o Direito
Penal deve intervir apenas para tutelar as ofensas mais graves a esses bens jurídicos
que, por outro lado, têm de ser bens jurídicos fundamentais, daí carácter subsidiário e
fragmentário do Direito Penal.
O Direito Penal só deve intervir para proteger bens jurídicos fundamentais, ou seja,
valores, interesses sociais e individuais juridicamente reconhecidos quer do próprio, quer
da colectividade, em virtude do especial significado que assumem para a sociedade e das
suas valorações éticas, sociais e populares.
O Direito Penal justifica a sua intervenção não só devido à natureza dos bens jurídicos
em causa, que têm de ser bens jurídicos fundamentais, mas também atendendo à
intensidade da agressão que é levada a cabo para com esses bens jurídicos
fundamentais.
14. Evolução do conceito de bem jurídico
Existem várias perspectivas
a) Concepção liberal ou individual
Ligada ao liberalismo e a Füerbach, constata-se que há crime quando se verifica uma
lesão de bens jurídicos que estão concretizados na esfera jurídica de um certo indivíduo.
Portanto, uma lesão de valores ou interesses que correspondem a bens jurídicos
subjectivos.
b) Concepção metodológica de bem jurídico
Procuram ver no bem jurídico um papel voltado para uma função interpretativa.
Fornecer fórmulas para interpretar as normas. Instrumento de interpretação dos tipos
legais de crimes. O bem jurídico tem como papel fundamentar a intervenção do Direito
Penal.
c) Concepção social
Independentemente destes valores e interesses estarem subjectivados, concretizados
na esfera jurídica de um indivíduo, podendo estar efectivamente imanentes à
colectividade social.
Não necessitam, de ser individualmente encabeçados na esfera social de um
determinado sujeito em concreto. Os bens jurídicos são vistos numa óptica social, como
bens universais pertencentes à colectividade.
d) Concepção funcional
Podia-se ver nos bens jurídicos, funções que esses mesmos bens jurídicos
desempenhavam para o desenvolvimento da própria sociedade, as funções sociais
desempenhadas por esses bens.
15. O bem jurídico hoje: concepção mista
O Prof. Figueiredo Dias, diz que os bens jurídicos são uma combinação de valores
fundamentais, por referência à axiologia constitucional.
São bens jurídicos fundamentais por referência à Constituição, aqueles que visam o
bom funcionamento da sociedade e das suas valorações éticas, sociais e culturais.
Portanto, uma concepção mista em que se dá ênfase a uma combinação individualista,
social ou mesmo funcional do bem jurídico.
Os bens jurídicos tutelados pelas diferentes incriminações têm de estar de acordo com
a Constituição, significando isto que: tem de estar em harmonia com o princípio da
representatividade política e com o princípio da reserva de lei formal, é a Assembleia da
República que deve efectivamente escolher quais esses valores, quais esses interesses
que carecem de tutela jurídico-penal.
16. Princípios fundamentais4[5]
De harmonia com os princípios imanentes a um Estado de direito democrático deve-se
dizer que só deve haver criminalização de comportamentos humanos quando a tutela
conferida por outros ramos de direitos não seja suficiente para acautelar esses bens
jurídicos, é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
As restrições limitam-se ao necessário, ou seja, se outros ramos do direito através das
suas sanções, forem suficientes para acautelar a manutenção destes bens jurídicos,
então não se impõe a tutela do Direito Penal, porque ela deixa de ser necessária, é o
princípio da necessidade.
Conjugam-se os princípios da necessidade e da subsidiariedade, o Direito Penal só
deve intervir quando estejam em causa bens jurídicos fundamentais e que outros ramos
de direito não sejam suficientes para salvaguardar os bens jurídicos. A ideia de
necessidade – a pena deve ser necessária.
Por outro lado, de harmonia com o princípio ou com o carácter fragmentário do Direito
Penal, não são todos os bens jurídicos que o Direito Penal deve tutelar, mas tão só os
que o art. 18º CRP indica: os bens fundamentais.
O princípio da proporcionalidade, a intensidade com que se devem restringir direitos
fundamentais do cidadão é variável consoante a necessidade maior ou menor que há de
tutelar outros bens jurídicos fundamentais, por referência à gravidade dos bens jurídicos
em questão.
A teoria do bem jurídico, legítima a intervenção do Direito Penal nos quadros
valorativos do art. 18º CRP, tendo efectivamente um poder muito forte de critica
argumentativa e permite ao legislador, ou ao jurista verificar:
Por um lado, se esses bens jurídicos que o legislador resolve tutelar quando cria
incriminações são:
- Bem jurídico fundamental, se o não forem, a tutela do Direito Penal é inconstitucional;
- Permite verificar se a intensidade da agressão justifica a tutela do Direito Penal, isto é,
se é efectivamente necessária a tutela do Direito Penal ou se outra tutela será
suficiente.
Por outro lado, permite dizer se o legislador ordinário respeitou a axiologia
constitucional nas diferentes incriminações e nas inserções sistemáticas dos
diferentes tipos legais de crime; permite verificar também se o princípio da
proporcionalidade do Direito Penal, assente em que, as diferentes gravidades de
ilícito devem corresponder diferentes penas, se isso é ou não observado.
17. Relação ordem jurídica penal e ordem jurídica constitucional
O Prof. Figueiredo Dias, diz que existe uma axiologia constitucional, os bens jurídicos,
são exclusivamente definidos na Constituição. Mútua referência, só não ordem
constitucional, é possível identificar os bens jurídicos que a ordem jurídica vai defender.
A restrição do Direito Penal é a restrição de uma tutela de bens jurídico
constitucionalmente consagrados. Compromisso de ter de proteger os bens jurídicos
constitucionalmente consagrados.
- Direito Penal de justiça ou clássico ou primário: corresponde ao núcleo de bens
jurídicos consagrados constitucionalmente, estando consagrados no Código Penal;
- Direito Penal secundário: todos os bens jurídicos que estavam na Constituição, mas
não nos direitos, liberdade e garantias, não devem ser tratados no Código Penal,
mas em legislação avulsa.
Não há uma exclusiva vinculação da ordem penal à constitucional. A ordem
constitucional identifica valores fundamentais, na ordem social, encontram-se valores que
podem fazer intervir o Direito Penal, valores que poderão não estar referidos
constitucionalmente.
Não há correspondência total da ordem penal na ordem constitucional
4[5]
Art. 18º/2 CRP.

TEORIA DO BEM JURÍDICO

13. Noção
Essência do Direito Penal como objectivo de proteger bens jurídicos fundamentais.
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um interesse de uma
pessoa ou da comunidade, integridade do Estado, vão-se sentar na própria pessoa ou na
comunidade.
Trata-se do objecto do Direito Penal, objecto que é em si mesmo socialmente
relevante fundamental para a integridade do Estado.
A noção material de crime era todo o comportamento humano que lesava ou ameaçava
de lesão bens jurídicos fundamentais.
A ideia de que o crime lesa bens fundamentais e não direitos remonta a Birnbaum (séc.
XIX), que vem dizer que os crimes não lesam direitos, mas sim bens, isto é, entidades
para além da própria ordem jurídica.
Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores da
existência social.
Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem, preexistem,
sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere tutela jurídica transforma
esses bens em bens jurídicos.
Estes bens são interesses da coexistência social, são valores reputados fundamentais
à própria existência da sociedade organizada em termos de Estado. Os comportamentos
que agridam lesem, ponham em causa, façam perigar esses interesses, devem ser
objecto de uma reacção.
O Direito Penal não deve intervir para tutelar todo e qualquer bem jurídico; o Direito
Penal deve intervir apenas para tutelar as ofensas mais graves a esses bens jurídicos
que, por outro lado, têm de ser bens jurídicos fundamentais, daí carácter subsidiário e
fragmentário do Direito Penal.
O Direito Penal só deve intervir para proteger bens jurídicos fundamentais, ou seja,
valores, interesses sociais e individuais juridicamente reconhecidos quer do próprio, quer
da colectividade, em virtude do especial significado que assumem para a sociedade e das
suas valorações éticas, sociais e populares.
O Direito Penal justifica a sua intervenção não só devido à natureza dos bens jurídicos
em causa, que têm de ser bens jurídicos fundamentais, mas também atendendo à
intensidade da agressão que é levada a cabo para com esses bens jurídicos
fundamentais.
14. Evolução do conceito de bem jurídico
Existem várias perspectivas
a) Concepção liberal ou individual
Ligada ao liberalismo e a Füerbach, constata-se que há crime quando se verifica uma
lesão de bens jurídicos que estão concretizados na esfera jurídica de um certo indivíduo.
Portanto, uma lesão de valores ou interesses que correspondem a bens jurídicos
subjectivos.
b) Concepção metodológica de bem jurídico
Procuram ver no bem jurídico um papel voltado para uma função interpretativa.
Fornecer fórmulas para interpretar as normas. Instrumento de interpretação dos tipos
legais de crimes. O bem jurídico tem como papel fundamentar a intervenção do Direito
Penal.
c) Concepção social
Independentemente destes valores e interesses estarem subjectivados, concretizados
na esfera jurídica de um indivíduo, podendo estar efectivamente imanentes à
colectividade social.
Não necessitam, de ser individualmente encabeçados na esfera social de um
determinado sujeito em concreto. Os bens jurídicos são vistos numa óptica social, como
bens universais pertencentes à colectividade.
d) Concepção funcional
Podia-se ver nos bens jurídicos, funções que esses mesmos bens jurídicos
desempenhavam para o desenvolvimento da própria sociedade, as funções sociais
desempenhadas por esses bens.
15. O bem jurídico hoje: concepção mista
O Prof. Figueiredo Dias, diz que os bens jurídicos são uma combinação de valores
fundamentais, por referência à axiologia constitucional.
São bens jurídicos fundamentais por referência à Constituição, aqueles que visam o
bom funcionamento da sociedade e das suas valorações éticas, sociais e culturais.
Portanto, uma concepção mista em que se dá ênfase a uma combinação individualista,
social ou mesmo funcional do bem jurídico.
Os bens jurídicos tutelados pelas diferentes incriminações têm de estar de acordo com
a Constituição, significando isto que: tem de estar em harmonia com o princípio da
representatividade política e com o princípio da reserva de lei formal, é a Assembleia da
República que deve efectivamente escolher quais esses valores, quais esses interesses
que carecem de tutela jurídico-penal.
16. Princípios fundamentais4[5]
De harmonia com os princípios imanentes a um Estado de direito democrático deve-se
dizer que só deve haver criminalização de comportamentos humanos quando a tutela
conferida por outros ramos de direitos não seja suficiente para acautelar esses bens
jurídicos, é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
As restrições limitam-se ao necessário, ou seja, se outros ramos do direito através das
suas sanções, forem suficientes para acautelar a manutenção destes bens jurídicos,
então não se impõe a tutela do Direito Penal, porque ela deixa de ser necessária, é o
princípio da necessidade.
Conjugam-se os princípios da necessidade e da subsidiariedade, o Direito Penal só
deve intervir quando estejam em causa bens jurídicos fundamentais e que outros ramos
de direito não sejam suficientes para salvaguardar os bens jurídicos. A ideia de
necessidade – a pena deve ser necessária.
Por outro lado, de harmonia com o princípio ou com o carácter fragmentário do Direito
Penal, não são todos os bens jurídicos que o Direito Penal deve tutelar, mas tão só os
que o art. 18º CRP indica: os bens fundamentais.
O princípio da proporcionalidade, a intensidade com que se devem restringir direitos
fundamentais do cidadão é variável consoante a necessidade maior ou menor que há de
tutelar outros bens jurídicos fundamentais, por referência à gravidade dos bens jurídicos
em questão.
A teoria do bem jurídico, legítima a intervenção do Direito Penal nos quadros
valorativos do art. 18º CRP, tendo efectivamente um poder muito forte de critica
argumentativa e permite ao legislador, ou ao jurista verificar:
Por um lado, se esses bens jurídicos que o legislador resolve tutelar quando cria
incriminações são:
- Bem jurídico fundamental, se o não forem, a tutela do Direito Penal é inconstitucional;
- Permite verificar se a intensidade da agressão justifica a tutela do Direito Penal, isto é,
se é efectivamente necessária a tutela do Direito Penal ou se outra tutela será
suficiente.
Por outro lado, permite dizer se o legislador ordinário respeitou a axiologia
constitucional nas diferentes incriminações e nas inserções sistemáticas dos
diferentes tipos legais de crime; permite verificar também se o princípio da
proporcionalidade do Direito Penal, assente em que, as diferentes gravidades de
ilícito devem corresponder diferentes penas, se isso é ou não observado.
17. Relação ordem jurídica penal e ordem jurídica constitucional
O Prof. Figueiredo Dias, diz que existe uma axiologia constitucional, os bens jurídicos,
são exclusivamente definidos na Constituição. Mútua referência, só não ordem
constitucional, é possível identificar os bens jurídicos que a ordem jurídica vai defender.
A restrição do Direito Penal é a restrição de uma tutela de bens jurídico
constitucionalmente consagrados. Compromisso de ter de proteger os bens jurídicos
constitucionalmente consagrados.
- Direito Penal de justiça ou clássico ou primário: corresponde ao núcleo de bens
jurídicos consagrados constitucionalmente, estando consagrados no Código Penal;
- Direito Penal secundário: todos os bens jurídicos que estavam na Constituição, mas
não nos direitos, liberdade e garantias, não devem ser tratados no Código Penal,
mas em legislação avulsa.
Não há uma exclusiva vinculação da ordem penal à constitucional. A ordem
constitucional identifica valores fundamentais, na ordem social, encontram-se valores que
podem fazer intervir o Direito Penal, valores que poderão não estar referidos
constitucionalmente.
Não há correspondência total da ordem penal na ordem constitucional
4[5]
Art. 18º/2 CRP.

TEORIA DA LEI PENAL

23. Síntese histórica


Leis há que ainda não estão suficientemente maduras ou experimentadas, para
passarem a integrar imediatamente a parte especial do código penal, e
consequentemente não têm aquele carácter de estabilidade que devem ter as
normas constantes de um código.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

24. Fundamentos

O Direito Penal funda-se na Constituição, as normas penas ordinárias são


autorizadas, são delegadas por outras normas, essas de natureza constitucional.

Na Constituição encontram-se vários conjuntos de normas que conexionam


directamente com o Direito Penal.

A primeira manifestação de direito organizado na península ibérica – período visigótico


– relativo ao Direito Penal foi o Código Visigótico, que tentava restringir o poder do
imperador, e o máximo de obediência à lei, referência a incriminações de carácter doloso.
Influência árabe, período da reconquista, não há uma lei concreta.
No séc. XII e XIII, formas de organização do Estado – período afonsino. Concentra-se
nos reis os poderes, tendo o mesmo monopólio do poder de punir. Há tentativas de
organizar o poder – centralização do poder real, limitar as questões de justiça privada.
Atribuir exclusividade de repressão pública. As penas eram marcadas por grande
crueldade.
Nos livros das ordenações há uma linha idêntica na matéria de punição, estas
ordenações mantiveram-se até ao séc. XIX (1852).
Características das ordenações:
- Casuísmo: direito casuísta evolui na aplicação concreta de casos a caso;
- Arbitrariedade: o juiz tinha uma longa margem de discricionariedade de fazer
funcionar as penas daquele que estava perante si, as penas eram transmissíveis;
- Desigualdade: as penas eram aplicadas em conformidade com a posição social do
acusado.
Este período dura até ao constitucionalismo liberal 4[13]. Há uma tentativa de criação de
um Código Penal em 1779, é inspirado pelos movimentos europeus de Direito Penal 4[14].
No séc. XIX – 1822 – com a constituição liberal vem reorganizar o Estado português –
corte com o regime das ordenações contendo princípios de Direito Penal.
- Princípio da humanização das penas passou a ser proibido certas penas cruéis;
- Combater a desigualdade das penas;
- Necessidade das penas;- Princípio da proporcionalidade das penas;
- Acabar com a transmissibilidade da responsabilidade criminal.
Em 1852 é feito o primeiro Código Penal Português, transpõe para o Direito Penal os
princípios penas consagrados.
Em 1886 é feito um novo Código Penal, não mais do que o Código Penal de 1852 com
algumas alterações.
Em 1954 é reformado, autoria de Cavaleiro Ferreira.
O Código Penal de 1982 consiste nos projectos e ante-projectos do Prof. Eduardo
Correia:
- De 1963, no que à parte geral diz respeito;
- De 1966, no que à parte especial diz respeito.
Sofre alterações em 1984 e uma profunda alteração de 195, dirigida por Figueiredo
Dias, alteração à parte especial.
Em primeiro lugar encontram-se um grupo de normas que proíbem certas
penas e certas medidas de segurança5[15]. Neste sentido pode-se ver aqui que este
conjunto de normas constitucionais que proíbem certas penas ou certas medidas
de segurança filiam-se num princípio de política penal, que é o princípio da
humanidade das penas.

Mas na Constituição encontram-se também normas que proíbem a


transmissibilidade das penas; o art. 30º/3 CRP, consagra assim, o princípio da
intransmissibilidade das penas e acolhe o carácter pessoal da responsabilidade
penal (art. 11º CP).

A Constituição contém também um conjunto de normas que delimitam a


aplicação no tempo das leis penais e fixam o âmbito da sua interpretação (art. 29º
CRP):

- Art. 29º/1, proíbe-se a retroactividade das leis penais incriminadoras;

- Art. 29º/3, proíbe a integração de lacunas em Direito Penal por analogia;

- Art. 29º/4, impõe obrigatoriamente a retroactividade das leis penais mais


favoráveis ao agente;

- Art. 29º/5, consagra-se o princípio “ne bis in idem”, ou seja, o princípio de


que ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática do
mesmo facto.

Também os princípios gerais de direito internacional são fonte de Direito Penal


(art. 29º/2 CRP).

O Direito Penal funda-se também no sentido de que o legislador ordinário deve


de alguma forma dar acolhimento e plasmar a axiologia ou a valoração
constitucional.

Diz-se que as valorações, as opções axiológicas constitucionais devem ser


respeitadas pelas normas penais, porque é a Constituição que contem os valores
que o Direito Penal deve proteger (art. 18º CRP):

- Princípio da necessidade da pena: da máxima restrição da pena e das


medidas de segurança;

- Princípio da intervenção mínima do Direito Penal, ou da subsidiariedade do


Direito Penal;

A lei, só pode intervir para restringir ou limitar direitos, liberdades e garantias


fundamentais quando isso se revele absolutamente imprescindível para acautelar
outros direitos tão fundamentais.

- Princípio da jurisdicionalidade da aplicação do Direito Penal ou


princípio da mediação judicial (arts. 27º/2, 33º/4, 30º/2 CRP):

As sanções de Direito Penal e a responsabilidade criminal de uma pessoa só


podem ser decididas pelos tribunais, que são órgãos de soberania,
independentes, órgãos que julgam com imparcialidade.
Outro princípio fundamental que norteia todo o Direito Penal é o princípio da
legalidade, na sua essência visa a submissão dos poderes estabelecidos à lei,
traduz-se numa limitação de poderes estabelecidos pela própria lei.

25. Decorrência do princípio da legalidade

Princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, princípio de que não
há crime nem pena sem lei, extrai-se o seguinte:

- Não pode haver crime sem lei;

- A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula poena
sine lege certa”;

- Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena sine lege
previa”;

- Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras –


“nullum crime nulla poena sine lege strica”;

- Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a retroactividade


das leis penais mais favoráveis.

Por outro lado, o princípio da legalidade impõe particularidades no âmbito da


competência para a criação de normas penais incriminadoras e normas penais
favoráveis.

O princípio da legalidade impõe a exigência da intervenção judicial ou da


imediação judicial na aplicação ou na apreciação da responsabilidade criminal do
agente. O princípio da legalidade impõe ainda a proibição de uma dupla
condenação pelo mesmo facto.

Uma lei penal não deve conter tão só a descrição de um comportamento


considerado crime; deve conter, em conexão com essa descrição, a correspectiva
sanção jurídico-penal.

O princípio da legalidade tem um fundamento político, um fundamento saído


da Revolução Francesa, do Iluminismo, e que assenta na ideia de que existe uma
razão comum a todos os homens que encontram expressão comum na lei e
evitam o arbítrio.

Neste sentido, o princípio da legalidade tem como fundamento a garantia dos


direitos individuais.

O princípio da legalidade, mesmo no domínio do Direito Penal tem uma


justificação e um fundamento de constituir uma garantia de direitos individuais
do cidadão.

Enquanto submissão do poder de punir o Estado à lei, o princípio da legalidade


tem esse fundamento: garantir os direitos individuais do cidadão.

26. Decorrências do princípio da legalidade enquanto garantia dos direitos


individuais do cidadão
a) Missão de fazer leis penais

Uma delas afere-se pelas pessoas que têm a missão de criar crimes e
estabelecer as correspondentes sanções jurídico-penais, isto é, que tem a missão
de fazer leis penais.
Do princípio da legalidade decorre a ideia de que não há crime nem pena sem
lei (escrita), a definição de um comportamento como crime e a correspondente
sanção que se lhe aplica tem de constar de uma lei escrita. Tem competência
para criar normas incriminadoras6[16], a Assembleia da República (art. 165º CRP).

b) Não há crime nem pena sem lei prévia

É outra concretização do princípio da legalidade na garantia de direitos


individuais, a exigência de lei prévia, “nullum crimen nulla poena sine lege prévia”.

Impõe que as leis a aplicar sejam a lei que vigora no momento da prática do
facto.

Outro princípio que é o da imposição de leis penais retroactivas quando as leis


penais posteriores forem favoráveis ao arguido, ao agente.

c) Exigência de lei expressa

Pode ser analisada a partir de duas outras decorrências:

1) O princípio de que não há crime nem pena sem lei certa – “nullum crimen
nulla poena sine lege certa”;

2) Decorrência de que não existe crime nem pena sem lei escrita – “nullum
crimen nulla poena sine lege scripta”.

d) Exigência de intervenção judicial, “nullum crimen nulla poena sine juditio”.

Neste sentido, as sanções jurídico-penais sejam elas penas ou medidas penais,


têm de ser sempre aplicadas por um órgão de soberania independente, com a
finalidade de aplicar a justiça, que entre nós são os tribunais.

e) Proibição de dupla condenação pelo mesmo facto

Consagra-se o princípio “ne bis in idem”, isto é, o princípio de que ninguém


pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto.

Existem categorias analíticas e sistemáticas da teoria do facto punível: são as


categorias da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade. Muito genericamente dir-
se-á:

1) O crime é um facto humano;

2) Tem de ser típico, ou seja, tem de estar descrito numa lei, tem de
corresponder a uma descrição legal;

3) Este facto tem ainda de ser simultaneamente ilícito.

27. Fontes de Direito Penal

a) A lei (escrita)

Aqui está a tal decorrência do princípio da legalidade “nullo crimen nulla poena
sine lege scripta”, não há crime nem pena sem lei escrita (art. 165º CRP).
b) Costume
Como fonte de incriminação não é admissível em Direito Penal, de contrário
violaria o disposto no art. 1º CP, e arts. 29º e 165º/1-c CRP, nomeadamente
estaria a violar o princípio da representatividade política e da reserva da lei
formal.

No entanto o costume tem valia quando visa, não criar ou agravar a


responsabilidade penal do agente, mas quando a sua intervenção resulte benéfica
para o agente: ou seja, quando o costume se venha traduzir no âmbito de uma
norma favorável, isto é, quando o costume de alguma forma venha atenuar ou
mesmo excluir a responsabilidade criminal do agente.

c) Jurisprudência

Não é fonte imediata de direito.

Reconduz-se à aplicação da lei ao caso concreto.

Há uma grande tendência para que os tribunais se orientem para decisões


anteriores.

d) Doutrina

Não é fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata. Corresponde ao


conjunto das opiniões dos eminentes penalistas.

e) Fontes de direito internacional – tratado

São fonte de Direito Penal, tal como a lei, porque depois de todo o processo de
assinatura, aprovação, ratificação, eles entram na ordem jurídica nacional como
lei escrita.

28. Interpretação da lei penal

Tem-se de dividir as normas penais em dois grupos: normas incriminadoras e


normas favoráveis.

Deve entender-se por normas incriminadoras aquelas que criam ou agravam


a responsabilidade jurídico-penal do agente. São aquelas normas que de alguma
forma contêm a criação de crimes, ou que contêm agravamentos dos
pressupostos de punibilidade ou de punição.

Normas favoráveis, são aquelas normas que visam diminuir a


responsabilidade jurídico-penal do agente, ou atenuá-la, tornando mais suaves os
pressupostos da punibilidade ou da punição.

a) Normas penais incriminadoras

Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras, de


outra forma estar-se-ia a violar o princípio da legalidade na sua decorrência
“nullum crimen nulla poena sine lege stricta”, ou seja, de que as normas penais
devem ser estritamente aplicadas; é admissível a interpretação restritiva; proíbe-
se a aplicação analógica no âmbito das normas penais incriminadoras, quer por
analogia legis, quer por analogia iuris.
b) Normas penais favoráveis

Proíbe-se a interpretação restritiva de normas penais favoráveis; admite-se a


interpretação extensiva; relativamente ao problema da analogia:
1) Alguns autores – Teresa Beleza, etc., admitem a analogia, nas normas
penais favoráveis;

2) Outros autores – Cavaleiro Ferreira – a analogia em Direito Penal, quer de


normas favoráveis, quer de normas incriminadoras, está vedada;

3) Outros ainda – Frederico da Costa Pinto – entende que no âmbito das


normas favoráveis a analogia está de todo excluída. Em certos casos
pode-se admitir a interpretação extensiva de normas favoráveis, mas não
é possível o recurso à analogia no âmbito de normas favoráveis.

29. Normas incriminadoras

A interpretação extensiva em normas incriminadoras não é possível. Só é


possível, no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação declarativa lata.
Tudo aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua razão de ser,
à sua “ratio”, se ultrapassar este sentido literal máximo possível já se está a fazer
interpretação extensiva. Esta não deve ser admitida em Direito Penal, porque se
entende que por força do princípio da legalidade, na sua vertente garantia, se
exige que a lei penal seja uma lei penal expressa. Assim a norma deve dizer
expressamente quais são as condutas, activas ou omissivas que, a serem ou não
adoptadas, constituem objecto de incriminação em sede de Direito Penal. No
entanto admite-se a interpretação restritiva.

Afirma-se rotundamente que não é possível integrar lacunas por analogia. Isto
é, perante um caso omisso que o legislador penal ano tipificou, não classificou
como crime, o juiz não pode, ao contrário de que acontece no domínio do direito
civil regular esse caso omisso, nem recorrendo à analogia legis, nem à analogia
iuris, nem tão pouco criar a norma de harmonia com o espírito do sistema. O juiz
pura e simplesmente julga, absolvendo.

30. Normas favoráveis

As normas favoráveis são aquelas que visam, ou que traduzem para o agente,
uma posição mais benéfica porque:

- Ou excluem a ilicitude de um facto típico e portanto justificam o facto e


tornam-no ilícito, tornando-o ilícito, excluem a responsabilidade penal,
porque não há responsabilidade penal por factos lícitos.

- Ou tornam-se mais brandos, mais suaves, os pressupostos da punibilidade e


da punição.

Pode-se fazer interpretação extensiva, mas com limites.

Mas já não se aceita que se faça interpretação restritiva de normas penais


favoráveis, isto porque, a ser possível, diminuir-se-ia o campo de aplicabilidade
destas normas favoráveis, o que significa aumentar o campo de punibilidade.

Quanto à analogia:

Existem várias posições. Uma (Teresa Beleza) admite-se a integração de


lacunas no âmbito de normas penais favoráveis.

Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por


analogia no âmbito de normas penais favoráveis, desde que essa analogia não se
venha a traduzir num agravamento da posição de terceiros, por ele ter de
suportar na sua esfera jurídica efeitos lesivos ou por ter auto-limitado o seu
direito de defesa.

31. Leis penais em branco

É uma norma que contem uma sanção para um pressuposto ou um conjunto


de pressupostos de possibilidade ou de punição que não se encontram expressos
na lei, mas sim noutras normas de categoria hierárquica igual ou inferior à
norma penal em branco7[17].

Levantam-se problemas quanto à constitucionalidade de tais normas,


precisamente porque no entender de determinada doutrina, estas normas
seriam inconstitucionais por consistirem numa violação de uma decorrência do
princípio da legalidade que é a existência de lei penal expressa, mais
concretamente a existência de lei penal certa – “nullum crimen nulla poena sine
lege certa”.
A doutrina maioritária defende a constitucionalidade e validade das normas
penais em branco, dentro de certos limites ou desde que sejam respeitados
determinados limites.
Desde que as normas penais em branco contenham os pressupostos mínimos
de punibilidade e de punição, ou seja, que digam quem são os destinatários e
em que posição é que eles se encontram e que contenham a respectiva sanção;
desde que correspondam a uma verdadeira necessidade que o legislador tem de
tutelar bens jurídicos fundamentais através desta técnica, sob pena de não o
fazendo, a alternativa resultaria da sua desprotecção, estas normas não serão
inconstitucionais.
32. Concurso legal ou aparente de normas
Na determinação da responsabilidade criminal dos agentes que praticam factos
penalmente relevantes podem suceder situações de anulação ou concurso de
infracções, sempre que o agente com a sua conduta cometa uma pluralidade de
infracções. As quais podem traduzir o preenchimento de vários tipos de crimes,
ou do mesmo tipo mais do que uma vez.
A teoria do concurso permite distinguir os casos nos quais as normas em
concurso requerem uma aplicação conjunta, das situações em que o conteúdo
da conduta é absorvido por uma única das normas.
- Concurso efectivo ou concurso de crimes: constitui a situação em que o agente
comete efectivamente vários crimes e a sua responsabilidade contempla
todas essas infracções praticadas;
- Concurso aparente ou concurso de normas: uma vez que a conduta do agente
só formalmente preenche vários tipos de crimes, na concretização da sua
responsabilidade a aplicação de um dos crimes afasta a aplicação de outro
ou outras de que o agente tenha também preenchido os elementos típicos.
Em rigor não se pode falar em verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em
concurso de normas (concurso legal), o qual se traduz num problema de
determinação da norma aplicável8[18].
O tema do concurso de infracções deve ser integrado no âmbito da teoria da
infracção, constituindo uma forma de crime.
O que se depreende da prática judiciária, em consonância com a maioria da
doutrina é que a resolução concreta do concurso de normas opera no momento
final da teoria da infracção. Sendo sempre um dos últimos passos na resolução
da responsabilidade dos intervenientes no crime.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação e
hierarquia, podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações:
1) Relação de especialidade

Uma norma encontra-se numa relação de especialidade em relação a outra


quando acrescenta mais um tipo incriminador, não a contradizendo contudo.
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que as
normas se podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a
moldura penal mais elevada, como a norma que contenha a moldura penal mais
baixa.

2) Relação de subsidiariedade

Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não


aplicabilidade de outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a
outra não se aplique. A norma prevalecente condiciona de certo modo o
funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Distinguem-se dois tipos:

a) Subsidiariedade expressa: é a própria lei que afirma expressamente que


uma norma só se aplica se aquela outra não se puder aplicar;

VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEI

33. Introdução

Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem uma
lei anterior ao momento da prática do facto que declare esse comportamento
como crime e estabeleça para ele a correspondente sanção9[19].

Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto. Mas a


aplicação externa ou exacerbada deste princípio poderia levar a situações
injustas. Donde o princípio geral em matéria penal é de que as leis penais mais
favoráveis aplicam-se sempre retroactivamente.

34. Aplicação da lei

Qual é a lei que no momento do julgamento o juiz devia aplicar ao arguido? É a


lei do momento da prática do facto, que é a mas favorável, do que a lei
posterior, ainda que essa lei tenha revogado aquela. Existe ultra-actividade da
lei penal, porque se aplica sempre a lei penal de conteúdo mais favorável ao
arguido.
O momento da prática do facto é sempre aquele em que, no caso de se tratar de
um crime comissivo ou por acção, o agente actuou, ou, no caso de se tratar de
um crime omissivo, no momento em que o agente deveria ter actuado.

9[19]
Nullum crimen nulla poena sine lege previa
Duas situações
Uma nova lei vem descriminalizar uma determinada conduta. Como deve reagir
a ordem jurídica? Se a conduta vier a ser descriminalizada não deve ser
condenado por essa conduta, mesmo que o agente tenha já sido condenado e se
encontre detido (art. 2º/2 CP). Cessa os efeitos penais – princípio da aplicação da
lei mais favorável.

Regime que se revela concretamente mais favorável, deve-se aplicar este regime
ao agente.

No entanto a lei no art. 2º/4 CP coloca um limite para o efeito retroactivo –


“salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”. É
diferente dos efeitos da descriminalização.

Há autores que defendem a inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP, outros


defendem a sua constitucionalidade.

35. Constitucionalidade do art. 2º/4 CP

A Constituição de 1976 foi revista em 1982, o Código Penal é de 1982 e entrou


em vigor em 1983; donde, o legislador penal deveria ter conhecimento das
disposições constitucionais e se legislou ordinariamente consagrando esta
ressalva, é porque a ressalva não é incompatível com o disposto na Constituição,
por ser legislação posterior.

Não é incompatível o art. 2º/4 CP com o art. 29º/4 CRP, na medida em que a
Constituição manda aplicar retroactivamente a lei de conteúdo mais favorável ao
arguido, e arguido tem um sentido técnico-jurídico rigoroso: uma coisa é arguido,
outra é condenado e outra ainda é réu.

O art. 2º/4 CP, diz que a lei penal de conteúdo mais favorável só não se aplica
ao condenado, e isto porque, se já há trânsito em julgado da sentença
condenatória, é porque esse indivíduo já foi condenado, não se estando a falar em
arguido mas sim em condenado.

A entender-se o contrário, ou seja, a entender-se a aplicabilidade da lei mais


favorável, pôr-se-ia em causa o princípio “ne bis in idem”, e também se poria em
causa a intangibilidade no caso julgado.

Se realmente se pudesse aplicar retroactivamente esta lei mais favorável, então


estava-se a julgar outra vez o mesmo indivíduo pela prática do mesmo facto. E o
princípio “in bis in idem”, de que ninguém deve ser julgado/condenado duas vezes
pelo mesmo facto (art. 29º/5 CRP) era posto em causa.

36. Inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP

O Direito Penal tem carácter subsidiário, é o princípio da subsidiariedade do


Direito Penal. Logo o Direito Penal só deve intervir quando se torne necessário a
sua intervenção.

Não faz sentido que o Estado, equacionando uma valoração eminente a um


determinado crime, se abstenha a partir de determinado momento de impor uma
determinada punição; como também não faz sentido continuar a aplicar uma
punição que o Estado recusou num determinado momento.

Esta ressalva é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, e


também existe o princípio da igualdade dos cidadãos na administração da justiça.
Um outro argumento para a inconstitucionalidade da ressalva do art. 2º/4 CP,
substancialmente não existem diferenças a que se aplique retroactivamente as
normas que operam a descriminalização, das normas que não operam uma
descriminalização mas principalmente uma despenalização, porque nos dois
casos se altera o regime penal.

O que está em causa é uma diferente valoração do legislador quanto aos factos
considerados crimes.

37. Leis temporárias e leis de emergência

As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio”, à partida, o seu prazo de
vigência; são as normas que se destinam a vigorar durante um determinado
período de tempo pré-fixado. São leis temporárias que caducam com o “terminus”
da vigência que pré-fixaram.

As leis de emergência são as leis que face a determinado circunstancialismo


anormal vêm penalizar, criminalizar determinadas condutas que até aí não eram
consideradas crime, ou vêm efectivamente agravar a responsabilidade penal por
determinado facto que até aí já era crime, mas em que esse agravamento se deve
tão só a situações ou circunstâncias anormais que reclamam a situação de
emergência.

Ressalva-se no art. 2º/3 CP, que continua a ser punido o facto criminoso
praticado durante o período de vigência de uma lei de emergência.
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não estar em
vigor por já ter caducado ou já ter sido revogada, deve continuar a ser punido
pelo facto que praticou durante esse período em que a lei estava efectivamente em
vigor.

Em bom rigor, no âmbito das leis temporárias não há uma verdadeira sucessão
de leis no tempo, porque:

- A lei é temporária em sentido estrito, não necessita de nenhuma outra lei


para que se possa afirmar uma sucessão de leis penais no tempo; a lei é só
uma só faz sentido falar em sucessão de leis penais no tempo e em
retroactividade ou irretroactividade quando estão em causa mais do que
uma lei, pelo menos duas leis. Aqui a lei é só uma.

- Não há uma lei diferente, não há uma sucessão de regimes, donde também
não faz sentido falar em aplicação retroactiva porque a lei é sempre a
mesma.

38. Aplicação da lei no espaço

Não são só conexões geográficas que o legislador utiliza para tornar aplicável a
lei penal portuguesa, para que seja competente para julgar factos penalmente
relevantes.

O legislador utiliza também a conexão dos valores ou dos interesses lesados ou


ameaçados de lesão com as actividades criminosas, o valor dos interesses postos
em causa pela prática do crime. Isto evidencia-se em sede de dois princípios:

- Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais.

- Princípio da universalidade ou de aplicação universal.


Vindo estes princípios consagrados no art. 5º CP.

39. Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais

Quando se trate de crimes expressamente consagrados no art. 5º/1 CP, são


crimes que o Estado português entende ferirem a sensibilidade jurídica nacional,
são crimes que põem em causa valores ou interesses fundamentais do Estado
português.

Os factos penalmente relevantes ocorridos em território nacional, a lei


portuguesa é competente para os julgar – princípio da territorialidade.

Este princípio da territorialidade é depois complementado pelo princípio do


pavilhão ou da bandeira pelo qual independentemente do espaço aéreo ou das
águas, a lei penal portuguesa também se aplica a factos praticados no interior de
navios com pavilhão português, ou a bordo de aeronaves registadas em Portugal.

40. Princípio da universalidade ou da aplicação universal

São de alguma forma crimes que todos os Estados têm interesse em punir. De
um modo geral, independentemente da nacionalidade dos seus autores, são
crimes que reclamam uma punição universal e daí que as ordens jurídicas se
reclamem competentes para fazer aplicar a sua lei penal a esses factos
descritos no art. 5º/1-b CP.
Da alínea c) do art. 5º/1 CP retira-se o princípio da nacionalidade, também dito
princípio da personalidade activa ou passiva.

O princípio da nacionalidade activa diz basicamente que a lei portuguesa se


aplica a factos praticados no estrangeiro por portugueses. É de harmonia com o
princípio da nacionalidade activo, que a lei penal portuguesa aplica-se a factos
praticados no estrangeiro que sejam cometidos por cidadãos nacionais.

O princípio da nacionalidade passiva diz que a lei penal portuguesa se aplica a


factos cometidos no estrangeiro contra portugueses.

Condições para o princípio da nacionalidade:

1º Condição: os agentes sejam encontrados em Portugal (art. 5º/1-b CP);

2º Condição: que os factos criminosos “sejam também puníveis pela legislação


do lugar em que foram praticados, salvo quando nesse lugar não se exerça
poder punitivo”;

3º Que “constituam crime que admite extradição e esta não possa ser
concedida”, não se admite a extradição de cidadãos nacionais.

Esta condição prevista na 3ª condição, só funciona cumulativamente quando


se trate de um caso de nacionalidade passiva, quando se trate de um crime
praticado no estrangeiro por um estrangeiro contra um, português.

41. Teoria da ubiquidade

Visa abranger os delitos à distância.

O art. 7º CP é importante: se considerar que a conduta ou o resultado típico


tiveram lugar em Portugal, então pode-se considerar que o facto ocorreu em
território nacional; e aí poder-se-á aplicar a lei penal portuguesa por força do
preceituado no art. 4º CP e que consagra o princípio da territorialidade, uma vez
precisamente que este princípio vem dizer que a lei penal portuguesa é aplicável a
factos praticados no território nacional.

Uma vez em sede do art. 5º CP vai-se analisar caso a caso:

- Se será o princípio da protecção dos interesses nacionais, poderá ser um dos


crimes elencados no aliena a);

- Se haverá afloramento do princípio da universalidade (alínea b));

- Se será eventualmente o princípio da nacionalidade activa ou passiva previsto


na alínea c); e aqui verificar se estão reunidas todas as condições previstas e
se existem ou não restrições à aplicabilidade da lei portuguesa10[20].

42. Princípio da dupla incriminação e princípio da especialidade

O princípio da dupla incriminação, significa que só é admitida a extradição


se o Estado português considerar também crime o facto pelo qual se pede a
extradição ou o facto que fundamenta a extradição.

O princípio da especialidade significa que a extradição só pode ser


concedida para o crime que fundamenta o seu pedido, não podendo o extraditado
ser julgado por uma infracção diferente e anterior à que fundamenta o pedido de
extradição.

Por outro lado, também em princípio não se admite a extradição quando seja
prioritariamente aplicável a lei penal portuguesa.

43. Princípio da administração supletiva da justiça penal (art. 5º/1-e CP)


Admite que o Estado português julgue um criminoso que tenha cometido um
crime no seu país de origem contra um cidadão desse país e fuja para Portugal.
Pressupostos:

- Que o agente se encontre em Portugal;

- A extradição seja pedida;

- Seja possível a extradição mas não seja admitida.

O art. 6º define as condições gerais de aplicação da lei penal portuguesa a


factos cometidos por estrangeiros:

- Princípio de que ninguém pode ser responsabilizado por um facto mais do que
uma vez (art. 29º CRP);

- Art. 6º/2 CRP, depois de ver que lei penal é competente, tem-se que ter em
atenção a lei do lugar onde o facto foi cometido, e mais favorável, mas que
puna o facto.

As condições no art. 6º/2 CP não funciona quando está em causa o princípio


da protecção dos interesses nacionais (art. 6º/3 CP).

TEORIA DO FACTO PUNÍVEL OU TEORIA DA INFRACÇÃO


44. Introdução

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O art. 6º CP só tem conexão com o art. 4º CP e com os princípios da universalidade/protecção
de interesses nacionais e nacionalidade.
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos pressupostos
de punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos
tipificados na lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e
para que dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para
o agente daquela infracção.
Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que
consiste numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita,
culposa e punível.
Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei
penal.
Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da
teoria da infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente
relevantes, de factos criminosos.
E através do estudo destas categorias analíticas pode-se determinar a
responsabilidade jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la ou excluía,
através duma análise de subsunção progressiva.
45. Acção penalmente relevante
É todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.
Através deste conceito, já se está a excluir a responsabilidade jurídico-penal de
comportamentos que provêm não de pessoas mas de animais.
Ter-se-á depois de verificar o seguinte: se está em presença de um
comportamento humano dominado pela vontade, tem-se de ver se esse
comportamento humano preenche ou não um tipo legal de crime.
Tem-se de ver se essa acção preenche a tipicidade de um dos tipos previstos na
parte especial do Código Penal, ou então em legislação penal lateral.
Para isso é preciso verificar se essa acção é típica, isto é, é necessário verificar
se estão preenchidos os elementos objectivos11[21] e subjectivos12[22] de um tipo
legal.
Como se verifica se a acção é típica?
Tem-se efectivamente de analisar esta categoria que é a tipicidade, tem-se de
verificar se aquela actuação humana se subsume ao tipo normativo na previsão
dos seus elementos objectivos e subjectivos.
Depois, tem-se de ver se o elemento objectivo do tipo está preenchido.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então o que é o
dolo: consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um
tipo legal.
Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria analítica
que é composta por elementos subjectivos e objectivos, estando integralmente
preenchida indicia a ilicitude.
46. Ilicitude
A ilicitude num sentido formal, é a contrariedade à ordem jurídica na sua
globalidade, de um facto ilícito é um facto contrário à ordem jurídica, contrário ao
direito.
Mas numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social,
numa ofensa material a bens jurídicos.
Em princípio da lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas a
ilicitude indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída.
Pode estar excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêem apagar o
juízo de ilicitude do facto típico, são as designadas causas de justificação que, a
estarem presentes, justificam o facto típico, excluindo a ilicitude indiciada pela
própria tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção penalmente
relevante e a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se verifique nenhuma
causa de justificação ou de exclusão da ilicitude.
Na maior parte dos casos em que as pessoas cometem crimes não estão a
actuar ao abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude.
47. Culpa
É a categoria analítica do facto punível.
Sabendo-se que só se pode formular um juízo de censura de culpa sobre um
imputável, porque as penas só se aplicam a quem seja susceptível de um juízo de
censura de culpa; àquelas pessoas a quem não for susceptível formular um juízo
de censura de culpa aplicam-se medidas de segurança, é nomeadamente o caso
dos inimputáveis e dos menores de 16 anos.
Logo, para que o juízo de culpa possa ser formulado é preciso que o agente
tenha capacidade de culpa. O agente não tem capacidade de culpa se tiver menos
de 16 anos, ou se for portador de uma anomalia psíquica ou de um estado
patológico equiparado.
Mas para além de ter capacidade de culpa, o agente também tem de ter
consciência da ilicitude do facto que pratica; e para além da capacidade de culpa
e da consciência da ilicitude é preciso, para se formular sobre o agente um juízo
de censura de culpa, que o agente não tenha actuado em circunstâncias tão
extraordinárias que o desculpem.
48. Punibilidade
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é ainda
preciso que seja punível.
Então chega-se à conclusão que por vezes existem determinados factos
praticados no seio de acções penalmente relevantes, típicas, ilícitas culposas,
mas contudo os agentes não são punidos. E porque é que não há punibilidade em
sentido estrito?
- Ou porque não se verificam condições objectivas de punibilidade;
- Ou então porque se trata de uma isenção material, no caso de desistência;
- Ou porque se trata de uma causa pessoal de isenção de pena.
Porque é que se fala numa subsunção progressiva?
Porque quando se analisa a responsabilidade jurídico-penal de alguém, tem-se
de analisar detalhadamente todas estas categorias.
Ainda que intuitivamente se possa dar automaticamente a resposta, tem-se de
percorrer estas etapas porque, por hipótese, se chegar à conclusão que aquele
comportamento não foi dominado nem tão pouco era dominável pela vontade
humana, imediatamente se nega a responsabilidade criminal do agente.
Os tipos, a não ser quando a lei expressamente o diga, são sempre dolosos.
O estudo analítico do crime, da teoria da infracção, vai permitir:
- Por um lado, fazer uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal;
- Por outro lado, vai ter uma vocação de subsunção progressiva.
Mas se hoje, entende-se que o crime é uma acção típica, ilícita, culposa e
punível, esta tripartição entre tipicidade, ilicitude e culpa é uma conquista
dogmática da Escola Clássica. E à Escola Clássica segue-se cronologicamente a
Escola Neo-clássica, e a esta segue-se a Escola Finalista.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma acção
típica, ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas considerava como
integrante de cada uma destas categorias analíticas é que diverge.
Escola Clássica:
- Beling/Van Listz;
- Acção – naturalista (acção natural);
- Tipicidade – correspondência meramente externa, sem consideração por
quaisquer juízos de valor; só elementos objectivos e descritivos;
- Ilicitude – formal;
- Culpa – psicológica (inserção de todos os elementos subjectivos – dolo e
negligência).
- Criticas – os factos penalmente relevantes com negligência e os
comportamentos omissos.
Escola Neo-clássica:
- Prof. Figueiredo Dias;
- Acção – negação de valores;
- Tipicidade – o tipo tem também elementos normativos e determinados crimes
têm também na sua tipicidade elementos subjectivos;
- Ilicitude – material;
a) Permite graduar-se o conceito de ilicitude;
b) Permite a descoberta ou a formação de causas de justificação.
- Culpa – censurabilidade: pressupostos da culpa – capacidade de culpa,
consciência da ilicitude, exigibilidade;
- Os conceitos de acção social e a posição de Figueiredo Dias, renúncia a um
particular conceito de acção e os conceitos de:
a) Tipo indiciador;
b) Tipo justificador ou tipo do dolo negativo;
- A teoria dos elementos negativos do tipo.
Escola finalista:
- Wessel;
- Acção – final;
- Tipicidade – o dolo é um elemento subjectivo geral dos tipos;
- Ilicitude – conceito de ilicitude pessoal – o desvalor da acção e do resultado;
- Culpa – normativa; elementos da culpa.
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como
acção típica, ilícita e culposa.
49. O sistema clássico
Parte de uma concepção positiva, mecânica, mesmo naturalista, lógica da
teoria da infracção.
O conceito de acção

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