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A PROTEÇÃO DA FAUNA SILVESTRE PELO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR

DE MATO GROSSO: aspectos legais

Leandro Jorge de Souza Alves1

Resumo: O Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso atende a diversas


ocorrências envolvendo a fauna silvestre, o que compreende desde a captura
de inseto até a contenção de animais de grande porte. Neste sentido, o
objetivo do presente trabalho foi analisar as leis que respaldam o atendimento
a ocorrências envolvendo animais silvestres pelos bombeiros. Foi realizado
através de pesquisa bibliográfica, o levantamento das leis que são atinentes
ao assunto. A partir do advento da Lei de Proteção à Fauna – Lei nº 5.197 de
1967 e posteriormente da Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605 de 1998,
os animais pertencentes à fauna silvestre brasileira passaram a ser tutelados
pelo Estado. O Ministério da Agricultura publicou o Decreto Lei Nº 276/2001
onde em seu artigo 2º classificou estes tipos de animais como potencialmente
perigosos, sendo que em virtude da necessidade de regulamentação e de
ordenar os critérios para realização de manejo e controle da fauna, o IBAMA
publicou a Instrução Normativa n°109, em agosto de 2006, destacando em
seu art. 9°, que fica facultado ao Corpo de Bombeiros, o manejo e o controle
da fauna sinantrópica e doméstica nocivas, sempre que elas apresentarem
risco iminente a população. Portanto, conclui-se que o Corpo de Bombeiros
Militar de Mato Grosso atuando dentro do que preceitua a sua missão, pode
sim atuar sem cometer crime ambiental nestas ocorrências de resgate de
animais silvestres.

Palavras-Chaves: Fauna Silvestre, Salvamento, CBMMT, Animais Silvestres,


Resgate.

INTRODUÇÃO

A fauna silvestre tem importância fundamental na manutenção e


preservação da biodiversidade. Sua atuação nos ecossistemas, mantém a
cadeia alimentar oferecendo energia para garantir sua sobrevivência (ZAGO,
2008). Também constitui um recurso primário e sua presença na natureza
está relacionado ao índice de integridade do habitat (CARVALHO, 1995).

1
Engenheiro Florestal, Pós-graduando em Gestão Ambiental, Tenente do Corpo de Bombeiros Militar
de Mato Grosso, 4º BBM, Rua João Pedro Moreira de Carvalho, S/N, Bairro Setor Industrial Sul, Tel
3515-8157, CEP 78557-057, Sinop/MT. leandro@bombeiros.mt.gov.br
O manejo inadequado pode causar agressões à fauna resultando na
redução da abundância de determinadas populações mesmo antes que
ocorra sua extinção local ou regional (PAIVA, 1999) e, como consequência, os
ecossistemas sofrem modificações nas estruturas das comunidades que, com
suas populações reduzidas, podem não mais desempenhar sua função
ecológica de forma satisfatória (REDFORD, 1997).
Em virtude da grande urbanização de cidades em pleno crescimento, os
hábitats dos animais silvestres foram invadidos pela população causando o
êxodo rural das espécies que acabam se deslocando para áreas urbanizadas
buscando abrigo, alimento e um local livre dos predadores e competidores
naturais (JACOBI, 2011). Outro fator importante a ser ressaltado é o fato de
que no período chuvoso muitas áreas ficam alagadas fazendo com que os
animais procurem locais mais amenos nas cidades.
O Estado de Mato Grosso possui três biomas bem distintos sendo eles
Pantanal, Cerrado e Floresta Amazônica, o que denota uma riqueza faunística
muito ampla e exuberante, recaindo sobre todos nós o dever de protegê-la,
fato explícito na Constituição Federal. Neste sentido, o Corpo de Bombeiros
Militar também contribui para a preservação das espécies no momento em
que atende às ocorrências, procede com a captura sem agredir o animal e
reintroduz em seu habitat natural.
O Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso possui unidades em 17
(dezessete) municípios do Estado ainda e atende a diversas ocorrências
envolvendo a fauna silvestre, o que compreende desde a captura de inseto
até a contenção de animais de grande porte. Durante os cursos de formação
os militares são treinados para realizar a correta captura e formas de
contenção para que o animal não sofra, porém, até o momento, o CBMMT
ainda não possui nenhum médico veterinário em suas fileiras e nenhuma
parceira firmada com órgãos competentes para identificar os animais
resgatados. Seria necessária uma estrutura para a recepção dos animais e
procedimentos técnicos para a identificação taxonômica possibilitando um
diagnóstico das principais espécies resgatadas no Estado, a fim de verificar
quais figuram como as principais no atendimento gerando procedimento
operacional padrão.
As ocorrências de salvamento são necessárias para dar continuidade à
vida em toda e qualquer circunstância, sendo definido como “a atividade de
resgatar vidas humanas, salvar animais e patrimônios, prevenir acidentes e
resgatar corpos” (MANUAL DE FUNDAMENTOS DO CORPO DE
BOMBEIROS MILITAR DE SÃO PAULO, 2006). Portanto, a ação de captura
de animais silvestre é reconhecida como atividade de salvamento.
No entanto, para viabilizar o processo de resgate e reintrodução de
fauna como estratégia eficiente para conservação das espécies bem como
assegurar que este tipo de ação não seja ilícito, uma abordagem sobre o
embasamento legal das ações do CBMMT é primordial. Nesse sentido, o
objetivo do presente trabalho foi analisar as leis que respaldam o atendimento
a ocorrências envolvendo animais silvestres.

MATERIAIS E MÉTODOS

A presente pesquisa é caracterizada por ter como método de


abordagem o hipotético-dedutivo, para provar que as premissas sustentarão
racionalmente as conclusões obtidas. Trata-se de uma pesquisa exploratória,
a qual envolverá levantamento bibliográfico. Foi utilizada a documentação
indireta através de pesquisa bibliográfica, abrangendo publicações sobre o
tema (GIL, 2002).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A legislação de proteção à fauna tem evoluído de forma considerada ao


longo do tempo. Impulsionada, principalmente, pela crescente preocupação
de ONGs ambientalistas, tem cerceado de maneira relevante a biopirataria e
coibido os maus-tratos. A partir do advento da Lei de Proteção à Fauna – Lei
nº 5.197 de 1967 e posteriormente da Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605
de 1998, os animais pertencentes à fauna silvestre brasileira passaram a ser
tutelados pelo Estado (PETERS & PIRES, 2002) e qualquer ação humana que
culmine em apanha ou morte não autorizada passou a ser considerado crime
ambiental sob pena de detenção e multa (BORGES et al, 2006).
Na análise da legislação observa-se que o atendimento das ocorrências
de resgate da fauna silvestre realizado pelo CBMMT confronta, de certo
modo, com o artigo 29 da Lei 9605/98, cujo tipo penal destaca:

Art 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar


espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota
migratória, sem a devida permissão, licença ou
autorização da autoridade competente, ou em desacordo
com a obtida.

Sabe-se, porém que, a lei também elencou no caput do seu artigo 37 as


excludentes de ilicitude:
Art.37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:
I - em estado de necessidade, para saciar a fome do
agente ou de sua família;
II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação
predatória ou destruidora de animais, desde que legal e
expressamente autorizado pela autoridade competente;
III - (VETADO);
IV - por ser nocivo o animal, desde que assim
caracterizado pelo órgão competente (BRASIL, 1998).

No atendimento às ocorrências de salvamento de animais silvestres,


vale ressaltar que os animais silvestres estão estressados, por estarem
coagidos e geralmente possuem o extinto agressivo, desta forma o militar
responsável pela captura está sujeito ao ataque repentino podendo resultar
em lesões corporais. Neste sentido o Ministério da Agricultura publicou o
Decreto Lei Nº 276/2001 onde em seu artigo 2º classificou estes tipos de
animais como potencialmente perigosos afirmando que “são aqueles que as
suas especificidades de fisiologia, raça, comportamento agressivo, tamanho
ou potência da mandíbula pode causar lesão ou morte a pessoas, outros
animais e danos a bens”.
Em virtude da necessidade de regulamentação e de ordenar os critérios
para realização de manejo e controle da fauna, o IBAMA publicou a Instrução
Normativa n°109, em agosto de 2006. Esta IN traz, em alguns artigos, o
conceito de fauna sinantrópica nociva, a relação de alguns espécimes que a
compreendem, bem como os procedimentos e autorizações necessárias para
o manejo, conforme os artigos:

Art. 1º - O controle da fauna sinantrópica nociva e de seu


manejo ambiental serão regulamentados por esta
Instrução Normativa.
§ 1º - Declarações locais e temporais de nocividade de
populações de espécies da fauna deverão, sempre que
possível, ser baseadas em protocolos definidos pelos
Ministérios da Saúde, da Agricultura ou do Meio Ambiente.
§ 2º - Com base no protocolo referido no parágrafo
anterior, populações de espécies sinantrópicas podem ser
declaradas nocivas pelos órgãos federal ou estadual do
meio ambiente ou, ainda, pelos órgãos da Saúde e
Agricultura, quando assim acordado com o órgão do meio
ambiente.
Art. 2º - Para os efeitos desta Instrução Normativa,
entende-se por:
I - controle da fauna: captura de espécimes animais
seguida de soltura, com intervenções de marcação,
esterilização ou administração farmacológica; captura
seguida de remoção e translocação; captura seguida de
eliminação; ou eliminação direta de espécimes animais;
(...)
V - fauna sinantrópica nociva: fauna sinantrópica que
interage de forma negativa com a população humana,
causando-lhe transtornos significativos de ordem
econômica ou ambiental, ou que represente riscos à
saúde pública (grifo nosso);

No momento da captura os militares, geralmente, utilizam meios


mecânicos como cordas, cambão, redes, puçás etc. O Decreto Lei Nº
276/2001 prevê, em seu artigo 13º, que ao realizar as contenções deve-se
evitar ao máximo causar ferimento, dor e angústia aos animais.
O §3° do art. 4° da Instrução Normativa n°109, em agosto de 2006,
menciona que “a eliminação direta de indivíduos das espécies em questão
deve ser efetuada somente quando tiverem sido esgotadas as medidas de
manejo ambiental definida no art. 2º” (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO
AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS, 2006).
Ao observar o art. 5° da mesma Instrução Normativa, percebe-se que o
IBAMA abre a possibilidade para que pessoas físicas ou jurídicas possam
realizar as condutas de manejo com autorização de órgão competente,
conforme:

Art. 5º - Pessoas físicas ou jurídicas interessadas no


manejo ambiental ou controle da fauna sinantrópica
nociva, devem solicitar autorização junto ao órgão
ambiental competente nos respectivos Estados.
§ 1º - Observada a legislação e as demais
regulamentações vigentes, são espécies sinantrópicas
nocivas passíveis de controle por pessoas físicas e
jurídicas devidamente habilitadas para tal atividade,
sem a necessidade de autorização do órgão ambiental
competente:
a) artrópodes nocivos: abelhas, cupins, formigas, pulgas,
piolhos, mosquitos, moscas e demais espécies nocivas
comuns ao ambiente antrópico, que impliquem em
transtornos sociais ambientais e econômicos
significativos; [...] (INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO
AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS, 2006, grifo
nosso).

Em seu art. 6°, a IN regulamenta que somente será permitida a


translocação, introdução e reintrodução de qualquer espécime animal
mediante aprovação e autorização do IBAMA, destacando em seu art. 9°, que
fica facultado ao Corpo de Bombeiros, quando em articulação com o
Ministério do Meio Ambiente (IBAMA), Ministério da Saúde e Ministério da
Agricultura, o manejo e o controle da fauna sinantrópica e doméstica nociva,
sempre que elas apresentarem risco iminente a população (INSTITUTO
BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS, 2006,
grifo nosso).
Para o transporte o Decreto Lei Nº 276/2001 prevê, em seu artigo 10º,
que os animais devem ser transportados em veículos e contentores
apropriados à espécie obedecendo alguns requisitos como: espaço,
ventilação, temperatura, segurança e fornecimento de água adequada às
suas necessidades fisiológicas, no intuito de salvaguardar a proteção dos
mesmos.
O CBMMT utiliza viaturas pick up para o transporte de animais de
grande porte e para os de pequeno porte, geralmente, é utilizada a viatura
Auto Comando de Área (ACA) que possui em seu interior local adequado para
as caixas ou gaiolas onde os animais estão acondicionados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi realizada uma revisão acerca da questão legal ambiental,
embasando a execução da atividade, de acordo com o que está em vigor no
país, apontado que o manejo e o controle da fauna sinantrópica e doméstica
nocivas, pode ser realizado pelo CBMMT sendo facultada a articulação com
demais órgãos.
O CBMMT atuando dentro do que preceitua a sua missão, pode sim
atuar sem cometer crime ambiental nestas ocorrências de captura de animais,
pois atua de forma a garantir a proteção da vida ao não deixar exposta a
comunidade, porém há de se pensar em como a missão também é de
proteger o meio ambiente, devendo-se, se possível, sempre tentar evitar a
morte dos animais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, R.C; OLIVEIRA, A; BERNARDO, N; COSTA, R. M. M. C.


Diagnóstico da fauna silvestre apreendida e recolhida pela PMMAJF –MG
(1998 e 1999). Revista Brasileira de Zoociências, 8 (1):23-33. 2006

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


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Acesso em: 06 fev. 2012.

______. Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e da Pesca.


Diário da República. Decreto Lei Nº 276, de 17 de outubro de 2001. Brasília,
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CARVALHO, José Candido de Melo. Atlas da Fauna Brasileira. São Paulo:


Companhia e Melhoramentos, 1995.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo:
Atlas, 2002.

INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS


NATURAIS RENOVÁVEIS. Instrução Normativa n. 109, de 03 de agosto de
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Disponível em:<
http://contadezlp.cenofisco.com.br/ctz/ctz.dll/Infobase/156c8/f7a6a/fa43b/fb2c
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JACOBI, C.M. Bases ecológicas para o desenvolvimento sustentável:


ecologia urbana. Disponível em:
http:www.icb.ufmg.br/big/beds/arquivos0ecourbana.pdf.Acesso em: 10 out
2011.

PAIVA, M.P. 1999. Conservação da Fauna Brasileira. Interciência Ltda. Rio


de Janeiro. 260p.

PETERS, E.L. & PIRES, P.T.L. 2002. Legislação Ambiental Federal. 2ª ed.
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REDFORD, K.H. 1997. A floresta vazia. p.1-22. In: VALADARESPADUA, C. &
BODMER, R.E.(eds). Manejo e conservação de vida silvestre no Brasil.
Ed. Sociedade Civil de Mamirauá.

ZAGO, Daniane Cioccari. Animais da fauna silvestre mantidos como


animais de estimação. Monografi a (Especialização em Educação
Ambiental)–Centro de Ciências Rurais, Universidade Federal de Santa Maria,
2008.

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