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Análise Do Comportamento e A Relação Terapeuta-Criança
Análise Do Comportamento e A Relação Terapeuta-Criança
Resumo
Abstract
This article discusses the treatment of defiant and aggressive behavior of a nine-year-old boy. The
problem was analyzed in terms of the interactions the boy constructed in trying to cope with family
and school environment. The treatment consisted in direct work with the child, bibliotherapy with
the mother, and establishment of collaborative strategies with the adults involved, including
discussions of the progresses they made. This report does not intend to show the efficacy of a
planned intervention program. It illustrates the possibility of combining in a productive way
strategies derived from applied behavior analysis (parent training and contingency-contracting)
and of functional analytic psychotherapy (like working through the genuine relation between
therapist and child), with the intention of breaking through the vicious circle in which the
behaviors of the child and of the adults shaped and maintained each other.
¹Doutoranda do departamento de Processos Psicológicos Básicos do Instituto de Psicologia. Endereço para correspondência: QRSW 08,
bloco B4, apto 303, Ed. Dune, st - Sudoeste, Brasília-DF, CEP 70675-824
²Professor do departamento de Psicologia. Rua J-51 Q.136 L.31 st- Jáo - Goiânia-GO, CEP 74674-170
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Lima (1987) inclui entre os objetivos da terapia contato com a família. A criança estava
comportamental infantil ajudar a criança a repetindo a segunda série em uma nova escola
reconhecer seu comportamento levar a crian- pública, pois fora transferida da sua escola
ça a efetivamente lidar com as variáveis que anterior por mau comportamento. A neu-
afetam seu comportamento e aumentar a rologista diagnosticou transtorno de conduta
probabilidade de ocorrência de comporta- com hiperatividade, agressividade e impulsi-
mentos que garantam à criança maior número vidade, razoes pelas quais foi indicada desde
de reforçamentos positivos. O termo Terapia 1996 a farmacoterapia com: Carbana Zepina
Analítico-Comportamental Infantil (Vascon- (Tecretol) e Carbonato de Lítio (Carbolitium).
celos, 2001) que define uma prática guiada A criança foi trazida à clínica-escola pela mãe,
pelo behaviorismo radical é um exemplo encaminhada pela neurologista com as se-
deste tipo de trabalho. Apesar de se distinguir guintes queixas feitas pela família e pela esco-
de terapia para adultos, desde a discussão la: tornar-se agressiva em casa quando algum
ética, voltada para o Estatuto da Criança e do desejo seu não era satisfeito; não participar
Adolescente até as especificidades nos proce- das aulas e perturbar o andamento das aulas.
dimentos de intervenção, trata-se de uma Local de atendimento. O atendimento foi rea-
prática que se assemelha com o que conhe- lizado na clínica-escola da Universidade
cemos por Análise Clínica do Comporta- Católica de Goiás. Foram realizadas 24 sessões
mento (Kohlenberg et. al., 2002) quando o de atendimento com duração aproximada de
terapeuta vai além da possibilidade de 55 minutos cada, seis observações do compor-
influenciar o comportamento da criança a tamento de Eduardo no ambiente escolar e
partir da mudança das contingências no seu contato telefônico com a professora.
ambiente do dia-a-dia.
Uma psicoterapia infantil, nesses moldes, Avaliação
implica necessariamente, como é também o
caso da Terapia Analítico-Comportamental Estratégias para obtenção dos dados. A ava-
Infantil (Vasconcelos, 2001), numa rejeição de liação para apurar as queixas da família e da
modelos normativos que desqualificam a escola seguiu esta ordem: entrevista com a
criança como um sujeito que tenha seus pró- mãe, avó, tia e irmão; visita à escola de
prios direitos independentes de seus geni- Eduardo e à neurologista; e duas sessões com
tores, evitando assim de cair na armadilha de o próprio Eduardo. Essas sessões tinham o
uma análise unidirecional da influência das objetivo de estabelecer uma interação social
contingências familiares e escolares sobre a entre psicóloga e a criança, além de averiguar
criança. as queixas do ponto de vista da criança. A mãe
foi solicitada a registrar a ocorrência diária do
Estudo de caso comportamento agressivo e da teimosia do
filho. Além disso, a mãe ficou responsável por
Caracterização da criança e das queixas. registrar o seu próprio comportamento frente
Eduardo (nome fictício), à época do aten- aos comportamentos inadequados da criança.
dimento (maio de 1997), tinha nove anos, Linha de base. O comportamento desafiador
caçula de uma família de dois filhos de Eduardo foi especificado pela família como
pertencente à classe econômica média baixa, sendo verbal e físico. Ele xingava, desferia
residia ora com a avó, ora com o avô materno, socos, pontapés, mordidas e arremessava
mas acompanhado da mãe. O irmão mais pedras e outros objetos perigosos contra seus
velho morava com uma tia havia dois anos na familiares, além de quebrar vidros com
mesma cidade. O pai residia fora do País e freqüência. Nas demais interações com os
havia quatro anos não mantinha nenhum adultos da família, ele se mostrou exces-
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deveriam ser elogiados pelos familiares ou tamento agressivo durante a sessão. Aprovei-
contingenciados por atitudes carinhosas. tou-se o jogo também para treinar o compor-
Como apoio para este programa, um elemento tamento de ter paciência da criança. Para isso,
de biblioterapia foi introduzido. A mãe foi a terapeuta ou a mãe (jogadoras adversárias)
recomendada à leitura do livro Convivendo atrasava as suas jogadas quando a criança
com as crianças: novos métodos para pais e exigia pressa. Outro comportamento treinado
professores (Patterson, 1991) e algumas páginas foi o de seguir regras, ressaltando-se que as
do livro Modificação do comportamento infantil seguidas foram as do jogo e não as da criança.
(Krumboltz e Krumboltz, 1977). A relação en- Quando a mãe jogava com a criança só
tre estes conteúdos e as estratégias combina- considerava sua opinião quando ela era
das com a mãe foi discutida durante as ses- educada em sua intervenção.
sões. Na escola, foi discutida com a professora a
Também durante as sessões terapêuticas, a importância de não enfatizar o mau compor-
criança e a mãe relatavam os acontecimentos tamento de Eduardo e ficar atenta aos com-
dos dias anteriores, em seguida, o registro dos portamentos adequados apresentados, elo-
comportamentos agressivos da criança no lar giando-os sempre que possível. Ficou tam-
e o comportamento da mãe de colocar em bém estabelecido que a criança só poderia
prática o programada de reforçamento eram usufruir o recreio caso cumprisse as ativi-
analisados. Os aumentos gradativos nos com- dades de sala. Ao final da aula, a criança só
portamentos adequados da mãe e da criança sairia no horário normal se finalizasse todas as
eram enfatizados e os reforçadores naturais tarefas propostas pela professora no período.
dos comportamentos incompatíveis com a A intervenção na escola visou estabelecer a
agressão foram destacados. Esse reforço participação das aulas. Uma vez que esse
social, para as melhoras apresentadas nos comportamento estivesse estabelecido,
registros funcionou como apoio indireto aos concorreria com o comportamento de pertur-
comportamentos positivos apresentados em bar a sala, tornando-se funcionalmente
casa. Isso ocorreu até que reforçadores natu- equivalente aos comportamentos inadequa-
rais se estabelecessem na interação entre o dos.
menino e a mãe. A terapeuta também aprovei- Após dois meses de intervenção, houve uma
tava a sessão para verificar se a leitura estava reformulação da queixa por parte da mãe. Esta
auxiliando a mãe a colocar em prática o solicitou que a intervenção priorizasse os
programa de reforçamento diferencial. seguintes comportamentos: 1) freqüentar as
Os comportamentos de ir à aula, participar aulas, 2) fazer as atividades escolares em sala e
das tarefas de sala e fazer o dever de casa eram 3) fazer os deveres escolares em casa. Como,
averiguados e discutidos com a criança e a nesse período, a criança havia mudado de
mãe. O aumento na freqüência desses com- escola, os registros desses comportamentos
portamentos dava a oportunidade à criança ficaram a cargo da mãe, assim como o registro
de visitar as dependências da universidade da freqüência do próprio comportamento de
(laboratórios, biotérios etc), selecionar um planejar as contingências para que os compor-
brinquedo para ser usado no final da sessão tamentos referidos da criança ocorressem.
ou ganhar figurinhas auto-adesivas para com- Nessa fase, o dever escolar que deveria ser
pletar seu álbum. Com o passar das sessões, entregue no dia do atendimento passou a ser
foi observado que a criança apresentava uma realizado dentro da sessão terapêutica, como
predileção pelo jogo de damas. Esse jogo uma forma de treinar a mãe nessa tarefa de
começou a ser usado no final da sessão, caso a administrar os reforçadores escolares. Além
criança entrasse na sala no primeiro chamado disso, era a oportunidade de a terapeuta
da terapeuta e não apresentasse o compor- identificar as dificuldades escolares da crian-
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ça. Foram realizados contatos telefônicos com o comportamento dela e seu pedido de ajuda
a nova professora. ouvidos, tomados a sério e integrados explici-
O jogo de damas, figurinhas e guloseimas tamente no tratamento. Esta atitude se funda-
foram contingentes aos aumentos na mentou na concepção de que o menino era um
freqüência dos comportamentos alvo (1, 2 e 3). dos responsáveis principais para a adminis-
Os critérios para a entrega desses reforçadores tração das contingências que determinaram o
se tornaram gradualmente mais exigentes, comportamento da mãe em casa. A partici-
tendo como guia o princípio da aproximação pação ativa de Eduardo nas discussões sobre o
sucessiva do comportamento desejado em- progresso do trabalho em casa e sobre as
pregado na modelagem. estratégias utilizadas ilustrou este posicio-
namento durante toda a duração do tratamen-
Discussão to, além de possibilitar o desenvolvimento
natural de comportamento responsável e
O treinamento de pais é em certos casos colaborativo (incompatível com o comporta-
suficiente para resolver problemas de conduta mento manipulador e desafiador) no seio da
infantil, mas pode tornar-se difícil quando a relação terapêutica. Neste sentido, a própria
família é um ambiente propenso a fornecer interação entre terapeuta e menino se tornou
conflitos interpessoais. Nesse caso, é preciso um ambiente natural em que melhoras
que o terapeuta ajude os adultos a rever suas ocorreram ao vivo e foram reforçados pelo
dificuldades. Por outro lado, as próprias processo de trocas espontâneas, sem precisar
mudanças no comportamento das crianças de reforço planejado.
possibilitam uma reestruturação das contin- A mãe de Eduardo apresentava um padrão de
gências no lar, às quais os adultos reagirão, comportamento que pode ser definido como
pois tanto quanto o comportamento do adulto desamparo aprendido (Seligman e Maier,
modela e mantém o comportamento da 1967). O desamparo aprendido é desenvol-
criança, essa última controla o comportamen- vido quando as tentativas de exercer controle
to do adulto, ou seja, ambos providenciam as fracassam repetidamente. Pessoas que apre-
contingências para o comportamento do sentam esse padrão têm dificuldades em
outro. Por isso, as perspectivas de cada um seguir estratégias até o fim e demonstram
precisam ser analisadas. O Analista Aplicado maiores dificuldades em colocar um pro-
do Comportamento que trabalha com proble- grama de treinamento em prática. A história
mas infantis geralmente assume o papel de de aprendizagem da mãe o tornou necessário
consultor dos pais e responsáveis. No caso em e parte do trabalho consistiu em fornecer con-
questão, a terapeuta assumiu o papel de siderável apoio social a ela para que seu com-
consultora da mãe e da criança, procurando portamento adequado perdurasse.
auxiliar cada uma a modificar sua maneira de Nos estágios iniciais da intervenção, ocorre
lidar com o outro e, em conseqüência, mo- freqüentemente um aumento temporário do
dificar o comportamento do outro, atendendo comportamento-problema justamente pela
assim a uma demanda conjunta. retirada das conseqüências positivas obtidas
A terapeuta integrou os papéis de psicotera- por este comportamento. No caso de Eduardo,
peuta analítico-funcional com o de analista o aumento na freqüência do comportamento
aplicada do comportamento, duas posições agressivo ocorreu tanto no ambiente familiar
que são pragmaticamente diferentes, mas quanto no escolar. Tal reação da criança às
compatíveis por utilizar a mesma visão beha- novas contingências geralmente tem um
viorista radical (Vandenberghe e Basso, 2004). efeito punitivo sobre os esforços dos adultos,
Ela considerou o menino como parceiro igual resultando muitas vezes no abandono do
à mãe no tratamento, tendo suas queixas sobre comportamento de mediador (isto é, o com-
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portamento dos adultos que é necessário para Modificações claras no repertório da criança
a execução do programa). Nestes momentos, foram visíveis. No contexto familiar, antes da
fez-se necessário evidenciar para a mãe e intervenção, a criança apresentava uma alta
professora que, após esse acréscimo, a fre- taxa de agressão (bater, morder, dar pontapé,
qüência do comportamento problemático da jogar ou quebrar objetos). Após a intervenção,
criança sofreria uma diminuição. Durante esse comportamento diminui chegando a zero
essa fase, o comportamento de mediador das e permanecendo assim durante uma fase de
duas adultas estava sob controle verbal. A observação de sessenta dias. O comporta-
falta de reforçamento natural para usar as mento de teimosia continuou ocorrendo, mas
estratégias sugeridas pela terapeuta e a natu- a estratégia da mãe de não reforçar esses
reza social das conseqüências que manti- comportamentos se tornou cada vez mais fre-
veram o comportamento desejado das adultas qüente. No segundo mês de intervenção, a
(i.e., instruções dadas pela terapeuta; discus- criança já participava da maioria das tarefas
são de progressos e dificuldades) qualifica propostas pela professora. Foram encontra-
esse seguir regras de aceder (Zettle e Hayes, das dificuldades para manter esse comporta-
1982; Albuquerque, 2001). Tal forma de seguir mento, pois a criança não apresentava reper-
regras não coloca o indivíduo em contato com tório acadêmico adequado para segunda
as contingências naturais e não promove a série. A solução proposta foi de intensificar o
generalização. Assumimos que o aceder tor- estudo realizado em casa. Na linha de base, o
nou o comportamento de mediador relativa- comportamento de provocar a turma ocorria
mente insensível às reações adversas de em média 23 vezes em duas horas de
Eduardo, o que era favorável durante esta fase observação. Após sessenta dias de inter-
de transição, mas se tornaria um problema em venção esse comportamento passou a ocorrer
fases posteriores. Por isso, a terapeuta traba- em média três vezes no mesmo período.
lhou simultaneamente com a criança, mode- Na nova escola, o menino participou das
lando seu repertório de colaboração e intera- aulas, fez as tarefas propostas pela professora
ção social com reforço natural (e.g., durante as em sala de aula e em casa. A professora relatou
conversas, os jogos, as visitas na universi- que ele alcançou a melhor nota de compor-
dade) e com reforço arbitrário (e.g., recom- tamento da sala no terceiro bimestre daquele
pensando o seguir regras com figurinhas ou ano letivo. As pessoas que se relacionam com
com a oportunidade de jogar). A intenção a criança relataram que, em várias situações, o
dessa estratégia era que, em fases posteriores, comportamento interpessoal da criança me-
as mudanças positivas no comportamento da lhorou. Comportamentos sociais do menino
criança funcionassem como fontes naturais e na interação com a terapeuta que não tinham
poderosas de reforçamento para os comporta- sido alvo de intervenções planejadas, também
mentos adequados dos adultos. mudaram de forma marcante.
Referências
Albuquerque, L. C. (2001). Definições de regras. Em: Guilhardi, J., Madi, M. B, Queiroz, P. P. e Scoz
M.C. (Org's.). Sobre Comportamento e Cognição: expondo a variabilidade. Vol. 7, (pp.132-140). Santo
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Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. (Tradução Coord. D. G.
Souza). Porto Alegre: Artes Médicas Sul. (Originalmente publicado em 1998).
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