Nome: Nº
A MOÇA RICA
Rubem Braga
A madrugada era escura nas moitas de mangue, e eu avançava no batelão velho; remava cansado, com um resto
de sono. De longe veio um rincho de cavalo; depois, numa choça de pescador, junto do morro, tremulou a luz de uma
lamparina.
Aquele rincho de cavalo me fez lembrar a moça que eu encontrara galopando na praia. Ela era corada, forte. Viera
do Rio, sabíamos que era muito rica, filha de um irmão de um homem de nossa terra. A princípio a olhei com espanto, quase
desgosto: ela usava calças compridas, fazia caçadas, dava tiros, saía de barco com os pescadores. Mas na segunda noite,
quando nos juntamos todos na casa de Joaquim Pescador, ela cantou; tinha bebido cachaça, como todos nós, e cantou
primeiro uma coisa em inglês, depois o Luar do Sertão e uma canção antiga que dizia assim: “Esse alguém que logo encanta
deve ser alguma santa”. Era uma canção triste.
Cantando, ela parou de me assustar; cantando, ela deixou que eu a adorasse com essa adoração súbita, mas tímida,
esse fervor confuso da adolescência – adoração sem esperança, ela devia ter dois anos mais do que eu. E amaria o rapaz
de suéter e sapado de basquete, que costuma ir ao Rio, ou (murmurava-se) o homem casado, que já tinha ido até à Europa
e tinha um automóvel e uma coleção de espingardas magníficas. Não a mim, com minha pobre flaubert, não a mim, de calça
e camisa, descalço, não a mim, que não sabia lidar nem com motor de popa, apenas tocar um batelão com meu remo.
Duas semanas depois que ela chegou é que a encontrei na praia solitária; eu viajava a pé, ela veio galopando a
cavalo; vi-a de longe, meu coração bateu adivinhando quem poderia estar galopando sozinha a cavalo, ao longo da praia,
na manhã fria. Pensei que ela fosse passar me dando apenas um adeus, esse “bom-dia” que no interior a gente dá a quem
encontra; mas parou, o animal resfolegando e ela respirando forte, com os seios agitados dentro da blusa fina, branca. São
as duas imagens que se gravaram na minha memória, desse encontro: a pele escura e suada do cavalo e a seda branca da
blusa; aquela dupla respiração animal no ar fino da manhã.
E saltou, me chamando pelo nome, conversou comigo. Séria, como se eu fosse um rapaz mais velho do que ela,
um homem como os de sua roda, com calças de “palm-beach”, relógio de pulso. Perguntou coisas sobre peixes; fiquei com
vergonha de não saber quase nada, não sabia os nomes dos peixes que ela dizia, deviam ser peixes de outros lugares mais
importantes, com certeza mais bonitos. Perguntou se a gente comia aqueles cocos dos coqueirinhos junto da praia – e falou
da minha irmã, que conhecera, quis saber se era verdade que eu nadara desde a ponta do Boi até perto da lagoa.
De repente me fulminou: “Por que você não gosta de mim? Você me trata sempre de um modo esquisito...” Respondi,
estúpido, com a voz rouca: “Eu não”.
Ela então riu, disse que eu confessara que não gostava mesmo dela, e eu disse: “Não é isso”. Montou o cavalo,
perguntou se eu não queria ir na garupa. Inventei que precisava passar na casa dos Lisboa. Não insistiu, me deu um adeus
muito alegre; no dia seguinte, foi-se embora.
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Agora eu estava ali remando no batelão, para ir no Severone apanhar uns camarões vivos para isca; e o relincho
diante de um cavalo me fez lembrar a moça bonita e rica. Eu disse comigo – rema, bobalhão! – e fui remando com força,
sem ligar para os respingos de água fria, cada vez com mais força, como se isto adiantasse alguma coisa.
(Extraído do livro "Os melhores Contos de Rubem Braga", seleção de David Arrigucci, 7ª Ed., São Paulo, págs. 39 e 40)
Glossário
batelão: canoa pequena.
choça: cabana, habitação humilde e pobre.
resfolegar: respirar com esforço e/ou ruído.
01 Esse conto narra duas histórias, uma dentro da outra. A partir de um certo momento, a narrativa central abre
espaço para uma história que já ocorreu anteriormente.
a) A partir de que parágrafo se inicia a narrativa ocorrida no passado?
A partir do segundo parágrafo.
02 Essa lembrança toma a forma de uma narrativa: uma moça rica, vinda do Rio de Janeiro galopa numa praia de
pescadores; seu comportamento é estranho para o narrador-personagem. Na segunda noite, todos se reúnem na casa de
Joaquim Pescador e a moça canta. A partir de seu canto se desencadeia o conflito.
a) Qual é ele?
O narrador-personagem apaixonou-se pela moça rica e bonita.
b) O conflito é um elemento da história que se opõe a outro, criando tensão. Nesse conto, em que consiste essa tensão?
No fato de o narrador-personagem supor que ela fosse dois anos mais velha do que ele, que amasse um rapaz
ou talvez um homem casado, ambos ricos, e que jamais se interessaria por um rapaz pobre e sem graça como
ele.
b) A primeira história, a que apresenta o narrador-personagem no batelão, faz referência a que tempo e a que lugar quando
os fatos acontecem?
É madrugada e o narrador-personagem está remando para ir a Severone buscar camarões para isca.
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04 O desfecho do conto volta ao presente: o narrador-personagem está remando no batelão, o rincho do cavalo o faz
lembrar-se da moça e ele diz a si mesmo: “rema, bobalhão!”. Levante hipóteses: Por que o narrador se chama de “bobalhão”?
Sugestão: Por ter sido muito tímido e não ter aproveitado a oportunidade de se aproximar da moça.
05 “Duas semanas depois que ela chegou é que a encontrei na praia solitária; eu viajava a pé, ela veio galopando a
cavalo...”
Justifique a não ocorrência de crase nas duas expressões destacadas.
Além de não apresentarem artigo, as duas expressões são compostas por substantivos masculinos, logo não
precisando do artigo definido feminino.
06 “Viera do Rio, sabíamos que era muito rica, filha de um irmão de um homem de nossa terra.”
a) Quanto à sua regência, o verbo “vir” foi usado corretamente? Justifique sua resposta.
O verbo foi usado corretamente, uma vez que a expressão “do Rio” corresponde à origem, logo pedindo
preposição “de”.
b) Reescreva o trecho substituindo o verbo “vir” pelo verbo “ir”, considerando agora o Rio como destino. Faça apenas as
adaptações necessárias.
Fora ao Rio, sabíamos que era muito rica, filha de um irmão de um homem de nossa terra.
07 Reescreva as frases, substituindo os verbos em destaque pelos verbos entre parênteses. Faça as adaptações necessárias.
08 Escolha a única alternativa que está de acordo com a variedade padrão em relação à regência verbal.
a) Esqueci de que você está me devendo dinheiro.
b) Ele não me pagou a quantia que me devia.
c) O aluno visou ao gol e chutou forte.
d) Prefiro acima de tudo sua amizade do que qualquer vantagem material.
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Ao ver a nova geração de desenhos animados para adultos, fica cada vez mais óbvio
ver como o mundo vem mudando radicalmente a cada dia. [...]
Gerações de jovens adultos ainda conhecem e assistem a intermináveis reprises
de clássicos como Pica-Pau, Tom e Jerry e Pernalonga entre outros. [...]
b) No texto, “a intermináveis reprises de clássicos” aparece como complemento dos dois verbos em destaque. Que problema
de regência é identificado nessa situação?
O verbo conhecer é complementado por um objeto preposicionado.
c) Reescreva essa frase, obedecendo às regras da regência verbal. Faça apenas as adaptações necessárias; não modifique
os verbos.
Gerações de jovens adultos ainda conhecem as intermináveis reprises de clássicos como Pica-Pau, Tom e Jerry
e Pernalonga, entre outros, e assistem a elas.
d) Sublinhe no texto outro exemplo em que o mesmo problema ocorre e reescreva-o abaixo, corrigindo-o.
Todos queriam ver a família de Homer e suas críticas à cultura moderna e saber e entender mais sobre elas.
10 Leia a tira.
a) Como pode ter sido a adolescência de Hagar a julgar pela afirmação que faz a respeito de suas expectativas em relação
a Hamlet?
A adolescência de Hagar deve ter sido bastante tumultuada, já que ele acredita que não será possível ignorar
as mudanças de Hamlet.
b) A regência do verbo lembrar foi empregada de acordo com a variedade padrão? Justifique sua resposta.
Não, porque, de acordo com a variável padrão, seria adequado empregar “pelo que me lembro da minha
adolescência”.
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12 A alternativa em que os verbos têm a mesma regência e, portanto, o complemento está corretamente relacionado com
ambos é:
a) Esse novo banco não precisa nem exige o comparecimento diário dos clientes a suas agências.
b) A coordenação do movimento não concordou e quer rever os principais pontos de seu programa.
c) Até há pouco tempo todos podiam consultar e aplicar diariamente nos Fundos de Aplicação Financeira.
d) Gilda de Abreu enfrentou e acabou por enfraquecer os preconceitos de uma sociedade que não aceitava a emancipação
da mulher.
e) Todos os artistas citados no documento difundem e contribuem para a campanha contra a discriminação aos contaminados
com o vírus HIV.
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