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Apontamentos críticos à obra La Economia Sovietica de Maurice Dobb.

Vânia Ornelas

Apenas ao marxismo mecânico e vulgar poderia incorrer que o socialismo integral é um


estado acabado de situações econômicas, cujo Estado deve ser o senhor da economia de modo a ser
o mandatário da moeda e do plano econômico social para "instalar" o socialismo renegando
dogmaticamente as ferramentas de organização do capital até então desenvolvidos por serem
capitalistas, abstraindo completamente das formas de poder instauradas. Evidentemente, a questão
econômica é uma das mais espinhosas para o projeto revolucionário, sobretudo, numa revolução
que se encontra isolada do resto do mundo capitalista, bem como é evidente que no socialismo
integral, certamente, se renovarão muitos elementos da produção econômica em favor da abolição
das classes sociais. A resposta à pergunta "sob que poder operário democrático?" é o ponto de
partida para dar sentido à discussão do plano econômico e do Estado e se ele realiza, desde o
primeiro dia da revolução, a abolição de si mesmo e, por sua vez, o fim da sociedade de classes, no
sentido que discute Lenin em Estado e Revolução. A separação da economia com a dinâmica da luta
de classes, ou seja, das formas de organização soviética inaugurada pelo governo dos sovietes não
só marcou profundamente os Planos Quinquenais como a própria tese da planificação econômica
proposta por Maurice Dobb, contudo apenas de forma ideológica, pois na realidade era sob o
interesse político das elites das classes políticas soviéticas que a economia deveria se despir de toda
sua forma política.
Depois da NEP, os desdobramentos sociais da URSS, cujo caráter político é totalmente
crítico, poderia nos levar à falsa compreensão que a economia deveria logo ser centralizada pelo
estado de modo a intervir conscientemente na esfera da produção e da circulação, abrindo mão da
racionalidade capitalista, contudo, as experiências que Dobb descreve para defender acriticamente a
política soviética revelam exatamente como a burocracia soviética tratou os princípios econômicos
do capitalismo como o capitalismo mesmo, categorias econômicas desprovidas do conteúdo das
relações sociais e de poder. O socialismo não é números, tão pouco na URSS dos Planos
Quinquenais, cuja realidade material não permitia nem em números ao país se erguer no pódio da
economia mundial.
Dobb elabora sua tese à posteriori de modo a justificar os planos. O vai e vem da burocracia
soviética nos leva de um primeiro Plano Quinquenal radical, cujo mercado se torna coisa do
passado czarista, até um Terceiro Plano que está muito mais próximo daquela NEP do passado que
Dobb critica em seu texto, ou seja, restabelecendo os padrões monetários como salário conforme
rendimento individual do trabalho, cálculo do preço de custo, recuo na intervenção entre campo e
cidade, etc. Durante o Primeiro Plano Quinquenal o que se observa é uma aposta radical e fora da
realidade, como revelam não só os resultados do Primeiro Plano como as correções econômicas dos
Planos seguintes. As cifras do país eram desconhecidos ou não confiáveis e um plano de
conhecimento dessas informações era urgente, o primeiro passo na verdade para construir uma
economia coesa que pudesse defender o socialismo. Ao desconsiderar as relações de mercado do
direito burguês, abria-se mão de obter-se o cálculo mais preciso do rendimento do trabalho e do
custo de produção. Não à toa, Dobb nos fala tão pouco sobre o resultado desses dois aspectos nos
Planos Quinquenais, embora apenas esses dados reais poderiam localizar a URSS no mercado
mundial - atenho minha crítica apenas aos pontos levantados por Dobb, pois se estendermos o
debate aos aspectos ignorados pelo autor, como o lastro do ouro ou a existência de uma elite
burocrática, para citar alguns exemplos, o debate se estenderia ainda mais longe.
Dobb aponta no primeiro capítulo da obra que, como o país vinha de uma herança de
atrasos, a tensão se estabelecia no quanto da renda nacional seria destinada à compra de máquinas e
matérias-primas necessárias ao investimento da indústria em detrimento da compra de produtos de
consumo industrializados, que o país não produzia, tudo isso acontecendo partindo de um estado
sem fundos. As questões que se revelarão mais espinhosas no Primeiro Plano e que atravessará
todos os outros Planos Quinquenais é o equilíbrio entre salário e poder de compra das massas,
demanda e oferta de produtos de consumo e investimentos na indústria pesada, estes que foram a
prioridade do Plano. No Primeiro Plano Quinquenal a aposta do próximo passo que deveria ser
dado pós-NEP foi a de se investir altamente em indústria de base em detrimento da importação de
artigos de consumo enquanto os impostos incidiriam sobre a renda individual e sobre o preço da
mercadoria. Isso gerou, evidentemente, uma elevação nos salários e do poder de compra dos
trabalhadores, mas como a renda nacional não priorizou os artigos de consumo, logo, sem produtos
no mercado, veio a “Hambre de mercancía”. Em outras palavras, as decisões implantadas a partir do
Plano elevaram a inflação, entretanto, Dobb defende que o que havia na URSS não era inflação
porque não se tratava do livre mercado, mas das "decisões do Plano”.
A flexibilidade econômica que Dobb defende ser tão fundamental para a direção
política que está planificando a economia, se revela nos planos seguintes quando a burocracia
soviética revê suas políticas, como a reforma tributária, atribuindo a ela apenas o papel de
reguladora do consumo e da oferta de mercadorias, com o imposto sobre volume de operações e o
imposto direto, surgem também as cooperativas dentro das fábricas para fornecer rações em preços
estáveis, até que por fim no final do Segundo Plano Quinquenal o Estado já abandona a mediação
entre o campo e a cidade, retoma os salários pagos por rendimento de trabalho e, conforme os
preços se estabilizam, deixam de existir as tendas nas fábricas.
Dobb diz que apesar de todos pesares do Primeiro Plano, todo custo humano, ele alcançou
cifras surpreendentes. De fato, os resultados absolutos revelaram as potencialidades de uma
economia planificada numa sociedade com uma cultura do trabalho social muito atrasada e mesmo
assim em tão pouco tempo conseguiu transformar materialmente o país, afinal houve uma ação
coordenada que assimilava de algum modo o desenvolvimento técnico estrangeiro e pode se apoiar
na importação para desenvolver sua própria indústria, enquanto o capitalismo já naquela época não
conseguia fazer avançar a economia, ou seja, jamais poderia ter garantido esses avanços em tão
pouco tempo. Contudo, o Primeiro Plano revelou uma tentativa desesperada de "estabelecer o
socialismo" na URSS, sem levar em conta o movimento real da realidade, a complexidade das
determinações concretas e políticas, sob que regime democrático de decisão dentro do partido e
dentro do Estado e, sobretudo, o Plano isolou-se da necessidade de expansão do socialismo no
mundo. O triunfo do socialismo não dependia puramente dos dados absolutos da economia. A
tentativa da burocracia de uma vitória sobre o capitalismo errava quando tratava dessa questão
como uma questão de “economia no tempo e no espaço”. A disputa com a economia capitalista
internacional não era o único elemento que decidiria o resultado da disputa política global, a guerra
contra a Alemanha mostrou isso e Dobb coloca, inclusive, como sendo o fator que frustrou todo o
trabalho construído em anos pelo URSS.
As medidas dos Planos Quinquenais seguintes ao primeiro, no sentido de que recuaram na
forma de cobrança de impostos, nas inversões de investimento da indústria, nas metas de
crescimento da indústria em geral, no plano para o campo, na retomada da racionalidade das
categorias capitalistas, não significou um simples recuo frente aos “resultados positivos" - em
termos absolutos pelo menos - obtidos no Primeiro Plano, como nos faz entender Dobb ao longo de
sua obra, mas foi exatamente a correção dos fracassos que geraram os desequilíbrios econômicos e
o caos social, o resultado da irresponsabilidade econômica do país "socialista". O preço das
mercadorias, o equilíbrio no cambio e na balança comercial com o mercado externo, embora para
Dobb sejam formas concretas de problemas por vezes “obscuros" e "incompreendidos” (DOBB, p.
81), não eram mais do que o resultado de relações sociais baseadas no modo de organização social
da produção soviética e na relação desta com os modos de produção de outros países, afinal de
contas ainda era uma economia conectada com o modo de produção capitalista. O resultado dessas
relações sociais de classe nacionais e internacionais - pois ao contrário do que defendia Dobb havia
sim classes sociais na URSS - seria determinante não só no preço dos produtos e todos os demais
elementos da economia soviética, como também na degeneração do estado operário soviético.

Referência Bibliográfica

DOBB, M. La Economia Sovietica. Havana: La Habana, 1946.

Lênin, V. I. O Estado e a revolução. São Paulo: Hucitec, 1987.

Trotsky, L. A revolução Traída. São Paulo: Global Editora, 1980.

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