Você está na página 1de 95

Uma Lista de Natal

Naughty or Nice?

Stephanie Bond

1. Cortar os cabelos
2. Receber o inspetor que vai avaliar o hotel de maneira cordial
3. Um hóspede perfeito... como Eric Quinn. Eric Quinn Stanton nunca deixou o prazer
interferir no trabalho... até aquele momento! Costuma chegar incógnito ao local de trabalho
e ver de antemão o que funciona... e o que não funciona. Só que não está conseguindo
enxergar nada além dos lindos olhos verdes de Cindy...

Digitalização e Revisão: Marina Campos

0
Copyright © 1998 by Stephanie Hauck
Originalmente publicado em 1998 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: Naughty or Nice?

Capítulo I

No salão de beleza do hotel Chandelier House, a cabeleireira ergueu uma mecha


dos cabelos castanho-escuros de Cindy Warren e posicionou a tesoura aberta a poucos
centímetros de distância.
— Tem certeza de que quer fazer isso, Srta. Cindy? Cindy mordiscou o lábio inferior,
indecisa. Cabelos longos eram fáceis de arrumar, sem complicações. Além de uma boa
cortina, pensou.
De pé atrás da poltrona ao lado, o velho barbeiro Jerry pigarreou, ajeitando o gorro
de Papai Noel na cabeça calva. Destro em aparar madeixas masculinas, parecia insinuar:
"É o cabelo de quem, afinal?"
Através do espelho, Cindy leu o nome da cabeleireira no crachá.
— Diga-me, Bea, há quanto tempo trabalha aqui?
— Hum... há três... não, quatro dias! Tirei o certificado há duas semanas.
Cindy digeriu a informação, considerando:
— Bem, estou mesmo precisando mudar... Cabelos compridos são ridículos na
minha idade...
— O que há de mal em cabelos compridos? — indagou o cliente de Jerry, em sua
primeira fala na cena.
Cindy encarou o reflexo do homem e perdeu o fôlego ao constatar o quanto era
bonito, moreno, de trinta e poucos anos! Seria um hóspede recém-chegado ao hotel?
— Como?! — exclamou, constrangida.
O cliente de olhos azuis e nariz proeminente mantinha secreto na poltrona, as
longas pernas sobressaindo-se por sob a capa cinza do salão. Molhados, seus cabelos
castanho-escuro encaracolados colavam-se à testa.
— Perguntei o que há de errado com cabelos compridos — repetiu ele, provocador.

1
Tentando controlar a excitação, Cindy gaguejou:
— É que... me faz parecer uma colegial.
O homem deu de ombros.
— A maioria das mulheres adoraria isso...
Cindy voltou a olhar para a frente.
— Não eu.
O barbeiro inclinou-se para o cliente e cochichou:
— Deve estar querendo impressionar alguém...
Cindy, que até então ignorara os comentários, explodiu:
— Jerry, nunca precisei impressionar ninguém em toda a minha vida!
Sem lhe dar a menor atenção, o velho barbeiro continuou s cochichando com o
cliente:
— A matriz vai mandar um consultor fazer uma avaliação geral do nosso
desempenho, na semana que vem...
O homem olhou para Cindy de soslaio.
— A não ser pelos motivos óbvios... por que o sujeito se interessaria pela Srta.
Cindy?
— Porque é ela quem dirige tudo isto aqui — esclareceu o barbeiro.
O cliente parecia impressionado.
— É mesmo?
Pelo espelho, Cindy lançava faíscas pelos olhos ao barbeiro.
— Isso mesmo, sou a gerente-geral — confirmou. Insegura, a cabeleireira
continuava segurando a mecha de cabelo e a tesoura nas mesmas posições.
— E então, Srta. Cindy?
O cliente inclinou-se sobre Cindy e apoiou as mãos nos braços da poltrona.
— Não faça isso — opinou. Cindy ergueu o queixo.
— Corte. Vai ser meu presente de Natal adiantado.
— Não corte! — contrariou o homem, autoritário. Fumegando, Cindy olhou brava
para a cabeleireira.
— Corte! Camada por camada! Transforme-me numa nova mulher!
O cliente arregalou os olhos azuis.
— O que há de errado com a antiga? — indagou ao barbeiro. O velho deu de
ombros.
— Hum, acho que é um pouco impulsiva...
Cindy estava colérica.
— Acabe logo com isso!
A cabeleireira engoliu em seco.
— Vou deixar na altura dos ombros, srta. Cindy... — avisou, fechando os olhos e a
2
tesoura.
Cindy entrou em pânico.
— Espere! — gritou.
Ouviu-se o som agudo de um corte afiado.
A cabeleireira abriu os olhos e contemplou o feito. O cliente estremeceu e o barbeiro
grunhiu desolado ante os mais de trinta centímetros de belos cabelos cortados.
Ao ver as madeixas à altura dos ombros, Cindy tentou controlar a angústia e
estampou um sorriso trêmulo no rosto, encorajando a cabeleireira a prosseguir.
A medida que o corte avançava, Cindy cogitava por que os funcionários do hotel
recusavam-se a freqüentar o salão de beleza local. A cabeleireira nova parecia muito
eficiente...
Ao analisar o resultado final no espelho, compreendeu por que a maioria dos
cabeleireiros anteriores ultrapassara sete dias de experiência.
— Oh, não... — murmurou Jerry, inconformado. O cliente assobiou baixinho.
— Que desgraça!
A jovem cabeleireira murchou.
— Ficou horrível, não é?
— N-não, claro que não — tartamudeou Cindy. Ergueu a mão, mas não teve
coragem de alisar as madeixas finas. — A gente demora um pouco para se acostumar, é
só!
— Acha que ele vai ficar impressionado? — comentou o cliente com o barbeiro.
— Se fizer vista grossa ao cabelo...
Cindy enrubesceu de raiva.
— Querem parar?
Tirou a capa plástica dos ombros e levantou-se, espanando fios de cabelos da blusa.
O velho Jerry, podia aturar, mas aquele... hóspede arrogante lhe atiçava perigosamente
os nervos já em frangalhos com a temporada de férias.
O homem irritante levantou-se também e Cindy, afobada para sair, escorregou nos
restos de seu próprio cabelo e patinou no piso de mármore, estirando braços e pernas
como um brinquedo engolfado pelo vento. O cliente amparou-lhe a queda iminente
fechando os dedos fortes em torno de seu braço. Endireitando-se, Cindy viu-se diante
daqueles olhos azuis arrebatadores e afastou-se constrangida.
— O-obrigada — murmurou, o rosto vermelho.
— O corte de cabelo deve ter tirado seu equilíbrio — replicou ele, com um meio-
sorriso.
Sentindo-se uma completa idiota, Cindy pegou o blazer verde que compunha seu
uniforme, deu uma gorda gorjeta à cabeleireira e encaminhou-se à saída. Sua pele
formigava de humilhação, sentia a cabeça tosada, mas recusava-se a desmoronar. Já
tinha problemas demais para ainda ficar ruminando sobre o embaraçoso episódio com o
estranho bonitão. A avaliação do consultor contratado pela matriz, o Natal em casa e,
agora, o corte de cabelo.

3
Endireitou os ombros e ergueu o queixo. Não importava. Afinal, o homem
perturbador estava apenas de passagem. E Manny saberia o que fazer com seu cabelo.
— Oh, não! — exclamou Manny, atrás do balcão da portaria. — Cindy, diga-me que
é uma peruca!
Cindy sorriu desolada para o amigo loiro.
— É uma peruca.
O rapaz tocou-lhe os cabelos, compadecido.
— Mentira...
Contratar Manny Oliver como encarregado da portaria, mais de um ano antes, fora
um dos maiores feitos de Cindy naqueles quatro anos administrando o Chandelier House.
Comparado aos funcionários que ela herdara da gestão anterior, Manny era um alento:
bonito, simpático, prestativo e esperto. Além de amigo de verdade, ele sabia cozinhar!
Cindy suspirou. Porque todos os bons camaradas eram gays?
O rapaz afagou-lhe a cabeça como se fosse um bicho de estimação.
— Deixe que eu adivinho. Foi Bea, a Matadora.
— Como sabe?
— Arranjei um jantar de cortesia para consolar uma hóspede que ela matou ontem.
Cindy teve vontade de chorar.
— E agora, Manny?
— Ouça, largo o serviço à uma hora e vou direto à sua suíte — prometeu o rapaz. —
Se chegar primeiro, ligue seu aparelho de fazer babyliss...
Cindy franziu o cenho.
— Ligar o quê?!
O amigo olhou para o teto.
— Esqueça. Eu levo os apetrechos.
Cindy esquadrinhou o grande hall de entrada e sussurrou:
— E então? Viu alguém agindo dissimuladamente?
O rapaz inclinou-se para a frente.
— Por enquanto, não. Por que acha que o tal Stanton chegaria antes só para
espionar?
Cindy empertigou-se.
— Porque eu faria isso.
Manny coçou a cabeça.
— Ajudaria se soubéssemos como ele é...
Ela continuava olhando em torno.
— Uns cinqüenta anos, mal disfarçado de turista... Fique de olho em tipos que
pareçam em missão executiva. Até mais.
Cindy caminhou ao longo do balcão de recepção, sorrindo para os mais de dez

4
recepcionistas uniformizados, todos espantados com seu corte de cabelo. Na parede ao
fundo, operários fixavam guirlandas e enfeites alusivos ao Natal próximo. Nas filas
demarcadas por cordas de veludo, cerca de cem mulheres emperiquitadas, participantes
de uma convenção de cosméticos, aguardavam o check out.
— Tudo em ordem? — indagou Cindy a Amy, a gerente de atendimento ao cliente.
— Tudo — afirmou a morena, levando a mão à testa. — Exceto por uma dorzinha de
cabeça...
Cindy mostrou-se solidária. Amy era uma profissional competente, mas sua
tendência à hipocondria já se tornara uma lenda no refeitório.
— Deve ser o perfume — sugeriu, indicando a multidão feminina.
A morena suspirou conformada.
— Não se preocupe, vou sobreviver. Pelo menos, vamos ter duas horas de paz entre
a saída das consultoras de beleza e a entrada dos montanhistas...
— Até a reunião de equipe.
Refazendo o trajeto pela recepção, realizou a checagem costumeira. O piso de
mármore cinzento reluzia, as áreas de espera decoradas com mobília antiga e sofás
confortáveis estavam limpas e arrumadas. Faltavam só duas semanas para o Natal.
Enquanto todos dedicavam-se às compras e aos preparativos para as reuniões familiares,
ela e os funcionários do hotel dobravam sua carga de trabalho no período mais
azafamado do ano.
Para completar, a matriz decidia enviar um consultor de firma terceirizada para
avaliar o desempenho do hotel! E não se tratava de um qualquer, lembrou-se Cindy,
arrepiada. Tratava-se de um profissional temido e adulado chamado Stanton. Segundo
suas fontes, o homem era implacável, o que punha em risco seu futuro à frente do
Chandelier House. Nenhum consultor tradicional apreciaria as peculiaridades de sua ex-
cêntrica equipe de colaboradores.
Evitando o corredor dos elevadores, cheio de gente, tomou a escadaria aberta que
chegava ao terceiro andar. Na subida pelo carpete dourado-escuro, tinha uma bela visão
de todo o hall de entrada.
Marca registrada do hotel, o imenso lustre cintilava sobre a recepção. Cindy deu-lhe
uma piscadela, em memória do avô, de quem ouvia histórias da instituição em seu
apogeu. Lá embaixo, todos pareciam ocupados, dos mensageiros às copeiras. Os festões
verdes, as guirlandas e as lâmpadas aos poucos impunham o clima de Natal.
Um novo início espreitava pouco adiante. Uma folha em branco. Um grande ano
para o Chandelier House, uma relação melhor com a mãe e, talvez, um homem em sua
vida.
Cindy desdenhou de si mesma. Por que esperar milagres natalinos?
No topo da escadaria, parou para recobrar o fôlego. Então, tomou o elevador para o
sexto andar.
Qual não foi sua surpresa quando o estranho bonitão do salão de beleza abriu a
porta do quarto 1010. Ele abriu um sorriso, revelando dentes alvos, apreciando-a
sensualmente com os olhos azuis gélidos. Mesmo sem os sapatos sociais, impunha a
masculinidade de forma desconcertante.
— Ora, que coincidência — comentou ele, por fim. Cindy conteve o impulso de cobrir

5
com o blazer o que restara de seus cabelos e analisou a planilha na prancheta.
— É... sr. Quinn?
— Eric Quinn — especificou ele, estendendo a mão. Ela retribuiu o cumprimento
vigoroso e amigável.
— Eu sou Cindy Warren, a...
— A gerente-geral do hotel — completou Eric. — Eu me lembro.
Ela corou.
— Bem... trata-se de seu pedido de mudança de quarto.
Ele cruzou os braços e recostou-se no batente da porta.
— Atende pessoalmente às requisições dos hóspedes, srta. Warren?
— Não, é que...
— Nesse caso, sinto-me lisonjeado.
"Que homem arrebatador!", concluiu Cindy, lutando para ganhar o controle da
situação. Mas tinha que ser tão cheio de si?
— Estou apenas ajudando minha gerente de Atendimento ao Cliente — explicou, e
foi direto ao ponto:
— Temos um quarto para fumantes disponível, só que não com cama king-size.
O sr. Quinn franziu o cenho e cocou o queixo com a mão esquerda.
Sem aliança, observou Cindy. O que não significava que era solteiro. E, mesmo que
fosse, não pretendia envolver-se com nenhum hóspede, muito menos um que a provocara
na época mais caótica e emocionalmente vulnerável do ano.
O sr. Quinn balançou a cabeça.
— Não serve uma cama menor. Posso passar sem fumar, mas não sem dormir. Sou
grandalhão — esclareceu.
Sem querer, Cindy o apreciou em toda a extensão e sentiu o pescoço febril. Abria e
fechava a garra da prancheta no mesmo ritmo frenético da pulsação.
Eric Quinn deu se ombros.
— Acho que vou ficar aqui mesmo, por causa da cama espaçosa.
Nervosa, Cindy acabou fechando a garra da prancheta sobre os dedos e urrou de
dor:
— Aaaaiiiiii!
O sr. Quinn pegou a prancheta e soltou-lhe os dedos que haviam ficado presos.
— Está sangrando... — percebeu, aflito.
Cindy não podia crer que houvesse cortado os dedos com uma mera garra de
prancheta.
— Não é nada... — murmurou, gemendo.
— Venha lavar as mãos — sugeriu ele, puxando-a pelo braço.
— Não! — recusou Cindy, apavorada com a idéia.

6
— Mas precisamos estancar o sangue!
Cindy já conseguia raciocinar.
— Vou para o meu quarto — decidiu.
— Seja razoável, srta. Warren. Vai sujar seu uniforme... sem falar no lindo tapete do
corredor!
Cindy riu para não chorar.
— Aceito uma toalha molhada, se não for incômodo.
O sr. Quinn recuou um passo e estendeu o braço para o quarto.
— Estamos no seu hotel. Eu espero aqui.
— Só vou levar um minuto...
Cindy entrou no quarto passando tão perto do homem que pôde ver a linha que
prendia os botões de sua camisa branca engomada. Os poucos cabelos que lhe restavam
quase ficaram em pé.
Sem olhar para os pertences pessoais do hóspede, passou por cima de seus
enormes sapatos à porta do banheiro, tentando não pensar nas implicações anatômicas
do fato. Ignorou também o aroma de sabonete e loção pós-barba ao abrir a torneira e
umedecer uma toalha.
Preferiria não ter-se olhado no espelho. Seu cabelo parecia saído da década de
setenta e a maquiagem precisava de mais do que um retoque. Suprimiu um gemido à
ardência da água fria sobre os cortes nos dedos.
Como pude ser tão idiota?
Pressionando a toalha felpuda sobre os ferimentos, olhou para o quarto. Eric Quinn
mantinha à porta. A iluminação do corredor projetava sua sombra alongadas sobre o
carpete. Não havia dúvida do quanto se divertia ante sua tendência à autodestruição
diante dele.
— Tenho ataduras na frasqueira — ofereceu ele, denunciando um sotaque sulista
pela primeira vez.
— Está atrás da porta. Sirva-se.
Cindy hesitou, mas concluiu que não havia nada de mais em pegar algumas
ataduras emprestadas. Fechando a porta do banheiro, logo captou o aroma de couro da
frasqueira preta do sr. Quinn. Deteve-se ao ver o pijama de seda azul-claro pendurado
atrás do acessório. A imagem do bonitão em trajes confortáveis aumentou sua urgência
em sair logo dali.
Desajeitada, abriu o zíper lateral da frasqueira e, para seu desalento, uma porção de
caixinhas caíram sobre seus dedos feridos. Preservativos. No mínimo, uma dúzia, de todo
tipo: coloridos, texturizados, com sabores...
Cindy abaixou-se e recolheu os preservativos, guardando-os onde estavam, mas
então deixou cair o pijama do sr. Quinn. Pegou as peças maleáveis, lembrando-se tarde
demais do sangramento nos dedos. A seda da calça imediatamente se manchou.
— Está tudo bem aí? — indagou o Sr. Quinn, do quarto.
Cindy apoiou-se na pia. Devo comentar que achei seu estoque de camisinhas e
sujei seu pijama de sangue? Endireitou-se. Podia lavar a calça do pijama e devolvê-la às

7
escondidas antes do anoitecer. O Sr. Quinn nem notaria a falta. Enrolou a peça e meteu-a
por baixo do cós da saia às costas. O blazer ocultava a saliência. Respirando fundo, saiu
do banheiro e quase tropeçou ao passar de novo pertinho do hóspede, rumo à saída.
— Obrigada — murmurou, pegando a prancheta.
— De nada.
Ante o sorriso malévolo, Cindy lembrou-se do arsenal sexual do homem e
determinou-se a evitá-lo. Recordando o motivo de estar ali, tomou uma atitude
profissional.
— Lamento quanto ao quarto, Sr. Quinn. É claro que poderá fumar à vontade no bar
do hotel.
Ele deu de ombros.
— Talvez eu aproveite a oportunidade para me livrar desse vício horroroso.
Afastando-se com pernas bambas, Cindy despediu-se.
— Bem, boa sorte.
Então, virou-se e fugiu, ciente do pijama do homem embolado em sua meia-calça.
A porta do quarto, Eric observou Cindy afastar-se apressada. Não sabia por que
sentira-se tão compelido a provocar aquela mulher. Tal atitude nunca lhe parecera
necessária em missões passadas. Talvez o fato de ela ter cortado os cabelos só para
impressionar o consultor que avaliaria seu desempenho houvesse feito a diferença.
Sempre soubera que o Chandelier House era administrado por uma mulher, mas
nunca imaginara que fosse tão jovem e bonita. No entanto, já ao observá-la no salão de
beleza, compreendera como Cindy Warren alcançara o posto máximo naquela instituição.
Ela despejava fogo pelos olhos verdes e tinha um queixo firme. Mesmo após o corte de
cabelo desastroso, continuava uma gracinha.
Dentro do quarto em que se hospedara como empresário incógnito, puxou os
suspensórios dos ombros e deixou-os cair à cintura. Olhou ao redor. Em meio à mobília
bem usada, destacavam-se a cama, o armário e a escrivaninha antiga, charmosos e
recendendo a limão. Os lençóis tinham um padrão xadrez agradável, embora o pacote de
balas sobre o travesseiro causasse estranheza. Bonitos tapetes de lã cobriam as áreas
mais gastas do carpete. As instalações elétricas funcionavam e o banheiro espaçoso e
ensolarado exalava frescor.
Sentando-se na cadeira estofada, procedeu a algumas anotações. De repente,
parou. Estava atraído por Cindy Warren. Era um sentimento frustrante, pois sabia dos
perigos de envolver-se com alguém que poderia sofrer com as conclusões de seu
relatório final.
Ansioso por fumar, expirou sonoramente, pegou o telefone e discou.
— Lancaster — atenderam.
— Bill, é Stanton. Só estou ligando para avisar que cheguei.
— Ótimo. E então? O lugar é tão ruim quanto disseram?
Eric mexeu no pacote de balas.
— Ainda é cedo para afirmar...
— Falei com o contato do Harmon hoje. Se você apurar, nos próximos dias, que o

8
Chandelier House não se encaixa nos padrões da rede, não vamos nem enviar o resto da
equipe.
Eric franziu o cenho.
— Ora, sei que sou bom nisso, mas não me parece justo...
— Parece que Harmon quer se livrar dessa propriedade.
— Se os números são tão ruins, por que simplesmente não vendem?
— Porque os números não são tão ruins. E parece que um dos membros do
conselho administrativo tem um fraco pelo hotel, de modo que precisam de uma
justificativa. É onde entramos.
Eric recostou-se na cadeira.
— Bill, vim aqui fazer um trabalho e não vou forjar nada. Mande a equipe, conforme
o planejado. A parte minha reputação, tem gente aqui envolvida nisso.
— Gente?! Perdão, pensei estar falando com Eric Stanton. O que há? O clima
natalino pegou você?
Eric pensou ver os olhos verdes de Cindy Warren relampejando.
— Não. Acho que estou um pouco cansado...
— Já viu a gerente-geral?
— Já...
— Ela já está jogando charme para você?
— Não, ainda não...
Mas eu já a tenho a flor da pele.

Capítulo ii

Cindy tentava apagar a imagem de Eric Quinn da mente ao chegar à sala de


reuniões. Sn havia momento em que não deveria deixar-se distrair-se por um hóspede
bonitão, era agora, quando o destino de todos os funcionários do hotel dependia dela.
Estava preocupada. Trabalhando todos confinados ali, dias a fio, formavam uma família, e
sentia-se responsável pelo futuro dos subordinados
Nos dois últimos anos, desde que o Grupo Harmon comprara o Chandelier House,
haviam recebido incontáveis memorando da matriz sugerindo mudanças com vistas a
adequar o hotel antes familiar ao perfil da rede. Até então, ela resistira. Oi empregados
não se adaptavam à direção associada, viviam questionando quem estava no comando.
Não obstante, os negócios iam de vento em popa, com hóspedes satisfeitos sempre
retornando.
— Bom dia a todos! — exclamou, acomodando-se à cabeceira da longa mesa. Ao
sentir o pijama ainda embolado às costas, estremeceu.
Os gerentes e encarregados a cumprimentaram, provocando-se entre si enquanto
disputavam os sonhos circulando em caixas.
Uma mistura de cheiros infestava a sala de reuniões: de café, de cappuccino, de chá
e de um líquido vermelho num« jarra de suco. De nariz torcido, Cindy encheu sua caneca

9
com mais café puro.
Cindy apoiou os cotovelos na mesa.
— Como sabem, a matriz contratou uma empresa para selecionar as filiais
condizentes com o perfil da rede. O Chandelier House vai ser virado do avesso, da
contabilidade ao atendimento aos clientes, passando pelo sistema de reservas.
Manny pigarreou.
— Mas por que tanta minúcia?
Cindy cruzou as mãos sobre a mesa.
— O tal consultor deve estar ciente de minha resistência a mudanças na operação
do hotel.
— E de que você é mulher — completou Amy.
— Acho que não tem nada a ver com o fato de eu ser mulher — opinou Cindy,
olhando para seus seios pequenos sob a blusa.
— Além disso, mal se repara...
Risos quebraram a tensão no ambiente.
— Querem nos transformar num hotel mecanizado — resumiu Joel.
Cindy mediu as palavras.
— Parece que a matriz deseja nos enquadrar num perfil mais padronizado, sim. —
Otimista, olhou para os subordinados reunidos. — O tal sr. Stanton deverá chegar na
segunda-feira com sua equipe. Mas não me surpreenderia se ele chegasse alguns dias
antes, para sondar. Avisem-me se notarem alguém suspeito...
Amy massageou as têmporas.
— Ai, minha enxaqueca...
— Devemos ter em mente que tudo o que fizermos será analisado ao microscópio —
reiterou Cindy.
— Quando o Sr. Stanton chegar, vou convocar uma reunião para fazer as apre-
sentações. — Deu um sorriso encorajador. — Agora, se não há mais nada...
— Ei! — chamou Joel. — Não está se esquecendo de nossa confraternização
amanhã à noite, está?
Cindy suprimiu um gemido. Nada poderia estar mais distante de seus pensamentos.
— Não, claro que não...
— Recordando os eventos passados, devemos trazer o lanche? — indagou Sam.
Todos riram, e Cindy negou movendo a cabeça.
— Se Cindy conseguir um acompanhante, eu cubro um dia inteiro de trabalho dela!
— finalizou Joel, ante o testemunho de todos. — Já se ela não conseguir, fico com a vaga
de estacionamento dela por um mês!
Cindy apenas informou:
— Reunião encerrada.
Eric passou as duas horas seguintes visitando várias área do hotel o mais
discretamente possível, escondendo-se em nichos de vez em quando para anotar
10
observações. Quando abordado por funcionários, fingia-se perdido, ou aguardando
alguém.
Após checar todos os itens da lista, procurou o encarregado da portaria.
— Boa tarde, senhor — atendeu um rapaz simpático, em tom profissional. — Em
que posso ser útil?
Eric levou só alguns segundos para constatar que o encarregado jogava no time de
Cindy.
— Gostaria que me indicasse um bom restaurante.
— Alguma cozinha em especial, senhor?
— Talvez um bom bife...
— A menos que queira conhecer a cidade, senhor, nosso chef grelha costelas
ótimas aqui no restaurante.
Eric entusiasmou-se.
— Bom saber... vou experimentar. E quanto ao bar?
— Servem ótimos drinques, mas, sendo segunda-feira, não vai ter muito movimento
esta noite.
Eric sorriu.
— Melhor assim.
O encarregado estendeu a mão.
— Manny Oliver, a suas ordens.
Eric retribuiu o cumprimento.
— Quinn. Eric Quinn.
— Que bom que escolheu o Chandelier House nesta viagem, Sr. Quinn. Procure-me
se eu puder fazer algo para tornar sua estadia mais agradável.
Nesse instante, Eric avistou Cindy do outro lado do saguão.
— Aquela é Cindy Warren, nossa gerente-geral — informou Manny.
Eric tentou descontrair-se.
— Nós nos conhecemos no salão de beleza hoje de manha Fiquei muito
impressionado com... seu profissionalismo. — E com suas pernas!
— O Chandelier House tem sorte de poder contar com ela — confirmou o
encarregado.
— Ela é solteira? — indagou Eric, sem pensar. Manny enrijeceu-se, alerta.
— A srta. Warren não é casada — informou, a contragosto. Constrangido, Eric
ofereceu uma gorjeta ao encarregado.
— Obrigado por suas recomendações, Sr. Oliver...
Manny recusou o dinheiro.
— De maneira alguma, Sr. Quinn. É meu trabalho atender a todos no hotel.
— Tenho certeza de que o faz muito bem.

11
— Bom apetite, Sr. Quinn.
No meio do saguão, Eric não resistiu olhar mais uma vez para Cindy. Ela erguia o
braço, instruindo o chefe dos operários na instalação dos enfeites natalinos, ao que sua
saia se erguia, expondo boa parte das coxas.
Sentindo o olhar de Manny Oliver em suas costas, consultou o relógio de pulso e viu
que tinha muito tempo para um drinque antes do jantar. A caminho do bar, tentou rechaçar
a onda de desejo pela gerente-geral. O clima natalino devia estar contagiando-o.
Deixando-o bobo.
O bar era uma das poucas dependências do hotel que ainda não visitara. Ao
adentrar o ambiente obscuro, esperava encontrar um local semelhante às centenas de
outros que conhecera naqueles quinze anos de trabalho no ramo. Surpreso, viu que o
Sammy's tinha como tema de decoração instrumentos musicais antigos. Um piano velho
ocupava um canto, um violino evocava Natais passados. Nostálgico, deu-se conta de que
as reuniões familiares não eram as mesmas desde a morte de sua mãe.
O lugar estava praticamente deserto. Numa das mesas, um grupo de montanhistas
entregava-se ao prazer da cerveja. Junto ao balcão, o barbeiro Jerry, empoleirado numa
banqueta e ainda com o gorro de Papai Noel, conversava fiado com o barrnan fortão,
saboreando um charuto.
— Ora, se não é o Sr. Quinn! — festejou o velho, oferecendo a banqueta ao lado. —
Sente-se. Tony vai lhe servir um drinque.
Eric sentou-se.
— Uísque com água — pediu ao barman. — De folga, Jerry?
O barbeiro confirmou, tragando profundamente seu charuto.
— Chega por hoje. Não agüento mais aquela choradeira...
Eric levou a mão ao bolso em busca do maço de cigarros e lembrou-se de que o
deixara no quarto.
— Como?
— A mulher que tosou o cabelo da Srta. Cindy chorou o dia todo.
Eric riu.
— Não foi culpa dela. Nós avisamos a chefe...
O barman serviu o uísque e foi atender às mesas. O velho Jerry olhou sagaz para
Eric.
— A Srta. Cindy é bonita, não?
Eric constrangeu-se, preocupado por deixar o interesse transparecer. Gostaria de
passar algum tempo com Cindy Warren, sim, mas não queria que ela interpretasse como
assédio.
— Eu mal a conheço...
O barbeiro expelia fumaça em nuvenzinhas.
— Ah, vejo que gostou dela!
Eric tomou um bom gole do drinque antes de declarar:
— Sem comentários.

12
O velho conformou-se.
— Mas... quanto tempo pretende ficar em San Francisco?
Eric deu de ombros.
— Termino meu trabalho em alguns dias, mas gostaria de ficar até o Ano-Novo.
Talvez conhecer os vinhedos...
O barbeiro mirou a brasa na ponta do charuto.
— Vai passar o Natal sozinho? Não tem família?
Eric considerou mentir, mas concluiu que a verdade não o comprometeria.
— Meu pai e eu andamos afastamos desde a morte de minha mãe, há alguns anos.
Minha irmã vai passar as festas com ele.
— E você e sua irmã não se dão bem? — especulou Jerry.
— De forma alguma. É que Alicia é bem mais nova do que eu e tem sua própria
família.
O velho parecia reprovador.
— A família deve se manter unida, ainda mais nesta época do ano.
Eric mexeu-se na banqueta, saudoso dos Natais de sua infância. Guirlandas de
milho num pinheiro de verdade, guloseimas caseiras e o pai tocando piano.
Mas Gomas Stanton tornara-se taciturno após a morte da mulher, a ponto de Eric
não suportar mais passar as festas em casa.
Por isso, a idéia de passar o Natal na costa oeste o seduzia cada vez mais, ainda
mais se conseguisse a companhia de Cindy Warren. Muitos gerentes gerais passavam o
Natal e o Ano-Novo nos hotéis que dirigiam...
— Vai ver o Natal com outros olhos quando se estabilizar com uma boa mulher —
garantiu o barbeiro.
— O amor traz um encantamento especial às festas de fim de ano...
Eric riu.
— Não tem jeito de eu me apaixonar, companheiro, seja Natal ou não.
O velho não deu ouvidos.
— Vi vocês dois hoje lá no salão... Atraídos como ímãs. Posso estar velho, mas não
cego!
Eric pousou o copo no balcão e levantou-se.
— Está imaginando coisas, Jerry. Mas obrigado pela companhia.
— Mas veja lá como vai se aproximar dela — advertiu o barbeiro, protetor.
— Não se preocupe. Não vou dar a ninguém aqui motivo para briga.
Jerry soltou mais uma baforada.
— Feliz Natal, filho.

Capítulo iii

13
— Estou sentindo cheiro de queimado! — exclamou Cindy. Parando de tagarelar,
Manny soltou rapidamente a mecha de cabelo enrolada no ferro de encaracolar e
examinou-a.
— Não estragou, não... Fique tranqüila.
Cética, ela ergueu a mão enfaixada.
— Sei... quer passar álcool nos meus cortes, também?
— O que houve com sua mão, afinal? — indagou o amigo, separando outra mecha.
— Depois eu conto. Talvez. Ajeite logo o meu cabelo, Manny!
Ele soltou a mecha e viu-a esticar-se mais lisa do que antes.
— Estou a ponto de desistir, Cindy. Seu cabelo não cede um milímetro!
Cindy desesperou-se.
— Oh, o que vou fazer? Minha mãe vai ter um ataque quando me vir no Natal...
— Serão só três dias — lembrou o amigo. — Vão sobreviver.
Cindy sorriu.
— Estou contente por você ir comigo. Ela vai acreditar em você quando disser que
este corte está na moda.
— Não, senhora! Vou passar o Natal com vocês por causa do presunto assado e da
torta de nozes, não para salvar a sua pele.
— Não é tão ruim quanto parece — garantiu Cindy. — Um relacionamento entre mãe
e filha normal, ou seja, conturbado. Ela vai pensar que você e eu estamos dormindo
juntos...
O rapaz gay franziu o cenho.
— Isso é um elogio?
Ela o esmurrou no braço.
— É! E agradeço antecipadamente por me poupar do costumeiro sermão sobre
casamento, estabilidade etc..
Manny afofou o cabelo e cobriu-o com um jato de spray.
— Mas o que tem contra casamento e estabilidade, afinal? Algum caso traumático
no passado?
Cindy refletiu um pouco antes de revelar:
— Não, não me lembro de nenhuma experiência traumática. Por outro lado, não
recordo nenhum caso memorável, tampouco. — Deu de ombros. — Nunca conheci um
homem que apreciasse os aspectos menos comuns da vida... Sabe, coisas como
neurolingüística ou transcendentalismo.
Manny mirou-a através do espelho.
— Está bem, talvez esteja esperando demais — reconheceu Cindy.
Indiferente, o amigo prendeu-lhe o cabelo atrás das orelhas e estudou o efeito.
— Não desanime, porque, se for como a maioria dos meus conhecidos, homens e

14
mulheres, você vai desastrosamente se apaixonar por alguém que representa tudo o que
você mais odeia.
Cindy riu.
— Só pode estar brincando!
— E sério! — garantiu Manny. — Quase todos estão em lua-de-mel agora, mas foi
neste ombro aqui que choraram durante o namoro. — Bateu na área pouco acima do
coração. — Francamente, não sei se vale a pena...
Cindy ergueu a mão espalmada.
— Está pregando para uma platéia vazia. Estou tão desesperada por um dia de
folga que vou arranjar um acompanhante para a festa nem que tenha que contratar um
homem.
Manny olhou desolado para o reflexo dela no espelho.
— Lamento, Cindy, mas é o melhor que posso fazer. Quer um consolo? Sem todo
aquele cabelo, seus olhos verdes se destacam uma barbaridade!
Ela contemplou as mechas lisas tocando-lhe os ombros e a franja enganchada atrás
das orelhas.
— Valeu a tentativa, Manny, mas não vou poder ir assim.
— Tentou convencer-se de que não era no hóspede do quarto 1010 em quem
pensava. — Preciso voltar ao trabalho agora.
— Não se esqueça de que tem que laçar um homem ainda hoje!
— Com este cabelo, vou precisar de uma arma de fogo!
— Onde está aquele lenço bonito que sua mãe lhe mandou de presente de
aniversário?
— Aquele amarelo? — Cindy abriu uma gaveta e retirou a longa peça diáfana. —
Aqui. Por quê?
— Enrole no pescoço e deixe cair nas costas — sugeriu o amigo. — Vai desviar a
atenção do seu cabelo.
Cindy aceitou a sugestão e apreciou o resultado no espelho. Como sempre, Manny
estava certo.
Manny enrolava o fio do ferro de encaracolar.
— Cindy, está preocupada com a vinda desse tal Stanton, não?
Ela o encarou.
— Entre outras coisas.
O rapaz suspirou.
— Logo agora, quando eu começava a gostar deste lugar maluco...
— Ainda não perdemos a parada — garantiu Cindy. — Mas não vou mentir para
você, Manny. O Chandelier House é um estranho no ninho e desconfio de que Harmon
queira afastá-lo da "família".
— A inspeção pode ser algo a nosso favor — animou-se o amigo. — Talvez a equipe
de Stanton veja o potencial do nosso hotel e convença a matriz a liberar fundos na nossa
direção.
15
Cindy continuava irredutível:
— Desde que não imponham mudanças nos aspectos que tornam o Chandelier
House único...
De repente, Manny lembrou-se de informar:
— Sabia que um hóspede no saguão ficou olhando para você como se a quisesse
em sua meia de presentes de Natal? Até que veio a calhar...
Ela estava surpresa.
— A mim?
— Sim, senhora. Um sujeito chamado Quinn.
Cindy sentiu o coração disparar.
— Eric Quinn?
— Já o conhece?
Ela ergueu o blazer e tirou de dentro da meia-calça às costas o pijama embolado.
— Digamos que sim.
Manny arregalou os olhos.
— Já o seduziu?
— Não é o que está pensando.
— Não é a calça de pijama dele?
— É, mas não veio parar em minha mão do jeito que está pensando.
O rapaz cruzou os braço.
— Não vai me dizer que a surrupiou?
Cindy mordiscou o lábio.
— Surrupiou?! — exclamou Manny.
Ambos sentaram-se e Cindy contou toda a história. Então, Manny examinou bem a
mancha de sangue na peça.
— Detesto informar, Cindy, mas sua chance de tirar essa mancha com lavagem a
seco é nula.
Ela gemeu.
— E agora?
O rapaz verificou a etiqueta.
— Beckwith's! — exclamou. — É uma butique masculina lá em Pacific Heights.
Cindy animou-se.
— É?
— É. O homem tem gosto apurado...
Cindy abriu a bolsa.
— Manny, será que você poderia...
— Ir até lá ver se eles têm outra calça idêntica a esta?

16
— Eu imploro!
O amigo adotou uma expressão sonhadora.
— Eu estava mesmo de olho numa gravata na vitrine deles...
— E sua! — Cindy passou-lhe o cartão de crédito. — Mas preciso da calça antes do
jantar.
— Não é um pedido que se ouve todo dia...
Ela ergueu o dedo, advertindo:
— E nem uma palavra além destas paredes!
O rapaz ofendeu-se:
— Sabia que o encarregado da portaria é também o guardador de segredinhos
sujos? — Guardou a calça de seda e o ferro de encaracolar, na bolsa de mão. — Aliás,
Amy pediu que você a procurasse. Parece que tem uma pista do sr. Stanton.
Cindy empertigou-se.
— Sério?
— Ela não me contou nada. Disse que só falaria com você Desceram juntos pelo
elevador e separaram-se no saguão
Manny prometendo avisar Cindy pelo bip assim que chegasse com "a mercadoria".
Amy pingava colírio nos olhos.
— Alergia? — indagou Cindy. A moça piscou, lacrimosa.
— Acho que são as guirlandas de sempre vivas...
Cindy inclinou-se e sussurrou:
— Manny disse que você tinha notícias de Stanton.
Amy tirou um papel do bolso do blazer.
— Acho que ele está neste quarto. Por que não dá uma checada?
Cindy espantou-se.
— Falei com esse hóspede hoje a respeito da mudança de quarto. Por que acha que
ele é Stanton?
A moça fungou e enxugou os olhos com um lenço de papel.
— Por causa da semelhança de nomes e porque está sozinho Já percorreu o hotel
todo fazendo perguntas sobre a mobília e rabiscando anotações. Além disso... — Baixou
a voz: — Disse que pretende ficar até o Ano-Novo e, em vez de usar cartão de crédito,
pagou o depósito em dinheiro.
Cindy aquiesceu.
— Pode mesmo ser ele. Acho que vou passar de novo no quarto dele...
A moça apreciou-lhe a saia à altura dos joelhos.
— Se vai visitá-lo, devia mostrar um pouco as pernas.
Cindy ficou estupefata.
— Amy! Acha mesmo que eu recorreria a ardis femininos para influenciar na decisão

17
do homem?
A gerente mostrou-se cética.
Cindy suspirou, olhou em torno e abriu o blazer, a fim de enrolar o cós da saia.
— Quantos centímetros devo subir?
Cindy sorriu largamente quando o hóspede ainda de calça, camisa e gravata
afrouxada abriu a porta novamente.
— Olá, sr. Stark!
Portando o mesmo bloco de papel, o homem demonstrou surpresa nos olhos
cinzentos atrás de lentes grossas.
— Pois não?
— Sou Cindy Warren, a gerente-geral. Falei com o senhor hoje cedo sobre a troca
de quarto...
— Oh, sim. Não quero mais me mudar, pois já me instalei.
Cindy prosseguiu dissimulada:
— Perfeito! Mas gostaria de expressar nosso pesar mesmo assim, e reiterar que,
havendo algo que possamos fazer para tornar sua estadia mais agradável, basta contatar
a mim ou alguém de minha equipe.
— Algumas refeições de cortesia não fariam mal — resmungou o hóspede.
Cindy engoliu em seco.
— Já providenciei para que lhe sirvam um café da manhã especial, senhor.
O homem estudou-a por sobre o aro dos óculos.
— Mais do que café e um sonho?
Cindy mor discou o lábio.
— Certamente, senhor! Bem, tenha uma boa estadia.
Depois que a porta se fechou, sem muita delicadeza, Cindy deu meia-volta e franziu
o cenho. Se era aquele homem azedo a decidir seu destino e o de seus subordinados,
estavam todos em maus lençóis. Chamou o elevador. Quando as portas se abriram,
embarcou, perdida em pensamentos.
— Oi! — cumprimentou uma voz máscula.
Eric Quinn sorria-lhe. Por um segundo, pôde apenas apreciar-lhe a beleza. Notou
uma covinha na bochecha esquerda em que não reparara antes. Trajava agora calça de
moletom cinza, camiseta branca folgada e tênis. Só esperava que ele ainda não houvesse
dado falta de sua calça de pijama.
— Problemas? — indagou ele, vendo-a preocupada. Cindy apressou-se em sorrir.
— Não, não... Quero dizer, não mais do que o normal.
— Não se machucou de novo, espero...
Ela sentiu as faces rubras.
— Não, não me machuquei de novo. — Pigarreou e mudou de assunto: — Como
tem sido sua estada, sr. Quinn?

18
— Produtiva — replicou ele, notando-lhe as pernas sob a saia encurtada. Fitou-a no
rosto.
— E é Eric.
Que olhos!, admirou Cindy, embasbacada.
— No que é você trabalha, Eric?
— Vendas.
— Que tipo de vendas?
— Ah, acessórios... coisas assim.
Cindy estranhou a imprecisão, então lembrou-se da mostra de brinquedos para
adultos programada para a semana seguinte.
— Veio para a exposição que vai haver aqui na semana que vem?
Ele mexeu-se constrangido.
— Na verdade... estou me preparando para a semana que vem.
O que explicava o festival de preservativos na frasqueira dele. Cindy desviou o rosto,
esperando não estar tão rosada quanto se sentia. Afinal, era uma mulher moderna, liberal.
Até fora a um clube de strip-tease masculino com Manny certa vez. Sendo assim, por que
a idéia de Eric Quinn vendendo camisinhas e outros acessórios enervava-a?
— Também vai para o subsolo? — comentou ele, observando o único botão aceso
no painel.
— E... não! — Cindy apertou o botão do térreo.
As portas se abriram em seguida e ela quase pulou para fora na pressa de fugir.
Cindy não olhou para trás quando as portas se fecharam, mas foi surpreendida por
puxão violento no pescoço. Cambaleando para trás, viu, horrorizada, a ponta de seu lenço
sendo tragada pelo elevador. A tira de seda escapou-lhe e desapareceu no chão.
Felizmente, não atara o lenço. Cindy fechou os olhos e bateu a palma da mão na
testa.
— Era ele? — Amy aproximava-se cocando os braços. — Stark é o tal espião?
Cindy suspirou.
— Pode ser. Parecia contrariado.
— Talvez não goste de pernas... — Amy sorriu maldosa. — Ou talvez não goste de
mulheres. Que tal mandarmos Manny?
Cindy estava séria.
— Avise a todos para tomarem cuidado com o rabugento sr. Stark.
Amy estalou os dedos.
— Por que não o convida para nossa festa de Natal amanhã à noite?
Cindy arregalou os olhos.
— Está louca? Quer que ele nos veja bêbados e desinibidos?
A moça mudou de idéia.
— Tem razão. — Cocou o pescoço. — Bem, vou voltar ao meu posto.
19
— Até mais...
Cindy desceu a escada para o subsolo na esperança de encontrar o lenço de seda
intacto, mas não viu nem sinal dele. Bem, o presente da mamãe devia estar todo enrolado
nas engrenagens do elevador, ameaçando seu bom funcionamento!
Consultou o relógio de pulso. Três horas. Manny devia estar quase chegando da
loja. Então, enquanto Eric Quinn se exercitava na sala de ginástica, iria a seu quarto e
reporia a calça do pijama.
Uma rápida consulta à gerência de manutenção revelou que ainda não fora
encontrada a árvore de Natal ideal para o saguão.
De passagem pela concorrida feira de artigos espaciais, constatou que estava
esgotado o maior sucesso do evento, uma "arma" que disparava um choque letal. Um
grande público debruçava-se sobre as máquinas de fliperama. Fantasias e máscaras
também tinham boa saída. Em suma, a feira estava sendo um sucesso!
Na semana seguinte, aconteceria a mostra de brinquedos para adultos. Imaginar
Eric Quinn rodeado de uma parafernália erótica bastou para decidir não comparecer.
Às sete horas, Manny ainda não aparecera e Cindy decidiu jantar. No restaurante,
após cumprimentar o chef e demais funcionários na cozinha, escolheu uma mesa ruim
próxima aos banheiros, acomodou-se e descalçou os sapatos. Que dia!
— Não vai jantar sozinha, vai? — questionou Eric Quinn, a suas costas.
Cindy voltou-se e viu-o sentado à mesa próxima, meio oculta por uma árvore
artificial. Seu pulso se acelerou.
— Não me importo.
— Não acha uma tolice ambos jantarmos sozinhos? — retrucou ele, sem maldade.
— Posso lhe fazer companhia, srta. Warren?
Sim, pensou Cindy. Tratava-se de um inofensivo vendedor de artigos eróticos
querendo bater papo. Se jantassem juntos, poderia ficar de olho nele até que Manny a
avisasse de sua chegada.
— Será um prazer — declarou, por fim. — E é Cindy.
Eric levantou-se, pegou seu cálice de vinho e juntou-se a ela.
— Como queira, Cindy... — De calça esporte marrom e camisa azul-clara,
acomodou-se ágil e sedutor.
— O que recomenda?
— Costeleta grelhada — murmurou ela, o coração aos pulos. O olhar dele se
iluminou.
— Ora, foi exatamente o que o chefe da portaria sugeriu!
Cindy espantou-se.
— Falou com Manny?
— Falei. Um rapaz muito prestativo...
Cindy sorriu.
— É meu braço direito!
— É difícil encontrar pessoas atenciosas — lamentou Eric.

20
— Principalmente em hotéis — observou Cindy. Ele a fitou terno.
— Cindy, antes de prosseguirmos... há algo que precisamos discutir.
Ela se retraiu. Ele dera falta da calça de pijama. Sabia que fora ela quem a
surrupiara.
— De... de que se trata?
Eric deu um sorriso que a fez se arrepiar.
— Trata-se de... uma peça de vestuário.
Cindy engasgou-se com um gole de água, apavorada.
— Oh... eu posso explicar!
Ele balançou a cabeça.
— Não precisa. Ficou embaraçada... Eu entendo.
— Sim, mas..
— Na verdade, acho graça nos seus deslizes.
Cindy enfureceu-se.
— Graça?!
— Espero que não se importe por eu ter consultado a lavanderia — completou Eric,
buscando algo no bolso do paletó. Cindy empertigou-se.
— Saiba que já providenciei a substituição da peça, de modo que não tem que se
preocupar com a mancha de sangue...
Calou-se. Lavanderia? Ele podia ter dado falta da peça, mas não da mancha de
sangue.
— Mancha de sangue? — De cenho franzido, Eric estendeu-lhe um embrulho.
— Feriu-se quando o lenço foi tragado pelo elevador?
Ela engoliu em seco.
— O lenço?
— Sim, seu lenço. — Eric abriu o embrulho e estendeu o lenço de seda amarelo que
ela julgara perdido. — Do que pensou que eu estava falando?
Cindy aliviou-se.
— É que... imaginei que podia tê-lo manchado com meus dedos feridos quando
tentei agarrá-lo.
— Consegui pegá-lo antes que se rasgasse — explicou Eric.
— Mas ficou sujo e mandei lavá-lo, junto com umas camisas. Espero não ter sido
impertinente.
Não estando eu com sua calça de pijama.
— De forma alguma — retrucou Cindy, plácida. — Obrigada. Foi um presente de
minha mãe.
— Mesmo? Onde ela mora?
— Na Virgínia. Com meu pai e meu irmão mais velho.

21
Eric não conteve o espanto.
— Jura? Sou da Virgínia também!
Cindy surpreendeu-se também. Então, seu bip soou.
— Desculpe-me, ainda estou de serviço. — Verificando o número, tirou um pequeno
rádio do bolso e apertou um botão.
— Sim, Amy?
— Cindy, nosso hóspede especial no quarto 620 está reclamando da temperatura
ambiente.
Desconfiada de um teste por parte do sr. Stark, Cindy indagou:
— Está quente demais ou frio demais?
— Quente demais.
— Vá checar o ar-condicionado, Amy. E leve o ventilador, por precaução.
— Perfeitamente.
Cindy desligou o rádio e olhou para o acompanhante.
— Bem, onde estávamos? Oh, sim! De que lugar da Virgínia você é?
— Perto de Manassas.
— Ah, eu sou bem do sul, perto de Fredericksburg, na interestadual 95.
— Estive várias vezes em Fredericksburg! — exclamou Eric. — Mundo pequeno...
Um garçom aproximou-se para anotar os pedidos. Concordaram em dividir uma
garrafa de vinho branco. Cindy relaxou, embora esperasse que Manny chegasse logo e a
avisasse. Quando a bebida chegou, Eric encheu-lhes os cálices.
— Você volta para casa com freqüência? — indagou ela, simpática.
Eric ficou meio triste, ou pesaroso. Negou movendo a cabeça.
— Minha irmã e eu somos chegados, mas meu pai não aprova... meu trabalho.
Cindy aquiesceu, solidária. Mas entendia o lado do pai deli também. Vender artigos
eróticos não era uma atividade da qual a gente pudesse se orgulhar. Se bem que a boa
aparência de Eric, combinada à luz difusa do restaurante, mais o efeito do vinho, fazia o
trabalho dele parecer... excitante.
— Você gosta do seu trabalho? — indagou ele.
Cindy ia dizer "sim", mas o bip soou novamente e ambos riram.
— Cindy, agora ele está reclamando do barulho no quarto ao lado — informou Amy,
nervosa.
— Que barulho?
— Não sei, não ouvi nada!
— Volte lá e verifique.
Amy suspirou.
— Que velho chato!
— Eu sei, mas agüente firme. — Cindy desligou o aparelho e sorriu para Eric. —

22
Sim, gosto muito do meu trabalho, mas lidar com público é frustrante, às vezes.
Conversaram mais um pouco, até que os aperitivos chegaram. Cindy abria-se com
Eric, apesar da vocação questionável dele. Num certo momento, quando buscaram os
cálices e seus dedos se tocaram, experimentou uma inequívoca faísca de energia sexual.
Ele também sentiu, o que deixou claro pelo olhar.
Eric Quinn revelava-se o par perfeito para seu compromisso na noite seguinte.
Bonito, gentil e temporário!
— Eric, estive pensando...
O bip soou de novo e Cindy grunhiu. Ambos riram.
— Cindy, consegui sua encomenda — informou Manny, pelo rádio. — Estou no
atendimento.
Cindy sentiu o coração flutuar. Quando antes encerrasse a questão do pijama,
melhor.
— Estarei aí em dois minutos! — Sorriu para Eric. — Não vou demorar. Espero que
não se importe por esperar sozinho por nosso jantar.
— De forma alguma — retrucou ele, levantando-se ao mesmo tempo que ela.
— Vou aproveitar e arrumar meu lenço — comentou Cindy, pegando a tira de seda.
Queria estar bonita, caso tivesse coragem de convidá-lo para a confraternização natalina
dos funcionários do hotel.
— Cuidado com os elevadores!
Com as entranhas tomadas de desejo, ela apressou os passos.
Eric observou-a deixar o restaurante. Aquela mulher era um enigma, uma mistura
irresistível de beleza, força e vulnerabilidade. E a atração entre eles era inegável.
Enquanto bebericava o vinho, considerou que não era ético envolver-se fisicamente
com a gerente-geral do hotel, pelo menos até que concluísse seu relatório. Inquieto,
consultou as horas. Tinha tempo para voltar ao quarto e telefonar rapidamente a
Lancaster. Talvez assim reforçasse a decisão de manter-se a uma distância respeitável de
Cindy Warren.
Após informar ao garçom passante que ambos voltariam para o jantar, Eric
apressou-se rumo ao elevador.

Capítulo iv

— Por que tenho que ir também? — questionou Manny, seguindo Cindy pelo
corredor rumo ao quarto de Eric Quinn.
— Por uma gravata de noventa e cinco dólares, o mínimo que pode fazer é ficar
vigiando.
— Comparada à calça do pijama, a gravata foi uma pechincha.
Cindy estacou e o amigo quase colidiu contra ela.
— Quanto custou a calça?
Manny retraiu-se.

23
— Trezentos e cinqüenta.
Cindy ficou de pernas bambas.
— Dólares?!
O rapaz fez um trejeito exagerado.
— Eu disse que o homem tinha gosto caro... Aliás, como é que ele ganha a vida?
Cindy retomou a caminhada.
— Ele é vendedor. Aparentemente, vendia sexo!
Diante da porta 1010, pendurou o lenço no ombro, olhou para os dois lados e inseriu
a chave-mestra na fechadura.
— Dê-me a calça e fique de guarda.
Manny estendeu-lhe a sacolinha de papelão.
— E se ele aparecer?
— Ele está no restaurante... a minha espera.
O amigo expressou malícia.
— Jantar a dois, é?
— Não comece!
— E se ele aparecer?
Cindy suspirou.
— Sei lá... cante, assobie, dê um sinal, ora!
Com o coração batendo feito tambor, abriu a porta e adentrou o quarto. Ágil, correu
ao banheiro e acendeu a luz. Com mãos trêmulas, tirou da sacola as duas calças de
pijama. Manny estava de parabéns. As peças eram idênticas. Só que a nova parecia...
nova. Após retirar-lhe a etiqueta de preço, amassou-a um pouco. Então, sem poder evitar,
ergueu a calça velha e cheirou-a, discernindo o aroma de uma colônia.
Antes que pudesse se deter, já tateava a bolsa lateral da frasqueira, aquela oposta à
dos preservativos. Sorriu ao encontrar um frasco de English Leather, mesma marca usada
por seu pai. Eric Quinn combinava pijamas caríssimos com água-de-colônia barata. Que
intrigante! Borrifou a fragrância na calça nova e pendurou-a sobre a frasqueira. Olhou
para o relógio. Seis minutos. Nada mau!
Com a calça velha dentro da sacolinha, preparava-se para sair do banheiro quando
ouviu uma cantoria no corredor. Céus, era Manny avisando-a da chegada de alguém!
Trôpega, apressou-se em apagar a luz. Lá fora, Manny parou de cantar,
conversando animado com alguém.
Por favor, que seja a arrumadeira! Pensou.
Aterrorizada, ouviu uma chave girar na fechadura. Manny continuava tagarelando,
aflito.
Na penumbra, Cindy podia ver o branco de seus olhos no espelho. E agora? Num
salto silencioso, entrou na banheira e cerrou a cortina. Espremida no canto, viu a carreira
escoar pelo ralo a seus pés.
Eric Quinn adentrou o quarto rindo, seguido de Manny.

24
— Quer que regule o termostato, senhor?
— Não, obrigado.
— Que tal mais gelo no balde?
— Já está cheio, obrigado.
— Toalhas novas?
— Não precisa. Com licença, mas preciso dar um telefonema e voltar logo ao
restaurante.
— Claro, senhor!
Cindy renovou a esperança. Talvez ele não se demorasse... Eric Quinn pegou o
telefone e passou a falar baixo com o interlocutor. Uma namorada? A esposa? Após a
conversa rápida, ele desligou.
Ele deu alguns passos e, para horror de Cindy, entrou no banheiro. A luz
fluorescente inundou o cubículo. Ela tapou a boca com a mão. O que ele ia fazer?
Pegar algo na frasqueira, a julgar pelo som do zíper. Uma camisinha? Indignada,
Cindy ergueu o queixo. Estaria acreditando que se daria bem com ela? Abriu-se a torneira
e Quinn começou a... escovar os dentes.
Cindy estava decepcionada. Já Eric parecia bem disposto, assobiando uma canção
natalina enquanto enxugava o rosto. Ele guardou a escova de dentes na frasqueira e
voltou-se para a cortina do boxe.
Com a respiração presa, Cindy apreciou a silhueta máscula através do plástico
enquanto ele estendia a toalha sobre o trilho. E se ele puxasse a cortina e a visse
agachada dentro da banheira? Estava a ponto de desmaiar quanto ele por fim saiu
apagando a luz. Segundos depois, ele deixava o quarto, e ela relaxou aliviada.
Após dois minutos inteiros sentada na borda da banheira, Cindy passou ao quarto
com os músculos tensos. Pelo olho mágico, viu o caminho livre e saiu ao corredor.
— Até que enfim! — sussurrou Manny, a suas costas.
Cindy deu um pulo.
— Quer me matar do coração?
— Eu é que quase morri! O que foi que aconteceu lá dentro, afinal?
Cindy tomou o rumo do elevador.
— Troquei as calças.
— Mas ele a viu?
— Claro que não. — Cindy chamou o elevador. — Eu me escondi na banheira.
O rapaz balançou a cabeça.
— Incrível!
Cindy estendeu-lhe a sacolinha.
— Pode sumir com isto, por favor?
— Deixe comigo. Mas... como vai indo?
Ela franziu o cenho.

25
— O quê?
— O encontro com o bonitão do sr. Quinn!
Cindy apertou de novo o botão do elevador.
— Arranjei o jantar só para poder ficar de olho nele enquanto você não voltava.
— Nada de afagos de pés sob a mesa?
Cindy empertigou-se.
— Claro que não!
Dentro do elevador, Cindy optou pelo sub-solo e Manny, pelo térreo.
— Sabe, acho que você está começando a gostar dele — murmurou o amigo.
— Pois está redondamente enganado.
Manny saiu ao saguão.
— Até amanhã. E não se esqueça de dizer ao sr. Quinn que nossa reunião de
amanhã pede black-tie.
Exausta. Cindy desceu no sub-solo e correu de volta ao restaurante. A mesa, Eric
Quinn afastou a mão do cálice e levantou-se ao vê-la.
— Desculpe o atraso — pediu Cindy, acomodando-se. Havia agora uma vela acesa
no centro da mesa, a luz tênue aliviando os traços marcantes do rosto de Eric Quinn. Ou
ele tornara-se ainda mais bonito durante sua ausência, ou o vinho começava a surtir
efeito em suas percepções.
— Nenhum problema, espero — comentou ele.
— Não, está tudo bem.
O garçom chegou com as entradas sob redomas, mas Cindy perdera o apetite.
Esperava de Eric Quinn algum comentário grosseiro e provocativo sobre os produtos que
vendia, de modo que pudesse rejeitar-lhe a companhia, mas tudo o que via era um
homem lindo de morrer aguardando, polido, que ela iniciasse a refeição.
De olhar fixo em Cindy Warren, Eric imaginava como conseguiria passar o tempo
com aquela beldade sem que ela desconfiasse de seu verdadeiro papel ali, e sem atiçar a
própria libido.
— Onde estávamos? — indagou, afastando as rodelas de cebola grelhada de cima
da costela.
— Na Virgínia — relembrou Cindy, enganchando uma mecha do cabelo escuro atrás
da orelha.
— Isso mesmo!
— Ainda mora perto de Manassas?
Eric cortou uma fatia da carne.
— Eu não. Viajo muito. Tenho apartamentos em várias cidades.
— Mas não vai voltar para as festas de fim de ano?
Eric sentiu-se acuado, mas tentou parecer descontraído.
— Provavelmente, não. Você não ia me perguntar algo quando teve que deixar a
mesa?
26
Cindy pegou o vinho.
— O que quer que fosse, esqueci. É a primeira vez que se hospeda no Chandelier
House?
— É, embora venha à baía várias vezes ao ano a negócios Seu hotel é encantador.
— Obrigada. Foi construído na década de vinte e danificou-si bastante nos
terremotos, mas, de reforma em reforma, resiste
Eric olhou-a terno.
— É como se falasse de alguém da família, não de um prédio.
— O Chandelier House faz parte da minha família — confirmou Cindy. — Meu avô
materno foi um dos proprietários originais.
Eric estava surpreso. Não fora informado da ligação pessoal da gerente-geral com o
estabelecimento.
— Interessante. Quer dizer que não é por acaso que você está aqui, comandando o
espetáculo.
— Sim e não. — Cindy espetou o salmão em seu prato. -Meu avô vendeu a parte
dele no hotel anos antes de eu nascei — Sorriu nostálgica. — Minha mãe diz que puxei a
ele, ma eu mesma não me lembro. — Bebericou o vinho. — De qualquer forma, estudei
administração hoteleira e trabalhei em alguns hotéis pequenos até conseguir esta vaga
aqui, há alguns anos.
Eric fez-se de sonso.
— Quer dizer que o Chandelier House é uma empresa independente?
— Quando cheguei, era, mas há cerca de dois anos uma cadeia de Chicago o
comprou e, felizmente, manteve a mim como gerente-geral.
— Deram um voto de confiança — resumiu ele.
Cindy deu de ombros.
— Não quero me gabar, mas o Chandelier House é um lugar especial, com
funcionários especiais. Precisa de um gerente que saiba apreciar... a atmosfera, entende?
Como se chamado a ilustrar, um grupo de aficionados em filmes espaciais chegou
vestido a caráter.
— Não se pode queixar de monotonia — resumiu Cindy. Quando Eric lhe serviu mais
vinho, indicou o meio do cálice. — Ainda tenho uma hora de trabalho pela frente —
explicou, as faces rosadas.
— Essa é sua clientela típica? — indagou ele, referindo-se aos fantasiados.
— Oh, não! Nossa clientela típica é muito mais esquisita!
— Verdade?
Cindy tomou mais vinho e confirmou.
— Os domadores de serpentes são os mais terríveis, acho.
Ele piscou.
— Domadores de serpentes?
— Ao passo que os tatuadores são os mais gentis.

27
— Hum...
— No ano passado, os vampiros fecharam uma conta altíssima aqui e esperamos
que voltem na primavera.
Eric inclinou-se para a frente.
— Você disse "vampiros"?
— Oh, não se preocupe. Todos os funcionários tomaram anti-tetânica com
antecedência.
Eric divertiu-se.
— Que bom.
— Ah, falta pouco para o seu pessoal chegar — comentou Cindy. Então, ela
descobrira quem ele era. Sentiu-se aliviado e decepcionado ao mesmo tempo.
— Espero que entenda por que tive que ser discreto.
Cindy desviou o olhar.
— Claro que sim.
— As pessoas tendem a mudar de atitude quando sabem a verdade.
Ela sorriu e olhou-o maliciosa.
— Bem, reconheço que, se não tivesse tido a oportunidade de conhecê-lo, Eric, eu
teria sido uma dessas pessoas.
— Fico feliz em saber que meu trabalho não vai interferir com nossa... amizade.
Cindy deu mais um sorriso induzido pelo vinho.
— Tenho a mente aberta.
Eric enrijeceu-se, alarmado. Iria Cindy oferecer-se a ele na esperança de conseguir
um relatório favorável?
— Prefiro não falar de trabalho — declarou. — Detesto misturar negócios com
prazer.
— De acordo.
Eric mal disfarçou o alívio. Previra um momento de revelação bombástico ou, no
mínimo, tenso, mas errara. Cindy parecia à vontade, feliz até, a ponto de ele não saber
por que só encontrava no Chandelier House. Recostado na cadeira, degustou o vinho ao
mesmo tempo que apreciava a mulher a sua frente.
Notou que ela não portava mais o lenço de seda amarelo, mas, recordando o
embaraço dela quanto ao incidente do elevador, não comentou nada. Tratou de aproveitar
o jantar mais agradável que tinha em meses. Cindy afastou o prato, com os olhos
brilhantes e os lábios úmidos de vinho. Inclinando-se para Eric, sussurrou:
— Tenho uma confissão a fazer.
Ele ergueu a sobrancelha.
— Devo alertá-la de que não sou padre.
Cindy riu e soluçou, tapando a boca com a mão.
— Perdão!

28
Divertido, Eric afastou seu prato e dividiu entre os cálices o resto do vinho.
— Qual a confissão?
Ela sorveu toda a bebida e ficou manuseando o pedúnculo de cristal.
— Eu ia mesmo lhe perguntar uma coisa aquela hora...
— Boa noite, Cindy — cumprimentou um homem de terno com dois cálices e uma
garrafa pequena.
— Joel! — Cindy endireitou-se. — Joel, este é Eric Quinn, um de nossos hóspedes.
Sr. Quinn, este é Joel Cutter, nosso gerente de alimentos e bebidas.
Ao menos, ela manteria sua identidade em segredo por mais algum tempo, aliviou-
se Eric, cumprimentando o homem.
— Desculpem a interrupção — disse Joel. — Como já terminaram o jantar, achei que
apreciariam o licor de canela que encomendei para as festas.
— Claro! — aprovou Cindy. — Eric?
— Seria ótimo.
Cutter serviu a bebida nos cálices pequenos e afastou-se. Cindy contemplava o licor
pensativa, apoiada à mesa como se tentasse se orientar. Talvez houvesse exagerado no
vinho.
— Vamos brindar? — sugeriu Eric.
— Não sei...
— Só um — insistiu ele.
— Está bem. — Cindy ergueu seu cálice. — Ao Natal.
— Ao Natal. — Tocaram os cálices por sobre a vela e Eric completou: — Que ambos
realizemos nossos desejos.
Trêmula, Cindy deixou o cálice cair, derrubando a vela. Num instante, a toalha da
mesa absorveu o líquido e se incendiou. Assustado, Eric buscou-a por sobre a chama,
queimando a manga da camisa. Gritos ecoaram pelo restaurante, pedindo extintores. Eric
puxou a aba da toalha de mesa sobre o braço e abafou o fogo.
Cindy parecia vidrada na mesa destruída.
— Você está bem? — indagou Eric, pegando-a pelo cotovelo. Ela o encarou
mortificada.
— Ateei fogo em você.
— Não, foi um acidente. — Ele exibiu a manga levemente chamuscada. — Está
vendo? Não foi nada.
Mas Cindy estava estarrecida ante a própria imprudência. Primeiro, a calça do
pijama dele, agora, a manga da camisa e, por pouco, não fora o braço!
— Cindy! — exclamou Joel. — O que aconteceu?
— Está tudo bem — tranqüilizou Eric. — O licor se derramou e a chama da vela...
Cindy finalmente recuperou a fala:
— Joel, lamento o transtorno. Por favor, peça que arrumem a mesa e ponham a
despesa do sr. Quinn na minha conta, enquanto eu o acompanho ao ambulatório médico.

29
— Não precisa — declarou Eric.
Ante a expressão autoritária dela, porém, ele cedeu, não sem uma sensualidade que
a deixou de pernas ainda mais bambas.
Enquanto Cindy assinava a conta do jantar, Joel sussurrou-lhe por sobre o ombro.
— Sei que este não é o melhor momento, Cindy, mas é que estou procurando um
voluntário para o papel de Papai Noel amanhã à noite.
Ela riu.
— Quer que eu me fantasie?
— Bem, elevaria o moral da turma ver você no maior espírito natalino, apesar da
inspeção que vão fazer e tudo o mais...
Ela suspirou.
— Está bem, providencie a roupa. Vou escapulir e me trocar na hora dos presentes.
O amigo alegrou-se.
— Perfeito. E não se preocupe: a fantasia é à prova de fogo. Cindy foi ao encontro
de Eric à porta do restaurante. Mesmo que tivesse coragem de convidá-lo para a festa,
ele só aceitaria se fosse louco. Ela já tentara queimá-lo vivo?
Chamaram o elevador. Cindy era uma massa de medo, constrangimento, euforia e
confusão. As portas se abriram e ambos entraram. Foi quando ela notou uma manchinha
de fuligem na bochecha esquerda dele. Num impulso, pegou um lenço de papel e ergueu
a mão para limpá-la. Deteve-se quando seus olhares se encontraram.
— Tem uma sujeirinha aí... — informou ela, estendendo o lenço. Eric limpou a
mancha e olhou para o painel do elevador.
— Para onde vamos?
Cindy ficou indignada. Estaria ele sugerindo que passassem a noite juntos?
Pressionou o dedo trêmulo sobre o botão número dez. Era o andar dele.
— E o seu? — indagou Eric.
— Q-quinze — gaguejou ela, sentindo-se ridícula.
Ele não sugerira passar a noite com ela. Provavelmente, cogitava chamar o corretor
de seguros. Ou o advogado.
— A menos que queira entrar e tomar um último drinque — completou Eric, com um
sorriso insondável.
— Você ainda não me fez a tal pergunta.
Cindy entrou em pânico. Do jeito que as coisas iam, se entrasse no quarto de Eric
Quinn, o teto ruiria! Para se dispor a encarar uma incendiaria, o homem devia estar muito
desesperado, ou necessitado de uma assistente para amarrar na cama e demonstrar
seus brinquedinhos para adultos.
— Não!
Eric conformou-se:
— Nesse caso, obrigado pelo maravilhoso jantar.
Cindy sorriu amarelo.

30
— Apesar do incêndio?
Os olhos dele brilharam.
— Foi divertido.
O elevador parou e as portas se abriram no décimo andar.
— Talvez nossos caminhos se cruzem amanhã de novo.
Ela sentiu a garganta seca.
— Quem sabe.
Quando as portas se fecharam, Cindy recostou-se na parede e fitou o teto e pensou
nos acontecimentos do dia. Primeiro, o corte de cabelo desastroso, depois, o machucado
nos dedos da mão, em seguida, a bagunça com a calça de pijama, então, o lenço de seda
no elevador...
Cindy enrijeceu-se. Onde estava o lenço de seda amarelo? Fechou os olhos,
recapitulando os últimos eventos. Pegara-o ao deixar a mesa do restaurante pela primeira
e pendurara-o no ombro antes de...
Arregalou os olhos. Ao entrar no quarto de Eric! Perdera o lenço no quarto dele,
talvez no banheiro... ou na banheira. Se encontrasse o lenço, ele saberia que ela estivera
em seu quarto, e quando. Contendo a histeria, saiu correndo do elevador assim que as
portas se abriram e lançou-se pela escadaria.

Capitulo v

Cindy desceu os cinco andares pela escada em tempo recorde, torcendo o tornozelo
duas vezes. O quarto de Eric ficava no extremo do edifício. Com sorte, conseguiria
interceptá-lo antes que entrasse. Voando pelo corredor, dobrou a esquina e viu-o diante
da porta, inserindo a chave na fechadura.
— Eric!
Ele se voltou, surpreso.
Cindy diminuiu a marcha, percebendo o quanto estava sem fôlego.
— Cindy, está tudo bem?
Com o peito arfante, ela pensou rápido numa explicação.
— Eu... eu quero lhe comprar outra camisa.
Ele sorriu, divertido.
— Voltou correndo só para me dizer que quer me comprar outra camisa? Não
precisa. Não sou assim tão apegado a minhas roupas.
Soubesse disso antes, ela teria poupado trezentos e cinqüenta dólares!
— Eu insisto. Se... me emprestar um pedaço de papel, vou anotar a marca... e o seu
tamanho.
Eric deu de ombros.
— Está bem, se a faz se sentir melhor. Mas por que não leva a camisa, então?
31
Cindy massageou a dor na lateral do corpo e assentiu.
— Dê-me um minuto para me trocar...
O pânico apossou-se novamente dela. Tinha que entrar naquele quarto!
— Eric!
Ele voltou-se, ainda com o meio sorriso.
— Sim?
— É... sobre aquela pergunta que eu ia lhe fazer.
— Sim?
Desesperada, ela olhou para os dois lados e baixou a voz:
— Bem, trata-se de algo pessoal...
— Nesse caso, por favor, entre.
Conforme o esperado, Eric abriu a porta e convidou-a a entrar primeiro. O coração
dela retumbava ante a situação comprometedora em que se metera novamente.
Esquadrinhou o carpete à procura do lenço amarelo, mas não viu nada. A peça malfadada
devia estar no banheiro!
— Que tal um drinque? — ofereceu Eric.
— Hum... não, obrigada. Acho que preciso ir ao banheiro... me refrescar um pouco.
Eric piscou.
— Fique à vontade.
Cindy apressou-se ao cubículo e fechou a porta. Ao ver-se no espelho, fechou os
olhos. Cabelo bizarro e comportamento mais bizarro ainda. O que Eric não estaria
pensando dela? Deu uma olhada no banheiro e, sem se surpreender, viu o lenço de seda
amarelo na banheira. Após ajeitá-lo em torno do pescoço e dar-lhe um nó firme, afofou os
cabelos, escovou os dentes com o dedo e lavou as mãos.
Sem mais delongas, abriu a porta e, inspirando profundamente, percorreu o curto
corredor de volta ao quarto. Não sabia bem o que esperara. O fato é que decepcionou-se
ao ver todas as luzes acesas e Eric de pé olhando pela janela.
Diante da cidade de San Francisco toda iluminada, ainda mais espetacular do que o
normal devido às decorações natalinas, Eric refletia sobre a situação que se desenrolava.
Com tantas mulheres no mundo, por que fora atrair-se justamente por aquela que
administrava o hotel que fora enviado para fechar?
Ela se dissera preparada para os conflitos que poderiam advir, mas ele não se sentia
tão à vontade. Na verdade, cogitava se não estaria interessado na mulher só por saber,
no fundo, que ela não era acessível. Ela também podia estar acercando-se dele devido a
algum desejo, consciente ou inconsciente, de influenciá-lo no veredicto quanto ao hotel.
Já fora assediado antes por funcionários na mira de uma inspeção corporativa.
Ao notar um movimento, voltou-se e viu Cindy. Não parecia inclinada a seduzir ou
deixar-se seduzir. Aliás, parecia até meio assustada.
— Linda vista — comentou, indicando a janela.
— É, sim. Se tiver tempo antes de partir, suba à cobertura à noite. É só falar com o
encarregado da portaria e lhe abrirão a porta de segurança.

32
— Farei isso. Ah, você colocou seu lenço...
Ela segurou as pontas da peça.
— Coloquei. Bem, Eric, se me der sua camisa, já vou indo.
Talvez ela houvesse perdido a coragem, ou esperasse que ele tomasse a iniciativa.
Excitado, mal continha o impulso de despi-la do uniforme e descobrir se fazia amor com
tanta energia com quanto vivia. Mas nunca priorizara o sexo em detrimento do trabalho,
por isso, apenas desabotoou a camisa, enquanto ela se voltava para um quadro na
parede.
Trajando a camiseta que sempre usava por baixo, conforme lhe recomendara o pai,
foi até Cindy.
— Aqui está.
Visivelmente aliviada por vê-lo ainda vestido, ela pegou a peça estragada.
— Providenciarei uma nova o mais rápido possível...
Então, seus dedos se roçaram, e Eric foi tomado pelo desejo.
— Cindy...
Ela também sentiu, ele podia ver em seus olhos verde-acinzentados.
— Sim?
Ele se imaginou tomando-a nos braços e beijando-a. Então, pasmo, percebeu que
não estava imaginando. Degustava-lhe o hálito, os lábios, a língua. Ela espalmava as
mãos nas laterais de seu corpo, expirando entre suspiros.
Sorvendo o vinho que restava nas profundezas de sua boca, ele resistia à
necessidade de encher as mãos com sua carne macia. Em vez disso, alisou-lhe os
cabelos e inclinou-lhe o rosto em busca de mais acesso.
Ansiava por estreitá-la ainda mais contra seu corpo, mas ainda tinha um pé na
realidade. Erguendo a cabeça, soltou-a, lutando para recuperar o fôlego.
Cindy recuou um passo, mordiscando os lábios intumescidos.
— Não tive a intenção — desculpou-se Eric, pegando a camisa que caíra no chão.
— Mas, considerando a luta contra a atração que senti por você o dia todo, não
posso dizer que lamento.
— Luta?! — questionou ela. — Você é casado?
Ele riu.
— Não, não sou casado. Nem comprometido. — Sério, passou a mão pelos cabelos.
— Mas tenho minhas reservas quanto a... nos envolvermos, por causa do meu
trabalho.
Cindy pegou a camisa das mãos dele e examinou a manga chamuscada.
— Não ligo, se você não ligar...
Eric estava surpreso. Nunca carecera de companhias femininas, mas não se
lembrava de ter-se sentido mais satisfeito ante o elogio de uma mulher. Sendo assim,
embora a mente o alertasse quanto ao caminho potencialmente destrutivo, sugeriu:
— Que tal jantarmos amanhã?

33
Cindy riu.
— Eric, a pergunta que tentei lhe fazer a noite toda era justamente: gostaria de me
acompanhar à festa de Natal dos funcionários amanhã à noite?
Ele adorou a idéia, mas permaneceu cauteloso.
— Já contou a eles que estou aqui? Eu detestaria provocar boatos desagradáveis...
Cindy inclinou a cabeça.
— Por ora, não vejo por que passar esse tipo de informação aos meus
subordinados.
— E se descobrirem?
Ela deu de ombros.
— Dizemos a verdade, esperando que cada um saiba lidar com ela.
Na tal festa, ele teria uma boa oportunidade de vê-la relacionar-se informalmente
com a equipe, bem como avaliar a propriedade dos gastos em atividades fora do horário
de expediente.
— Será um prazer. Blacktie?
Cindy confirmou.
— Tem uma loja de aluguel de trajes a rigor a poucas quadras daqui, mas eu insisto
em pagar a despesa. E o mínimo que posso fazer.
Enquanto caminhavam para a porta, Eric esclareceu:
— Agradeço, mas vou com meu próprio traje.
Ela se deteve com a mão na maçaneta.
— Oh, como queira.
— A que horas é a festa?
— Das oito à meia-noite, no bar.
Eric sorriu.
— Passo em seu quarto às quinze para as oito.
— Permanente? — repetiu Cindy, olhando-se no espelho. — Tem certeza?
— Absoluta — confirmou Camélia, a nova cabeleireira. — Só há duas maneiras de
dar volume a cabelos finos e lisos como os seus. Uma é cortar em camadas, mas parece
que já tentou isso. A outra é fazer permanente. No seu caso, com aloe, de quinze a
dezoito minutos.
Cindy alegrou-se.
— Vai levar menos de vinte minutos?
— Bem, vou levar uma hora para enrolar, mas, depois, é rápido.
— Sempre quis cabelos encaracolados — ponderou Cindy.
— E tenho uma festa hoje à noite. Preciso dar um jeito nos cabelos...
— Vamos começar logo, então.
Enquanto a cabeleireira lhe enrolava mechas do cabelo com força suficiente para lhe

34
provocar caretas, Cindy analisava as próprias olheiras no espelho imaginando se algum
dia parecera pior. A noite insone após o dia repleto de fiascos estava estampada em seu
rosto. Sem falar nas imagens de Eric Quinn perseguindo-a o tempo todo.
Levantara-se com o estômago embrulhado, conforme lhe acontecera na
adolescência quando o garoto mais bonito da escola lhe dera uma piscadela na aula de
matemática. A tensão de imaginar o que fazer em seguida paralisava-a. Oh, na escola,
conseguira avançar alguns passos, enquanto que na faculdade bem passara do limite,
mas a dúvida cruel: "É assim mesmo?" sempre voltava para assombrá-la.
Por mais que desejasse Eric Quinn, tinha a vaga sensação de estar embarcando
numa grande desilusão. Na verdade, o objeto do trabalho dele a incomodava. Acessórios
eróticos.
Sua mãe sofreria um ataque cardíaco se soubesse. Além disso, o Natal era a pior
época do ano para se iniciar um relacionamento.
— Terminamos — anunciou Camélia, enrolando a última mecha bem apertada. A
seguir, aplicou o líquido de cheiro forte sobre o capacete de bobes. — Vamos embeber
bem e dar uma olhada daqui a alguns minutos.
O bip de Cindy soou e ela atendeu:
— Sim?
— É Amy. Pode vir ao saguão?
Cindy mirou-se no espelho.
— Estou meio ocupada. É uma emergência?
— O sr. Stark está aqui dizendo que há um rato no quarto dele — sussurrou a
gerente de atendimento ao cliente. — Ele exige falar com a gerente-geral.
Cindy fitou o teto.
— Leve-o para a sala de reunião e ofereça-lhe café descafeinado. Já estou indo. —
Desligou o aparelho e olhou desolada para a cabeleireira. — Pode cobrir com um lenço
ou algo assim? Preciso ir ao saguão.
Camélia desdobrou uma toalha verde.
— Não pode demorar muito, ouviu?
— Dez minutos, eu prometo.
Cindy adentrou o saguão amparando a toalha na cabeça com as mãos e olhando os
próprios passos, na esperança de passar despercebida. De repente, colidiu com um corpo
maciço e desabou no chão, escorregando mais de um metro à força do impacto.
Reconheceu os sapatos do atropelador. Embora a toalha na cabeça permanecesse
intacta, imaginava o quanto não estaria ridícula aos olhos... de Eric.
— Bom dia — cumprimentou ele, risonho.
— Bom dia — resmungou ela, recusando-se a encará-lo.
— Você está bem?
Ela apenas aquiesceu, sacudindo os bobes sob a toalha.
— Desculpe-me, Cindy, não a vi chegando.
— A vida é mesmo uma comédia.

35
Eric abaixou-se e inclinou o rosto até seus olhares estarem no mesmo plano.
— Quer uma ajuda?
O homem era mesmo um pedaço de mau caminho! Estava de calça cinza e camisa
cor de ameixa.
— Preferiria aplausos — brincou ela.
Eric estendeu a mão e Cindy nela apoiou-se para se levantar. Ele estranhou o
turbante.
— Isso é coisa da costa oeste?
— Eu estava no cabeleireiro, mas tive que sair — explicou ela, vermelha de
vergonha.
— Nesse caso, não vou prendê-la. Nosso encontro continua de pé?
Cindy olhou-o apreensiva.
— Quer dizer que ainda quer?
— Até mais, então.
Na sala de reuniões, Cindy encontrou Amy tentando acalmo t o irado hóspede.
— Sr. Stark, sou Cindy Warren, a gerente geral.
— Já nos vimos duas vezes, Srta. Warren — lembrou elo, nervoso. — Ainda não
estou caduco.
— Peço desculpas, sr. Stark. E... Amy me disse que o senhor viu... um roedor e seu
quarto?
— Era um rato!
— Vou mandar alguém da manutenção lá imediatamente, senhor. Lamento
profundamente o ocorrido.
O sr. Stark endureceu o queixo.
— Acho que mereço alguma compensação pelo que passei — Cindy mantinha o
sorriso amigável.
— Concordo, sr. Stark. Vou instruir a recepção a deduzir uma diária de sua conta.
Espero que o incidente não estrague sua estadia conosco.
Finalmente livre do cliente azedo, Cindy correu de volta ao salão de beleza.
— Você está dez minutos atrasada! — ralhou Camélia, erguendo a toalha.
— Será que meu cabelo se estragou?
— Deixe-me ver... Bem, os cachos não ficam permanentes enquanto não ponho o
neutralizador.
A cabeleireira desenrolou uma mecha e, para deleite de Cindy, o caracol saltou e
voltou como uma mola.
— Parece que enrolou demais — opinou Camélia.
— Estou adorando! — exclamou Cindy.
— Está bem. — A cabeleireira abriu o frasco de solução neutralizadora. — Que seja.
Cindy abriu a porta de seu quarto para o amigo Manny.
36
— Oh, não... — murmurou ele, desolado. Ela contraiu a boca.
— Está horrível, não está?
O rapaz tentou consolar:
— Bem, está diferente.
— Está cor de laranja!
— É, parece que a permanente clareia um pouco os cabelos.
Cindy caiu em prantos.
— O que vou fazer?
Manny abraçou-lhe os ombros e conduziu-a à penteadeira.
— Calma, não está tão mal. O que foi que aconteceu?
— Tive que sair do salão no meio da permanente e demorei demais para voltar.
Cindy sentou-se na banqueta e Manny tocou-lhe o cabelo endurecido, torcendo o
nariz.
— Também não sabia que ia cheirar tão mal — lamuriou-se ela.
— É melhor ficar longe do fogo esta noite, pois pode entrar em combustão.
Cindy fungou.
— Já deve estar sabendo do incidente no restaurante ontem à noite, presumo.
— Joel me contou.
— Queimei a camisa de Eric Quinn.
— Cindy, sei que quer o homem nu, mas destruir o guarda-roupa dele peça por peça
não é evidente demais?
Ela ficou brava.
— Quem disse que o quero nu?
— Posso estar exagerando, mas você fica meio descontrolada quando o vê.
Ela mordiscou o lábio.
— Eu esperava que você me fizesse sentir melhor.
Manny fez um gesto para o cabelo arrepiado dela.
— Temos muito trabalho pela frente.
Cindy abriu um sorriso minúsculo.
— Ao menos, consegui um acompanhante para a festa. — Deixou os ombros
caírem. — Quero dizer, isso foi antes de fazer a permanente...
— Mas foi depois do incêndio! — lembrou Manny. — O homem não se intimida
facilmente. Em todo caso, use aquele modelito de Donna Karan.
— Acha mesmo? O decote é um pouco exagerado...
— Com esse cabelo, sugiro que o abaixe ainda mais.
— Tem esperança?
Manny tentou domar o cabelo nas mãos.

37
— Vamos passar gel, para um efeito molhado. Mas, até a hora da festa, temos que
assentá-lo. Onde está aquele lenço?
Cindy abriu uma gaveta e estendeu-lhe a famigerada tira de seda.
— Lembre-me de contar-lhe mais uma história deste lenço depois...
Eric entrou no bar e acomodou-se junto ao balcão. Perto do cinzeiro, um anúncio
avisava que o estabelecimento fecharia às oito horas para a realização de um festa
particular, banqueta do piano empilhavam-se enfeites natalinos. Ao acender o cigarro,
lembrou-se de que começara a fumar na mesma época em que, trabalhando demais,
deixara de tocar piano. Pediu uma cerveja.
— Ainda vai morrer disso — advertiu um homem de meia idade, de terno e óculos
grossos. Pousou o chapéu no balcão — Tem mais um?
Eric empurrou-lhe o maço.
— Sirva-se.
O homem pediu um uísque ao barman e acendeu um cigarro.
— Obrigado. Reginald Stark.
— Eric Quinn.
— Prazer. — O senhor reparou no grupo de aficionados em filmes espaciais de
olhos grudados numa televisão. — Acho que você e eu somos os únicos neste hotel não
fantasiados.
Eric riu.
— Estou a trabalho. E você?
Stark deu de ombros.
— Sou antiquário e também estou aqui a negócios. Sempre me hospedo em hotéis
antigos e fico de olho. — Tragou profundamente o cigarro. — Com sorte, descubro peças
que estão prestes a jogar fora ou vender por uma ninharia.
— E encontrou algo de valor aqui?
— Não. A mobília é de boa qualidade, mas não é o que estou procurando no
momento. — O homem deu uma risada seca. — As diárias aqui são meio altas, mas
descobri que, reclamando, conseguem-se descontos e cortesias.
Eric solidarizou-se com os funcionários que tinham que lidar com hóspedes como o
sr. Stark dia sim, dia não. O sujeito aborrecido expeliu uma baforada e certificou-se de
que ninguém os ouvia.
— Tem dinheiro, Quinn?
Eric pegou a carteira.
— Posso lhe emprestar dez dólares para pagar a bebida.
— Não, falo de dinheiro grande. Tenho uma oportunidade de investimento.
Eric negou.
— Não estou interessado em nenhuma jogada de marketing.
Nuvens de fumaça cercavam a cabeça grisalha do homem.
— Não é nada disso. Acontece que há uma fortuna bem à vista, só esperando que

38
alguém a pegue.
Que vigarista! Eric apagou seu cigarro.
— Não acredita? — Stark olhou em torno, dissimulado, novamente. — Pois vou lhe
contar, porque sei que é um homem honrado. É o lustre.
Eric franziu o cenho.
— O lustre?
— É, aquele grandão, no saguão.
— Eu sei, mas o que tem ele?
— Vale uma fortuna! — O homem tirou do bolso a folha arrancada de um livro. —
Veja você mesmo.
Curioso, Eric analisou a foto em preto-e-branco de um livro. Um texto curto seguia-
se.
— Cristal francês. Foram feitos três, mas só se sabe onde estão dois.
Stark moveu a cabeça na direção do saguão.
— Acho que o terceiro está pendurado bem ali.
Eric não estava convencido.
— O lustre na foto parece diferente.
— Pelo que vejo, falta uma peça no centro, mas o resto idêntico.
— Aqui diz que ele vale mais de setecentos mil dólares.
— O texto é de um livro velho — observou Stark. — Deve valer mais de um milhão
agora.
Eric sentiu o coração acelerado.
— Está me dizendo que ninguém sabe disso?
— Acho que não.
Intrigado, Eric tentou recordar o balanço do hotel. Os bens não totalizavam uma
soma extraordinária, embora não vales sem uma pechincha, tampouco.
— Sendo assim, se você tiver uns... quinhentos mil, podemos apresentar uma oferta
ao hotel — concluiu Stark.
Eric piscou.
— Se eu tiver uns quinhentos mil?!
— É. Tenho um comprador interessado, mas preciso do dinheiro para a aquisição.
Divido com você todo o lucro.
Que vigarista! Balançando a cabeça, Eric devolveu a página gasta.
— Lamento, companheiro, mas estou fora.
Stark guardou o papel no bolso e sorveu o uísque.
— É uma pena, amigo. — Deixou uma cédula no balcão, levantou-se e apagou o
cigarro. — Mas obrigado pelo fumo, de qualquer forma. Até logo.
Eric observou o homem se afastar, imaginando se ele já encontrara algum otário

39
capaz de lhe entregar quinhentos mil dólares. Depois, quando já ia fechar a conta, foi
abordado por Joel Cutter.
— Boa noite, sr. Quinn! Tudo em paz hoje?
Eric sorriu.
— Até agora.
— Eu soube que virá com Cindy a nossa festa.
— Sim, ela me convidou.
— Cindy é uma ótima moça — garantiu Joel. — Adora trabalhar aqui, a ponto de
negligenciar a vida pessoal, se entende o que quero dizer...
Eric aquiesceu, imaginando se o gerente de alimentos e bebidas elogiava a superior
por saber estar diante do inspetor enviado pela matriz.
— Joel! — chamou o barman, desligando o telefone. — Problemas no saguão. Cindy
quer toda a equipe lá agora.
— Stanton chegou?
A pergunta de Joel surpreendeu Eric. Então, Cindy ainda não contara ao
subordinado quem ele era. Aparentemente, toda a equipe esperava um encontro
traumático com o homem que decidiria seu destino.
— Não, não é Stanton — esclareceu o barman. — Chegou a árvore de Natal, mas
ela ficou entalada na porta de entrada.
Eric levantou-se.
— Posso ajudar, se me permitirem.
— Vamos lá — chamou Joel, correndo à saída. — Ajuda nunca é demais.

Capítulo vi

Cindy massageou o pescoço dolorido sem saber se o sofrimento decorria da brutal


sessão de permanente no salão de beleza, do rabo de cavalo apertadíssimo que Manny
lhe fizera ou do estresse de ver uma árvore de Natal de oito metros entalada na porta
dupla do hotel.
Sob o imenso e reluzente lustre de cristal, o caos reinava no saguão. Hóspedes
fotografavam, alguns posando diante do espetáculo. Funcionários assistiam com as mãos
nos bolsos, olhando apreensivos para o abeto e para a chefe.
A metade superior da árvore estava dentro do saguão, enquanto que a metade
inferior atravancava a calçada e também uma faixa da movimentada rua do hotel.
— Srta. Warren, como faço para sair?
Cindy fechou os olhos e respirou fundo antes de voltar-se para o impaciente sr.
Stark.
— Lamento o inconveniente, senhor. Há uma saída lateral atrás dos elevadores.
— É que resolvi sair e comprar uma ratoeira — explicou o homem, contrariado.
Cindy chamou a gerente de atendimento ao cliente.

40
— Amy, chame um táxi para levar o sr. Stark aonde ele quiser.
O hóspede rabugento acompanhou a moça rumo à saída lateral.
— O que aconteceu? — indagou Joel, chegando afobado com várias pessoas, entre
as quais, Eric.
Cindy mal disfarçava o constrangimento. Por que só encontrava Eric Quinn no meio
de alguma confusão?
— É que a rede que confinava a árvore se rompeu quando a passavam pela porta e,
agora, com os galhos estendidos, não conseguem mais deslocá-la. Entalou.
Joel olhava-a boquiaberto.
— Falo de seu cabelo.
Cindy era só desgosto.
— Fiz permanente.
Samantha, a gerente de vendas, riu.
— E pintou de laranja?
— É efeito da luz fluorescente! — replicou Cindy, com os dentes cerrados.
Eric também se divertia.
— Tem algum plano?
— Estou pensando em raspar a cabeça e tomar emprestada uma das fantasias de
Sam.
— Eu falava da árvore — esclareceu ele.
Cindy expressou desolação.
— Não. Mas estou aberta a sugestões.
Eric aproximou-se da árvore pensativo.
Cindy seguiu-o agarrada à prancheta, alisando com a mão o cabelo endurecido.
— O que acha?
— Eu chamaria a manutenção para ver se podem remover os painéis da porta e
alargar a entrada.
— Ótima idéia! — aprovou ela. — Mas já perguntei e eles disseram que não.
Eric ficou sem graça.
— Bem, que tal cortar o tronco e usar só a metade de cima?
— Ficaríamos com uma árvore muito pequena para um saguão enorme...
Ele deu de ombros.
— É só uma árvore. Vai ficar aqui... três semanas, se tanto. Depois, vai apodrecer no
quintal de alguém.
Cindy espantou-se ante a frieza de Eric quanto ao símbolo natalino, em torno do
qual a família se reunia. Comparadas a isso, suas picuinhas com a mãe pareciam fúteis.
Decidiu telefonar para casa assim que pudesse.
Como se lhe lesse os pensamentos, Eric disfarçou:

41
— Trata-se de uma opinião pessoal, claro.
Cindy advertiu-o como a uma criança:
— Você está precisando de uma boa dose de espírito natalino. — Voltou-se para
Joel. — Traga todos os pares de luvas que encontrar. Sam, traga Manny aqui, por favor.
— O que vamos fazer? — indagou o barman Tony.
Cindy contemplava a árvore entalada.
— Vamos tentar baixar os galhos um por um, puxando o tronco aos poucos. Mesmo
que quebremos alguns, ainda teremos a árvore inteira e não partida ao meio.
Capturada pelos olhos azuis de Eric, Cindy engoliu em seco. O homem transformava
todos os seus átomos pacíficos em íons sobrecarregados. No dia seguinte, escreveria
uma carta ao professor de ciências do colégio desculpando-se por ter dito que jamais
precisaria daqueles conhecimentos.
Joel voltou com um monte de luvas de trabalho e distribuiu-as. Líder auto designado,
Manny pediu silêncio e orientou:
— Pois bem, pessoal, vamos vencer esta parada se trabalharmos juntos. Lembrem-
se de forçar as pernas, não a coluna. Sei que estão com vontade de empurrar, mas
esperem eu dar a ordem.
Os funcionários e vários hóspedes buscaram posições entre os ramos, testando
pontos de apoio.
Devidamente posicionado, Manny conclamou:
— Pois bem, pessoal, respirem fundo e puxem quando eu chegar ao três. Um, dois,
três!
Empurrada de fora pelos operários da Manutenção e puxada por dentro pelos
funcionários e hóspedes, a árvore arrastou-se um pouco.
— Só mais um pouco, pessoal! — animou Manny. — Aí vai ela!
Num último esforço, todos se empenharam e a árvore atravessou a porta,
deslizando facilmente saguão a dentro pelo piso de mármore. Todos festejaram com gritos
e aplausos.
Cindy encheu-se de alívio. A árvore estaria de pé antes que o chato do sr. Stark
Stanton voltasse.
Risonho, Eric descalçava as luvas.
— Por que estou com vontade de distribuir charutos?
Cindy concluiu que ele deveria rir com mais freqüência. Seu coração era pura
música. Apesar da agitação em torno de ambos, sentia-se estranhamente isolada com
aquele homem que a afetara tanto num período tão breve. Pensou num assunto neutro.
— Por falar nisso, e aquela decisão de parar de fumar?
— Fico firme enquanto estou com as mãos ocupadas — esquivou-se ele, travesso.
Cindy engoliu em seco. E procurara um assunto neutro. Chegaram os decoradores
da árvore. Num impulso, flertou com Eric:
— E se eu lhe dissesse que sei como manter suas mãos e boca ocupadas ao
mesmo tempo?

42
Ele olhou em torno.
— Eu lembraria que estamos em público.
Cindy estendeu-lhe um pacote de balas.
— A arma secreta dos que querem parar de fumar! Use-a com sabedoria, gafanhoto.
— Mais serena, completou: — Se nossos caminhos não se cruzarem novamente, até a
noite. Obrigada por nos ajudar com a árvore de Natal.
— Obrigado pela dose de espírito natalino.
Cindy passou o resto da tarde atarefada. Sempre de olho na instalação e decoração
da imensa árvore de Natal, providenciara um ingresso de teatro grátis para o horrível sr.
Stark e passara algum tempo no bar, supervisionando os preparativos para a festa de
confraternização dos funcionários.
— Onde está o piano? — indagou ao barbeiro Jerry, encarregado de dispor o fio
cheio de minúsculas lâmpadas.
— Levamos para a Sala Espacial, para ganharmos espaço. Ah, sabe que achei um
ramo de visco? Que tal usá-lo na decoração?
Cindy negou.
— Recebi um memorando proibindo o uso de visco nas festas de Natal da empresa.
— Nunca demos ouvidos aos memorandos.
— É melhor obedecermos desta vez — opinou Cindy. O velho funcionário desceu da
escada.
— Com medo de ser advertida por causa disso?
— Claro que não!
Jerry sorriu.
— Ah, soube que virá acompanhada do tal Quinn...
Cindy estreitou o olhar.
— Como soube?
— Camélia me contou hoje cedo.
— Mas ela nem me conhecia antes de me fazer esta horrível permanente...
— Ela disse que foi Stan, o engraxate, quem lhe contou.
Cindy fez um gesto indefeso.
— Não quero saber de mais nada!
O amigo consultou o relógio de pulso.
— É melhor se apressar, se quiser ficar pronta a tempo da festa.
Ela fingiu mágoa.
— De quanto tempo acha que preciso?
Ele lhe envolveu os ombros com o braço, numa rara demonstração de afeto.
— Tire uma hora para relaxar, está bem? Tente esquecer este velho hotel e
aproveitar a noite com seu belo acompanhante. — Erguendo o ramo de visco, sorriu,
revelando dentes perfeitos. — Quanto a mim, vou achar um lugar adequado para isto.
43
Cindy socou-o de brincadeira.
— Você não sossega enquanto não me vê em apuros. Até logo mais.
Mas as palavras de Jerry deram vazão à expectativa que ela estivera reprimindo a
tarde toda. Ao percorrer o hotel mais uma vez e tomar as últimas providências do dia,
surpreendeu-se esperando vislumbrar Eric ao longo do caminho.
Às seis horas, finalmente em seu quarto, pegou uma maçã para comer e telefonou
para a casa dos pais. Janine Warren atendeu ao primeiro toque.
— Oi, mãe! Como estão? Não, nenhum problema, mãe. Aliás, tenho uma festa hoje
à noite e pouco tempo para me aprontar. Sim, vou com um rapaz. Ele é muito gentil... um
hóspede, por coincidência. O quê? Claro que ele não é casado! Hein? Eric Quinn. Não,
não... Ele é da Virgínia, também, acredita? De Manassas. Manassas... Mãe, preciso me
arrumar para a festa! Um beijo para o papai! Também amo vocês. Tchau!
Cindy desligou o telefone e deu uma mordida na maçã.
— Saberei que sou adulta quando minha mãe me deixar completar uma sentença —
murmurou.
Cindy tomou um longo e relaxante banho. Estava diante do espelho depilando as
sobrancelhas, quando o telefone tocou:
— Alô? — exclamou, atendendo ao chamado.
— Cindy, é Manny. Chegou uma encomenda para você. Quer que eu leve?
Cindy enxugou as lágrimas.
— Que encomenda?
— Surpresa...
— Está bem, traga.
Desligando o telefone, cambaleou de volta à penteadeira e encostou o rosto no
espelho. Engraçado. Nunca reparara que os cílios, ou a falta deles, contribuíam tanto para
o equilíbrio estético do rosto. Sua pálpebra esquerda estava quase careca em certos
pontos.
Lançou as mãos para o teto. Simplesmente, telefonaria para Eric cancelando o
programa. Por obrigação, compareceria à festa, mas nem por decreto encararia Eric
Quinn só com metade dos cílios num dos olhos. Mordiscou o lábio. Talvez não fosse tão
grave. Uma batida na porta interrompeu-lhe a reflexão.
Fechando o robe com o cinto, correu a atender. Era Manny, chiquérrimo de smoking
com faixa prateada e gravata-borboleta, segurando um vaso de lindas flores com um
cartão no meio.
Cindy sorriu.
— Que diabo é isso?
— Não li o cartão, mas desconfio de que foi o bonitão que mandou. — Manny foi
entrando.
— Ei, seu cabelo ficou ótimo!
— Você parece surpreso. — Cindy pegou a cheirosa mistura de rosas e lírios. —
Aliás, adorei o smoking.

44
— Obrigado. Acertei?
Cindy leu o cartão, tomada de prazer ao reconhecer a caligrafia de Eric.
Agradeço desde já a noite maravilhosa. Eric.
— Mensagem boa ou má? — especulou Manny.
— Boa, é claro — respondeu Cindy. Manny aproximou o rosto do dela.
— Cindy, seu olho... — O queixo caiu. — O que aconteceu com seus cílios?
Ela suspirou.
— E eu só queria passar despercebida...
— Deixe-me adivinhar... o curvador de cílios?
Cindy confirmou miseravelmente.
— É uma arma perigosa nas mãos de uma mulher nervosa — ponderou o amigo.
— Não estou nervosa.
Manny estava cético.
— Está bem, estou um pouco nervosa... minha mão pulou quando o telefone tocou.
O que vou fazer?
— Eles nascem de novo...
— Falo de hoje à noite!
Manny pensou.
— Não tem cílios postiços por aí?
— Não.
O amigo correu para a porta.
— Vá se maquiando, só não passe nada nos olhos. Volto já.
Sozinha no quarto, Cindy aspirou o perfume das flores. Depois, sentou-se de novo
na banqueta da penteadeira.
Uma noite maravilhosa.
Eric não parecia do tipo que copiava frases genéricas de livretos na floricultura.
Tratava-se de um cavalheiro sincero. Mesmo correndo o risco de impressioná-la mal, ele
revelara sua profissão.
Cindy cobriu todo o rosto com base, depois aplicou blush e procurou o batom
vermelho mais berrante em seu estojo de maquiagem. Ao colorir os lábios, recordou com
intensidade a pressão do beijo de Eric na noite anterior.
Fechando os olhos, revivia o sabor dele, a sensação das mãos fortes em torno de
seu rosto...
De olho no relógio, vestiu o longo preto escolhido para a ocasião. Após checar a
metade superior do traje no espelho, subiu na cama para verificar a parte inferior.
— Ainda vou ter um espelho de corpo inteiro — murmurou, descendo ao chão para
calçar os sapatos de camurça.
Finalizando, passou uma camada de base nas unhas curtas, que já estavam quase
secas quando Manny chegou afobado tirando cílios postiços de dentro da bolsa.
45
— Não dá mais tempo de colocarmos isso — declarou Cindy.
— Eric vai passar aqui em quinze minutos!
O amigo lutava para recobrar o fôlego.
— Está bem, se quer abrir essa porta sem cílios...
— Não acha que ele vai me convidar para ir ao quarto dele, acha?
Manny apontou para o vaso.
— Por acaso estas flores significam: "Vou me contentar com um beijo de boa noite"?
Não. Significam: "Quero devorar você, garota".
— Acha mesmo?
Manny já lhe ajeitava uma rosa branca no cabelo.
— Sente-se. Não vai levar mais do que cinco minutos. Aliás, seu vestido está bar-ba-
ro!
— Obrigada. — Cindy olhou desconfiada para o frágil semicírculo de cílios. — Nunca
usei essas coisas antes...
— Sempre há uma primeira vez para tudo.
Hábil, Manny colou os cílios postiços nas duas pálpebras de Cindy, disfarçando bem
a falha na esquerda.
Ela deu umas piscadelas para se adaptar aos acessórios. Então, sorriu e deu um
beijo no amigo.
— Obrigada!
Bateram na porta, e o coração dela disparou.
— Vou entreter o sr. Quinn enquanto você termina a maquiagem — adiantou-se
Manny. — Não se esqueça dos brincos!
Cindy tinha as mãos trêmulas.
— Estou uma pilha. Mais algum conselho?
O amigo olhou-a maldoso.
— Tente não destruir mais nenhuma roupa do homem ao despi-lo esta noite.

Capitulo vii

Eric sentia-se como um adolescente à espera da garota que levaria ao baile. Não
obstante, sabia que sua ansiedade quanto a atração por Cindy Warren aumentara desde
o incidente da árvore de Natal no saguão. Aquela mulher mexia com ele... de maneira
perturbadora.
A porta se abriu e sua ansiedade transformou-se em surpresa. Não era Cindy, mas o
encarregado da portaria quem atendia.
— Olá — cumprimentou, inseguro. O rapaz loiro sorriu.
— Cindy estará pronta em dois minutos. Entre.
Divertido, Eric seguiu-o pelo curto corredor até uma espaçosa sala de estar
46
decorada com motivos celestes em azul e dourado.
— Sente-se — convidou Manny, permanecendo em pé.
— Obrigado, estou bem assim.
Manny estava admirado com a elegância de Eric.
— Belo smoking — elogiou.
— Obrigado. O seu não fica atrás. — Falando em roupas, Eric lembrou-se de um
incidente bizarro sobre o qual não comentara com Cindy, para não aborrecê-la. — Escute,
sr. Oliver...
— Sim?
Mas Cindy chegava nesse instante, e Eric ficou sem fôlego ante tanta beleza. O
vestido preto cobria-lhe os ombros e o pescoço modestamente, mas realçava-lhe as
curvas, confirmando suas suspeitas quanto ao que se escondia sob o uniforme verde e
azul-marinho: um belo busto, cintura fina e quadris na medida perfeita. Uma fenda à altura
da coxa revelava longas pernas envoltas em meia-calça negra reluzente.
Quando seus olhares se encontraram, ele sentiu que tudo o mais deixava de existir.
Brincos de cristal translúcido multifacetado ornavam-lhe o rosto como imensas gotas de
chuva. Com os cabelos presos, seus traços delicados sobressaíam-se em toda a
formosura.
Os olhos verde-acinzentados brilhavam, destacados por cílios grossos.
Ela lhe deu uma piscadela, ao que ele sorriu em resposta.
— Cindy recebeu as flores — informou Manny. — Ela adora rosas brancas, não é,
chefa?
Cindy fez que sim, embora mal reparasse na presença do subordinado. Eric notou a
artéria pulsante na lateral de seu pescoço. Manny pigarreou.
— Bem, vou deixar os dois tagarelas sozinhos. Não se preocupem comigo, eu acho
a saída.
Ouviram-se passos se afastando e a porta se fechando. Após alguns segundos de
silêncio pesado, Eric murmurou:
— Oi.
Cindy conseguiu sussurrar.
— Oi.
— Você... está linda.
Ela enrubesceu um pouco.
— Foi o que pretendi.
Eric engoliu em seco.
— Lindos... brincos.
Ela tocou um deles, fazendo-o cintilar.
— Obrigada. As flores são lindas. — Virou-se um pouco para mostrar a rosa no
cabelo. — E obrigada pelo cartão gentil.
— De nada.

47
— Acho melhor irmos para a festa.
Eric seguiu para a porta, detendo-se quando Cindy voltou para pegar uma bolsa
preta no balcão da cozinha. Ao ver-lhe o decote do vestido, imaginou a sensação de
passar a mão ao longo das costas nuas. Prometendo a si mesmo um regalo inimaginável
pela manhã se resistisse a ela naquela noite, abriu a porta e evitou olhá-la ao deixá-la
passar. Como se partilhasse o constrangimento, ela tomou o corredor ao lado dele
olhando reto em frente.
Tomaram o elevador. Uma vez que Cindy mostrava-se mais quieta do que o normal,
Eric concluiu que aquele era um bom momento para abordar um assunto que o
incomodava:
— Cindy, quando trabalhávamos na árvore hoje de manha reparei no lustre enorme
lá do saguão. Ele é valioso?
Ela parecia incerta.
— Aquele lustre tem valor sentimental para todos os que trabalham aqui, acho.
— Então, não se trata de uma antigüidade...
— Creio que pode ser considerado uma antigüidade, apesar de ser uma cópia.
— Uma cópia?
Cindy confirmou.
— O lustre de cristal original veio da França. Parece que fabricaram três para os
Estados Unidos nos anos vinte, um para o nosso hotel, um para um hotel de Chicago e
outro para uma loja de departamentos em Beverly Hills. — Sorriu tristonha quando as
portas se abriram para o saguão. — Mas, na Segunda Guerra Mundial, todos os três
originais foram substituídos por réplicas de vidro e doados para o esforço de guerra. —
Sempre sorrindo, abriu o caminho rumo ao bar. — Lamento estourar sua bolha, sr. Quinn.
Ela o provocava chamando-o pelo nome falso. Se preferia assim, ele também
prosseguiria com a farsa.
— Mesmo assim, é uma história interessante. — Estendeu-lhe o braço à entrada do
bar, já animado por convivas e músicas natalinas. — O que aconteceu com o "Eric"?
Cindy sorriu ao enganchar o braço no dele.
— Vamos entrar, Eric?
Ao descerem os dois degraus para a festa, algumas cabeças se voltaram em sua
direção. Era como se os funcionários do hotel não estivessem acostumados a ver a chefe
de braço dado com um homem, ainda mais um estranho.
O salão reluzia com fieiras e mais fieiras de minúsculas lâmpadas festivas. Num
mezanino, um disc-jóquei selecionava músicas das pilhas de CDs que o cercavam. Cerca
de duzentas pessoas finamente vestidas atulhavam o local.
Cindy logo se viu cercada por funcionários, que lhe apresentavam os cônjuges, ao
passo que ela introduzia Eric apenas pelo nome, sem especificar a ligação. A certa altura,
ele lhe perguntou o que queria beber e, pedindo licença, seguiu para o balcão. O barbeiro
Jerry, arrebatador de terno cinza-chumbo e gravata vermelha, já ocupava uma banqueta.
— Veio sozinho, Jerry? — indagou Eric, enquanto aguardava os drinques.
— Vim.

48
— Pensei que fosse casado.
— Já fui casado. Agora, estou entre esposas.
— Ah.
— Você e á srta. Cindy têm planos para amanhã?
Eric ficou confuso.
— Amanhã?!
— Uma vez que você é a razão de ela conseguir o dia de folga, achei que o
aproveitariam juntos.
Eric riu.
— Não estou entendendo.
O barbeiro manteve-se paciente.
— Joel Cutter apostou que ela não conseguiria um acompanhante para a festa e
perdeu, de modo que terá que cobrir o turno dela. Entendeu agora?
Eric murchou. Então, Cindy o convidara só para ganhar uma aposta?
— Também não precisa ficar assim, filho — consolou Jerry. — Tenho certeza de que
ela gosta de você.
Fingindo não estar abalado, Eric declarou:
— Somos só duas pessoas se divertindo numa festa. Nada de mais.
Pegou os drinques e foi juntar-se a Cindy. À medida que se aproximava dela, sentia
o apelo sexual se intensificar. Ela era linda. E inteligente. E sensual.
E inacessível, lembrou, tomando um gole do drinque a fim de resfriar a libido.
Embora houvesse detectado um brilho de interesse nos olhos de Cindy, talvez ela o
houvesse convidado para a festa mais para ganhar a aposta tola do que influenciar o
homem que tinha seu destino nas mãos. De qualquer forma, era pouco provável que ela
estivesse realmente interessada nele.
Ao ver Eric se aproximar com os drinques, Cindy experimentou uma onda de
excitação. Ele lhe deu uma piscadela, aquecendo-a com os olhos azuis flamejantes.
Sorveu a bebida e imediatamente sentiu-se leve como uma pena. Se tivesse
oportunidade, prolongaria o momento maravilhoso e viveria uma noite de abandono com
aquele homem maravilhoso.
— Eu soube de sua aposta — comentou ele, de chofre, sem parecer indignado.
Ela sentiu o rosto afogueado.
— A aposta?
— Parece que valho um dia inteiro de folga...
Embaraçada, Cindy comprimiu os lábios.
— Foi só uma brincadeira entre dois amigos. Eric não a pouparia.
— E se você perdesse?
— Joel ficaria com minha vaga de estacionamento por um mês. Eric não conseguiu
disfarçar a mágoa.
— Pensei que estivesse gostando de mim.
49
— Oh, estou! — Cindy corou. — Quero dizer... acredite ou não, eu já tinha até me
esquecido da aposta.
Ele já estava recuperado.
— Ora, Joel vai adorar saber disso...
— Não! Estou precisando terrivelmente de um dia de folga!
— Nesse caso... — Eric tomou-lhe a mão e levou-a ao centro da pista de dança
vazia. — Vamos dançar e discutir a minha compensação.
Cindy tinha o coração aos pulos, sentindo o calor da mão dele.
— Eu não danço muito bem.
— E só me acompanhar.
Passaram a se movimentar ao som de uma lenta valsa natalina. Outros casais
procuraram a pista de dança.
Extremamente cônscia das mãos de Eric em sua cintura e sobre a pele nua das
costas, Cindy mantinha-se o mais afastada possível dele, acompanhando-se os passos
rigidamente.
— Relaxe — sugeriu ele, puxando-a contra si. — A dança é para isso.
— Deve ser a música — justificou ela.
— Acha triste?
— Estressante, eu diria. Minha mãe é um tanto... impetuosa.
— É pena não podermos escolher os parentes como escolhemos os amigos...
Desconfiada do comentário, Cindy observou:
— Tenho certeza de que os pais sentem o mesmo em relação aos filhos, às vezes.
Eric riu.
— Tem razão! — Aproveitando a descontração dela, Eric baixou mais a mão em
suas costas nuas.
— Quanto a amanhã...
Cindy lutava contra o impulso de apoiar a cabeça no ombro dele. Seu cheiro
másculo inebriava, seus movimentos envolviam-na. E seus pés pareciam ainda maiores!
— Considerando que sou o motivo de seu dia de folga, o mínimo que pode fazer é
passar parte dele comigo.
Disfarçando a excitação, Cindy questionou:
— O que tem em mente?
— Dormir.
Ela perdeu um passo e pisou no pé dele.
— Aaaiiii!
— Perdão, eu lhe disse que não dançava bem.
Retomaram a valsa.
— Vamos começar de novo, então — sugeriu ele.

50
— Pretendo fazer compras de Natal amanhã — informou Cindy. — Como vê, um
passatempo não muito atraente.
Eric não se desanimou.
— O que importa é a companhia. Mas vai fazer compras o dia todo?
— Não. Pensei em percorrer a ponte Golden Gate. É um ótimo exercício e a vista,
maravilhosa nesta época do ano, pois não há nevoeiro.
— Perfeito! Também preciso fazer compras e, apesar de ter vindo várias vezes a
San Francisco, nunca fui à Golden Gate.
Nervosa de repente, Cindy tentou demovê-lo da idéia:
— Sabe, a vista não é tão boa assim, e a ponte está toda enferrujada...
— Assim, vou pensar que está me dispensando — advertiu Eric, dando-lhe a
centésima piscadela da noite. — O que é muito feio, uma vez que sou a razão de você
conseguir um dia inteiro para se divertir.
Sob efeito da bebida, Cindy relaxou a passou a dançar com mais desenvoltura.
Várias músicas depois, cansados e famintos, trocaram a pista de dança pelo bufê de
iguarias.
Com os pratos abarrotados de tortinhas salgadas, lingüiça e frutas, juntaram-se a
Manny, Samantha e seu acompanhante numa das mesas.
Aproveitando o momento em que Eric foi buscar novos drinques para todos no bar,
Manny sussurrou a Cindy:
— Como estão os cílios? Você está piscando bastante...
— E mesmo? Nem percebi... Oh, Eric deve achar que estou flertando com ele!
— Tanto melhor — opinou o amigo.
— E como vão as coisas com o rabugento sr. Stark? — quis saber Samantha.
Cindy suspirou.
— Providenciei para que ficasse fora do nosso caminho esta noite. Só espero que
ele não invente outro incidente bizarro do qual reclamar.
Com a chegada de Eric, pararam de falar de trabalho. Samantha e o acompanhante
foram dançar.
— Ouvi a última parte da conversa — comentou ele, acomodando-se na cadeira. —
Sabem que desconfio de um incidente bizarro no meu quarto?
Cindy e Manny, apreensivos, inclinaram-se para a frente.
— O que houve? — indagou ela.
Eric balançou a cabeça.
— Sei que parece loucura, mas alguém roubou minha calça de pijama e a substituiu
por uma nova, igualzinha!
Cindy engoliu em seco.
— É mesmo?
— Não é incrível?
— Se é — concordou Manny.
51
— Ganhei o pijama de presente — lembrou Eric. — Imagino que tenha custado caro,
mas nunca liguei muito para ele. — Riu. — Só pode ter sido um pervertido atrás de uma
peça usada, mas nem precisava ter colocado uma nova no lugar.
Se eu soubesse...
Cindy procurou ser cautelosa:
— Mas, Eric... se a calça é igualzinha, o que o faz pensar que foi trocada?
— Porque a velha tinha meu monograma bordado no bolso.
— Ah, é?
Eric saboreou uma tortinha salgada.
— Entende, agora?
— Só pode ser alguém doente... — concluiu Manny.
Cindy deu-lhe uma cotovelada nas costelas.
— Eric, se há algo que o hotel possa fazer...
— Não quero compensação. Só queria que soubessem que há algum excêntrico
circulando por aí.
Cindy sorriu amarelo.
— Obrigada pela dica.
As horas voaram. Cindy comeu, bebeu e dançou com Eric até se esgotar... cada vez
mais encantada com ele. Sua apreensão aumentava à medida que os minutos escoavam.
Com certeza, teriam mais um beijo de boa-noite, mas e se ele quisesse mais? Deveria
ceder à incrível atração que os sobrepujava?
Lânguida, roçou o pé na perna dele sob a mesa.
No meio de uma história engraçada, Eric calou-se e cravou os olhos nela.
— Ei, comporte-se, Cindy! — ralhou Manny.
Todos riram, e Eric enrubesceu.
Para alívio de Cindy, Joel aproximou-se chamando-a:
— Onze e meia! Pronta para bancar a Mamãe Noel?
Cindy piscou.
— O quê?
— Não se lembra? Combinamos na noite em que você ateou fogo na mesa.
Cindy vasculhou a memória.
— Ah, sim...
Mas imaginei então que estaria sozinha.
— Vamos, a roupa está lá no fundo — urgiu Joel.
E ela esperara viver as horas seguintes com um mínimo de dignidade! Olhou para
Eric é ganhou uma piscadela dele. Sem alternativa, levantou-se da cadeira.
— Não vou vestir isso! — protestou Cindy, ao ver o traje.
— Já se comprometeu, chefa! — replicou Joel.

52
— Disse que era uma roupa de Mamãe Noel!
— Mas é uma roupa de Mamãe Noel!
— Joel, é um mini vestido de mangas compridas todo debruado de plumas brancas.
— Mas é vermelho!
Ela cruzou os braços.
— E vem com um par de botas pretas! — completou Joel.
— Que chegam às coxas!
— E tem um gorro! — Ele sacudiu o acessório vermelho com bola de pluma branca
na ponta.
— Por favor, Cindy...
Ela suspirou desolada.
— Está bem! Mas não vou calçar essas botas! — Apontou para a porta. — Fora!
— Vou arrumando os presentes! — informou Joel, saindo.
— Ho, ho, ho! — finalizou Cindy.
Conformada, despiu o longo preto e pendurou-o num gancho na parede. Vestiu a
roupa de Mamãe Noel. O debrum de plumas brancas à barra do mini vestido alcançava-
lhe os joelhos, enquanto que os punhos das mangas cobriam-lhe as mãos. De-
finitivamente, aquele não era seu número. Viu então um largo cinto de plástico preto sobre
o par de botas. Apertando-o em torno da cintura, fez a saia subir alguns centímetros.
Sentindo-se uma idiota completa, ajeitou o gorro vermelho na cabeça, lançando a
ponta sobre o ombro. Sem alternativa, respirou fundo e saiu do cubículo. Joel aguardava
sorridente com um grande saco de veludo vermelho cheio de pacotes.
Cindy levantou o dedo.
— Nem uma palavra.
Suprimindo o riso, o subordinado passou-lhe o saco.
Eric prestava atenção à chegada de Cindy, mas primeiro ouviu a manifestação do
público antes de vê-la. Então, juntou-se aos outros na diversão. Ela parecia constrangida,
mas mantinha o espírito esportivo ao distribuir envelopes entre os subordinados, ao som
de "Quero um Hipopótamo no Natal".
Sem dúvida, o jeito afável de Cindy contribuía para sua popularidade entre os
funcionários. Mas Eric sabia, por experiência, que os gerentes queridos nem sempre eram
os mais eficientes, pois permitiam que sentimentos pessoais influíssem em suas
decisões. Tomou um bom gole de bebida. Eis por que precisava manter-se a uma
distância apropriada de Cindy, ao menos até concluir o relatório sobre o Chandelier
House.
Naturalmente, sabia que, se concluísse que o hotel deveria ser vendido, ou que a
gerente-geral deveria ser substituída, Cindy talvez demonstrasse um lado mais irado de
sua personalidade.
A mesa deles, Cindy olhou-o tímida e entregou a Manny e Sam envelopes idênticos.
— Estão com sorte este ano — comentou. — Vão ganhar o mesmo presente,
tenham sido bons ou maus.

53
Eric brincou com o pompom no gorro dela:
— Você ficou linda de Mamãe Noel!
Imaginou-a nua, usando só o gorro.
— Quis ter certeza de que não encontraria nenhuma mulher com um vestido igual ao
meu — retrucou Cindy, fingindo desgosto. — Estou quase terminando. Vai estar aqui
quando eu voltar, ou pretende escapar de fininho?
Ele riu.
— Estarei aqui quando você voltar.
Observou-a afastar-se distribuindo o resto dos envelopes e presentes, o corpo rijo
de... expectativa.
Sam e o acompanhante foram dançar de novo.
— Cindy é uma pérola — comentou Manny.
Eric saiu do transe.
— É uma mulher e tanto.
O encarregado da portaria inclinou-se para a frente.
— Ela me contou o que você faz aqui. Em geral, não me importo com o modo como
as pessoas ganham a vida, mas, neste caso, como Cindy está envolvida... Bem, você irá
embora daqui a alguns dias e ela é que irá sofrer. — Condoído, finalizou: — Gosto muito
de Cindy, senhor. Não quero vê-la machucada.
Contemplando o drinque, Eric ponderou sobre as palavras do interlocutor.
— Não quero ver Cindy sofrer, tampouco.
— Ainda bem. — Manny levantou-se. — Fico mais tranqüilo. Boa noite.
Eric levantou-se.
— Manny, se não se importa em ficar mais alguns minutos, poderia apresentar a
Cindy minhas desculpas? Acho que já vou me recolher.
— Como queira — concordou o rapaz. — Feliz Natal, sr. Quinn.
Eric percebeu que ainda o chamavam pelo nome falso.
— Feliz Natal, Manny.
Ao deixar o bar, Eric desejou, pela primeira vez na vida, ser qualquer um, menos ele
mesmo.

Capitulo viii

— Ele já se foi?
Cindy mordiscou o lábio, tentando disfarçar a decepção.
— Pediu desculpas — completou Manny. — Já ia se recolher.
Ela remexeu no decote do vestido preto.
— Bem, ele só me acompanhou à festa. Ganhei a aposta com Joel.

54
Manny sorriu.
— Gosta dele, não é? Cindy deu de ombros.
— Não sei. E tanta hipocrisia... Ganho a vida hospedando gente como Eric, mas
reprovo sua profissão. Como será que ele entrou no ramo de acessórios eróticos?
— Talvez fosse astro pornô.
Ela arregalou os olhos.
— Acha?
— É bonitão o bastante.
— Céus, tem razão! Já vou deixar um caixão ao lado do telefone para minha mãe
cair dentro...
— E só uma hipótese, Cindy. Não a enterre ainda.
Cindy suspirou.
— E que ele parecia tão... perfeito.
Manny levantou-se.
— Vamos embora?
Ela olhou em torno para o bar deserto.
— Ainda não. Restam algumas pequenas tarefas. — Forçou um sorriso. — Posso
dormir até a hora que quiser amanhã...
— Boa noite, então.
— Boa noite.
Finalmente sozinha, Cindy entregou-se à depressão. Estava magoada por Eric não
ter sequer se despedido. Como explicar que o primeiro homem pelo qual se atraía em
anos não a desejasse o suficiente nem para lhe passar uma cantada?
Recolheu os envelopes com as gratificações destinadas aos funcionários que não
haviam comparecido à festa, para distribuição posterior. Então, pendurando o saco
vermelho no ombro, saiu ao corredor. Olhou tentada para a porta da escadaria. Se
subisse a pé os quinze andares até seu quarto, ficaria tão cansada que nem sonharia com
Eric durante o sono.
Ao tocar na maçaneta, porém, uma música chamou-lhe a atenção. Alguém tocava o
piano que fora removido do bar. Seguindo o som, percorreu todo o corredor até a Sala
dos Asteróides.
Cindy foi entrando pé ante pé, intrigada quanto à identidade do músico, de costas
para ela. Mais próxima, finalmente reconheceu a silhueta do homem.
— Eric!
Ele parou de tocar e voltou-se.
— Oi, Cindy. Espero não ter incomodado ninguém. E que fazia anos que não tocava
e, quando vi o piano...
Ela continuava espantada.
— Não, não incomodou ninguém. Você toca muito bem... — Embaraçada, recuou
um passo. — Fique à vontade. Boa noite.

55
— Cindy?
Ela parou.
— Desculpe-me por ter saído da festa sem me despedir.
— Tudo bem — replicou ela. — Mesmo.
— Eu me diverti muito.
Ela se descontraiu um pouco.
— Eu também.
Eric apontou para o teclado do piano.
— Que tal improvisarmos um número, aproveitando o espírito natalino?
Cindy entusiasmou-se.
— Está bem! Você toca, eu canto...
Ele se deslocou sobre a banqueta e ofereceu o lugar resultante. Cindy acomodou-se
ao lado dele, tomando o cuidado de deixar um espaço entre eles. Escolheram uma
música e começaram a interpretá-la, parando a toda hora por conta da letra esquecida.
Não obstante, foram se descontraindo e até conseguiram executar um bom número.
Terminaram entre risos, roçando os ombros, o que causou nova onda de excitação em
Cindy.
— Mas... com quem aprendeu a tocar assim tão bem? — indagou ela, maravilhada.
— Com meu pai. Ele não consegue ler uma nota, mas toca os concertos mais
complicados de ouvido! Nunca cheguei aos pés dele...
— Quando foi que se viram pela última vez? — indagou Cindy, delicada.
— Na primavera. Fui à festa de aniversário de minha sobrinha e passei lá em casa
também. Não foi muito agradável...
Ansioso por esquecer as desavenças familiares, Eric posicionou as mãos sobre as
teclas brancas e pretas.
— Mais uma?
Interpretaram uma famosa canção natalina, em ritmo de blues, com menos atropelos
então, finalizando lindamente. Aplaudiram a si mesmos, risonhos.
— Acho que nunca me diverti tanto — sussurrou Cindy.
— Que bom que você apareceu aqui... — Eric tocou-lhe o queixo e fitou-a
profundamente nos olhos. — Está linda, sabia?
Cindy fechou os olhos ao ter os lábios tomados pelos dele. A princípio, foi um beijo
firme, mas gentil, cauteloso e doce. Quando ela ofereceu a língua, porém, ele aprofundou
o contato com um grunhido. Ela se apoiou nele, a pele ávida por ser tocada.
Eric tinha um gosto de rum e uvas, um cheiro de água-de-colônia e goma de roupa.
Sem fôlego, ela teve que interromper o beijo abruptamente.
Ele se afastou, engolindo em seco.
— É melhor irmos.
Já de pé, ele pegou o paletó e ergueu a vela. Cindy levantou-se cambaleante e o
acompanhou para fora da sala, sem se esquecer do saco vermelho.

56
No corredor iluminado, Eric apagou a vela com um sopro e ofereceu-se para
carregar o fardo.
— Eu a acompanho até seu quarto.
— Não precisa.
— É o mínimo que posso fazer após deixá-la sem me despedir.
— Oh, sei que teve um bom motivo...
Tomaram o rumo do elevador.
— Tive — confirmou Eric. — Considerando o andamento da situação, achei que
acabaria convidando-a a passar a noite comigo.
Cindy tropeçou e ele a amparou.
— Teve medo de que eu dissesse "não"? — questionou ela, nervosa.
Eric olhou-a sério.
— Não. Tive medo de que dissesse "sim". O elevador chegou.
— Eric, você já foi ator de cinema?
Ele espantou-se.
— Não. Por quê?
— Por nada.
Entraram no elevador e Cindy apertou o botão quinze.
Vendo Eric tão relaxado, ela também se descontraiu. Era evidente que não a
convidaria para passar a noite consigo. Após ela destrancar a porta do quarto, ele
introduziu o saco vermelho e beijou-a de leve no rosto.
— Boa noite, Cindy. Obrigado pela noite maravilhosa.
Ansiosa por prolongar o momento, Cindy agarrou-lhe a manga, o coração aos pulos.
— Eric, saiu da festa preocupado com minha postura em relação ao seu... trabalho?
Ele refletiu por alguns segundos.
— Em parte.
Ela deslizou as mãos pelas lapelas de seu paletó.
— Talvez assim deixe de preocupar...
Puxando-o pela nuca, ela colou suas bocas num beijo demorado e sensual. Ele a
estreitou imediatamente, espalmando as mãos sobre suas costas nuas. Percebendo o
desejo dele, ela sentiu o próprio corpo responder à altura. A semana seguinte seria
decisiva para sua vida profissional. Até lá, porém, merecia a felicidade.
Cindy afastou o rosto e o fitou nos olhos azuis.
— Eric, passe esta noite comigo.
Ele engoliu em seco.
— Tem certeza?
Ela respondeu agarrando-o pelo paletó e puxando-o para dentro do quarto.
Ultrapassada a soleira, Eric baniu todos os motivos pelos quais não deveria passar a

57
noite com Cindy, concentrando-se nas justificativas para fazê-lo. Com a mente cerrada,
deixou o corpo tomar conta da situação.
Percorreram o curto corredor atabalhoadamente, despindo as roupas um do outro na
penumbra. Chegaram ao quarto descalços, Eric abraçado às costas de Cindy, alisando-
lhe o ventre liso. Ela deixou o vestido cair e voltou-se para ele nua da cintura para cima.
A luz difusa, ela era de uma beleza estonteante. Magra, braços e pernas longos,
seios firmes e redondos como pêssegos prontos para serem colhidos. Ele a tomou pela
cintura e puxou contra si, regozijando-se com a sensação de estarem juntos. Cindy o
livrou da camiseta, juntando-a às demais peças espalhadas pelo chão.
Eric ergueu-a nos braços e levou-a para a cama. Ofegante, livrou-a da meia-calça
enrolando-a pernas abaixo, extasiando-se ao vê-la só de calcinha preta. Ela respirou
fundo, projetando os seios no ar.
Eric praticamente mergulhou sobre ela. Queria amá-la devagar, mas via-se reduzido
a um adolescente inexperiente, faminto e sem saber por onde começar. Beijou-a
impetuosamente, então, mordiscou-lhe o pescoço e massageou-lhe os mamilos,
explorando-a até fazê-la gemer de prazer.
Prendendo-a sob o corpo, Eric tomou na boca um seio perfeito, lambendo o bico
intumescido, enquanto ela enterrava as mãos em seus cabelos. O delírio e o cheiro dela
cegavam-no de desejo. Ao baixar-lhe a calcinha, engoliu em seco ante o tufo de pêlos
escuros. Com um grunhido, cerrou os dentes tentando se controlar.
Quando Cindy levou os dedos ao cós de sua cueca, ele hesitou, sabendo que se
liberaria se ela o provocasse. Frustrado, deteve-a.
— Qual o problema? — indagou ela, ofegante.
Eric era só constrangimento. Tamanha fora sua determinação em não encerrar a
noite daquela maneira que deixara os preservativos em seu quarto.
— É que... estou meio desprevenido.
Cindy pensou.
— Não trouxe camisinha?
Ele pigarreou.
— É.
Que estranho! Ela sempre imaginara Eric portando preservativos como se fossem
cartões de visita. Vasculhou a memória. Do pacote de doze camisinhas que comprara
anos antes, restavam onze em algum lugar de seu armário no banheiro. Oh, também
ganhara uma caixa de amostras grátis do organizador da mostra de brinquedos para
adultos. Estava debaixo da cama...
Era terrível a idéia de revirar a caixa de acessórios eróticos diante de Eric! Não só
ele reconheceria cada item, como seria capaz de recitar os códigos de barras. Mas,
pensando bem, haveria melhor maneira de provar que aprovava o trabalho dele?
— Eu resolvo isso.
— Apague a luz, sim?
— De jeito nenhum — contrariou ele, puxando-a de volta para a cama. — Quero ver
você.
— E eu quero ver você — retrucou Cindy, baixando-lhe a cueca a fim de liberar sua
58
ereção. Diante do tamanho, porém, mordiscou o lábio e cobriu-o de novo, temerosa. —
Acho que não vai dar...
Eric riu, deleitado com o exame.
— Paro no momento em que quiser.
Claro que Cindy não o deteve. Trêmula como uma virgem seduzida, desejava-o
tanto que se assustava. Rompendo os lacres das loções corporais, besuntaram-se e
consumiram-se até arfar de tensão. Como ela se atrapalhasse com a embalagem do
preservativo, ele a tomou, abriu-a e passou-lhe o acessório. Ela posicionou a peça sobre
a ponta gotejante do membro rijo.
— É do outro lado — avisou ele.
Cindy deu-se conta de que realmente tinha colocado a camisinha invertida. Estava
desmascarada. Não era uma sedutora mulher fatal. Não conseguia sequer colocar um
preservativo num homem.
— Deixe-me ajudar. — Eric pôs a mão sobre a dela, ajeitando a boca do acessório.
Gemeu ao sentir o toque dela em torno de seu órgão.
Acomodando-a sobre os travesseiros, ele se posicionou entre seus joelhos. Os pêlos
do peito dele atiçavam-lhe os seios enquanto ele entrelaçava as mãos de ambos acima
de sua cabeça.
Próxima ao momento decisivo, Cindy não conseguia mais falar. Por isso, deixou o
corpo se expressar, correspondendo aos beijos, mordidas e carícias, contorcendo-se,
contraindo-se, rendendo-se.
— Primeiro você... — sussurrou Eric, intensificando as carícias, sentiu a ereção
queimando-lhe a coxa como ferro em brasa.
Em segundos, Cindy enrijecia-se contra ele, movimentando-se num ritmo lento e
hesitante. A energia sexual contida e a inebriante presença do homem sobre ela logo a
alçou às alturas... Os gemidos de ambos se mesclaram à medida que ela voltou à terra.
Instantes após Eric tê-la, apenas com carícias, levado ao ápice do prazer, Cindy
sentiu o membro dele à porta de seu desejo. Deslizou as mãos por sobre as costas
musculosas, agarrando-lhe as nádegas, convidando-o a entrar. Eric avançou aos poucos,
o coração descompassado, os dentes cerrados. Ela afastou os joelhos para dar-lhe pleno
acesso e ele a preencheu com um longo gemido. Cindy arqueou o corpo contra o dele,
extasiada. Ele a segurou pelos quadris e penetrou-a com movimentos ondulantes.
Cindy arranhava-lhe as costas, adotando seu ritmo agonizante, apertando-se em
torno dele a fim de extrair o fluido vital. Seus movimentos e sons tornaram-se frenéticos.
No ápice, ele estremeceu e gritou, o rosto uma máscara de dor e prazer. Então,
aconchegou-se junto ao pescoço dela.
Arquejante, Cindy afagou-lhe as costas suavemente, sentindo algo estranho no
peito. O medo obrigava-a a desanuviar o momento.
— Que bom que aceitou passar a noite comigo — murmurou. O riso dele retumbou
junto a seu ombro.
— Também acho. — Apoiando-se no cotovelo, sorriu malévolo. — E a noite é uma
criança.
Cindy arrepiou-se de expectativa.
— Vamos experimentar aquele brinquedo movido a bateria?
59
Cindy pairou entre o sono e a consciência por longos minutos. Seu corpo lânguido
doía agradavelmente em meio às cobertas macias. Devagar, abriu os olhos. Então, os
eventos da noite anterior vieram à tona. Eric ainda dormia a seu lado, respirando
tranqüilamente. Desperto, ele era lindo, mas adormecido era um deus.
Quando recordava o modo como ele a abraçara, uma sensação gostosa espalhava-
se por seus membros. A intimidade entre eles espantava-a. Virou-se para observá-lo.
Terno, divertido e atraente. Suspirou. Se ao menos o trabalho dele fosse mais...
convencional. Se bem que a vocação dele explicava por que um homem tão desejável
permanecia solteiro. Pelo jeito, os melhores espécimes ou já estavam casados, ou
vendiam bonecas infláveis para viver.
Por que reclamava? Devia sentir-se grata, uma vez que era sua reticência quanto ao
trabalho do rapaz que a impedia de apaixonar-se...
Retraiu-se. Apaixonar-se?! Céus, devia ter bebido demais na festa de
confraternização! Levando a mão aos cabelos, encontrou só uma massa de fios duros.
Céus, devia estar horrorosa!
De olho em Eric, saiu da cama e mancou sobre o carpete, sentindo os músculos
rígidos. Vestiu um robe curto e ousou olhar-se no espelho. Aterrorizada, cobriu o rosto
com as mãos e abriu só uma frestinha para espiar de novo.
Estava pavorosa! Seus cabelos apontavam em todas as direções, como uma
medusa. Um dos cílios postiços colara-se a sua testa, lembrando uma tatuagem esquisita.
Arrancou-o com um gemido dolorido.
Antes que decidisse o que fazer primeiro, tomar banho ou simplesmente
desaparecer, o telefone tocou. Eric se mexeu. Correu a atender. Quem podia estar
incomodando-a às oito e meia da manhã em seu dia de folga?
— Bom dia — cumprimentou Manny, apreensivo.
— Espero que tenha um bom motivo para estar ligando — rosnou Cindy.
— Está sozinha?
— Não.
— Quinn está aí?
— Não é da sua conta.
— Bem, é que tenho uma notícia que a fará... abrir os olhos.
Cindy olhou para a cama. Eric acordava e sorria-lhe. Instantaneamente, seus
mamilos incharam e suas coxas se contraíram à lembrança do peso do corpo dele.
— O que é?
— É que verifiquei o monograma na calça de pijama do sr. Quinn e descobri que ele
se chama Eric Quinn Stanton.
Cindy prendeu a respiração e focalizou o bonitão estirado em sua cama, todo senhor
de si por ter seduzido a gerente geral do Chandelier House. Nunca se sentira tão
humilhada nem tão mortificada, em toda a vida. O rubor dominou-a dos pés à cabeça.
— Cindy, ainda está aí? — indagou Manny.
Eric lhe mentira. Mentira para aproximar-se, conquistá-la ou chantageá-la... como
saber até onde iam seus motivos? Que ódio. Deixando o fone cair, aproximou-se da cama
impulsionada por uma fúria contida.
60
Satisfeito da vida, Eric nem reparou na expressão hostil de Cindy. Vendo-a
desgrenhada pela manhã, imaginou se ela lhe atenderia as necessidades matinais tão
bem quanto preenchera as noturnas. Detestava pressionar, mas a mulher era um fu racão.
Sua caixa de acessórios eróticos fora uma agradável surpresa. Sem dúvida, eram
horizontalmente compatíveis. Sorriu. Podia jurar que haviam levitado naquela noite.
— Dormiu bem? — indagou Cindy, gélida. Ele fez que sim, largado sobre o
travesseiro.
— Não vai desligar o telefone?
— Não.
Eric sorriu de novo. Ela não queria ser interrompida novamente. Cindy deu mais um
passo.
— Você foi muito bom.
Ele se permitiu um momento de puro orgulho masculino.
— Acho que nos damos bem juntos.
Ela se aproximou mais.
— Oh, acho que tenho um pouco de culpa... ou melhor, crédito, pelo que aconteceu.
Algo no tom dela chamou-lhe a atenção.
— Acabou a brincadeira, sr. Stanton.
Confuso, ele se apertou contra os travesseiros.
— Do que está falando?
— Você é ou não é Eric Stanton?
Ele não entendia nada. Estaria ela louca?
— Claro que sou!
— Não vai nem tentar negar?
— Por que tentaria? Você sabia de minha identidade quase desde o início!
Foi a vez de Cindy se espantar.
— Que história é essa? Você se apresentou a mim como Eric Quinn, vendedor de
brinquedos para adultos! Saia já da minha cama e do meu quarto!
Incrédulo, Eric foi se levantando devagar.
— Vendedor de brinquedos para adultos? De onde tirou essa idéia absurda?
— De suas próprias respostas evasivas... seu falso! Fora daqui!
— Preciso me vestir...
— Tem dez segundos.
— Cindy...
— Nove.
Eric agarrou a calça e começou a vesti-la desequilibrado.
— Espere...
— Oito.

61
A caminho da porta, ele recolhia peças de roupa pelo caminho.
— Cindy, tivemos uma noite incrível...
— Sete.
— Nunca conheci uma mulher como você...
— Seis.
Eric recuava de costas com as roupas emboladas sob um braço e o par de sapatos
na mão.
— Não podemos conversar com mais calma?
— Cinco.
— Cindy...
— Quatro.
Ele abriu a porta.
— Três.
Ele saiu ao corredor.
Cindy pegou um vaso e apontou na direção dele.
— Dois.
Eric deu meia-volta e fugiu correndo.
— Já estou indo!
— Um!
Eric ainda ouviu a porta se fechar violentamente antes de alcançar o elevador.

Capítulo ix

Após preparar o café na cafeteira, Cindy recusou sua dose matinal de cafeína, uma
vez que já se estimulara bastante ao acordar. Não obstante, agarrou-se à caneca,
confortando-se com o fato de tê-la nas mãos, o que não ocorria com sua atual situação.
Miserável, apoiava-se no balcão da cozinha. Ansiava por um demorado e relaxante
banho, mas não suportaria voltar ao quarto e ver os resquícios do amor que fizera com...
aquele homem. E pensar que considerara apaixonar-se por ele. Cerrou os dentes,
tentando banir as lembranças do que fizera com ele e a ele. Até abrira a caixa de
brinquedos para adultos, querendo impressionar o especialista no assunto, enquanto que
todo o tempo...
Suprimiu as lágrimas. Como pudera ser tão idiota? O homem estava lá para analisar
seu pessoal, avaliar a administração do hotel, testar o profissionalismo da gerente geral, e
na noite anterior ela não fizera menos que bancar a Mamãe Noel! Como encarar Eric
Stanton, e seus próprios subordinados, agora?
Ao som de uma batida discreta na porta, respirou fundo, juntando coragem para

62
enfrentar Eric, se fosse ele de volta. Aliviada, viu Manny pelo olho mágico.
— Está sozinho? — indagou-lhe.
— Estou. E você?
Cindy abriu a porta e convidou-o a entrar com um gesto desanimado.
O amigo suspirou.
— Não deu para entender o que falavam, mas pareceu-me grave. O fone ainda está
fora do gancho?
Ela deu de ombros.
— Esqueci-me dele.
— Lamento ter dado a má notícia.
Cindy caiu em prantos.
— Oh, Manny, que pesadelo!
O amigo abraçou-a confortador.
— Eu devia ter adivinhado...
— Eu devia ter adivinhado! — replicou ela. — Devia ter percebido que Eric não era
do tipo que se interessaria por mim...
Manny franziu o cenho.
— Ei, não se subestime! E pare de chorar sobre o leite derramado!
Cindy respirou fundo e ergueu o queixo.
— Tem razão. Devo ser forte e reparar os danos.
— Isso mesmo!
— Quer um café?
O rapaz consultou o relógio.
— Quero. Ainda tenho alguns minutos de folga.
Cindy despejou a bebida quente numa xícara.
— Vamos recapitular o que nós sabemos que ele sabe sobre o hotel e sobre mim.
— Bom, para começar, ele sabe que falta pessoal no salão de beleza.
Cindy concordou.
— Ele a viu machucar-se com a prancheta, perder o lenço no elevador e provocar
um incêndio no restaurante.
Ela sentiu a confiança arrefecer.
— Ele também testemunhou o entalo da árvore de Natal, a bebedeira dos
funcionários na festa de Natal e você vestida de Mamãe Noel distribuindo presentes.
Cindy mexeu-se na banqueta.
— Ele também sabe que aconteceu algo estranho com sua calça de pijama e, por
último... — Manny apontou para o quarto.
Cindy fechou os olhos.

63
— Oh, não, não precisa me lembrar disso...
— Aliás... como foi?
Brava, ela considerou mentir, mas suspirou.
— Foi demais!
— Jura?
— Acho até que desmaiei.
— Puxa!
— É, pena que ele tenha se revelado um espião dissimulado plantado aqui para me
aniquilar.
— Mas como foi que ele agiu pela manhã? Parecia arrependido?
Cindy esfregou o rosto.
— Não, teve a audácia de mostrar-se surpreso... Disse que eu sempre soube de sua
verdadeira identidade.
— Mas ele não tinha dito que vendia brinquedos para adultos?
Ela ia confirmar, mas deteve-se, rememorando a conversa com Eric no elevador.
— Ele disse que trabalhava com vendas. Quando perguntei o que vendia, ele
declarou que eram "acessórios, coisas assim".
Manny refletiu.
— Daí, você concluiu que o homem vendia brinquedos para adultos?
Cindy bufou.
— Não. Acontece que, quando perguntei se ele tinha vindo para a mostra da
semana seguinte, ele disse: "Na verdade, estou me preparando para a semana que vem".
Manny suspirou.
— Ou seja, ele se preparava para a chegada do resto da equipe de auditores que
dissecaria o Chandelier House!
— Agora sei disso, mas naquele dia, após ter visto as camisinhas...
— Que camisinhas?
Ela massageou as têmporas.
— Quando fui ao banheiro dele lavar o machucado, ele me disse para usar os
curativos que tinha na frasqueira. Abri um zíper lateral e caíram dezenas de preservativos!
O amigo pensou.
— Interessante, mas não incriminador.
— Houve outros comentários — justificou-se Cindy. — Por exemplo, ele disse que o
pai não aprovava seu trabalho.
Manny deu de ombros.
— Mais uma declaração imprecisa.
Cindy insistia:
— Certa vez, ele comentou que achava bom que eu soubesse como ele ganhava a

64
vida, esperando que eu compreendesse por que tinha que ser discreto...
— Bingo! — exclamou o amigo. — Ele concluiu que você sabia que ele era Stanton!
— Nesse caso, por que eu o convidaria para ir à festa?
— Para bajulá-lo.
Cindy deu-se por vencida.
— Ele comentou que as pessoas tendiam a tratá-lo de modo diferente quando
descobriam a verdade. — Empalideceu. — Também mostrou-se feliz por ver que seu
"trabalho" não iria interferir em nossa amizade...
— E você?
Ela encarou o amigo.
— Eu disse que tinha a mente aberta.
Manny terminou o café e pousou a xícara.
— Bem, ao menos agora sabemos como se deu o mal-entendido e que Stanton não
a levou para a cama sob falsas intenções.
— Não, ele achou que eu sabia quem ele era, mas, mesmo assim, dormiria com
ele...
Cindy estremeceu de repente, recordando as perguntas que Eric lhe fizera sobre o
lustre do saguão. Quando lhe revelara inadvertidamente?
— Bom, preciso voltar ao trabalho — anunciou Manny, confortando-a com um beijo
carinhoso. — Não se desespere. No Natal, Stanton já terá ido embora e você irá esquecer
tudo isso.
Cindy acompanhou o amigo até a porta e, sozinha, recostou-se pesadamente na
parede.
— Assim espero...
Eric enxugava os cabelos, ruminando os últimos acontecimentos. Se compreendera
a cena no quarto de Cindy pela manhã, ela acreditara que ele era um vendedor de
brinquedos para adultos. De fato, dissera-lhe que trabalhava com vendas, mas não podia
imaginar como ela deduzira o resto da história.
Mas um fato era inegável. Haviam dormido juntos, o que resultaria num conflito de
interesses. Sua justificativa de que Cindy também devia ter pesado as conseqüências
perdia a consistência agora. Ele deveria ter-se conduzido como o profissional respeitado
que era.
Pendurou o smoking no armário. Precisava falar com Cindy, explicar... o quê? Que a
considerara o tipo de mulher que dormiria com o auditor enviado para avaliar seu
desempenho como gerente geral? Com um suspiro, deteve-se ao pisar e quebrar um
objeto.
Era um dos brincos de Cindy, que provavelmente caíra entre suas roupas, o que não
era de surpreender, considerando a rapidez com que haviam chegado ao quarto dela.
Que pena... Talvez um joalheiro conseguisse repará-lo. Era o mínimo que podia fazer para
compensar seu péssimo comportamento.
Flashes da noite de amor perseguiam-no enquanto se vestia. Cindy descobrira
maneiras de excitá-lo que ele jamais cogitara. Sim, as brincadeiras foram divertidas, mas

65
nunca esqueceria o abandono total em seu lindo rosto ao atingir o clímax com ele
enterrado em seu corpo. Por alguns segundos, ela lhe transferira o controle completo de
seu corpo e alma. Ela confiara nele, só para descobrir, pela manhã, que ele não era a
pessoa, nem o homem, que imaginara.
Embrulhou o brinco quebrado num lenço de papel, guardou-o no bolso da camisa e,
no corredor, decidiu descer pela escada, a fim de fumar um cigarro. Desceu sem pressa
os dez andares até o saguão, a cabeça latejante devido à nicotina, as costas doloridas
devido à incrível jornada noturna com Cindy. Céus, perdera o juízo!
No saguão, o encarregado da portaria não tinha uma expressão nada receptiva.
— Bom dia, sr. Stanton — cumprimentou o rapaz, frio, confirmando que sua
verdadeira identidade, agora sim, era do conhecimento dele.
— Bom dia, Oliver.
— Eu devia dar-lhe uma lição, sabia?
Eric arregalou os olhos.
— Do que está falando?
— Fizemos um acordo ontem à noite, quando saiu da festa.
Eric desviou o rosto.
— Ela não sabia quem você era!
— Pois pensei que soubesse.
O rapaz expressou desgosto.
— Esse é seu procedimento normal, Stanton?
— Vou relevar este comentário porque sei o quanto é amigo de Cindy. — Eric cerrou
os dentes. — Aliás, sabe onde ela está?
Manny contraiu a boca.
— Sei.
— Onde?
— Ela está de folga hoje.
— Quer dizer que ela já saiu do hotel?
— Posso ajudá-lo, sr. Stanton?
Eric voltou-se e viu Cindy a alguns passos, bem mais recomposta do que ele. De
calça jeans, blusa de gola olímpica branca e casaco esporte, parecia uma colegial.
Disfarçara os cabelos arrepiados debaixo de um chapéu de veludo verde, mas alguns fios
rebeldes lhe escapavam sobre os ombros. Óculos de arame redondos completavam a
indumentária. Ninguém suspeitaria de que aquela moça serena passara a maior parte da
noite anterior nua, contorcendo-se sob, ao lado e em cima dele.
— Cindy, gostaria de ter um particular com você.
— Tenho uma reunião de equipe agora — informou ela, profissional. — Volto em
quinze minutos. Então, poderei lhe dar toda a atenção.
Cindy chamou Manny e os dois seguiram para o elevador.
— Srta. Warren? — chamou Eric. Ela se voltou.

66
— Pensei que estivesse de folga — comentou ele. Cindy manteve-se impassível.
— É que houve um imprevisto — explicou, e retomou o caminho. Quando as portas
do elevador se abriram, Cindy estava a ponto de explodir de nervosismo contido. Qual
não foi sua surpresa ao topar com o rabugento sr. Stark de bagagem a reboque.
— Adeus, srta. Warren — resmungou ele.
— Está de partida, sr. Stark?
— É, resolvi voltar antes do planejado. Obrigado pelas entradas de teatro. Fora o
incidente do rato, apreciei a estadia.
— Que bom — retrucou Cindy, sorrindo condescendente. O homem passou-lhe um
cartão.
— Quando resolver redecorar, chame-me e eu a aliviarei de algumas destas
velharias.
— Farei isso. Boa viagem.
No elevador, aproveitando que estavam a sós, Manny elogiou-a:
— Você foi ótima. Não deixe Stanton perceber que ficou abalada.
— Abalada? — questionou ela, esnobe. — Quem está abalada?
Cindy adentrou a sala de reuniões com o coração aos pulos. Toda a equipe já se
reunia em torno da mesa.
— Deve ser importante — comentou Joel, de chofre. — Afinal, é seu dia de folga,
após ter levado um acompanhante de carne e osso à festa!
Cindy sentiu o rosto queimar ao recordar o quanto Eric se mostrara de carne e osso
na noite anterior. Conseguiu esboçar um sorriso.
— Ainda vou fazer minhas compras de Natal, mas antes... preciso discutir um
assunto pessoal com vocês.
A hipocondríaca Amy exibia um emplastro sobre o nariz avermelhado.
— Está tudo bem, Cindy?
Cindy respirou fundo.
— Creio que a maioria dos presentes viu o cavalheiro que me acompanhou à festa
ontem.
A gerente Sam ficou exultante.
— Céus, ele a pediu em casamento?
Todos agitaram-se, animados.
— Vai se casar? — exclamou Joe, emocionado.
Cindy agitou os braços pedindo silêncio.
— Esperem!
Nesse instante, a porta dos fundos se abriu e, para horror de Cindy, Eric Stanton
adentrou a confusão.
Manny silenciou o recinto com um assobio cortante. Todos se voltaram para Eric.
— Lamento interromper — desculpou-se ele. — Eu bati, mas ninguém ouviu.

67
De olhar baixo, Cindy conformou-se.
— Já que está aqui, fique. — Apoiou-se à mesa. — Em primeiro lugar, não pretendo
me casar com ninguém a curto, médio ou longo prazo. Em segundo... — Apontou para
Eric. — Gostaria de apresentar-lhe o sr. Eric Quinn Stanton.
Ele avançou um passo e sorriu.
— Bom dia. Como sabem, minha equipe e eu vamos conduzir um estudo de rotina
de seus procedimentos a pedido de sua matriz. Lembro-me de muitos dos presentes da
festa de ontem. Olá aos que ainda não tive o prazer de conhecer.
Olhos se arregalaram. Pomos-de-adão se moveram. A incredulidade cedeu vez à
confusão e olhares acusadores voltaram-se para Cindy.
— A Srta. Warren só descobriu minha identidade hoje — esclareceu Eric.
Cindy dirigiu-se a seu grupo.
— O resto da equipe do sr. Stanton chega no sábado, e não mais na segunda-feira.
Segundo a programação, o trabalho deverá durar cinco dias, ou seja, a equipe parte no
dia vinte e três.
Com uma pausa, Cindy olhou para Eric, que confirmou.
— Nesse período, gostaria que colaborassem ao máximo com o sr. Stanton em seu
trabalho.
— Ela mesma já fizera muito mais do que era seu dever...
— Isto é tudo. Os que ainda não conhecem o sr. Stanton, por favor, apresentem-se a
ele antes de sair.
Cindy começou a contornar a mesa.
— Srta. Warren?
Ao som da voz de Eric, ela se voltou.
— Sim?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Disse que poderíamos ter um particular após a reunião.
— Estarei no saguão, checando a decoração da árvore de Natal.
Amy alcançou Cindy no meio do corredor.
— Desculpe-me, chefa.
Cindy franziu o cenho.
— Por quê?
— Se eu não houvesse desconfiado do sr. Stark por engano, você teria suspeitado
de Eric antes de...
Cindy prendeu a respiração. Imaginava que só Manny soubesse de sua noitada com
Eric.
— Antes do quê?
— Antes de convidá-lo para a festa — completou a moça, pesarosa. — Não se
culpe, Cindy. Ele a usou para se aproximar de nós.

68
No elevador, outros subordinados também asseguraram que não a culpavam pelo
acontecido.
Cindy seguiu para a árvore de Natal na companhia de Joel e Manny. Os três
estacaram ao ver o imenso abeto finalmente decorado para a ocasião.
Preto. A árvore estava todinha de preto. Laços pretos, enfeites pretos e até uma
estrela preta na ponta. Hóspedes contemplavam-na horrorizados.
— Chame os decoradores já aqui! — ordenou Cindy. Um pessoal juntava-se na
calçada de maneira hostil. — E a segurança!
— Stanton vai adorar isso... — lembrou Joel.
Cindy passou-lhe a prancheta.
— Vou interceptá-lo e sair com ele pela porta lateral.
Sombria, Cindy voltou ao elevador a fim de aguardar o homem que preferia nunca
mais rever.
Surpreso, Eric sorriu ao vê-la.
— Já tomou o café? — indagou ela, forçando um sorriso.
— Ainda não.
— Pensei em termos aquele particular num local mais discreto.
— Por mim, tudo bem — concordou Eric, indicando a porta frontal.
— Hum... pela saída lateral, cortamos caminho.
Ambos tomaram aquela direção.
— Presunto, bolo, biscoitos, molho de carne e mingau de aveia — pediu Cindy à
garçonete.
— Estou morta de fome.
Eric não disfarçou o orgulho. Haviam mesmo se desgastado!
— O mesmo para mim — declarou.
Quando ficaram a sós, ergueu a xícara de café. Por onde começar? Gostaria de
saber o que se passava na cabeça de Cindy, mas ela mal lhe dirigira a palavra no
caminho até o restaurante. Como estava linda de chapeuzinho verde e óculos redondos!
Se pudesse apagar tudo e carregá-la de volta para a cama...
— Cindy, precisamos conversar...
— Primeiro eu. Sr. Stanton...
— Eric.
Ela apertou as mãos em sua xícara.
— Isso foi antes. O senhor não é a pessoa que pensei que fosse.
Ele endureceu o queixo, conformado.
— Sr. Stanton, gostaria de esclarecer que não tenho o hábito de... fazer amizade
com hóspedes. Na verdade... ontem à noite ocorreu o primeiro incidente nesse sentido. —
Recobrou a compostura. — Não tenho justificativa para meu comportamento, mas espero
que não use o meu erro contra a minha equipe.

69
Eric fitou-a confuso, mas não disse nada.
— Caso se sinta obrigado a reportar o incidente a seu cliente, peço-lhe... ou melhor,
imploro que o faça somente após a conclusão da auditoria no hotel. Se eu for destituída
do cargo de gerente geral agora, o desempenho dos funcionários irá cair e as margens de
lucro referentes ao período de festas poderão se prejudicar. Gostaria que o Chandelier
House se apresentasse o mais rentável possível.
Eric nutria ainda mais respeito por Cindy agora.
— Srta. Warren, não pretendo chamar a atenção de ninguém na Harmon para esta...
situação especial, embora tenha me ocorrido que a senhorita talvez devesse apresentar
um relatório.
Ela o encarou surpresa.
— Eu?!
— Exato. Principalmente caso tenha imaginado que eu seria capaz de ameaçar
divulgar certos detalhes da administração do hotel, a menos que a senhorita...
— Dormisse com o senhor novamente?
Eric confirmou.
— Você seria capaz? — questionou Cindy.
Pela primeira vez na vida, ele desejou ser uma pessoa comum, mais intuitiva, diante
daqueles olhos verdes transbor-dantes de emoções que não conseguia decifrar.
— Não. Eu jamais a chantagearia para tê-la na cama.
Cindy permanecia calada.
— Eis porque quis falar-lhe — prosseguiu Eric. — Lamento tê-la feito pensar que era
outra pessoa. Ao chegar incógnito para uma inspeção, costumo ser vago em meus dados
pessoais, mas nunca tentei enganar os profissionais sob meu escrutínio. Eu realmente
acreditei ter-me denunciado antes do tempo. — Suspirou. — E nunca tinha me envolvido
dessa maneira antes, tampouco...
Cindy, que fitava as próprias mãos, ergueu o rosto.
— Peço desculpas por tê-lo acusado de me enganar. Pensando bem, tirei
conclusões erradas com base em informações vagas.
— Lamento que tenha se constrangido...
— Por favor — interrompeu ela. — Vamos nos ater às conseqüências do ocorrido
em seu relatório sobre meu hotel e pessoal.
— Está bem — conformou-se ele. — Tenho duas propostas. Ou eu me retiro do
projeto imediatamente...
— Considero uma boa solução.
Eric suspirou resignado. Não podia culpar Cindy por estar zangada, mas também
não a deixaria tomar uma decisão que prejudicasse o hotel.
— Com a ressalva de que, se o relatório se atrasar, algum executivo da Harmon em
busca de promoção poderá baixar o machado no Chandelier House em hesitar...
— Por quê? — questionou Cindy. — A empresa é lucrativa, apesar da Harmon. Eles
embolsam nossos ganhos e os distribuem entre a rede, só pensam em expandir e

70
reformar.
— O hotel prejudica a imagem da rede — esclareceu Eric, direto. — Sabe que a
estratégia da Harmon é hospedar homens de negócios. Sua clientela tem um perfil
totalmente oposto.
— Que vendam o Chandelier House, então! — decretou Cindy, batendo o punho na
mesa. — Ficaremos melhor em outras mãos.
— Cindy... — Ele conteve o impulso de cobrir-lhe a mão. — Não é tão simples. Se a
Harmon decidir vender o hotel, será por partes. Primeiro, a mobília antiga, depois, os
equipamentos, por fim, o prédio. É grande a probabilidade de o novo dono estar
interessado só no terreno, de modo que a construção seria demolida.
Ela expirou sonoramente.
— Qual a alternativa?
— Permaneço no projeto e, se os lucros forem tão bons quanto afirma, apresento à
Harmon um parecer favorável à continuidade do Chandelier House. Isso não os impedirá
de vender o hotel, mas terão mais dificuldade em arranjar uma justificativa.
Cindy ponderou por um minuto.
— Como posso confiar em você? — questionou, cética. Eric sentiu-se golpeado,
mas não o demonstrou.
— Acho que não tem escolha.
Ela aquiesceu e levantou-se.
— Não vou esperar o desjejum. Perdi o apetite. Considerando que serei obrigada a
conviver com o senhor nos próximos dias, sr. Stanton, aproveitarei esta oportunidade para
evitar sua companhia.
Ele tentou se levantar e detê-la.
— Cindy...
Ela lançou um olhar gélido à mão dele em seu braço. Ele a retirou.
Cindy pendurou a bolsa no ombro e saiu.

Capítulo x

— Lamento, sr. Stanton, mas não podemos repará-lo — declarou o joalheiro,


devolvendo o brinco quebrado de Cindy. — Não dá para substituí-lo, tampouco.
Eric desanimou-se.
— Quando o deixei aqui, há dois dias, a moça disse que não haveria problema.
— É que minha esposa não percebeu, nem eu, a princípio, que não se tratava de
vidro, mas de cristal.
Eric estava inconsolável. Como Cindy continuava a tratá-lo com frieza, esperara cair
em suas graças novamente devolvendo o brinco intacto.
O joalheiro girava a peça danificada nas mãos, pensativo.
— Muito bonito... eu diria que provém de um lustre.

71
Eric olhou para o homem.
— De um lustre, o senhor disse?
— Exatamente. Isso eu gostaria de ver... um lustre todinho de cristal!
Eric já vislumbrava várias possibilidades. Após guardar o brinco quebrado no bolso,
saiu da joalheria e procurou um telefone público. Digitou os números devagar, sentindo
uma pontada de saudade quando uma voz familiar atendeu.
— Pai? É Eric.
— Eu sei. Só tenho um filho, você sabe.
— Como vai?
— Morrendo de tédio.
— Pai, não fale assim...
— Recebi seu postal de San Francisco. Aniquilando mais uma empresa?
— Não. Pai, deu uma olhada no lustre do postal?
— Claro, reconheci na hora. É A Merveille, feito na França.
— A Merveille — repetiu Eric.
— Isso. Este modelo em especial foi feito sob encomenda na década de vinte, três
originais. Foi bastante copiado em materiais menos nobres nos anos quarenta e
cinqüenta. O que aparece na foto do cartão-postal parece ser de boa qualidade, com o
detalhe de que falta uma peça...
Eric sentiu a pulsação se acelerar.
— Que peça, pai?
— O original tinha uma pequena espiral de cristais pendurada no centro.
Seria essa a origem do par de brincos de Cindy?
— Tem idéia de quanto valeria o lustre original?
— Até anotei. Um milhão e trezentos mil dólares.
Eric segurou-se na cabine telefônica.
— Tem certeza?
— Absoluta. Mas as cópias valem só entre vinte e trinta mil. Não é pouco, mas
também não é muito. Por que todo esse interesse, hein?
— Só estou estimando o valor de uma peça — mentiu Eric, para ganhar tempo. —
Pai, preciso de uma foto do lustre original.
— Falta pouco para o Natal. Por que não pega o livro quando vier aqui?
Eric constrangeu-se.
— É que preciso da foto já e... não vou passar o Natal em casa este ano.
Fez-se uma pausa.
— Por que não?
Porque não quero discutir com você o tempo todo.
— Por causa do trabalho.

72
— Por mim, tudo bem, mas Alicia e as crianças vão ficar decepcionadas.
— Vou ligar para ela e tentar programar uma visita para depois do Ano-Novo. — Eric
suspirou.
— Pode me enviar o livro?
— Claro. Dê-me o endereço.
Eric pegou o cartão de Cindy e leu o endereço do hotel para o pai. Era triste
constatar que em breve estaria longe das duas pessoas que mais amava no mundo.
Paralisou-se. As duas pessoas que mais amava no mundo?!
Cindy levantou a cabeça, contemplando a árvore de Natal.
— Tem razão, Manny. Os enfeites estão derretendo.
O amigo zombou.
— Decoração inspirada no Oriente Médio! Será que os decoradores não sabem que
a maioria das pessoas no Oriente Médio não comemora o Natal? Aliás, acho que vou me
mudar para lá...
— Oh, deixe de rabugice — ralhou Cindy. — Peça a Amy que chame os decoradores
para tirarem tudo, menos as lâmpadas. Não se esqueçam de que o resto da equipe de
auditoria chega hoje.
— Por falar em auditoria, não vi Stanton ainda. Será que ele não dormiu aqui?
Cindy sorriu desdenhosa.
— Não estou nem um pouco interessada.
Manny balançou a cabeça.
— Ainda apaixonada?
Ela deixou o queixo cair.
— Nunca estive apaixonada por este senhor!
O amigo olhava-a cético.
Cindy enrubesceu e começou a gaguejar:
— É que não gosto do termo "apaixonada". Implica a existência de... algum tipo de
envolvimento emocional, de... algum tipo de ligação pessoal. O que houve entre mim e
Stanton foi puramente físico.
— Aventura de uma noite — resumiu Manny.
Ela contraiu os lábios.
— Isso mesmo.
— Que bom ouvir você dizer isso. Não consigo imaginar par pior do que você e Eric
Stanton.
Cindy ficou intrigada.
— Por que diz isso?
O amigo refletiu.
— Ah, você é tão descontraída, enquanto ele é tão... sisudo.

73
Ela recordou as peças que cantaram e executaram ao piano.
— Eric tem seus momentos descontraídos, também...
— Você valoriza a tradição, as pessoas — continuava Manny.
— Já ele não perderia um minuto de sono por causa dos funcionários do hotel.
Cindy tinha que ser justa:
— Ele disse que tentaria nos ajudar frente à Harmon.
— Por que ele faria isso? Está recebendo uma fortuna da Harmon para
supervisionar essa inspeção, graças a sua fama de durão! Acha que ele ficou sentimental
de uma hora para outra? — Manny olhou-a severo. — Trata-se do mesmo homem que a
levou para a cama sabendo que iria avaliar seu desempenho profissional. Por que confiar
nele agora?
Cindy foi tomada pela dor. No fundo, sempre soubera da verdade sobre Eric. Por
que ouvir as palavras em voz alta machucava tanto?
— Tem razão.
O amigo estendeu-lhe uma sacola plástica.
— O que é isso? — indagou ela.
— O pijama de Stanton.
— Por que está me devolvendo?
Manny deu de ombros.
— Sei lá. Não tive coragem de jogar fora e seria esquisito guardar comigo.
Cindy pôs a sacola debaixo do braço.
— Deixe comigo.
— Estou mais tranqüilo agora, sabendo que Stanton não significa nada para você.
Ela engoliu em seco.
— Obrigada. Preciso ir. Marquei com a nova cabeleireira no salão de beleza. —
Ergueu um dedo.
— Não diga nada!
No salão de beleza, Cindy acomodou-se na poltrona ávida por alguns minutos de
paz.
— Céus, a permanente alterou mesmo a cor do seu cabelo! — espantou-se Matilda,
a nova cabeleireira.
— Vamos experimentar o chocolate-café, código vinte e oito B.
Cindy franziu o cenho através do espelho.
— Castanho-escuro — traduziu a moça.
— Minha cor original — alegrou-se Cindy. — É seguro tingir tão pouco tempo após a
permanente?
Ao fundo, o barbeiro Jerry balançava a cabeça.
— Guie-se pela cor de minhas sobrancelhas — instruiu Cindy.

74
— Deixe comigo...
Ao menos, seu cabelo estaria com a cor original quando chegasse a equipe de
inspeção. Enquanto a cabeleireira pincelava a tintura em seus cabelos, enumerou as
catástrofes que poderiam acontecer após a conclusão dos especialistas enviados pela
matriz. Iam longe os dias em que não se submetiam às normas rígidas de uma rede
hoteleira, quando não desperdiçavam energia em detalhes insignificantes.
— Quanto falta? — indagou à cabeleireira.
— Só falta lavar — disse Matilda, quase afogando-a na pia enquanto eliminava o
excesso de tintura.
Após enxugar os cabelos com uma toalha, a moça pegou um secador de mão. No
instante em que inseriu o plugue na tomada, as luzes todas piscaram e o salão mergulhou
na escuridão.
— Fui eu que fiz isso? — assustou-se a cabeleireira.
— Não creio que um secador de cabelo possa provocar um blecaute — opinou
Cindy. — E preciso mais demanda, como...
— As lâmpadas de uma árvore de Natal? — sugeriu Matilda.
Cindy agarrou-se aos braços da poltrona.
— É.
Teriam os decoradores acrescentado mais lâmpadas ao retirar os enfeites da
árvore?
Levantou-se e disparou para o saguão.
— Acabou a luz — murmurou Eric, na escadaria à altura do terceiro andar do hotel,
a poucos metros do lustre suspenso sobre o saguão.
Por meio de binóculos, conseguira examinar a peça por quinze segundos antes que
as luzes se apagassem.
Luzes de emergência acenderam-se de imediato, suplementando a claridade solar
que chegava fraca pela porta frontal. De onde estava, tinha uma boa visão da atividade no
saguão. Empoleirados num andaime recém-erguido, alguns operários retiravam os
enfeites da árvore de Natal, enquanto outros acrescentavam mais fieiras de lâmpadas.
Então, seis homens de terno e gravata chegaram portando maletas executivas. Sua
equipe, reconheceu Eric, amaldiçoando a má hora. Desceu a escadaria em penumbra.
Conforme previra, Cindy adentrou o saguão voando, literalmente, já que tinha uma
capa de salão de beleza atada ao pescoço. Tinha os cabelos molhados e desgrenhados.
Eric cumprimentou os colegas, já explicando o que ocorria. Era incrível, mas
acostumava-se aos pequenos desastres que agitavam o hotel diariamente. Cindy
coordenou a evacuação dos trabalhadores no andaime e anunciou que a eletricidade,
cortada num raio de dois quarteirões, logo seria restabelecida.
Sem alternativa, Eric acenou, chamando a gerente-geral. Cindy aproximou-se
parecendo uma gata escaldada com aqueles grandes olhos verdes e os cabelos
molhados de cor... não, devia ser a iluminação fraca emprestando-lhe um tom púrpura.
Com certeza, o blecaute interrompera sua sessão no cabeleireiro.
— Esta é a srta. Cindy Warren — apresentou ele à equipe.

75
— A gerente-geral do Chandelier House. Srta. Warren, estes são os auditores da
Stanton & Associados enviados para avaliar sua empresa.
Pálida, Cindy cumprimentou os homens espantados.
— Lamentamos o inconveniente — começou, sorrindo afável.
— Estamos distribuindo lanternas, para que todos possam se deslocar com
segurança. Ah, cá estão elas. Oito aqui, por favor...
Um funcionário entregou cilindros finos e compridos ao grupo e seguiu adiante. Eric
manuseou o dele curioso.
— Senhoras e senhores — conclamou Samantha Riggs, pelo alto-falante. —
Estamos provendo os hóspedes com vibradores, lanternas fluorescentes, bateria inclusa,
cortesia do organizador da feira de brinquedos para adultos a ser aberta na segunda-feira.
Se ainda estiverem conosco, não percam!
Cindy olhou para o cilindro que tinha nas mãos, fechou os olhos e murmurou algo
ininteligível. Eric suprimiu o riso.
— Srta. Warren, que tal jantarmos todos no restaurante às... sete horas? Até lá, as
luzes deverão ter voltado.
Ela sorriu sem graça.
— Esperemos que sim.
— Meu cabelo está púrpura — gemeu Cindy, mirando-se no espelho.
— Cor de berinjela — especificou Manny.
— Por que isso só acontece comigo?
— Só pode ser uma conspiração, Cindy. O que disse a cabeleireira?
— Quando voltei ao salão, Jerry já a havia demitido.
— Sei. E ele não deu nenhuma sugestão?
— Deu-me um saco de papel para enfiar a cabeça. Pedi um de plástico, para me
sufocar de vez.
— Ora, é moderno. Algumas pessoas pagariam milhões por esse look. Não está tão
mau...
— Manny, tenho um jantar com Stanton e os demais auditores em uma hora e estou
parecendo uma das Spice Girls.
— Não é só um encontro informal?
— E, mas Eric disse que gostaria de falar comigo depois.
— Hum.
— Calma. Ele disse que é sobre o hotel. Como estava de cabelo molhado e com a
capa do salão, fugi tão apressada que nem tive tempo de questionar!
— Verdade que eles chegaram na hora do blecaute?
— Quer hora melhor? Eles adoraram minha apresentação, sem falar nos vibradores-
lanternas distribuídos aos hóspedes.
— Pelo menos, a luz já voltou.
— Quer saber? Com o corte de energia, ninguém viu a árvore totalmente depenada.
76
— Tudo tem um lado bom.
Cindy desesperou-se.
— Manny, o que faço com meu cabelo?
O amigo pensou.
— Não tem um lenço púrpura ou azul?
— Não.
— Hum... onde está aquela calça de pijama?
Cindy assustou-se.
— Ah, não, Manny! Não vou ao jantar com a calça de pijama que roubei de Eric
enrolada na cabeça!
Mas o criativo rapaz já trabalhava com as mãos.
— Pense nisto como um lenço de trezentos e cinqüenta dólares. Vamos enrolar o
cós, esconder a mancha, atar as pernas atrás e... voilà!
Cindy viu-se arrastada pelo amigo até o espelho. Ora, o resultado não era mau!
Uma faixa de dois centímetros contornando-lhe o rosto, o lenço improvisado
mantinha sob controle seus rebeldes cabelos agora em tom púrpura.
— Puxa, Manny, como conseguiu fazer isso?
— Sou prático — resumiu ele.
— Mas e se ele reconhecer o tecido?
— Se ele fosse gay, eu não me arriscaria. Mas um macho faminto em ambiente mal
iluminado... você só pode estar brincando!
Cindy olhou-se no espelho hesitante.
— Não estou com um bom pressentimento.

Capítulo xi

De pé junto à longa mesa de jantar, Eric acenou uma última vez aos integrantes de
sua equipe, que deixavam o restaurante. Estranho, mas nunca notara como eram
enfadonhos! Naturalmente, talvez sua impaciência se devesse à ânsia por conversar a
sós com Cindy. Como ela se acomodara longe dele, não puderam se falar durante a
refeição.
— Obrigado por concordar em ficar mais um pouco.
Ela aquiesceu séria, conforme se mostrara toda vez que seus olhares se cruzaram.
— Queria falar comigo sobre o hotel?
Ao vê-la retomar sua cadeira, Eric pensou rápido num lugar neutro aonde pudessem
ir.
— Que tal subirmos à cobertura para apreciar aquela vista de que me falou? Odeio
confessar, mas estou louco para fumar.
Ela contraiu os lábios, hesitante.
77
— Além disso, lá não corremos o risco de ser ouvidos...
Ela estreitou o olhar.
— Pensei que íamos falar sobre o hotel.
— Um pouco de privacidade nunca é demais...
A contragosto, Cindy concordou.
— Vou ter que pegar um casaco no meu quarto.
— Eu lhe empresto o meu — ofereceu Eric. — Não vamos demorar.
Ela pegou a bolsa e foi ao caixa assinar a conta do jantar. Ele acompanhou lascivo o
gingar de seus quadris sob o tecido fino do elegante vestido cor de vinho. Contrastando
com os olhos verdes, o cabelo cor de ameixa, ao qual ainda demoraria um pouco para se
acostumar...
Mas onde estava com a cabeça? Não teria tempo para se acostumar com nada.
Logo, estaria longe do Chandelier House recuperando o juízo.
— Você causou ótima impressão em meus colegas — comentou, ao seguirem para
o elevador.
Cindy riu.
— Considerando o caos que cercou nossa apresentação à tarde, eu só podia
melhorar.
Ele tentou tranqüilizá-la.
— Eu disse a eles que se acostumariam a vê-la em ação, tomando as rédeas da
situação, fosse qual fosse.
— Obrigada. Afinal, é o meu trabalho, sr. Stanton.
Entraram no elevador. A ascensão ao último andar foi rápida. Lá, Cindy tirou o rádio
da bolsa e pediu à operadora que avisasse a segurança de que o alarme silencioso da
porta da cobertura seria disparado.
Percorreram um corredor, subiram um lance e meio de escada e atravessaram a
pesada porta metálica cheia de avisos e advertências.
Uma brisa fria os envolveu no amplo espaço aberto. Apesar das luvas longas que
usava, Cindy arrepiou-se. Eric cobriu-lhe os ombros com o paletó ainda quente de seu
corpo, inebriando-a com o familiar aroma da água-de-colônia.
— Obrigada — murmurou ela.
Foram para o centro da cobertura. Uma miríade de luzes urbanas enfeitava o
panorama em três direções a perder de vista. A oeste ficava a baía, oferecendo seu
próprio espetáculo noturno. Visto dali, o mundo era uma mistura de silêncio com os
longínquos sons do tráfego lá embaixo. — Linda vista — admirou-se Eric.
Cindy concordava. Não importava quantas vezes repetisse o programa, sempre
perdia o fôlego diante de tanta beleza. Ao ter os cabelos agitados pelo vento, tocou no
lenço improvisado que os prendia, alarmando-se ao senti-lo um tanto frouxo. Bem, Eric
dissera que a conversa seria breve...
— Sr. Stanton, eu gostaria de me recolher logo — declarou. — Poderia ir direto ao
ponto?

78
Eric voltou-se para ela e ergueu o braço.
— Cindy...
Ela levantou as duas mãos em advertência.
— Parado aí, senhor! Como se atreve a me atrair aqui a pretexto de tratar de
negócios quando o que tinha em mente era... se aproveitar!
Ofendido, Eric indicou o paletó que a protegia.
— Eu só ia dizer que há um objeto aí no bolso que deve ser seu.
Humilhada por saber que Eric não a convidara para ir à cobertura com a intenção de
seduzi-la, Cindy tirou do bolso um embrulhinho em lenço de papel.
— Cuidado — avisou ele.
Desfazendo o embrulho, ela olhou confusa para o objeto ví-treo cintilando ao luar.
— Meu brinco — reconheceu, por fim, analisando a peça partida em duas.
Eric incomodava-se com a gravata serpenteando ao vento.
— Acho que caiu no meio das minhas roupas... naquela noite, e foi parar no meu
quarto — explicou.
— Pisei nele sem querer. Sinto muito.
Cindy mal disfarçou o pesar.
— Não faz mal.
— Mandei consertar, mas o joalheiro disse que não seria possível.
Ela o encarou.
— Joalheiro?
— Ele me disse que não era vidro, mas cristal da melhor qualidade.
Cindy desviou o olhar, embaraçada.
— É... sim, é cristal.
— Ele comentou que devia provir de um lustre...
Ela guardou o brinco na bolsa e caminhou até a mureta de concreto da altura de
seus ombros.
— Ah, é?
De costas para ela, Eric contemplava o horizonte oposto.
— Disse que um lustre todo de cristal com certeza valia muito...
Cindy estreitou os olhos contra o vento cortante.
— Imagino que sim...
De repente, o lenço em sua cabeça se afrouxou ainda mais e uma das pernas da
calça de pijama se agitou contra seu rosto. Apavorada, agarrou-a e tentou reparar o
estrago. Mas a amarra se soltou de vez, descendo-lhe ao pescoço. Embolando-a nas
mãos, pensou rápido. A bolsa era pequena demais. O vestido não tinha bolsos e não
podia usar os do paletó de Eric.
— Cindy...

79
Ela jogou a calça de pijama por cima da mureta e girou nos calcanhares no instante
em que Eric se voltava.
— Sim?
— Esse brinco veio do lustre no saguão do hotel?
Cindy engoliu em seco.
— E uma jóia de família — esquivou-se.
— Disse que seu avô foi um dos proprietários originais do Chandelier House, não?
Cindy sorriu apreensiva.
— Isso mesmo.
Eric avançou mais e imobilizou-a com o olhar.
— Cindy, o brinco veio do lustre?
Ela ainda procurava uma saída.
— Eric, não entendo nada de lustres...
— Acontece que meu pai entende.
Cindy engoliu em seco.
— Seu pai?
— Ele é soprador de vidro aposentado. Mandei-lhe uma foto do lustre e ele
descobriu que se trata de um A Merveille francês original valiosíssimo.
— Não sei quanto vale o lustre — afirmou Cindy, a voz aguda. — Mas o pessoal da
contabilidade pode lhe informar o valor exato.
— Já chequei o balanço, mas acho que está errado — replicou ele. — Cindy, vou lhe
dar mais uma chance para me contar tudo o que sabe sobre o lustre. Se não contar, vou
comunicar minhas suspeitas à Harmon e requisitar uma avaliação da peça.
Cindy considerou-se atirar-se da cobertura, mas resolveu enfrentar a situação.
— Como vou saber que não dirá à Harmon, de qualquer forma?
— Não tem como saber.
Ela se voltou para a vista panorâmica. Eric juntou-se a ela, pousando os braços
cruzados na mureta de concreto.
— Meu avô adorava este hotel — começou ela. — Dizia que o lustre simbolizava a
grandeza e peculiaridade do estabelecimento. Quando ainda era um dos sócios, tirou a
peça central do lustre a mandou confeccionar os brincos para minha avó. Eu os herdei,
com a maravilhosa história dos três lustres originais vendidos para o esforço de guerra e
substituídos por cópias de vidro.
Eric sabia que a história não terminara ainda. Cindy riu nervosa e concluiu:
— Nunca desconfiei de que o nosso lustre era original, até que a Harmon comprou o
Chandelier House.
— O que a fez desconfiar de que não era uma cópia?
— Visitei, em Chicago, o hotel que teve um dos outros A Merveille originais. Notei na
cópia a espiral central que o nosso lustre não tinha. Intrigada, fui a Hollywood só para me
certificar de que a outra cópia também tinha a peça central.
80
Eric deu de ombros.
— Podiam ter tirado a peça central do seu para que se parecesse com os originais...
Cindy sorriu, os lábios secos e tensos.
— Foi o que pensei... até pôr os olhos no diário pessoal de meu avô. No último
minuto, antes de doar o lustre, ele contribuiu para o esforço de guerra com uma vultosa
quantia em dinheiro, uma cifra que excedia o valor do lustre original na época. A cópia foi
repassada ao mercado negro e ninguém ficou sabendo de nada.
Eric estava atônito.
— Incrível...
— É triste — completou Cindy. — Ao fazer a doação em dinheiro, meu avô ficou sem
recursos e acabou vendendo a parte dele no hotel. Sua única alegria, secreta, era saber
que o magnífico lustre continuaria reinando no Chandelier House mesmo quando ele não
estivesse mais aqui para apreciá-lo.
— Por que você não contou a ninguém?
— Porque sabia que a Harmon iria vender o lustre pelo melhor preço e substituí-lo
por uma cópia barata, se tanto. Aquela nossa conversa no café da manhã só reforçou
minha decisão de manter tudo em segredo.
Eric olhou-a sério.
— Cindy, esse lustre deveria estar num museu.
Ela não concordava.
— O lugar dele é aqui.
— Não é justo, Cindy. A Harmon é dona do hotel e tem o direito de saber sobre o
lustre.
— Vai contar a eles?
Eric suspirou.
— Não sei. Preciso pensar.
— Confio em você — declarou Cindy, os olhos cheios de lágrimas. — Peço-lhe que
esqueça o dinheiro e faça a coisa certa.
Ele a olhava indeciso.
Angustiada, ela se agarrou à mureta de concreto. Odiava ter que precisar de algo
dele. Odiava sentir-se tão vulnerável. Odiava imaginar que ele poderia ser o responsável
pela demissão de mais de duzentos trabalhadores.
— A culpa é minha — sussurrou. — Fui eu que coloquei o hotel nesta situação.
Devia ter-me conformado às diretrizes da matriz. Agora, o Chandelier House será vendido
ou fechado, e o lustre se perderá também.
Eric tomou-a pelos ombros e virou-a de frente para si.
— Ei, também não é assim, Cindy! Fez o que achou que devia pelos seus
funcionários. Não será culpa sua se a Harmon decidir se livrar do Chandelier House.
Ela o fitou nos olhos, cônscia do calor das mãos grandes em seus braços, através
do tecido do paletó.
— Quer dizer... se você decidir, Eric?
81
Ele fraquejou, mas confirmou:
— Sou um profissional, Cindy.
— Como pode fazer isso? — questionou ela, sofrida. — Não percebe que, com
poucas palavras, pode salvar a vida de muita gente inocente?
Ele a encarava firmemente.
— Temos cada um nosso trabalho. Não podemos deixar a emoção interferir.
Cindy frustrava-se à percepção de que, apesar de tudo, Eric continuava a atraí-la
fisicamente. A boca dele a hipnotizava, evocando a lembrança daqueles lábios sobre seu
corpo. Mas ele tinha razão.
Não podiam deixar a emoção interferir.
— Não é assim que trabalho, sr. Stanton. O Chandelier House é mais do que um
item num balanço. Se pudesse, eu mesma o compraria.
Mais brando, Eric afastou-lhe os cabelos rebeldes do rosto.
— Se pudesse, eu compraria este hotel para você.
Então, envolveu-a com os braços e prendeu-lhe a cabeça sob seu queixo.
Aconchegada no paletó quente e no abraço forte, Cindy fechou os olhos e relaxou.
Ficaram assim por um longo momento.
Eric desvencilhou-se um pouco, ergueu o queixo dela e atraiu-lhe a boca de
encontro à sua.
Ela inspirou profundamente antes que seus lábios se tocassem, pois queria que o
beijo durasse bastante, a noite toda, até depois do Ano-Novo.
Ele movia os lábios sobre os dela com uma doçura torturante. Passando a língua em
seus dentes, deu-lhe seu próprio ar quando ela precisou respirar. De pernas bambas, ela
se abandonou contra ele, gemendo, ansiando por seu toque.
Quando ele lhe mordiscou a pele sensível do pescoço, ela sentiu cada nervo tomado
por ondas de desejo. Introduzindo as mãos por sob o paletó, ele a segurou com força
pelos quadris e base das costas. Sem esforço, ergueu-a contra si, deixando-a escorregar
sobre seu peito, estômago e virilidade excitada.
— Cindy, você me inspira loucuras, como fazer amor aqui mesmo...
— Não — protestou ela, mais para si do que para ele. No entanto, sucumbia à
tentação de fazer amor com ele sob as estrelas, com o vento açoitando-lhes os corpos.
Massageou-lhe o membro por cima da calça, arrancando-lhe um gemido frustrado.
Ele ergueu-lhe o vestido e deslizou a mão dentro da calcinha, puxando-a pelos
quadris e esfregando-a contra si. Provocando-a por trás com os dedos, pedia-lhe que se
abrisse e lhe desse mais acesso.
A exploração deixou-a selvagem e, em segundos, adotaram um ritmo, ele
avançando, ela retrocedendo de encontro à mão dele. O ar frio contra a pele exposta,
mais os sussurros enco-rajadores dele, excitou-a mais e mais, até que ela alcançou o
ápice num estremecimento.
Ele cobriu-lhe o rosto e o pescoço com beijos, acariciando-lhe o corpo com as duas
mãos. Ansiosa por agradá-lo e também por estar com as pernas bambas, ela se ajoelhou
e desafivelou o cinto dele. Logo, a imensa ereção se revelava. Um tanto intimidada com o
tamanho do membro, ela distribuiu beijos para cima e para baixo antes de tomar a ponta
82
na boca.
Eric enterrou os dedos em seus cabelos, lançando a cabeça para trás ao mesmo
tempo que deixava escapar um longo gru-nhido. Ela foi avançando, tomando-o na boca
com todo o cuidado, tocando a base com as mãos numa lenta massagem. Agoniado e
extasiado, ele a deixou estabelecer o ritmo. Ela o afagou e devorou até que ele gritou seu
nome, alertando para o desfecho iminente, dando-lhe a chance de escapar se assim
quisesse.
De repente, a luz fortíssima de um holofote inundou o céu além da mureta. Eric
olhou na direção.
— Mas o que...
Cindy paralisou-se, então correu a ajeitar a roupa. Eric fez o mesmo, com mais
dificuldade.
— Pare! — gritou o chefe da segurança do hotel, pelo alto-falante. Uma multidão
ajuntava-se na calçada. — Não pule! A polícia já vem vindo!
— O que está acontecendo? — gritou Eric.
Cindy olhou para a rua.
— Acho que estão pensando que alguém aqui quer pular.
Ele passou a mão nos cabelos.
— Creia, estou mesmo com vontade de pular, mas só para torcer o pescoço de
alguém!
Cindy pôs as mãos em concha junto à boca.
— Pete! Ninguém aqui pretende pular!
— Cindy? É você?
— Sim, Pete, sou eu!
— O que aconteceu com seu cabelo?
Cindy estava indignada.
— Diga à polícia que foi engano! Já vou descer!
— Entendido!
O holofote se apagou, lançando-os de novo na penumbra.
— Vou descer, antes que venham me buscar — declarou Cindy.
Eric puxou-a de volta para um beijo rápido.
— Ei, temos alguns segundos...
Mas ela estava envergonhada pelo modo como se comportara havia pouco. Ambos
haviam agido como animais enlouquecidos, sem o menor envolvimento emocional... ao
menos, não da parte dele. Porque ela estava irremediavelmente apaixonada.
— Preciso ir — insistiu, desvencilhando-se. Devolveu-lhe o paletó.
Eric parecia confuso.
— Qual o problema?
Pesarosa ante a súbita revelação de seu coração, ela se voltou para a porta da

83
escada.
— Nenhum. Como você disse, temos cada um seu trabalho. Quais as palavras de
Manny exatamente?
Você vai desastrosamente se apaixonar por alguém que representa tudo o que você
mais odeia. Manny... acertando mais uma vez!
— Você atirou a calça do pijama lá da cobertura? — exclamou Manny, pasmo.
Cindy deu de ombros.
— Como ia adivinhar que ficaria enganchada numa janela? O pessoal da segurança
pensou que alguém estava querendo se suicidar! Levei quatro dias para descobrir onde
estava e surripiá-la...
— O que vai fazer com ela?
— Queimá-la! Só assim garanto que não terei mais problemas com esta peça
famigerada! — Ela sentiu um nó no estômago. — Stanton me prometeu um esboço do
relatório final para hoje às quatro horas. Só espero que não aconteça mais nenhuma
catástrofe até lá...
— Está preocupada?
— Claro!
Tentava não pensar na possibilidade de perder o emprego, no valioso lustre a ponto
de ser vendido, na auditoria do hotel, em sua paixão por Eric...
Manny tentou animá-la.
— Você faz um trabalho maravilhoso aqui. Se Stanton e equipe não vêem, é porque
são cegos!
— Obrigada.
— Odeio aquele homem pelo que está lha fazendo.
Cindy abriu um sorrisinho.
— Não culpe Eric, Manny. Eu sou a culpada por tudo o que estou passando... —
Sentiu os olhos cheios de lágrimas.
— Está apaixonada por ele, não é?
Ela confirmou.
— Desgraçadamente. Mas, não se preocupe. Estarei recuperada no Ano-Novo. —
Tentou se descontrair. — Além disso, o amor pode desaparecer quando eu receber o
relatório dele à tarde.
— Ele é um idiota se não percebe como tem sorte...
— Obrigada, Manny. Que bom que você vai para casa comigo no Natal.
— Também estou adorando! Por falar nisso, tenho umas providências a tomar
amanhã cedo, por isso, vamos nos encontrar só no aeroporto, no portão de embarque,
está bem?
— Perfeito! Ai, preciso correr! Tenho hora marcada no salão de beleza!
O amigo apavorou-se.
— O que vai fazer no cabelo desta vez?

84
— Nada. Só arrumar. Prometo.

Capítulo xii

Eric analisava os relatórios que cada membro de sua equipe elaborara sobre
aspectos da administração do hotel, do inventário das roupas de cama ao atendimento
aos clientes, incluindo a diretriz de se deixar um pacote de balas sobre o travesseiro. O
parecer "pouco convencional, mas eficiente" aparecia o tempo todo. Em resumo, seus
colegas corroboravam sua conclusão de que o Chandelier House era uma empresa bem
administrada com uma margem de lucro que a Harmon sequer cogitava para algumas de
suas filiais "de estimação".
Infelizmente, porém, o Chandelier House não preenchia a maioria dos requisitos
exigidos pela diretoria da rede Harmon. Ou seja, embora o hotel fosse viável, a principal
questão que precisava esclarecer objetivamente era: o Chandelier House encaixava-se no
perfil de uma futura filial Harmon?
Eric largou a caneta e cruzou os braços. Tinha a resposta na ponta da língua, mas
os olhos verdes suplicantes de Cindy impediam-no de registrá-la. Num momento de
fraqueza, considerara recomendar que a rede mantivesse a propriedade, sob o risco de
comprometer a própria reputação. A diretoria da rede rejeitaria seu parecer, com certeza,
e pensaria duas vezes antes de contratá-lo para uma nova avaliação. Mesmo que a
Harmon ficasse com o hotel, Cindy e seus subordinados se veriam ainda mais
pressionados a se adequar... se ela não fosse substituída por um gerente geral de
pensamento mais corporativo.
Bolas, nunca hesitara antes em concluir e assinar um relatório! O problema era que
a declaração que fizera a Cindy na cobertura do hotel o perseguia:
Se pudesse, eu compraria o hotel para você. Bem, não tinha dinheiro para isso, mas
poderia contatar investidores e até convencer a Harmon a vender o Chandelier House
intacto, em vez de aos pedaços. Decidido, digitou o parecer na tela do microcomputador
portátil. Ao menos, concluiria aquele trabalho cônscio de que tratara todas as partes com
justiça.
Justiça? Que piada. Estava fazendo tudo por Cindy Warren. Mas poderia dar-lhe as
costas? Facilmente. Não tinha negócios pendentes com a mulher. A prova era o relatório
desconcertante que acabara de redigir. Sua equipe partira pela manhã. O dia seguinte
seria véspera do Natal. Já reservara uma passagem para Atlanta, onde passaria alguns
dias procurando apartamento. A Geórgia era muito agradável naquela época do ano.
Com certeza, encontraria alguma bela sulista capaz de fazê-lo esquecer Cindy
Warren. Ela passara uma noite com ele, ignorara-o nos dias seguintes, então, contara-lhe
sobre o lustre de um milhão de dólares implorando segredo. Em seguida, viram-se
seminus da cobertura do prédio uivando para a lua. Uma vez interrompidos, ela se
esquivara dele novamente. Estaria brincando com ele?
Raivoso, elaborou meia página de texto a respeito do lustre, mas mudou de idéia e
apagou-o. Bolas, jurara nunca deixar uma mulher interferir em seu trabalho! No entanto, a
paixão por Cindy prejudicara-lhe o raciocínio.
Sobressaltou-se. Paixão?!
Com um soco na mesa, recomeçou a digitar, furiosamente dessa vez. Após alguns

85
minutos, procurou o maço de cigarros no bolso, mas lembrou-se de que não podia fumar
naquele quarto. Pôs duas balas na boca e retomou o trabalho. Apaixonado por uma
gerente excêntrica, sentimental, nostálgica e de cabelo arrepiado, que lhe infemizaria o
resto da vida? Digitou em letras grandes: De jeito nenhum!
Manny sorriu admirado.
— Seu cabelo ficou lindo! Devia tê-lo cortado antes...
Cindy passou a mão sob os curtos cachos ondulados castanho-escuros.
— A nova cabeleireira é maravilhosa! Até que enfim acertamos!
Nervosa, tentava se distrair com a novidade, mas seu estômago se revirara de
expectativa quanto ao veredicto final sobre seu amado hotel. Na verdade, temia mais o
Eric Stanton homem do que o Eric Stanton carrasco corporativo.
Quinze minutos antes da hora marcada, subiu à sala de reuniões. Queria parecer
calma e controlada quando Eric chegasse. Acendeu as luzes e preparou uma xícara de
chá. Saboreando a bebida quente, acomodou-se à cabeceira da longa mesa, de frente
para a porta. Pensando numa maneira de se impor ao homem, elevou o assento de sua
cadeira e abaixou o assento da cadeira à direita.
Ao ouvir passos se aproximando, empertigou-se em pose superior e concentrou-se
no memorando que já decorara. Uma batida na porta ecoou pelo espaço vazio. Erguendo
o rosto, convidou Eric a entrar e rabiscou uma anotação na margem do memorando.
— Cheguei antes da hora? — indagou ele, sentando-se na cadeira a sua esquerda.
Ela fez uma pausa de efeito.
— É... não.
Fechou a pasta, baixou a caneta, lançou os cabelos para trás e recostou-se na
cadeira. Só que o encosto cedeu à pressão. Horrorizada, ela se viu tragada para trás. De
olhos arregalados e membros estirados, tentou se reequilibrar, sem sucesso. Eric tentou
segurá-la, mas não foi rápido o bastante para impedir que se espatifasse no chão.
Tonta devido a duas batidas na cabeça, Cindy contemplou o teto por alguns
segundos. Então, o rosto de Eric entrou em seu campo de visão.
— Você está bem?
— Estou.
Com um sorriso mal contido, ele a ajudou a se levantar.
Profundamente humilhada, Cindy apoiou-se na mesa e massageou a testa. Sentia a
cabeça leve, provavelmente por ter perdido alguns quilos de cabelo púrpura!
— Não é de admirar que tenha caído — comentou Eric, examinando a cadeira.
— Alguém elevou demais o assento, deslocando o centro de gravidade. — Puxou a
cadeira cujo assento ela abaixara.
— Experimente esta.
Cindy não gostou nem um pouco da idéia, mas a cabeça doía-lhe tanto que sentou-
se ali mesmo. Seu queixo quase encostou na mesa.
— Está mesmo bem? — Eric olhava-a detidamente. — Quer um copo de água?
— Não, obrigada. — Ela captou o aroma forte do sabonete dele, notando um corte

86
leve em seu queixo quadrado recém-barbeado. Desejava-o. Amava-o. Desprezava-o. —
Vamos acabar logo com isso.
Eric retomou seu lugar à mesa, abriu uma pasta de couro e leu:
— "Este documento serve como relatório oficial da Stanton e Associados referente à
filial Harmon de número oitenta e cinco, o hotel Chandelier House, localizado..." —
Detendo-se, fechou a pasta e entregou-a a Cindy. — Depois você lê. Vou resumir o
parecer.
Pela atitude dele, ela adivinhou a conclusão do relatório.
— Que foi...
— Estou recomendando a venda o Chandelier House. Sinto muito.
Profissionalmente, não tive escolha.
Cindy manteve-se imóvel, dominada por uma profunda tristeza. Seu amado hotel
seria esquartejado e leiloado, mas Eric não ligava a mínima. Certas coisas valiam mais
inteiras do que aos pedaços, independentemente dos preços de mercado.
— No todo, a equipe concluiu que a empresa é bem administrada. Está tudo no
relatório...
— Depois eu leio.
Eric cruzou as mãos e inclinou-se para a frente.
— Saiba que não relatei a história do lustre...
Ela não se animou.
— Quando o hotel for vendido, ao contrário do que aconteceu há dois anos, quando
a Harmon tomou a propriedade de um grupo de investidores, cada item do inventário será
avaliado.
Ele concordou.
— Concluí que só poderia executar uma avaliação objetiva se fizesse de conta que
você não havia me contado nada.
Cindy o encarou.
— Mas eu contei! E isso devia ter influenciado sua decisão.
Temos que preservar a história do hotel, ainda mais agora que ele está na lista
negra.
— Por ora.
— O que quer dizer?
— Que em cinco anos os aficionados de filmes espaciais, vampiros e tatuados
estarão fora de moda.
— E daí? Outros grupos vão surgir...
— A Harmon prioriza hospedar executivos de grandes e médias empresas.
— Já entendi, sr. Stanton. Reunião encerrada.
Girando a cadeira baixa, Cindy deu-lhe as costas, sufocando lágrimas de decepção.
Ouviu Eric levantar-se e seguir para a porta. Alguns segundos se passaram.
— Cindy?

87
Ela o olhou por sobre o ombro.
— Sim?
— Desculpe-me se estraguei seu Natal.
Cindy rosnou furiosa.
— Sr. Stanton, não tem tanto poder assim sobre a minha vida.
Eric retraiu-se, ferido.
— Foi bom trabalhar com você, apesar dos mal-entendidos. — Já ia sair, mas
deteve-se. — Só mais uma coisa. — Quando ela o encarou, esclareceu: — Seu cabelo
ficou bonito.
Cindy encostou a cabeça dolorida na cadeira e desejou, pela centésima vez, nunca
ter conhecido Eric Quinn Stanton. Seu bip soou. Exausta, apertou o botão do rádio.
— Sim?
— Cindy, é Manny. Agüenta mais uma crise com a árvore de Natal?
Ela grunhiu.
— O que pode ter dado errado com cinco mil doces coloridos?
— Transeuntes estão parando na calçada para sacudir a árvore e pegar os doces!
— Já estou indo.
A caminho do bar para um bom drinque, Eric notou uma confusão no saguão e foi
ver o que era. Doces coloridos despencavam da árvore de Natal e eram recolhidos
avidamente por uma gente maltrapilha.
Encolhido num canto, logo viu a gerente geral do hotel entrar em cena, afastar os
invasores e ordenar ao pessoal da manutenção que montasse o andaime. De novo. Os
doces restantes seriam retirados da árvore e oferecidos gratuitamente à entrada do hotel.
Ela se saíra brilhantemente mais uma vez. Resolvera a crise deixando todas as
partes contentes. Seu peito se estufava de orgulho diante de Cindy Warren. Tratava-se de
uma mulher admirável. Perspicaz, charmosa, bonita e honesta. Os subordinados a
adoravam.
E ele a amava.
De repente, percebia que se apaixonara pela mulher errada na hora errada. Algumas
de suas qualidades mais marcantes, excentricidade, firmeza e rebeldia, eram justamente
as que o levariam à loucura. Pois ele precisava de ordem em sua vida e por isso cercava-
se de gente prática e previsível.
Era por isso que não se dava com o pai, tampouco. Ele também não era
convencional. Para ele, importava fazer arte, não possuí-la. Podendo escolher, teria sido o
criador do lustre em vez de seu herdeiro.
Satisfeita com o andamento dos trabalhos, Cindy tomou a escadaria. De uniforme
verde, não se diferenciava dos demais funcionários, mas ele a conhecia bem demais. Sob
aquela saia formal fervia um poço de desejo pelo qual ele ansiava mais do que tudo. E o
coração que batia sob aquele blazer abotoado? Sentiria ela algo mais do que lascívia em
relação a ele? Era compreensível que houvessem se envolvido fisicamente antes que os
empecilhos emocionais se interpusessem.
No topo da escadaria, ela fechou as mãos no corrimão e olhou para o lustre

88
magnífico. Estaria pensando no avô? Em todos os funcionários e hóspedes que já haviam
adentrado aquela porta? Próxima à escadaria, a árvore de Natal balançava ligeiramente...
Balançava?!
Eric saiu do esconderijo e olhou aflito para Cindy lá em cima. Ela também
desconfiava de que havia algo errado.
— A árvore está caindo! — gritou ela, urgindo as pessoas no saguão a se afastar. —
Saiam da frente! A árvore está caindo!
Eric puxou para trás alguns espectadores e, estarrecido, viu a árvore se inclinar e
tomar o rumo do chão. Os galhos superiores roçaram no lustre, agitando-o violentamente.
No alto da escadaria, Cindy levou a mão à boca, os olhos fixos no imenso artefato de
cristal.
O formoso abeto aterrissou com um estrondo, espalhando agulhas por todo o
saguão. Felizmente, ninguém se feriu. Já se o lustre caísse...
— Todos no chão! — gritou Eric.
Ao som de metal se rompendo, a magnífica obra de arte se desprendeu do teto e
caiu em cima da árvore, partindo-se em milhares de cacos.

Capitulo xiii

Cindy abriu os olhos inchados após uma noite inteira de choro. Era manhã da
véspera de Natal e nunca se sentira tão miserável em toda a vida.
Acreditara que a reunião com Eric marcaria o pior momento do dia, mas a queda da
árvore de Natal e a destruição do lustre superaram-na totalmente. Felizmente, o abeto
caído amortecera o impacto da jóia gigante, mas ainda não se sabia se era possível
restaurá-la. Por ora, as peças cuidadosamente recolhidas jaziam em inúmeras caixas de
papelão.
Eric fora um dos muitos que ajudaram na limpeza do saguão, mas mantivera-se
afastada dele o tempo todo. Ele não era o homem que imaginara, capaz de amá-la apesar
de suas excentricidades e se preocupar com as pessoas, as coisas e os lugares em
detrimento de interesses corporativos.
Soergueu-se lentamente, a cabeça girando devido aos eventos dos últimos dias.
Sua vida lançara-se num abismo, cujo fundo ainda estava para atingir, se perdesse o
emprego... e o amor.
Num impulso, pegou o telefone e ligou para a casa dos pais.
— Mãe? Feliz Natal! Hum? Não, vamos chegar daqui a... O quê? Estou meio
resfriada... Não, não estou com febre. Mãe, preciso de um conselho... Sabe aquele rapaz
de Manassas? Mãe, escute...
Eric entrou na sala de ginástica e subiu numa esteira vaga. Surpreso, viu Manny
Oliver exercitando-se no aparelho ao lado.
— Exercitando-se logo cedo? — comentou Eric.
— Embarco num vôo daqui a duas horas — explicou o rapaz, não muito amigável.

89
— Vai passar o Natal em casa?
— Vou. Com Cindy.
Eric olhou-o espantado. Estaria Cindy envolvida com o subordinado? Já se sentia
culpado por não visitar a família durante as festas. Agora, tinha que imaginar Cindy e
Manny partilhando o feriado felizes da vida. Atacado pelo ciúme, aumentou a velocidade
da esteira.
— Espero que se divirtam — conseguiu murmurar. Manny não tirava os olhos de seu
display.
— Bem, sr. Stanton, parece que pôs mesmo tudo a perder, não?
Eric irritou-se.
— Olhe, eu não sabia que havia algo entre você e Cindy.
Diminuindo a marcha, Manny balançou a cabeça e sorriu condescendente.
— Não há nada entre Cindy e mim, Stanton, a não ser amizade.
Eric sentiu o coração mais leve. Só então percebeu que o rapaz devia estar falando
do resultado da inspeção no hotel.
— Cindy deve ter-lhe contado sobre minha recomendação para que se venda o
hotel. Sinto muito, mas é meu... ei!
Manny o empurrara para fora da esteira.
— Cindy me disse que seu relatório foi favorável ao Chandelier House! Quer dizer
que ela só tentou me poupar... Você não vale nada, Stanton. Não merece Cindy, e ela não
merece o que você a fez passar, profissional e pessoalmente. Com licença, mas vou me
retirar antes que lhe dê um murro e perca meu emprego.
Pasmo, Eric observou o rapaz se afastar. Aos poucos, teve uma revelação, e
envergonhou-se. Na verdade, temia acercar-se das pessoas que mais amava na vida,
Cindy e... seu pai.
Raciocinou furiosamente. A Harmon colocaria o lustre no seguro. Mesmo restaurada,
a peça jamais alcançaria o valor de antes, exceto para Cindy. Teve uma idéia. Por acaso,
conhecia um entediado perito em vidros que adoraria o incrível desafio de restaurar a
preciosa antigüidade. Talvez o projeto conjunto permitisse a pai e filho reatar a velha
relação estremecida.
Antes de mais nada, porém, precisava falar com Cindy, abrir o coração para ela.
Momentos desesperados exigiam atitudes desesperadas.
— Oliver! Espere!
O encarregado da portaria voltou-se.
— Stanton, não quero mais problemas...
Eric expôs rapidamente seu plano, mas encontrou oposição.
— Isso é loucura, homem! — ralhou Manny.
— Eu sei — concordou Eric. — Mas todo o nosso envolvimento tem sido uma
loucura. Minha vida virou de pernas para o ar... Se pensar bem, verá que foi providencial
nos encontrarmos aqui agora...
Manny olhou-o sério.

90
— Se não der certo, Cindy vai nos chutar a ambos.
Cindy olhou as horas e esquadrinhou a multidão à procura de Manny. Ele estava
atrasado!
— Ultima chamada — anunciou a comissária junto ao portão de embarque.
Com lágrimas nos olhos, Cindy concluiu que, coroando sua péssima fase, teria um
Natal sem a presença de seu amigo mais querido. Pegou a bolsa de mão e encaminhou-
se ao portão, olhando por sobre o ombro uma última vez. Nem sinal de Manny.
Percorreu devagar o corredor do avião até encontrar sua poltrona. Gozaria de
muitas horas de purgação antes de chegar em casa. Estava ansiosa para rever a mãe.
A conversa que tinham tido ao telefone fora um marco em seu relacionamento.
Tinham falado de mulher para mulher.
A poltrona a seu lado continuava vaga. Talvez Manny ainda embarcasse a tempo.
Guardou a bolsa no bagageiro e desabou no assento, exausta.
— Oi.
Cindy voltou-se na direção da voz e paralisou-se.
— Eric?
Lindo de calça preta, suéter vermelho e casaco esportivo, ele lhe sorriu apreensivo.
Ela endireitou-se na poltrona.
— O que está fazendo aqui?
Ele guardou no bagageiro a familiar frasqueira de couro preto.
— Comprei a poltrona ao lado da sua.
Cindy refletiu.
— Manny vendeu-a para você?
— Isso mesmo. — Ele se acomodou no lugar designado. — Ou melhor, nós
trocamos. — Fitou-a atencioso. — Ele está indo para Atlanta.
Ela compreendeu.
— Ele já morou lá e ainda tem amigos na cidade. — Não obstante, magoava-se por
ele não lhe ter comunicado a mudança de planos.
Respirando fundo, imaginou como sobreviveria às horas seguintes. Decidiu tirar o
melhor proveito da situação. Sorriu.
— Quer dizer que falou com seu pai?
— Falei. Agora, acho que as coisas vão melhorar entre nós.
— Que bom.
O comandante da aeronave anunciou pelo alto-falante que, devido ao pesado
tráfego aéreo, iriam atrasar a decolagem em quarenta e cinco minutos. Os passageiros
grunhiram inconformados, incluindo Cindy.
— Bem, podemos aproveitar para conversar — sugeriu Eric. Ela o encarou.
— Sobre o quê?
Ele tirou do bolso do casaco uma caixinha embrulhada com papel prateado e atada

91
com uma fita vermelha.
— Isto é para você.
Cindy engoliu em seco.
— Para mim? Mas por quê?
— Abra — pediu ele.
Com mãos trêmulas, Cindy abriu a caixinha com a marca da joàlheria mais cara da
cidade. Sem fôlego, admirou os brincos de diamante em forma de gotas de chuva
reluzindo contra o veludo negro.
— Oh, que lindo... — Tocou uma das pedras levemente, então, ergueu o rosto. —
Eric, não posso aceitar isto!
— Mas eu destruí sua outra jóia.
— Foi um acidente.
— Está bem, porque eu te amo, então.
— E uma jóia muito cara e eu... — Cindy interrompeu-se e umedeceu os lábios. —
Você o quê?
— Eu te amo — repetiu Eric. — Queria demais passar o Natal com você... — Deu-
lhe um beijo doce nos lábios, mas ela estava atônita demais para responder.
Decepcionado, ele recuou. — Enganei-me, não foi? Imaginei que sentisse algo por mim,
também. Manny bem que me avisou que você nos chutaria a ambos por isso...
Cindy sentiu o corpo se agitar de felicidade, medo e confusão. Fechou
delicadamente a tampa da caixinha com os brincos.
— Eric, estou apaixonada por você. — Ao ver a esperança renascer nos olhos azuis
dele, acrescentou: — Mas é preciso mais do que amor para um relacionamento durar.
Valores básicos, objetivos semelhantes, laços de família... — Sorriu tensa. — Lembre-se,
vou estar desempregada em breve.
Ele reclamou outro beijo e ela concedeu, deliciando-se com o gosto familiar.
Satisfeito, ele recuou e afagou-lhe as curtas madeixas escuras.
— Acho que me apaixonei por você no instante em que aquela cabeleireira cortou
seu cabelo.
Cindy apoiou o queixo no braço erguido.
— Sendo assim, ainda bem que não segui o seu conselho. Está pronto para
conhecer minha família?
— Estou. E você está pronta para conhecer a minha?
Ela mordiscou o lábio.
— Acho que sim. Acha que seu pai vai gostar de mim?
— A mulher que me surpreendeu tocando piano novamente? Ele vai adorar você!
Exultante, Cindy afundou-se na poltrona. Em poucas horas, o pior Natal de sua vida
transformou-se no melhor de todos! Eric tirou do bolso uma folha de papel meio
amassada.
— O que é isso? — indagou ela.
— Quando fechei a conta no hotel, a recepcionista me entregou essa cópia do
92
relatório da segurança a respeito da calça de pijama trocada.
Cindy sentiu o pulso se acelerar.
— Está assinado por você, Cindy — observou ele. Ela pensou rápido.
— Bem... lembro-me de tê-la visto pendurada na porta de seu banheiro quando fui
lavar o machucado na mão.
Eric contemplava o relatório.
— Essa nota a respeito do monograma é que me intriga...
Cindy já estava em pânico.
— Ora, foi você mesmo que comentou a respeito comigo e com Manny na nossa
festa de confraternização, lembra-se?
— Claro, mas não me lembro de ter especificado as letras.
Ela raciocinava furiosamente.
— Achei que eram as três iniciais de seu nome, EQS.
— Certo, mas como adivinhou que tinham sido bordadas junto à borda do bolso?
Cindy sentiu o lábio superior úmido de transpiração.
— Foi um palpite lógico.
— Ah. — Eric dobrou a folha de papel e guardou-a no bolso do casaco. — Só mais
uma coisa, querida... — Ergueu-lhe o queixo. — Como adivinhou a cor da linha com que
foi bordado o monograma?
Ela contraiu a boca, aflita. Sorrindo, inclinou-se para ele e o acariciou no nariz.
— Tive uma idéia. Por que não vamos ao toalete terminar o que começamos na
cobertura do hotel naquela noite?
Eric segurou-lhe o dedo.
— Acho que está tentando mudar de assunto.
— Estou conseguindo?
— Não.
Cindy levantou-se e o puxou pelo braço, seguindo para o toalete. Trancaram-se no
cubículo.
— Você não está sendo uma boa garota...
Ela fez biquinho, amuada, e ele a beijou com força. Então, com a testa encostada na
de Cindy, Eric completou:
— É por isso que a amo tanto...

Fim

93
94

Você também pode gostar