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Ensino na diversidade
Surdos na escola:
letramento e bilingüismo
Wilma Favorito
Doutora em Lingüística Aplicada (Educação Bilíngüe) pelo IEL/
Unicamp.
Professora Adjunta de Língua Portuguesa e Lingüística do
Instituto Superior Bilíngüe de Educação / Curso de Pedagogia -
Instituto Nacional de Educação de Surdos.
Assessora de Língua Portuguesa como segunda língua para
surdos da Escola Municipal de Surdos de Angra dos Reis.
Pesquisadora das áreas de educação bilíngüe e português
como segunda língua para surdos.
© Cefiel/IEL/Unicamp
É proibida a reprodução desta obra sem a prévia autorização dos detentores dos direitos.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Presidente: LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
Ministro da Educação: FERNANDO HADDAD
Secretário de Educação Básica: FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES
Diretora do Departamento de Políticas da Educação
Infantil e Ensino Fundamental: JEANETE BEAUCHAMP
Coordenadora Geral de Política de Formação: Roberta de Oliveira
Educação Básica.
4. O surdo e a escrita / 44
Sugestões de leitura / 74
Sites de interesse / 81
Introdução
Quem é o aluno surdo hoje?
·5·
to de vista dos conteúdos curriculares, quanto em relação ao seu
acolhimento como uma pessoa diferente.
É muito difícil para o aluno surdo aprender a ler e a escrever em
uma língua de modalidade oral-auditiva, como o português. Isso se
explica, entre tantos outros fatores, porque o português não é uma
língua da qual ele tenha domínio. Também é difícil para o surdo es-
tar numa sala de aula para ouvintes porque ele não vai encontrar,
em geral, parceiros com quem possa se comunicar de forma satis-
fatória. A língua de sinais que o indivíduo surdo usa é desconhecida
da maioria dos brasileiros e mesmo pouco compreendida pelas
famílias cujos filhos surdos a utilizam. Os índices de repetência e
evasão escolar de alunos surdos são grandes e a conseqüência
disso é que muito poucos surdos conseguem ingressar nos cursos
de nível superior (menos de 1% da população).
É preciso compreender, no entanto, que o mundo do surdo é
heterogêneo assim como o mundo dos ouvintes, ou seja, não existe
um surdo igual ao outro. É muito comum as pessoas que conhece-
ram um indivíduo surdo compará-lo com outro surdo que conhecem
em outra ocasião. Exemplo dessa situação é a professora que diz:
“Eu tive uma aluna surda que era excelente, muito inteligente, não
dava trabalho, mas a deste ano é muito difícil”.
·6·
a) sua própria perda auditiva;
b) sua história lingüística – se é filho de pais surdos ou de pais
ouvintes;
c) sua relação com a língua oral; sua relação com a língua de
sinais;
d) suas características pessoais e culturais, como qualquer ou-
tro indivíduo.
·7·
teve papel importante na sua vida social, afetiva e acadêmica des-
de os idos de 1750, e como essa língua agora, em tempos mais
atuais, é considerada um importante traço identitário do indivíduo
surdo.
Em seguida trazemos informações sobre a aquisição da lingua-
gem da criança surda, mostrando que há, sem dúvida, especifici-
dades, mas há também muita coisa em comum entre a criança
ouvinte e a criança surda, no que tange ao processo de aquisição
de língua(gem).
Além disso, fornecemos informações sobre os contextos edu-
cacionais do aluno surdo na atualidade e mostramos como esses
espaços se utilizam da língua desse grupo de alunos para o ensino
e para a interação entre eles e com eles.
Fazemos, também, uma pequena reflexão sobre o processo de
aquisição da escrita pelo aluno surdo e, por fim, uma descrição da
LIBRAS, mostrando um pouco de sua estrutura de funcionamento,
e respondendo às perguntas mais freqüentes a respeito desse gru-
po de alunos.
Nosso objetivo, ao elaborar este fascículo, foi trazer informa-
ções sobre o surdo e a surdez com o intuito de desnaturalizar os
conceitos já arraigados existentes em relação a essa parcela da
população, dando aos alunos surdos a oportunidade de serem vis-
tos a partir de uma nova visão: a da diferença.
·8·
1. Breve história da educação
de surdos
·9·
que certos grupos desejam fixar como padrão. Logo, a constituição
das identidades como legítimas ou não é um processo de luta que
mantém ou contesta significados.
Um pouco de história
· 10 ·
publicação teve forte repercussão na Europa e grande influência
sobre as três principais referências da educação oral: Pereire, nos
países de línguas latinas, Amman, nos países de língua alemã, e
Wallis, nas ilhas Britânicas. Esse três educadores acreditavam que
a oralização era o meio necessário para humanizar os surdos.
Essa crença de que os surdos estariam fora da condição huma-
na pela falta da audição e da fala começa na Antiguidade, atraves-
sa os séculos e ainda persiste em nossos dias (Moura, 2000).
A primeira grande mudança no que diz respeito à educação
dos surdos nasce na França com o abade Michel de L’Epée (1712-
1789). É na França iluminista que se reconhece o potencial educa-
tivo dos sinais dando início ao gestualismo. L’Epée começou a se
interessar pelos surdos com o objetivo de realizar um trabalho de
catequização. Para isso, passou a observá-los nas ruas de Paris
e aprendeu a linguagem gestual pela qual se comunicavam. Ele
acreditava que os surdos que não podiam falar deveriam usar sua
linguagem natural para se expressar. Com base nesse pressupos-
to, elaborou um método, usado até meados do século XIX, que ele
denominou sistema de sinais metódicos. Esse método consistia
no uso dos sinais na ordem gramatical do francês aos quais eram
agregados morfemas da língua oral e sinais inventados para pala-
vras do francês que ele julgava não possuírem representação na
língua de sinais.
L’Epée fundou uma escola de surdos em 1755 e treinou profes-
sores que levaram seu modelo de ensino para outras localidades
da França e para outros países da Europa, o que resultou na cria-
ção de outras escolas de surdos. Duas décadas depois, publicou
um livro e conseguiu reconhecimento público de seu trabalho, o
que fez com que sua escola, o Instituto Nacional de Jovens Surdos
de Paris, se tornasse a primeira escola pública de surdos do mun-
do. Pela primeira vez na história, o ensino individual ministrado por
· 11 ·
preceptores cedeu lugar à educação coletiva1. Isso permitiu que as
crianças e adultos surdos pudessem interagir, constituindo-se como
pares. L’Epée teve muitos seguidores que fundaram centenas de
escolas semelhantes ao Instituto de Paris em todo o mundo.
A importância de L’Epée deve-se, sobretudo, ao espaço que, de
alguma forma, a língua de sinais passou a ter em sua escola, tanto
como meio de instrução quanto como meio de interação entre os
alunos surdos. Alguns deles tornavam-se gradualmente professo-
res da escola, como foi o caso de Laurent Clerc, que foi contratado
por Thomas Hopkins Gallaudet para organizar a educação de sur-
dos nos Estados Unidos.
No livro publicado por L’Epée, em 1776, em que descrevia seu
método, ele “refuta os ataques feitos contra a língua de sinais
que afirmavam que os sinais passavam apenas idéias concretas e
ataca o ensino da fala e o uso isolado do alfabeto digital” (Moura,
2000: 24). O Abade entendia que o treinamento da fala ocupava
um tempo precioso que deveria ser utilizado na transmissão de
conteúdos escolares, em oposição a seus contemporâneos, defen-
sores da oralização sem o uso da língua de sinais, especialmente
Jacob Pereire (1715-1780), na França, e Samuel Heinecke, funda-
dor da primeira escola para surdos na Alemanha.
A concepção oralista defendida por Heinecke e outros educado-
res crescia na Alemanha e em muitos outros países europeus. De
acordo com essa perspectiva, os alunos surdos deviam ser subme-
tidos à oralização e as línguas de sinais deveriam ser reprimidas
nas escolas, fato que no final do século XIX (1880) se legitimaria a
partir do Congresso de Milão, conhecido como marco do banimen-
to das línguas de sinais da educação de surdos.
É importante salientar que entre meados do século XVIII e a
1
A passagem da educação particular para uma educação coletiva e pública a cargo do
Estado ecoava os ideais de liberdade e igualdade, lemas da Revolução Francesa, de
uma sociedade que reivindicava instrução pública para todos.
· 12 ·
primeira metade do século XIX as experiências educativas através
do uso da língua de sinais eram habituais: os surdos alcançaram
direitos e cidadania, novas escolas de surdos foram fundadas, hou-
ve a promoção da formação de professores surdos que assumiram
grande parte dessas instituições. Depois desse período, uma his-
tória de predomínio absoluto da língua oral na educação de surdos
foi uma realidade por quase cem anos.
· 13 ·
interrompendo uma importante fase da história da educação de
surdos no mundo.
A interdição oficializada
· 14 ·
O oralismo
2
O presidente do Congresso, padre Giulio Tarra, assim se manifestara sobre a língua de
sinais: “...sei que os meus alunos têm apenas sinais imperfeitos, os rudimentos de um
edifício que não devia existir, algumas migalhas de pão sem consistência e que nunca
serão suficientes para alimentar a alma” (citado por Lane, 1992:110).
· 15 ·
crianças surdas, derivando daí a crença de que o desenvolvimento
cognitivo das crianças surdas depende do conhecimento da língua
oral3.
Esse modelo mantém sua hegemonia até os dias de hoje, sen-
do o surdo definido por suas características negativas e a edu-
cação se convertendo em terapêutica com o objetivo de dar ao
surdo o que lhe falta: a audição e a fala. Os alunos surdos são
considerados doentes reabilitáveis e o discurso pedagógico passa
a ser habitado por termos como “reabilitar”, “restituir”, “adestrar”,
“treinar”, “reforçar”.
A partir desse momento, inaugura-se uma nova era na velha po-
lêmica entre o uso de sinais/gestos e a palavra oral na educação
de surdos. A força conquistada pelo projeto oralista reforça a ten-
dência que já ganhava corpo desde as experimentações de Itard4:
a medicalização da surdez. Esse “novo” olhar aos poucos vai se
tornando um paradigma com a transformação dos institutos edu-
cativos pedagógicos em espaços de técnicas terapêuticas e com
a exclusão dos professores surdos das escolas. Não surpreende,
portanto, que desde o Congresso de Milão (1880) até a década
de 60 do século XX não haja registro da participação de surdos no
debate científico e cultural (Skliar, 1997).
A representação dos surdos como anormais, como sujeitos
deficientes que devem ser submetidos a tratamento, vai se forta-
lecendo e sendo incorporada pelos educadores. As falhas nos re-
3
A abordagem educacional denominada oralista opera com essa concepção de surdez
que, traduzida para a educação de surdos, estabeleceu a equivocada equivalência entre
desenvolvimento cognitivo e eficiência na oralidade, argumentando que a língua de si-
nais limitaria o surdo a seu mundo e impediria a aprendizagem.
4
Jean-Marc-Gapard
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Itard (1774-1838) era médico, especialista em otologia. Atuou no Ins-
tituto Nacional de Jovens Surdos de Paris sob a convicção de que a surdez precisava
ser “erradicada” ou diminuída a fim de que os surdos pudessem ter acesso ao conheci-
mento. Os métodos que utilizava para alcançar tais objetivos são questionados de modo
contundente em boa parte da literatura da área de educação de surdos.
· 16 ·
sultados educacionais são atribuídas à deficiência auditiva, como
até hoje se verifica. Em decorrência dessa concepção, os surdos
também eram olhados como sujeitos infantilizados, condição de-
sejável para que se tornassem pacientes com os longos e árduos
treinamentos fono-articulatórios que, segundo os antigos e atuais
defensores dos métodos orais, os transformariam em pessoas
normais.
Dentro da metodologia oral, a ênfase era colocada na técnica
terapêutica para se chegar à fala, em detrimento do conhecimento
e da aprendizagem. As questões ligadas à aquisição e ao desen-
volvimento das habilidades de leitura e escrita eram colocadas em
um plano secundário, devendo ou não seu aproveitamento ser cre-
ditado ao próprio surdo. Os fracassos – que eram muitos – eram
atribuídos ou às técnicas mal empregadas ou à criança pouco es-
timulada, e o sucesso do surdo em outras áreas (afetiva, social,
escolar) era creditado sempre à sua maior ou menor oralização –
daí a ênfase em terapias de fala, no uso de aparelhos sofisticados
para amplificar os sons e nas técnicas para aproveitar ao máximo
o resíduo auditivo, além da leitura orofacial.
Mesmo nos Estados Unidos, onde prevalecia o método combi-
nado – e cujo representante (Thomas Gallaudet) no Congresso de
Milão votara contra as resoluções que afirmavam a superioridade
da fala sobre as línguas gestuais –, uma década após esse evento,
a quantidade de professores surdos havia se reduzido da metade
para um quinto na altura da Primeira Guerra Mundial e reduziu-se
para um décimo nos dias de hoje.
A comunicação total
· 17 ·
vez que sua grande ênfase era a fala – nem das questões da
linguagem oral, propriamente dita, uma vez que era escasso o
sucesso nessa empreitada. A algumas crianças surdas era per-
mitido ingressar no processo de alfabetização formal depois de
estarem “totalmente oralizadas”, ou seja, muitas vezes com 12
anos de idade, quando as crianças ouvintes já estavam, em geral,
em outra fase escolar. Isso representava um tempo muito grande
gasto com a oralização em detrimento dos conteúdos escolares e
mesmo assim os surdos não conseguiam aprender a falar, o que
gerava insatisfação.
Enquanto os fracassos com os métodos orais ficavam cada vez
mais evidentes, pesquisas sobre as línguas de sinais iniciadas nos
Estados Unidos pelo lingüista Stokoe revelavam que a língua de
sinais era uma língua natural (veja adiante, neste fascículo) como
as línguas orais. Nessa ocasião, em busca de resultados mais
positivos, surgem os métodos combinados dentro do que ficou am-
plamente conhecido como movimento da Comunicação Total, que
nada mais era do que poder usar todos os meios para consolidar
a comunicação entre surdos e ouvintes.
Nesse sentido, a oralização deixava de ser o objetivo maior
do trabalho com o surdo, para se transformar em apenas um dos
canais a ser estimulado com o objetivo de que a comunicação flu-
ísse mais entre surdos e ouvintes. A ênfase, nesse momento, era
a possibilidade de a criança surda desenvolver uma comunicação
efetiva com seus pares ouvintes. Dentro desse espírito, tudo o que
melhorasse a comunicação poderia ser utilizado com o surdo: o de-
senho, a escrita, a pantomima, a língua de sinais, a fala, o alfabeto
manual, gestos naturais etc. É claro que a língua de sinais, nesse
período, foi utilizada de diferentes maneiras. Havia métodos que a
utilizavam obedecendo à ordem da língua oral (o português sinali-
· 18 ·
zado5, por exemplo) até seu uso com recursos importados das lín-
guas orais, resultando em vários métodos que eram utilizados nas
escolas, com maior ou menor adesão, com o objetivo de ensinar ao
surdo a gramática da língua oral. Acreditava-se que a comunicação
deveria ser privilegiada e não uma língua em particular.
Apesar de essas práticas todas serem reunidas sob o nome de
Comunicação Total (CT), havia diferenças entre os vários métodos,
com cada um enfocando mais um ou outro aspecto da comunica-
ção. Entretanto permanecia uma grande insatisfação em relação
ao rendimento escolar do aluno surdo. Os sinais eram utilizados
meramente como apoio da fala e os professores ouvintes serviam-
se da língua de sinais cada um à sua maneira, o que resultou
em críticas, pois tal funcionamento significava pouca autonomia
da língua de sinais, que era utilizada de forma, por vezes, muito
artificial.
A CT teve grande repercussão no Brasil nos anos 1980. Talvez
sua grande importância tenha sido a revitalização das línguas de
sinais utilizada pela comunidade surda, banida das escolas desde
o final do século XIX. Apesar de as línguas de sinais continuarem
existindo nos recreios e espaços sociais onde havia surdos, elas
ainda carregavam o estigma de atrapalhar a aprendizagem da fala
e, por isso, ainda nessa época muitas famílias e profissionais evi-
tavam o seu uso.
De qualquer forma, os estudos sobre as línguas de sinais ocor-
ridos durante o movimento da CT favoreceram um maior contato
5
Português sinalizado, ou bimodalismo, é o uso simultâneo de fala e de sinais, que leva o
léxico da língua de sinais a ser usado na ordem frasal do português. Essa superposição
de modalidades resulta numa interação bastante truncada entre ouvintes e surdos,
uma vez que simula a equivalência entre dois sistemas lingüísticos. Assim como não
é possível fazer uma tradução termo a termo entre português e inglês para o par de
frases “Quantos anos você tem?/How old are you?”, também não há como enunciar
em LIBRAS essa forma interrogativa seguindo a mesma ordem dos constituintes em
português (veja, também, a página 65 deste fascículo)
· 19 ·
com essas línguas e o movimento seguinte na educação dos sur-
dos veio a reincorporar a língua de sinais na educação de surdos e
dar a ela um papel fundamental. Foi a chamada Educação Bilíngüe
para surdos.
Educação bilíngüe
· 20 ·
“Assim sendo, os surdos [...] requerem educação [...] bilíngüe. O tipo
de bilingüismo é o diglóssico, isto é, o uso em separado de duas línguas,
mesmo que de modalidade diferente, cada uma em situações distintas.
A língua de sinais será usada em todas as situações em que uma lín-
gua materna é usada nas escolas, exceto no que se refere à escrita e à
leitura, onde ela pode ser o meio, mas não o objetivo. A língua oral será
ensinada enquanto segunda língua e será o veículo de informação da
tradição escrita.” (Ferreira-Brito, 1989:98)
· 21 ·
surdas utilizam uma língua legítima e, portanto, devem ter seus di-
reitos respeitados e assegurados. Além de ter que enfrentar o mito
de que todos os alunos compartilham uma mesma e única cultura,
a educação bilíngüe para surdos – diferentemente do que ocorre
com outras minorias – tem que responder ao de-
Para uma visão pa- safio da promoção de uma primeira língua não
norâmica sobre dife-
rentes experiências de edu-
garantida pelas famílias, em sua grande maioria
cação bilíngüe para surdos ouvintes. Como diversos defensores de um pro-
em diversos países, consul- jeto de educação bilíngüe para surdos apontam,
te Skliar (1999), Atualidade
da Educação Bilíngüe para
a aquisição e a manutenção da língua de sinais
surdo: processos e projetos por essa minoria são cruciais para o desenvolvi-
pedagógicos (v. 1 e 2). mento emocional, social, lingüístico, cognitivo e
cultural dos indivíduos surdos.
A educação bilíngüe, porém, não se confunde com nem se limita
a questões lingüísticas. O desenvolvimento de um projeto de edu-
cação bilíngüe para surdos que de fato represente uma transforma-
ção pedagógica deveria ter como norte a oposição aos discursos
e às práticas clínicas hegemônicas e o reconhecimento político da
surdez como diferença.
· 22 ·
2. Aquisição da linguagem por
crianças surdas
· 23 ·
muito natural, vendo seus pais se comunicando por meio de sinais.
A partir disso, passa a construir sentidos naquela língua e a usá-la
quando quer chamar a atenção dos pais ou quando necessita de
algo – mas apenas a criança surda dentro desse ambiente propício
poderá iniciar, desde o nascimento, sua construção da língua de
sinais interagindo com sua própria família. Nessa situação a crian-
ça surda começa a perceber que os movimentos das mãos comu-
nicam algo e, aos poucos, vai se constituindo sujeito dessa língua
de sinais – assim como as ouvintes compreendem muito precoce-
mente que os sons que ainda não dominam significam algo e num
curto período de tempo são usuárias desse sistema de símbolos e
passam a usar a linguagem oral dentro de seu grupo social.
Dessa forma, uma grande diferença entre a criança surda e
a criança ouvinte na fase inicial de seu desenvolvimento da lin-
guagem está no fato de ela ter nascido ou não perto de surdos
sinalizadores. Estando em ambiente propício, isto é, com pais si-
nalizadores, a criança surda vai perceber a linguagem por meio dos
olhos (visão) e vai se expressar por meio de sinais (feitos com as
mãos) no espaço.
Por estar exposta a uma língua que lhe é eficaz (a língua de
sinais), essa criança passará pelos mesmos estágios previstos na
literatura para a aquisição de língua(gem). No período pré-lingüísti-
co6 ela balbuciará como qualquer outra criança, inclusive com sons
do aparelho fonador; depois os sons desaparecem, mas permane-
ce o balbucio manual, até que a criança alcance o período denomi-
nado lingüístico, etapa em que aparecerão as primeiras palavras
(sinais). Logo em seguida, ela alcançará o estágio de combinações
de palavras, até que chegue ao estágio de múltiplas combinações,
em que já apresenta maior desenvoltura na produção dos sinais e
6
Os autores definem “período pré-lingüístico” como aquele que vai do nascimento
até por volta do aparecimento das primeiras palavras.
· 24 ·
os combina entre si para expressar suas necessi-
Quadros, R. & Kar-
dades ou desejos, o que acontece já por volta de nopp, L.B., no artigo
3 ou 4 anos de idade, quando a criança surda já “Educação Infantil para sur-
dos” (In Roman, E., Steyer,
está no fluxo da língua de sinais – inclusive con-
V.E. (orgs.) A criança de 0 a
tando a seus pais histórias e fatos que ocorrem 6 anos e a educação infan-
na ausência deles. til: um retrato multifacetado.
É preciso ressaltar que a criança surda usa Canoas, 2001, p. 214-230),
indicam que há duas for-
as mãos, os olhos, enfim o seu corpo todo e sua mas de balbucio manual re-
expressão facial para produzir significações e, alizado pelo infante surdo:
portanto, uma grande diferença entre as línguas o balbucio silábico e a ges-
ticulação. O balbucio ma-
orais e as línguas de sinais é o meio através do nual silábico seria aquele
qual a língua(gem) é veiculada: as línguas orais composto por combinações
necessitam do meio oral/auditivo para serem que já fazem parte do sis-
tema lingüístico das línguas
produzidas e as línguas de sinais do meio visual/ de sinais e a gesticulação
manual (ou viso-espacial). seria composta apenas de
Essa é uma grande vantagem das crianças gestos, sem organização
interna
surdas que nascem em lares com pais também
surdos em relação às crianças surdas que são fi-
lhas de pais ouvintes: a possibilidade de estarem expostas à língua
de sinais desde o seu nascimento. E o que acontece com o outro
grupo de crianças surdas – as que têm pais ouvintes?
Em primeiro lugar, o grande problema desse grupo de surdos
que nasce em famílias ouvintes e que é a maioria – aproximada-
mente 95% dos casos de surdez – é ter pais que, por desconhece-
rem a surdez, não se sentem preparados para lidarem com essa
situação de forma rápida. Os pais ouvintes, ao receberem o diag-
nóstico da surdez, quase sempre ficam desorientados, pois não
sabem o que exatamente isso significa. Além disso, ao ouvirem
o diagnóstico dado pelo profissional médico, esses pais ouvintes,
em sua maioria, associam a surdez a algo patológico que pode-
rá ser curado, uma vez que são encaminhados pelo médico para
a protetização e para terapias fonoaudiológicas. A família, dessa
· 25 ·
forma, se empenha em procurar recursos para que o filho surdo
aprenda a falar para se “normalizar” e, nessa busca pela cura, pas-
sa por centros de reabilitação, adquire aparelhos de amplificação
e, não raro, busca na medicina a solução para o “problema”, ou
seja, se inscreve em programas que fazem o implante coclear com
o objetivo de curar a surdez. Em suma, pais ouvintes têm mais difi-
culdade de aceitar a surdez e de lidar com ela do que pais surdos.
Estes últimos aceitam-na com naturalidade – afinal, eles próprios
são surdos.
Outro grande problema para as crianças surdas filhas de pais
ouvintes é a dificuldade de adquirir uma língua que lhes seja aces-
sível. Por serem surdas, não conseguem adquirir a língua oral que
a família usa (o português, no caso do Brasil) e, por terem pais ou-
vintes que desconhecem a existência de uma língua de sinais, têm
mais dificuldade de acesso à língua de sinais (a LIBRAS) utilizada
pela comunidade surda brasileira. Em geral, só vão ter contato com
essa língua mais tarde, na escola, se encontrarem ali outras crian-
ças surdas sinalizadoras, ou em outros espaços freqüentados por
surdos (igrejas, associações de surdos etc).
Essa é a grande desvantagem das crianças surdas filhas de
pais ouvintes: não terem a oportunidade de conviver com outros
surdos e não terem acesso à língua de sinais – conseqüentemen-
te, contam com poucas chances de perceber o funcionamento da
LIBRAS e, mais importante ainda, de compreender que fazem parte
de grupos de minorias lingüísticas e não de crianças com proble-
mas a serem remediados.
Alguns autores afirmam que a língua de sinais é a língua mater-
na ou a primeira língua dos surdos, não importando o momento em
que ela “entra” em suas vidas – se imediatamente ao nascer ou
em anos posteriores. Isso significa que a língua de sinais é aquela
que é mais acessível ao surdo.
Ao tratar desse tema, Behares (1997) diz que o conceito de pri-
· 26 ·
meira língua faz referência a fatores temporais ou cronológicos: se-
ria aquela com a qual o infante tem contato num primeiro momento,
ao nascer, e, no caso de crianças surdas, “quando se afirma que
a língua de sinais é a língua materna do surdo faz-se referência ao
fato de que, na presença dela, o acesso do surdo é imediato”, seja
porque sua estrutura viso-manual lhe facilita a compreensão, seja
porque essa é a língua da comunidade surda. Por isso, no caso da
surdez, os conceitos de língua natural e de primeira língua (ou lín-
gua materna) parecem sobrepor-se sem maiores dificuldades; mas
não deveria ser assim. Diz ele:
· 27 ·
a conquistar mais visibilidade – sobretudo nos espaços educacio-
nais –, seu lugar como língua curricular de fato ainda está por se
estabelecer. Mesmo usufruindo do status de uma língua, compro-
vação legitimada por vários pesquisadores de diferentes países,
as línguas de sinais permanecem como sistemas lingüísticos pe-
riféricos ou auxiliares na maioria dos contextos educacionais. Em
todo o mundo, educadores, estudiosos e os próprios surdos orga-
nizados em associações têm lutado pela centralidade das línguas
de sinais na educação de surdos. Os contextos escolares em que
há estudantes surdos refletem os avanços e resistências nesse
campo de significados e práticas.
· 28 ·
3. Contextos educacionais
(ou os surdos na escola)8
8
Releitura de Freire & Favorito, 2007.
· 29 ·
identitário, é a língua que lhes permite acessar e compartilhar in-
formações de modo significativo.
Nesse sentido, é sem dúvida altamente positiva a recente inser-
ção oficial9 da LIBRAS no mundo escolar, uma vez que não só pode
contribuir para que os surdos tenham acesso significativo às infor-
mações, como amplia a visibilidade dessa comunidade lingüística.
Porém, o simples ingresso da LIBRAS nas atividades escolares não
garante por si só a possibilidade de construção de conhecimentos.
Se a LIBRAS for utilizada como mero instrumento de comunicação
ou de simples transmissão de conteúdos, seu efeito na escolariza-
ção pode ser muito reduzido.
Não obstante o papel crucial da língua de sinais na educação
de surdos – seja para contemplar os processos de aquisição de
uma língua natural, seja como meio de instrução e interação e de
construção de conhecimentos –, a simples presença da LIBRAS em
sala de aula não basta para dar conta de um projeto educativo de
qualidade. Se assim fosse, o ensino para ouvintes brasileiros mi-
nistrado por professores brasileiros, em que se utiliza uma língua
comum a todos os pares da interação, não apresentaria os tími-
dos índices de avaliação, medidos por organismos internacionais e
pelo próprio Ministério da Educação e freqüentemente divulgados
na mídia.
É preciso, portanto, compreender as especificidades lingüísti-
cas e culturais dos surdos para que possamos elaborar projetos
educativos de qualidade para eles e com eles.
Em primeiro lugar é necessário considerar que, diferentemente
das crianças ouvintes, a maioria das crianças surdas depende da
escola para que, em contato com pessoas surdas proficientes, pos-
sam adquirir a língua de sinais, uma vez que aproximadamente 95%
9
A LIBRAS foi oficializada pelo Decreto-lei nº 10.436 de 24/04/2002, cujo texto foi
regulamentado pelo Decreto nº 5.626, publicado em 23/12/2005, no Diário Oficial
da União, nº 246 (págs. 28, 29 e 30).
· 30 ·
das crianças surdas têm pais ouvintes. Isso também ocorre com
muitos alunos surdos jovens e adultos que não raro chegam à esco-
la em condições lingüísticas semelhantes. Ambos os casos deman-
dam da escola uma política lingüística que lhes garanta a constitui-
ção de uma primeira língua do modo mais natural possível. Logo,
aqui já se desenha um primeiro compromisso da escola: propiciar
contextos de aquisição natural da LIBRAS para esses estudantes.
Em segundo lugar, é preciso pensar o que significa assumir a
LIBRAS também como língua de instrução. Entender a língua de si-
nais em seu papel curricular significa compreender a surdez como
experiência visual, isto é, significa de fato elaborar projetos edu-
cacionais em que haja não só profissionais (ouvintes e surdos)
competentes em LIBRAS, como também currículos e orientações
didáticas que contemplem as especificidades cognitivas, lingüísti-
cas e culturais das pessoas surdas.
É bastante comum, em conversa com estudantes surdos, as-
sim como em artigos, livros e pesquisas baseadas em entrevistas
com surdos, a demanda por um ensino que explore a imagem. Para
ser ter uma idéia dessa forte solicitação, compartilhamos com o
leitor opiniões e sugestões de dois alunos surdos do ensino médio
de uma escola de surdos:
· 31 ·
Em propostas de educação bilíngüe na qual a LIBRAS é assu-
mida como primeira língua, o português, seja no ensino formal da
disciplina Língua Portuguesa, seja nas demais áreas curriculares,
terá o papel de segunda língua. E aí se configura um segundo com-
promisso da escola: pensar estratégias específicas para o ensino
de português como segunda língua, bem como levar em conta que
um ensino totalmente centrado em textos escritos será de difícil
acesso para os surdos. Esse campo de pesquisa e de trabalho
didático ainda é muito novo no Brasil, mas já há algumas boas
contribuições e experiências divulgadas em artigos e livros nos
quais as escolas podem se basear para pensar seus projetos (veja
Sugestões de Leitura). Além disso, seria muito proveitoso que as
próprias escolas se engajassem em projetos de pesquisa basea-
dos em observação e registros de dados da sala de aula.
É preciso ter em mente, portanto, que, ao reconhecer a condi-
ção bilíngüe dos surdos, as escolas que trabalham com uma orien-
tação bilíngüe de ensino precisam discutir e organizar uma política
lingüística voltada para os aspectos lingüísticos e culturais desses
alunos, como parte do projeto político-pedagógico da instituição. É
interessante também saber que ensino bilíngüe em contextos de
minorias lingüísticas, embora sem tradição e pouco encorajado em
nosso país, não é uma demanda somente das comunidades sur-
das usuárias da LIBRAS. As comunidades indígenas, por exemplo,
legitimaram seu direito à educação bilíngüe garantindo-o na Cons-
tituição Federal em 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases em 1996
(veja, sobre esse assunto, o volume O índio, a leitura e a escrita:
o que está em jogo, de Marilda do Couto Cavalcanti e Terezinha de
Jesus M. Maher, nesta coleção). Nesses dois documentos legais,
está assegurada às comunidades indígenas a educação escolar bi-
língüe com currículos e programas específicos, conteúdos culturais
correspondentes às respectivas comunidades e material didático
específico e diferenciado.
· 32 ·
No momento atual, em razão de uma longa luta da comunidade
surda brasileira, a LIBRAS foi oficializada e tornou-se, por força
de decreto-lei, disciplina obrigatória nos cursos de formação de
professores e licenciaturas. Além disso, o mesmo decreto, entre
outras disposições, recomenda que todas as instituições de en-
sino proporcionem serviços de tradutor-intérprete de LIBRAS e de
língua portuguesa, a fim de garantir aos alunos surdos o aces-
so à informação e à educação. Entretanto, diferentemente do que
ocorreu com as comunidades indígenas, os surdos ainda não con-
quistaram legalmente o direito a uma escola bilíngüe própria para
surdos. Por esse motivo, a maioria dos surdos, na prática, têm sido
atendidos dentro de programas regulares de ensino, cujos projetos
são pensados para estudantes ouvintes. Ainda que alguns estabe-
lecimentos já contem com a presença de intérpretes, o que de al-
guma forma atenua as limitações de uma sala de aula monolingüe
em português, o direito a ser educado em LIBRAS seria apenas o
primeiro passo em direção à criação de uma política lingüística que
ofereça condições para que os surdos possam desenvolver suas
potencialidades com relação à aquisição de uma primeira língua, à
identidade com seus pares, à participação no debate lingüístico e
educacional, à vida comunitária e ao desenvolvimento de proces-
sos específicos de aprendizagem e produção cultural construídos
histórica e socialmente pelas comunidades surdas.
Tendo em mente as considerações feitas até aqui, descrevere-
mos e discutiremos a seguir os principais contextos que caracteri-
zam a escolarização de surdos no país.
· 33 ·
como qualquer outro estudante no país. O desafio que lhes é im-
posto é quase sobre-humano: interagir com os conteúdos curricu-
lares apresentados e compreender o que dizem alunos e professo-
res ouvintes através da leitura labial10, reconhecidamente limitada
na possibilidade de acesso à informação.
Os casos isolados de sucesso documentados indicam que
o êxito escolar, nesse contexto, está condicionado a um in-
tenso apoio extra-escolar que inclui a oralização, em alguma
medida, bem como ao apoio ao aprendizado dos conteúdos
curriculares. Além disso, inúmeros relatos de adultos surdos
denunciam a profunda sensação de isolamento que essa expe-
riência pode causar, interferindo negativamente na auto-estima
desses alunos.
· 34 ·
ção de aproximadamente 50 mil11 alunos surdos matriculados na
educação básica. O objetivo é capacitar surdos como instrutores
da LIBRAS para que estes treinem professores ouvintes que vão
atuar como intérpretes nas escolas.
Analisando essa situação, é possível levantar pelo menos três
questões:
11
Dados obtidos no portal da SEESP/MEC: http://portal.mec.gov.br/seesp (acesso em
22 de setembro de 2005).
12
Toda a literatura aqui pesquisada aponta que 95% dos surdos são filhos de pais ou-
vintes (veja, por exemplo, Lane, 1992).
· 35 ·
conhecimento demanda um processo de trocas discursivas
entre os participantes (professores e alunos) e, nesse es-
quema interacional (professor/intérprete/aluno), a participa-
ção do aluno surdo está impedida ou sofre muita restrição.
Os alunos surdos precisam fixar os olhos no intérprete para
não perderem informações e, na prática, é muitas vezes difí-
cil concatenar o fluxo das interações entre ouvintes com as
interrupções desse fluxo para atender às possíveis interfe-
rências dos alunos surdos.
c) Em qualquer sala de aula, não há garantia de que os alunos
compartilhem de conhecimentos prévios necessários aos
tópicos trabalhados. No caso dos alunos surdos, se o intér-
prete for sensível e puder fornecer informações extras, terá
que fazer discursos paralelos ao do professor para auxiliar
os alunos a acompanhar os temas tratados em aula. Essa
dupla tarefa de traduzir simultaneamente a fala do professor
e as interações dos alunos ouvintes com o professor e ainda
oferecer subsídios para o entendimento dos tópicos ensina-
dos provoca um descompasso entre ouvintes e surdos já su-
ficiente para obstruir o fluxo da interação, isolando mais uma
vez o aluno surdo do processo interacional da sala de aula.
Com base nessas reflexões, mais duas outras questões tão im-
portantes quanto as anteriores podem ser formuladas em relação
às especificidades sociolingüísticas dos alunos:
· 36 ·
a) C omo ensinar português como segunda língua em uma sala
de aula em que a imensa maioria dos alunos lida com o por-
tuguês como língua materna?
b) De que forma se contemplará o processamento visual de co-
nhecimento, característico dos surdos, nesse contexto pen-
sado e voltado para ouvintes? Junto aos alunos ouvintes,
como contemplar a surdez como experiência visual?
13
SKLIAR, Carlos Bernardo. “Perspectivas Políticas e Pedagógicas da Educação Bilíngüe
para Surdos”. In: SILVA, Shirley & VIZIM, Marli (orgs). Educação Especial: múltiplas leitu-
ras e diferentes significados. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura
do Brasil – ALB, 2003.
· 37 ·
tura visual em língua de sinais (por exemplo, narrativas, poesias,
lendas...) etc.
De acordo com essa visão, alguns pesquisadores brasileiros14
já levantam a hipótese de se considerar a possibilidade de um
letramento visual, salientando a importância de os profissionais
envolvidos com a educação de surdos refletirem sobre o papel da
imagem na apropriação do conhecimento.
Nas palavras da professora e pesquisadora surda brasileira Gi-
sele Rangel:
· 38 ·
possível mas acabam por legitimar espaços em que o aluno, no
caso do surdo, se sente limitado: nem pode compreender por si
próprio o que dizem seus colegas e professores, nem tem a chan-
ce de desenvolver sua língua e cultura em um ambiente que possi-
bilite contato com seus pares.
As classes especiais
· 39 ·
principalmente estabelecendo parceria com educadores surdos.
Em nossa realidade educacional, contudo, mesmo após o reconhe-
cimento da LIBRAS, ainda não contamos com políticas públicas
que favoreçam e estimulem essas necessárias mudanças. Incor-
poramos, então, em nossa discussão, as palavras abaixo, a respei-
to do incentivo a programas de formação maciça de intérpretes e
professores surdos promovidos pelo MEC nos últimos anos:
· 40 ·
No segundo caso, nas Escolas de Surdos com projetos de edu-
cação bilíngüe publicamente assumidos, podemos identificar três
tipos de experiências pedagógicas:
a) A
maioria das experiências pedagógicas apontam para a pre-
sença quase absoluta de professores ouvintes com certo
conhecimento mas sem a proficiência desejável em língua
de sinais, que sozinhos são responsáveis por suas turmas
ou por suas disciplinas. A falta de uma língua que possibilite
a construção de um conhecimento compartilhado via nego-
ciação de significados acaba forçando o professor a operar
a partir de escolhas pedagógicas que favorecem a imitação
de modelos. Não é que o professor, necessariamente, não
queira ou não entenda a necessidade de engajar o aluno no
processo de construção de conhecimento; ele simplesmente
não pode fazer isso porque a relativa falta de proficiência na
língua de instrução limita a possibilidade de interação em
sala de aula e, conseqüentemente, o tipo de conhecimento
produzido nesse contexto.
b) U
m outro tipo de sala aula observado representa, na verdade,
uma tentativa de solução para o problema discutido acima.
Falamos agora de contextos em que professores ouvintes
não suficientemente proficientes em língua de sinais atuam
em parceria com educadores surdos bilíngües. A presença
desses surdos adultos permite uma organização discursiva
em sala de aula que leve os alunos a uma participação ati-
va na construção do significado. É essencial que fique bem
claro que o papel do educador surdo não se confunde com o
do intérprete. Ele participa do planejamento das aulas, atua
em sala de aula orientado pelo professor e em diálogo com
ele. Nesse esquema de trabalho, em que o professor ouvin-
te e o educador surdo atuam como parceiros, importantes
· 41 ·
pistas sobre o processo de ensino–aprendizagem dos sur-
dos podem ser identificadas tornando-se objeto de estudo.
O educador surdo, por ser proficiente na língua natural dos
alunos e estar inserido na comunidade surda compartilhan-
do de suas vivências, de seus modos específicos de signi-
ficar o mundo, tem mais condições de observar aspectos
da aprendizagem que passam despercebidos aos olhos do
professor ouvinte.
c) F inalmente encontramos cenários em que professores sur-
dos e professores ouvintes proficientes em língua de sinais
podem atuar em escolas de surdos, sem ter que enfrentar
as questões lingüísticas anteriormente apresentadas. Em-
bora esse tipo de sala de aula, infelizmente, não represente
o contexto educacional mais comum para os alunos surdos,
seria, a nosso ver, o mais desejável, já que só esse contexto
pode garantir a condição necessária para que os saberes
possam ser negociados, problematizados, questionados. No
entanto, um projeto de educação bilíngüe não pode ser defi-
nido apenas pela questão lingüística. Mais do que isso, fazer
esta opção significa também incorporar os próprios surdos
nas decisões políticas referentes ao currículo, promover o
vínculo entre a comunidade surda e a escola e investir na
formação de professores surdos.
· 42 ·
ao MEC, apresenta propostas de políticas e práticas educacionais
para surdos, formação de profissionais ouvintes e surdos e defini-
ções de comunidade, cultura e identidade em suas relações com
projetos de educação bilíngüe para surdos. Nesse documento, re-
desenha-se uma outra escola possível, construída a partir de como
os próprios surdos se representam, de como narram sua própria
história, de como concebem seus significados para a surdez.
Pelo que acaba de ser exposto, entre a escola real e aquela que
os surdos desejam ainda há um desafiante caminho a percorrer e
muito que pesquisar e aprender nesse universo educacional.
16
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A citação refere-se ao texto “É possível ser surdo em português? Língua de sinais e es-
crita: em busca de uma aproximação”, de Sueli Fernandes, publicado em Skliar, C. (org),
Atualidade da educação bilíngüe para surdos, volume 2, obra resenhada nas Sugestões
de Leitura, neste fascículo.
· 43 ·
4. O surdo e a escrita
· 44 ·
atividades sociais que não envolvem apenas um conjunto de habili-
dades individuais (como, em geral, a escola supõe), mas dependem
principalmente de práticas culturais que são exercitadas em con-
textos coletivos socialmente organizados (veja, a esse respeito, os
volumes Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a
escrever?, de Angela B. Kleiman, e Aprender a escrever (re)escreven-
do, de Sírio Possenti, nesta coleção).
Afinal, como a criança surda será alfabetizada se ela não fala
português? Essa é uma questão que rotineiramente nos fazem os
professores da escola regular que recebem alunos surdos em suas
salas de aula. Em primeiro lugar, vale lembrar que muito do que é
dito em relação ao processo de alfabetização de crianças ouvintes
é válido para o grupo de crianças surdas. Referimo-nos ao fato de
que, antes de entrar para a escola, a criança (ouvinte ou surda) já
formula hipóteses sobre a leitura e a escrita se estiver em contato
com portadores de textos e se estiver no meio de adultos letra-
dos. Sem dúvida, ter contato sistemático com livros de histórias,
observar os adultos em eventos de leitura e ter oportunidade de se
aproximar desse objeto (a escrita) e dar a ele sentidos ajuda muito
o processo de aprendizagem de qualquer criança. Se a criança sur-
da – mesmo não sabendo ainda ler e escrever e usando uma língua
diferente daquela encontrada nos livros – for inserida no mundo
letrado, poderá entender de forma lúdica e informal que os livros –
e a escrita, de forma geral – têm uma função social que é útil em
muitas situações (escrever bilhetes para pessoas ausentes, fazer
listas de compras, enviar cartas para parentes distantes etc.).
Estudos já demonstram que crianças surdas acostumadas a
“ouvir” histórias por meio de língua de sinais chegam à escola
mais preparadas para a alfabetização formal, pois podem anteci-
par aquilo que está nos livros e entender com mais facilidade as
atividades propostas pela escola, que incluem o reconto de histó-
rias e diálogos sobre o conteúdo das histórias.
· 45 ·
Tudo que vale para o aluno ouvinte vale também para a criança
surda? Em certa medida, sim. A grande diferença entre surdos e ou-
vintes é a falta do domínio de uma língua socialmente reconhecida
antes de se iniciar na escolarização formal. As crianças ouvintes, de
modo geral, nessa fase inicial de alfabetização, já têm uma língua
que trazem de suas casas e que, em alguns casos, coincide com
a língua oficial da escola. Essa língua oral que a criança já domina
tem um papel importante em relação à escrita que ela irá aprender,
pois todo o seu conhecimento anterior ajudará na mediação do de-
senvolvimento de outras habilidades/tarefas, como a de escrever
(Vygotsky, 197917). A criança pode compreender que a linguagem
simboliza a realidade, mas não se relaciona diretamente aos obje-
tos no mundo, por exemplo. Daí a importância que a língua de sinais
adquire no aprendizado da escrita do português – será por meio
dessa língua que a criança surda poderá compreender mais efetiva-
mente a função da escrita sem que tenha que passar pela fala, isto
é, sem que necessariamente necessite antes aprender a falar.
É fato que, enquanto o ouvinte inicia seu processo de alfabeti-
zação já dominando a língua de sua comunidade e com vocabulário
compatível para sua faixa etária ou escolar, o surdo inicia seu pro-
cesso de alfabetização18 por volta de 6 ou 7 anos, ainda sem conhe-
cer (ou usar) a língua que seus professores, colegas e mesmo seus
familiares utilizam: o português oral. Para aprender o português
escrito na escola, ele irá se basear na língua que mais conhece e
usa – a LIBRAS e suas variações –, que não é reconhecida na esco-
la e na sociedade de modo geral como tendo estatuto lingüístico.
17
Vygotsky, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
18
As crianças surdas, de forma geral, iniciam o primeiro ano na mesma faixa etária que
a criança ouvinte, mas não dominam a língua de instrução da escola – o português
oral ou escrito. Em geral, tais crianças usam a língua de sinais da comunidade surda
ou variações dela, como, por exemplo, uma língua de sinais caseira, desenvolvida na
comunicação com seus pares ouvintes.
· 46 ·
Além disso, por não ouvir, ele não poderá apoiar-se na sonoridade
da língua oral e em suas características físicas na hora de escrever
– e por mais que os professores insistam em fazer essa ponte para
facilitar o aparecimento da escrita, isso não acontecerá. O surdo
não consegue se apoiar na oralidade, como faz a criança ouvinte,
para tentar entender o funcionamento da escrita em sua fase inicial
de alfabetização. Em alguns casos, as crianças surdas se valem da
leitura labial para fazer as relações da escrita com a oralidade, mas
isso nem sempre funciona, como veremos adiante.
A seguir mostramos um exemplo que ocorreu numa sala de
aula de 3ª série, freqüentada por uma aluna surda de 12 anos – a
única surda dos 36 alunos da classe. A professora solicitou que
a classe fizesse uma atividade de produção de frases escritas:
escrever cinco frases com a expressão “É proibido” e cinco com a
expressão “É permitido”. Ao tentar passar para a aluna surda o sig-
nificado dessas expressões, com a intenção de facilitar a sua com-
preensão, a professora modificou os enunciados para “O que não
pode fazer” e “O que pode fazer”. A partir dessa explicação a me-
nina produziu um enunciado que, para ela, retratava uma situação
proibida na sala de aula e que era, segundo foi possível observar
depois, muito usada pela professora no cotidiano escolar: “Não
papel calsão nós ela”. O sentido desse enunciado só foi recupera-
do com a ajuda da própria aluna, pois havia um elemento da oração
que não era reconhecido pela professora (calsão), só descoberto
depois que a menina ajudou com sinais. Era o seguinte: “Não (= é
proibido); calsão (quase uma transcrição de sua fala, significando
“cair no chão”; só recuperado com a ajuda do sinal que ela fazia
ao mesmo tempo que falava); nós referia-se ao grupo de crian-
ças e ela, à professora, que sempre repetia a frase em questão.
O enunciado era, então: “A professora falou que é proibido [nós]
jogar[mos] papel no chão”. Note que a sintaxe também foi afetada.
· 47 ·
OSV objeto, sujeito e ver- Alguns estudos19 já mostram que a estrutura sin-
bo; OVS: objeto, verbo e tática da LIBRAS pode ter outras ordenações, tais
sujeito; SVO: sujeito, verbocomo OSV, OVS e SVO, que podem ser diferentes
e objeto – a ordem das pa-
lavras é um conceito básico daquelas mais encontradas no português.
relacionado à posição que Ao produzirem tais textos, alguns alunos si-
determinados constituintes nalizam antes de escrever as palavras no papel,
ocupam na estrutura frasal,
e as línguas, quaisquer que
mostrando que a escrita do aluno surdo não é
sejam elas, podem variar mediada unicamente pela fala20, aprendida a du-
segundo esse aspecto. ras penas, e presente no entorno escolar, mas
principalmente pela expressão visual, via língua
de sinais e de toda uma gama de linguagens (gestos, mímicas,
expressão facial, inseridos ora na fala ora na língua de sinais). Por
essa razão, é importante refletirmos sobre o “letramento visual”,
que deveria estar mais presente na aprendizagem da escrita pelo
aluno surdo.
Os exemplos a seguir mostram a escrita de uma criança surda
de 8 anos de idade que freqüentava a 2ª série do Ensino Fun-
damental e ainda não estava alfabetizada. Veja o conflito dessa
criança em relação à escolha de letras, à quantidade de letras
necessárias para se escrever determinadas palavras, à direção da
escrita – veja o espelhamento realizado pelo aluno no último exem-
plo – e ao valor funcional das letras no sistema.
18
Para ler mais sobre esse assunto, procurar, por exemplo, as obras de Ferreira-Brito,
L. (1995) e Quadros, R.M. & Karnopp, L. B.(2004), citadas nas Sugestões de Leitura,
neste fascículo.
20 ��
Grande parte das crianças surdas ao escrever tenta se pautar no gesto articulatório da
fala que lhe é ensinada pelos profissionais que a atendem (o fonoaudiólogo, o professor
e mesmo a mãe), ocasionando uma escrita peculiar. Essas crianças podem ser obser-
vadas fazendo o gesto articulatório e tentando escrever o que aquele gesto evoca. Veja
alguns exemplos dessa situação: Bexexe para “presente”; xuju para “sujo” etc.
· 48 ·
Apesar de, nessa época, grande parte das crianças ouvintes
da sala desse aluno já se encontrar em outros estágios de alfabe-
tização, segundo relato da mãe (“todos eles já estão escrevendo
e a professora nem fala com ele”), suas hipóteses em relação à
escrita estavam ainda longe daquilo que a escola espera para esse
nível escolar. Esse aluno continuava tentando entender o funciona-
mento da escrita do português e sua produção, nesse e em outros
exemplos, representa essa busca solitária já que não era valoriza-
da ou confrontada pela sua professora.
Porque a professora não conhecia as implicações da surdez e
não sabia se comunicar com esse aluno (conforme a mãe explicita:
“a professora não sabe falar com ele; ela não entende ele”), o alu-
no surdo seguia à deriva em seu processo de alfabetização, sem
ter interlocutores com os quais pudesse confirmar ou retificar suas
hipóteses sobre a escrita.
Há muitos casos semelhantes a esses que levam o aluno sur-
do para um beco sem saída: a memorização da escrita. Temos
visto que, em geral, o aluno surdo na escola regular, por não ter
com quem interagir e não contar com o professor para ajudá-lo no
processo de construção da escrita, acaba se transformando num
aluno copista, por entender que as atividades de escrita são, ape-
nas, atividades de “copiação”.
Isso cria um entendimento de que para a escola apenas o de-
senho mecânico das letras tem valor. Ao proporcionar ao aluno
· 49 ·
surdo quase que exclusivamente atividades de cópia e ao ignorar
que ele, em geral, não entende o que escreve, a escola o exclui
como um sujeito aprendiz e com isso há uma distorção do papel da
escola, que deveria ser um espaço de transformação, mas passa
a ser um lugar apenas de conflitos não resolvidos.
É preciso lembrar que, principalmente com esse grupo de alu-
nos, é importante explorar outras perspectivas de trabalho para
a produção da escrita, com o objetivo de deixar de lado aspectos
mais mecânicos envolvidos nessa atividade e ajudá-los na cons-
trução de noções que fazem parte do processo de letramento, de
forma mais ampla: o que é a escrita, para que serve, como e por
que se escreve e para quem se escreve.
21
Geraldi, W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
· 50 ·
o que levanta a discussão sobre a necessidade de se pensar em
metodologias diferenciadas para o ensino desse grupo de alunos,
que deveriam ser específicas para aprendizes de segunda língua.
· 51 ·
necessidade naquele momento específico: “mulher duro”, no lugar
do vocábulo “manequim”.
Isto posto, queremos marcar que o aluno surdo pode estar privi-
legiando na escrita aspectos outros, diferentes daqueles esperados
pelo ouvinte letrado (o professor) e isso, de certa maneira, explica
a necessidade do surdo de se apropriar de forma por vezes inespe-
rada da escrita do português para expressar suas idéias, marcando
nesse momento sua própria história de apropriação dessa língua.
· 52 ·
O texto anterior, resultado de uma atividade em que a produção
escrita foi realizada com a ajuda do HagáQuê22 (histórias em qua-
drinhos eletrônicas) – um editor de histórias em quadrinhos desen-
volvido no Instituto de Computação da Unicamp –, apresenta uma
dificuldade pontual, ainda não superada pela menina surda de 8
anos que cursava a 2ª série: “junto com comigo” no lugar de “junto
comigo”. Ela não havia compreendido ainda que, em português,
“junto comigo” dispensava o uso duplicado da preposição “com”
e, mesmo com a professora explicando a ela, nesse momento de
produção, que a preposição não era necessária, porque “comigo”
já contém a idéia expressa por “com”, ela não abriu mão de sua
hipótese inicial, por mais que fosse alertada para esse fato (ou o
“comigo” ou o “junto com” + nome). “Erros” como esse podem ser
classificados como parte do processo de aquisição de L2.
A recusa dessa aluna pode indicar que ela ainda não fez uma
reflexão sobre esse uso – a metalinguagem – e segue utilizando
fragmentos da língua portuguesa com um sentido muito particular,
próprio de usuários de línguas estrangeiras.
22
Trata-se de um software livre, que pode ser obtido no endereço eletrônico http://pan.
nied.unicamp.br/~hagaque/, e que objetiva propiciar atividades de produção de texto
para crianças em fase de alfabetização e/ou ensino fundamental, visando incentivar o
processo criativo sobre o gênero discursivo (história em quadrinhos) e o processo de
leitura escrita desses alunos.
23
Denomina-se atividade epilingüística a atividade do sujeito que opera sobre a linguagem,
quando explora os recursos de sua linguagem para produzir efeitos de sentido.
24
Abaurre, M.B.M. “A alfabetização na perspectiva da lingüística: contribuições teórico-
metodológicas”. Cadernos ANPED, n. 6, p. 91-123, 1994.
· 53 ·
paço gráfico, por meio de contornos que não são mais fônicos, e que vão
chamar a atenção a detalhes (forma e conteúdo) que antes passavam
despercebidos”.
· 54 ·
Essa aluna realiza algumas construções não esperadas para o
português, como a utilização do artigo de forma aleatória, organiza-
ção sintática que obedece a outros critérios, ausência de desinên-
cia para gênero etc., como “a bolo” no lugar de “o bolo”; “a farinha
copo” no lugar de “um copo de farinha”; “chocolate misturar e
colocar na batedeira” no lugar de “misturar o chocolate e colocar
na batedeira”; “o leite copo um” no lugar de “um copo de leite”.
Tudo isso mostra que ela se guia pela língua de sinais – da qual
tem mais domínio – para escrever o texto em português, ou seja,
percebemos, novamente, que muitos dos “problemas” encontra-
dos nos textos dos surdos se assemelham às dificuldades comuns
de aprendizes de uma segunda língua. Essas interferências mos-
tram, inclusive, que sua língua “forte”, ou seja, sua língua de maior
domínio, está presente ativamente no momento da elaboração de
seu texto escrito em português.
É preciso chamar a atenção para a forma como o aluno surdo é
ensinado. Em geral as metodologias utilizadas no ensino de surdos
enfatizam o recorte de palavras isoladas para facilitar sua compre-
ensão da língua portuguesa e transformam o ensino de língua num
trabalho de recortar o significado de palavras pura e simplesmente,
fora de sua função25 no mundo. Há uma ênfase na palavra no en-
sino de surdos (ela é colada nos objetos; por exemplo: cadeira, ar-
mário, lousa, geladeira etc.), justificada porque eles não conhecem
o português. E mesmo quando são apresentados a enunciados
25
Vale lembrar que, para Sausurre, os significados das palavras não são fixos, já que uma
palavra está sempre em relação com a outra no fluxo da fala, tanto no eixo paradigmáti-
co como no eixo sintagmático. Por isso mesmo o ensino de língua baseado em recortes
de palavras é algo que não corresponde ao uso da língua em situação real. Embora
compartilhemos dessa crença, tem sido difícil difundi-la mesmo para professores espe-
cialistas que atendem crianças e adolescentes, já que eles também partem da posição
de que é difícil para o surdo ler ou escrever textos, e por isso deve-se iniciar o ensino
de português pelas palavras, pressuposto que é compartilhado pelos professores que
ensinam surdos nas classes especiais e em salas de recursos.
· 55 ·
um pouco mais complexos (como, por exemplo, “O menino gosta
de leite”), o objetivo é a memorização da estrutura gramatical para
garantir o aprendizado da ordem “correta” das palavras.
Essa visualização quase única da palavra pode passar ao apren-
diz surdo a impressão de que o português (escrito e oral) é com-
posto apenas por palavras soltas e justapostas – o que é retomado
por ele na hora de escrever.
Deve-se chamar a atenção, novamente, para o fato de que, ape-
sar das diferenças estruturais entre língua de sinais e língua oral,
a primeira tem um papel importante em relação ao aprendizado
da leitura/escrita pelo surdo, pois somente através da língua de
sinais a base simbólica da linguagem poderá vir à tona mais pron-
tamente.
Nesta discussão, pretendemos ressaltar alguns aspectos que
comprometem a aprendizagem da escrita pelo aluno surdo. Um
deles é que, em sua grande maioria, a escola regular não assume
seu papel na construção de significados dos diversos conteúdos
escolares, seja pela falta de uma língua (LIBRAS) comum entre
aluno surdo e professores, seja pela falta de responsabilidade por
esse aluno permeada por uma concepção (simplista) de língua que
define, muitas vezes, as práticas do professor.
· 56 ·
5. O estatuto lingüístico das
línguas de sinais
· 57 ·
Apenas por volta de 1960 um lingüista americano chamado
William Stokoe, ao pesquisar a Língua de Sinais Americana (ASL),
demonstrou para a comunidade científica que as línguas de sinais
eram línguas de fato e que, como as línguas orais, elas eram na-
turais. Daí em diante, várias pesquisas sobre as línguas de sinais,
principalmente sobre a ASL, forneceram uma descrição lingüística
estrutural, formal e funcional dos seus componentes, o que contri-
buiu, paulatinamente, para mudanças na maneira como elas eram
vistam pelas famílias e pelos profissionais da área da surdez.
Assim foi possível compreender, em relação às línguas de si-
nais, que sua estrutura gramatical está organizada a partir de al-
guns parâmetros. Os principais parâmetros são: a configuração
de mão (CM), isto é, a forma que as mãos assumem num deter-
minado sinal; o ponto de articulação (PA), lugar em que o sinal é
realizado no corpo; e o movimento (M) do sinal, conforme aparece
na figura a seguir26 . Os parâmetros secundários seriam aqueles
relacionados à expressão facial e à direção do olhar.
· 58 ·
propriedades formais. Mas a área demanda, ainda, muitas pesqui-
sas. No Brasil, esses estudos se iniciaram por volta da década de
1980 e se concentraram mais em relação à sintaxe, à morfologia
e à fonologia, não havendo ainda, portanto, estudos que nos dêem
maiores informações sobre outros aspectos da LIBRAS. Mais re-
centemente, apareceram os primeiros dicionários, feitos por aca-
dêmicos, que dão idéia da vastidão do léxico dessa língua e da
complexidade de seu uso.
Muitas pessoas ainda acreditam que as línguas de sinais são
línguas universais, mas, ao contrário disso, cada país tem a sua
própria língua de sinais, com uma estrutura própria, do mesmo
modo que os diversos países têm uma (ou mais) língua oral. No
Brasil, por exemplo, temos a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS);
nos Estados Unidos, há a Língua de Sinais Americana (ASL); na
França, a Língua de Sinais Francesa (LSF), e assim por diante. A
língua de sinais dos surdos brasileiros, por exemplo, teve origem
na LSF, pois, na época do Império, ao criar o Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), D. Pedro II trouxe da França um profes-
sor surdo francês, Ernest Huet, que tinha por incumbência ajudar
na parte pedagógica daquela instituição. É claro que esse surdo
francês trouxe sua língua de sinais francesa e aqui deve ter tido
contato com a língua de sinais dos surdos brasileiros; por isso,
essas duas línguas são muito semelhantes entre si.
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Vários estudos tiveram como mérito desestimular a crença an-
terior de que as línguas de sinais eram apenas “traduções” das lín-
guas orais ou pidgins primitivos e mostraram que, como qualquer
outra língua, as línguas de sinais possuem uma estrutura semân-
tica, morfológica e fonológica, além de uma estrutura pragmática
própria. O uso do espaço adquire nessas línguas um estatuto dife-
rente, já que assume valor sintático e possibilita a simultaneidade,
algumas das diferenças primordiais entre essas línguas e as lín-
guas orais. Assim, as línguas de sinais se distinguem das línguas
orais porque utilizam um meio ou canal visual-espacial e não oral-
auditivo, ou seja, são percebidas visualmente e articulam-se espa-
cialmente, isto é, de forma diferente das línguas orais-auditivas,
utilizam a visão para a sua apropriação.
As línguas de sinais têm características semelhantes às lín-
guas orais, pois são dotadas de dupla articulação (que são as
unidades mínimas distintivas e sem significado de uma língua que
se unem para formar unidades maiores e com significado) e de
produtividade (a partir de um conjunto finito podem-se construir
novas formas). Nas línguas de sinais encontramos vários sinais
icônicos (quando o referente é apresentado de forma muito próxi-
ma ao objeto a que ele se refere), mas isso não quer dizer que tais
línguas sejam formadas apenas por sinais cujo referente lembra
“fielmente” a realidade. Além disso, mesmo esses sinais icônicos
não são universais, ou seja, cada língua de sinais, de diferentes
países, recorta essa realidade de uma forma muito peculiar – daí
serem considerados sinais convencionais.
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“Árvore” LSC “Árvore” LIBRAS
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“Verde” “Casa”
Veja, nos exemplos das figuras acima, que quando temos o uso
das duas mãos, a configuração das duas mãos deve ser a mes-
ma (cf. princípio de simetria), como na segunda figura acima, que
traz o sinal de “casa”, quando as duas mãos devem obedecer ao
mesmo movimento e configuração. Porém, quando a configuração
das duas mãos é diferente (cf. princípio de dominância), como na
primeira figura acima, que representa o sinal de“verde”, há uma
mão que produz o movimento – a mão ativa – e outra que serve de
apoio – a mão passiva.
Morfologia é o estudo da
Em relação à morfologia, temos que a estrutu-
estrutura interna das pala- ra de LIBRAS é complexa da mesma forma como
vras, sendo os morfemas ocorre nas línguas orais em relação ao proces-
as unidades mínimas de
so de formação de palavras. As palavras, tanto
significação.
nas línguas orais como nas línguas de sinais, se
constituem a partir de unidades mínimas distintivas – ou fonemas
– que, sendo substituídas, formam novas palavras. Veja nas figu-
ras da página ao lado: a mudança de um único parâmetro (PA) foi
suficiente para a alteração do sentido da palavra.
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“Aprender” “Sábado”
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Com relação à sintaxe de LIBRAS, temos que a ordem dos cons-
tituintes não obedece necessariamente à ordem que existe para
o português. Essa ordem pode ser diferente. Por exemplo, quando
um surdo pergunta quantos anos você tem, não precisa de todos
os elementos do enunciado em português:
P Quantos anos você tem? – enunciado feito em português.
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6. Perguntas freqüentes sobre a
surdez (mitos)
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2. Quais as causas da surdez?
No Brasil as causas pré-natais de surdez (antes de a criança
nascer) são rubéola congênita, hereditariedade e fatores ge-
néticos e anóxia perinatal. Para as causas pós-natais (depois
que a criança nasce), os fatores principais são baixo peso da
criança ao nascer (menos de 1,5 kg), hiperbilirrubinemia, me-
dicações ototóxicas e anóxia perinatal, e doenças infecciosas
tais como caxumba e sarampo. Embora a origem da surdez
esteja associada a uma questão de natureza orgânica, esse
sentido pode ser deslocado quando o surdo adquire a língua
de sinais e interage com seus pares, passando a se ver como
pertencente a um grupo ou a uma comunidade surda.
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Já uma criança que perde a audição depois do nascimento,
dependendo do tempo em que ocorreu a perda, poderá ou
não falar. Se a perda da audição ocorreu no início do pro-
cesso de aquisição da linguagem, ou seja, por volta do pri-
meiro ou segundo ano de vida, essa criança, em geral, não
conseguirá falar como a criança ouvinte, mas se a perda da
audição tiver ocorrido mais tarde, por exemplo, por volta dos
7 ou 8 anos de idade, a criança preservará a linguagem oral
adquirida, mesmo deixando de ouvir. Nesses casos, a criança
crescerá ainda utilizando a fala e poderá melhorar sua ma-
neira de falar e fazer leitura labial (perceber o que os ouvin-
tes falam a partir dos movimentos dos lábios ao articular as
palavras) com a ajuda de fonoaudiólogos que irão aproveitar,
por meio de intervenções clínicas, seus “resíduos auditivos”,
possibilitando a essa criança fazer um uso mais adequado
do que restou de sua audição, uma vez que ela não poderá
mais contar com esse feedback.
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ção desse trabalho varia de sujeito para sujeito e, em alguns
casos, dura até a adolescência.
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Como o acesso à língua de sinais é imediato, por ser mais
natural a essas crianças, elas rapidamente conseguem utili-
zar a língua de sinais e se comunicar com o mundo de forma
mais efetiva, o que é bastante positivo para sua vida afetiva,
social e escolar. Além disso, é preciso salientar que a crian-
ça surda é um ser bilíngüe que sabe que quando está com
ouvintes poderá utilizar mais a língua oral, se tiver condições,
mas que, quando está com outros surdos, tem consciência
de que usar a língua de sinais é mais eficiente. Ela usará
uma ou outra língua dependendo do espaço em que se en-
contra e com quem ela conversa. Isso assusta as famílias e
os fonoaudiólogos mais tradicionais, pois pode parecer que
essa criança está perdendo a linguagem oral alcançada a
duras penas nos anos anteriores – mas não é correto pensar
assim. Ela está se ajustando ao seu interlocutor e fazendo
escolhas sobre sua própria língua. Esse fenômeno pode ser
observado em diversos outros contextos em que uma língua
estrangeira está presente (maiores informações sobre esse
tema poderão ser encontradas no volume O índio, a leitura e a
escrita... o que está em jogo?, de Marilda do Couto Cavalcanti
e Terezinha de Jesus M. Maher, desta coleção). E é preciso
ter em mente que, para qualquer pessoa, o processo de aqui-
sição de outra língua se apóia em uma língua adquirida natu-
ralmente. Isso quer dizer que, em grande parte, o sucesso de
um surdo na aquisição da língua majoritária está relacionado
ao seu acesso o mais cedo possível à língua de sinais.
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confundido com a língua em si. O uso desse recurso pela
criança surda só vai ocorrer quando ela puder compreender
essa relação com a língua escrita (o português, no nosso
caso). O alfabeto manual é muitas vezes empregado por sur-
dos para facilitar o contato com ouvintes pouco fluentes em
língua de sinais ou para fazer referência a termos ainda não
codificados em sinais.
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te quando elas ocorrem dentro da comunidade surda. Temos
que chamar a atenção, entretanto, para o fato de haver várias
maneiras de se utilizar as línguas de sinais. Embora elas já
estejam sendo descritas em dicionários, demandam ainda
muita observação em relação aos seus diversos usos. O uso
que um surdo escolarizado faz da língua de sinais pode ser
diferente do uso que faz o surdo não-escolarizado. É preciso
entender que dentro das línguas de sinais há também um
dialeto de mais prestígio, utilizado por um grupo que tem
mais poder na comunidade de surdos. Já sabemos que há va-
riações regionais na LIBRAS. Há, também, variações sociais,
além de mudanças históricas. Como em qualquer língua, o di-
namismo das línguas de sinais faz com que muitos ouvintes
estranhem que um indivíduo surdo se expresse de um jeito
diferente do de outros surdos com os quais ele tem conta-
to. São os “dialetos” ou os “idioletos”, que podem, ao olhar
mais desavisado do ouvinte, ser confundidos com erros.
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10. A LIBRAS é uma língua universal?
Não. A LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais – não é uma lín-
gua universal. Cada país tem a sua própria língua de sinais,
assim como diferentes países têm diferentes línguas orais.
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12. A LIBRAS é uma língua ainda pouco desenvolvida?
Não. A LIBRAS não pode ser considerada uma língua primi-
tiva, ainda a ser desenvolvida. Ela tem as mesmas funções
das línguas orais, com sua organização interna e seu con-
junto de regras próprias em todos os níveis lingüísticos. Por
meio da LIBRAS podemos expressar idéias abstratas e mais
complexas, e não apenas falar sobre coisas concretas, como
se pensa comumente na sociedade majoritária. É uma língua
como outra qualquer, com suas regras e restrições.
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SUGESTÕES DE LEITURA
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tanto afeta os resultados escolares, quanto pode apontar algumas saídas,
entre as quais a mais importante seria a reconstrução escolar compartilha-
da com os próprios surdos.
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GÓES, Maria Cecília Rafael de. Linguagem, surdez e educação. Cam-
pinas: Editora Autores Associados, 1996.
P Interessada em questões relacionadas aos aspectos lingüísticos e cogniti-
vos em casos de surdez, dentro da Psicologia, a autora registrou e buscou
sistematizar vários aspectos relativos a esse tema. O livro é organizado em
quatro capítulos que trazem um relato sintético de estudos cuja abordagem
pedagógica é centrada em práticas de comunicação – que a autora denomi-
na “bimodais” – e as conseqüências dessas práticas para o ensino nessa
área. O livro apresenta, ainda, um estudo sobre as dificuldades de lingua-
gem do aluno surdo, que são trazidas pela perspectiva das professoras
entrevistadas, e um registro de certas características da produção escrita
de surdos e o modo como esses sujeitos concebem sua experiência com a
linguagem, tanto no português como na língua de sinais.
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LANE, McArthur Fellow Harlan. A máscara da benevolência: a comu-
nidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.
P Com base em diversas áreas do conhecimento – Antropologia, Filosofia
e Educação –, a obra introduz o leitor em instigantes reflexões sobre a
surdez em seu sentido cultural. Em uma perspectiva histórica, examina o
modo como foram sendo criados estereótipos e preconceitos com relação
às pessoas surdas, bem como os efeitos da estigmatização nos proces-
sos educacionais desses sujeitos. Em contraposição às representações da
surdez como handicap, calcadas no paradigma clínico-terapêutico, o autor
defende a educação bilíngüe para surdos com base na convicção de que os
surdos constituem uma minoria lingüística e cultural.
MOURA, Maria Cecília de. O surdo: caminhos para uma nova identi-
dade. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2000.
P A importância da língua de sinais nos processos de construção de identi-
dade das pessoas surdas é o fio condutor deste estudo. Sob esse foco,
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a autora reconstrói a história da educação de surdos, refletindo sobre as
idéias dominantes em cada época e os preconceitos e estereótipos natu-
ralizados (até nossos dias) em correlação com as diferentes abordagens
educacionais (oralismo, comunicação total, educação bilíngüe). Discute,
também, a necessidade da reconstrução de conceitos e crenças em di-
reção a uma nova visão que respeite a diferença lingüística e cultural dos
surdos como base para a proposição de políticas e práticas educacionais
mais adequadas para eles.
SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos.
Rio de Janeiro: Imago, 1990.
P Este livro é conhecido por ser “uma viagem fascinante” pelo mundo dos
surdos. Apresenta aspectos importantes sobre a história dos surdos –
particularmente daqueles que vivem nos Estados Unidos – e a maneira
preconceituosa como eram tratados desde um passado mais longínquo
até dias mais recentes, trazendo inclusive depoimentos de vários surdos
sobre a luta incessante que travam para serem aceitos no mundo dos
ouvintes. Ao relatar a história dessa comunidade, o autor se encanta com
a língua de sinais e com o mundo do surdo, trazendo um extraordinário
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relato não só sobre o desenvolvimento infantil e suas particularidades
neurológicas, mas também sobre o extraordinário mundo daqueles que
vivem no “silêncio”, sua comunidade, sua cultura e sua língua.
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sobre a importância da língua de sinais como mediadora da construção de
conhecimento pelo surdo. A isso se somam textos que tratam do “letra-
mento visual” do surdo e da aquisição da língua de sinais e a participação
de surdos e intérpretes nesse processo.
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SOUZA, Regina Maria de. Que palavra que te falta? – Lingüística e
educação: considerações epistemológicas a partir da surdez. São
Paulo: Martins Fontes, 1998.
P Obra imprescindível para se entender as relações entre o papel constitutivo
da linguagem e questões filosóficas, políticas e pedagógicas na educa-
ção de surdos. Concebendo a linguagem como trabalho social no qual e
pelo qual o sujeito se constitui e constrói seus sistemas de referências,
e tomando por base as idéias de Bakhtin e Foucault, a autora discute os
processos discursivos que levaram à medicalização da surdez e as repre-
sentações calcadas na falta daí derivadas e seus efeitos na escolarização
de surdos. Com base em Bakhtin, são descritas “verdadeiras situações de
não-diálogo e de ausência de vozes surdas em sala de aula, e a partir de
Foucault a autora revela as formas que assumem as redes de poder e de
saber na educação de surdos” (Skliar, no prefácio a este livro).
Sites de interesse:
http://www.ges.ced.ufsc.br/
http://www.deaflibrary.org/
http://www.signwriting.org/
http://clerccenter.gallaudet.edu/InfoToGo/072.html
http://www.fe.unicamp.br/dis/ges/
http://www.arpef.org.br/
http://www.aja.org.br/surdos/
http://www.uem.br/~anpacin/
http://www.ines.org.br/
http://www.feneis.com.br/
http://www.dicionariolibras.com.br/
http://www.diariodosurdo.com.br/index1.htm
http://www.brinquelibras.com.br/
http://www.institutosantateresinha.org.br/
http://www.surdos-ce.org.br/
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http://www.surdobrasil.hpg.ig.com.br/
http://www.editora-arara-azul.com.br/
http://www.surdosnoar.com/Untitled-2.htm
http://www.surdosol.com.br/
http://www.surdos.com.br/
http://www.surdosinfo.hpg.ig.com.br/
http://www.casadosilencio.com.br/Curso_surdo.asp
http://www.tvebrasil.com.br/jornalvisual/
http://www.vezdavoz.com.br/
http://www.sentidos.com.br/canais/
http://www.culturasurda.com.br
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