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06/01/2018 O fim do Consenso de Washington?

Movimento reverso. A China ignorou o Consenso de Washington e tornou-se uma das economias mais avançadas do
mundo, onde humanoides dividem espaço com operários nas fábricas

O fim do Consenso de Washington?


O movimento para retomar o crescimento minado pelo neoliberalismo

by Carlos Drummond — published 29/12/2017 00h11, last modified 20/12/2017 12h52

Três décadas após o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA elaborarem
o Consenso de Washington, assim denominado em 1989 pelo economista inglês John
Williamson, ganha corpo principalmente na Europa e nos Estados Unidos o movimento rumo a
um ideário oposto denominado Pós-Consenso de Washington.

O conjunto de prescrições para reformar as economias naquela época em crise, principalmente


na América Latina, inclui a estabilização macroeconômica, a abertura comercial e financeira, a
expansão das forças do mercado e a privatização, entre outros pontos, e é considerado por
muitos uma síntese do neoliberalismo e do chamado fundamentalismo de mercado.

Iniciativas recentes cobrindo desde a promoção do pluralismo na apreciação de currículos nos

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cursos universitários de economia – o que permitirá renovar o ensino, ponto crucial da mudança
em andamento – à aplicação de novos princípios econômicos em comunidades locais são
alguns indícios do avanço do Pós-Consenso de Washington, assegura Laurie Laybourn-
Langton, pesquisador de um dos principais think tanks progressistas do Reino Unido, o Instituto
para Pesquisa em Políticas Públicas (IPPR, em inglês).

“Acadêmicos e outros proponentes de um novo consenso e que até alguns anos atrás eram
vozes isoladas hoje encorpam o contingente cada vez maior de economistas e analistas
reconhecedores de que o neoliberalismo não está funcionando. Mesmo o Fundo Monetário e a
OCDE não são mais monólitos ideológicos neoliberais e mostram claros sinais de fratura
interna”, chama atenção Laybourn-Langton.

Leia mais:
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Cercados pelo capital
Adeus ao crescimento

Com Michael Jacobs, diretor do IPPR e professor da Escola de Políticas Públicas da


Universidade de Londres, apresentou uma proposta para criação de uma coordenação
estratégica destinada a promover o debate sobre sistemas econômicos Pós-Consenso de
Washington entre organizações e indivíduos identificados com a ideia.

Inúmeros grupos, a exemplo do Economistas pelas Políticas Econômicas Racionais e da


Iniciativa dos Jovens Acadêmicos, integram o movimento, mas ainda não estão articulados nem
possuem um plano compartilhado.

A busca crescente de uma convergência pós-Consenso de Washington explica-se tanto pela


crise do neoliberalismo quanto pelo sucesso das economias asiáticas que descartaram aquela
doutrina, se deram muito bem e são a sua refutação na prática.

“O Japão e a Coreia do Sul, os primeiros países bem-sucedidos do Leste Asiático, ficaram ricos
ignorando a maior parte das prescrições do Consenso de Washington.

Nos dois casos, o setor financeiro foi mantido com rédeas curtas, o crédito foi direcionado ou
encaminhado para apoiar objetivos industriais específicos definidos pelo governo e a indústria
doméstica foi alimentada por proteção tarifária enquanto era forçada a competir agressivamente
por mercados externos”, chama atenção o economista Adair Turner, que presidiu a FSA,
entidade reguladora do sistema financeiro britânico, integrou o Comitê de Política Financeira do
Reino Unido e preside o Institute for New Economic Thinking, que se define como instituição
dedicada a desenvolver “ideias econômicas sólidas para melhor servir à humanidade”.

A China, diz, tenta seguir a trilha de rápido crescimento econômico do Japão e da Coreia do
Sul, e para enfrentar as dificuldades específicas decorrentes do seu tamanho usa “uma
combinação pragmática de incentivos de mercado e direção estatal”.

O setor privado desempenha um papel vital na estratégia, mas não no sentido preconizado pelo
Consenso de Washington. “As autoridades chinesas podem promover um arrefecimento
deliberado da economia como parte da estratégia de limitar futuros descontroles do processo.

Essa desaceleração deve afetar significativamente a economia global, mas o ferramental


disponível em Pequim para administrar tal redução de velocidade dentro de uma ‘economia
socialista de mercado híbrida’ e desse modo manter um forte crescimento a médio prazo não
deve ser subestimado”, adverte Turner.

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Se a China tivesse absorvido de modo abrangente as prescrições políticas implícitas no


Consenso de Washington nos últimos 10 ou 20 anos, prossegue o economista, o seu
crescimento econômico teria sido consideravelmente mais lento. “As teorias econômicas que
apoiaram tais prescrições precisam reconhecer esse fato assim como o continuado sucesso
chinês”, dispara o analista.

Em 1998, o economista ganhador do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz publicou o texto “Mais
instrumentos e objetivos mais amplos: rumo ao Pós-Consenso de Washington”, até hoje uma
das principais referências sobre o assunto.

“O Consenso de Washington advoga um conjunto de instrumentos, incluindo estabilidade


macroeconômica, liberalização comercial e privatização, para atingir de modo relativamente
restrito o objetivo do crescimento econômico. O Pós-Consenso de Washington começa pelo
reconhecimento de que um conjunto mais amplo de instrumentos é necessário para atingir esse
objetivo, inclusive a regulação financeira, políticas de concorrência, investimento em capital
humano e políticas para facilitar a transferência de tecnologia”, destaca Stiglitz.

Além disso, prossegue, o Pós-Consenso de Washington visa também à elevação do padrão de


vida, inclusive na educação e na saúde, não apenas aumentos do PIB. Busca o
desenvolvimento sustentável, que inclui a preservação dos recursos naturais e a manutenção
de um meio ambiente saudável.

Tem como meta um desenvolvimento equitativo, que assegure a todos os grupos da sociedade
o desfrute dos benefícios do desenvolvimento, não apenas aos poucos que estão no topo.
Almeja ainda o desenvolvimento democrático, no qual os cidadãos participam de variadas
maneiras da tomada de decisões que afetem as suas vidas.

O Pós-Consenso de Washington, chama a atenção Stiglitz, não pode ter como sede a capital
dos Estados Unidos. Para as políticas serem sustentáveis, precisam ser apropriadas pelos
países em desenvolvimento que irão implementá-las. O novo consenso emergente requer ainda
“um maior grau de humildade, o franco reconhecimento de que nós não temos todas as
respostas”.

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Stiglitz critica de modo contundente e fundamentado cada prescrição do Consenso de


Washington, a exemplo do controle da inflação, em sua opinião talvez o mais importante
elemento dos pacotes de estabilização do FMI.

As evidências mostram apenas que a inflação alta é prejudicial à economia. Quando os países
ultrapassam 40% de inflação anual, diz, caem na armadilha inflacionária do crescimento. Abaixo
desse nível não há, entretanto, evidência de que a inflação seja danosa ao crescimento.

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“Controlar taxas altas e médias de inflação deve ser uma prioridade fundamental, mas baixar
uma inflação já baixa não parece melhorar significativamente o funcionamento dos mercados.
(...) Fazer os mercados funcionarem requer mais do que apenas inflação baixa. Requer
regulação financeira sólida, políticas de concorrência, e para facilitar a transferência de
tecnologia e transparência”, ensina Stiglitz.

Em Brasília, em especial no Banco Central, não há, entretanto, quem se disponha a refletir
sobre essas ponderações do Nobel de Economia. Em contrapartida, sobram burocratas
empenhados em “baixar uma inflação já baixa”.

Um segundo componente da estabilidade macroeconômica, continua Stiglitz, tem sido a


redução do tamanho dos déficits orçamentários do governo e em conta corrente. Do mesmo
modo que, no caso da inflação, as evidências mostram que grandes déficits orçamentários são
deletérios à performance econômica. Não existe, no entanto, um nível ótimo de déficit
orçamentário.

O déficit ótimo – ou o espectro de déficits sustentáveis – depende das circunstâncias, incluindo


o estado cíclico da economia, as perspectivas de crescimento futuro, os usos do gasto do
governo, a solidez dos mercados financeiros e os níveis de investimento e da poupança
nacionais.

No tempo do Consenso de Washington, prossegue o economista, privatizar rápida e


amplamente e consertar os problemas mais tarde parecia um jogo razoável. Em retrospectiva,
fica claro que os advogados da privatização superestimaram seus benefícios e subestimaram
seus custos, em especial os custos políticos do próprio processo e os obstáculos criados para
reformas futuras.

O economista e vários dos seus colegas, inclusive no Brasil, alertaram contra a privatização
precipitada sem criação da infraestrutura institucional necessária, incluindo mercados
competitivos e corpos regulatórios. As condições sob as quais a privatização pode alcançar os
objetivos públicos de eficiência e equidade, advertiram, são muito limitadas.

“Se, por exemplo, falta concorrência, a criação de um monopólio privado e não regulado pode
manifestar várias formas de ineficiência e não ser altamente inovador. A verdade é que
empresas de grande porte públicas e privadas compartilham muitas similaridades e enfrentam
muitos dos mesmos desafios organizacionais. (...) Não só as diferenças entre empresas
públicas e privadas estão borradas como há também um processo contínuo de combinações na
interface dos dois grupos”, analisa Stiglitz.

A importância da concorrência em vez da propriedade, compara, foi nitidamente demonstrada


pelas experiências muito distintas da China e da Rússia.

“A China preparou-se para manter um crescimento de dois dígitos no PIB, ampliando o escopo
da concorrência, mas sem privatizar as empresas de propriedade do Estado. A Rússia, em
contraste, privatizou ampla parcela da sua economia sem fazer muito para promover a
concorrência. A consequência disso e de outros fatores foi um enorme colapso econômico”,

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conclui o economista.

O avanço chinês quebra paradigmas neoliberais e os defensores desse ideário se recusam a


discutir e a reconhecer o experimento bem-sucedido, pois isso implicaria reconhecer seus erros
e abrir mão dos seus dogmas. Como diz Stiglitz, “a magnitude do sucesso da China nas últimas
décadas representa um enigma para a teoria-padrão.

A economia não só se esquivou da estratégia de completa privatização como também deixou de


incorporar numerosos outros elementos do Consenso de Washington. Isso não a impediu de
constituir a maior história de sucesso dos últimos tempos”.

As políticas do Consenso de Washington, prossegue, foram baseadas na rejeição do papel


ativista do Estado e na promoção do Estado minimalista, não intervencionista.

“A premissa não assumida é de que os governos são considerados piores do que os mercados.
Assim, quanto menor o Estado, melhor – isto é, menos pior – é o Estado. Eu não acredito em
formulações absolutas do tipo ‘governo é pior do que mercado’. O governo tem o importante
papel de dar respostas às falhas de mercado... tornar o Estado mais eficiente é uma tarefa
consideravelmente mais complexa do que apenas reduzir o seu tamanho.”

No momento em que herdeiros do Consenso de Washington no Brasil reapresentam, com vista


a 2018, propostas emanadas do mesmo ideário colocadas em prática no País nos anos 1990 e
a partir de 2015 com enorme retrocesso econômico e social, todo cuidado é pouco.

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