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Essa breve explicação já nos faz refletir sobre o grau de liberdade artística

daquele que arranja. Esse, por sua vez, busca viabilizar a execução de uma
música em um contexto distinto ao original.
A seguir, vamos conversar brevemente sobre diferentes arranjos
feitos sobre uma melodia folclórica portuguesa, Machadinha, e utilizar essas
ideias para nos contextualizar enquanto arranjadores em um ambiente escolar:
1) Nosso primeiro exemplo trata-se de uma gravação, ao vivo, de
uma professora portuguesa com uma turma de 9 crianças em que ela canta e
ensina a canção e sua brincadeira às crianças. Algumas vezes a professora
para de cantar para mostrar os movimentos às crianças. Essas, por sua vez,
cantam e dançam conforme aquilo que puderam aprender. É também possível
escutar os sons dos passos das crianças.
A professora tem o domínio total da canção que depende exclusivamente da
sua voz. A continuidade da música acontece conforme ela avalia a
aprendizagem de seus alunos.
Exemplo 1 em mp3
2) Nossa segunda versão é extraída de um CD cujos instrumentos
são exclusivamente sintéticos, ou seja, não existem músicos tocando qualquer
um dos instrumentos. O arranjador programou os sons em um computador e
gravou somente as vozes das crianças e dos cantores, copiando e colando a
instrumentação a cada estrofe.
Esta gravação não acrescenta informações musicalmente
interessantes àquele que escuta. E a viabilidade de utilizar em sala aula é
duvidosa por conta da falta de sincronia possível entre um grupo de dançantes
e o aparelho que toca o CD.
Exemplo 2
3) Esta terceira versão de Machadinha mescla a letra da cantiga
com o famoso single We Will Rock You, da banda Queen. O arranjador utilizou
a técnica de looping com a percussão que se repete até o fim da gravação.
1

Então ele gravou vozes de crianças cantando a letra de Machadinha com a


melodia do Fred Mercury. No aspecto criativo o arranjador obedeceu a
estrutura criada pela banda sem acrescentar nenhuma sonoridade nova.
Contudo, há um lado cômico da paródia que é o principal atrativo da gravação.
Exemplo 3
4) Nesta penúltima versão a melodia é realizada por um cantor com a
ornamentação típica do fado português. Além do vocal, a banda é composta
por acordeom, baixo, bateria e violino. Há aqui também o princípio do looping e
todos os instrumentistas estão tocando constantemente, mantendo uma textura
constante em que nenhum indivíduo se destaca da massa geral. Inclusive, um
ritmo marcante do baixo, arpejando as notas da harmonia, impossibilita a
criação de um contraponto mais sofisticado.
Exemplo 4
5) Nossa última versão é um arranjo de H. Villa-Lobos. A versão tem
início com uma introdução que utiliza uma nota repetida e um baixo diatônico
descendente. Sendo assim, antecipa mas não revela qual é a música de
imediato – a introdução acaba com um acorde dominante em suspensão.
Assim que a melodia começa podemos perceber uma estrutura a três partes
(melodia, baixo e acordes). A cada repetição há uma variação na textura dos
elementos. Esta versão faz parte do Guia Prático, tema de uma de nossas
aulas futuras.
Exemplo 5
Após tais apreciações procure escutar como as músicas estão organizadas em
suas gravações originais e/ou seus arranjos. Qual é a instrumentação? Qual é
a forma? É mais harmônico ou mais contrapontístico? Como se comporta a
parte vocal? Os instrumentos enfatizam aspectos da letra?
Mais uma curiosidade antes de encerrar:
Antes do século XX, antes da indústria fonográfica – discos, CDs, DVDs,
YouTube – as músicas eram difundidas ou por partituras ou por tradição oral.
As pessoas se juntavam em festas ou liturgias e não havia amplificação elétrica
ou playback possível. Todos cantavam e tocavam o mínimo necessário para
que a música acontecesse dentro de sua comunidade. Em contexto profissional
o nível musical era tão bom quanto em nosso tempo, mas havia um enorme
potencial para arranjo no passado em que todos eram responsáveis pela
criação musical.
Se alguém quisesse escutar determinada música no Século XIX ou
antes, seria obrigado a tocá-la ou estar presente enquanto alguém estivesse
tocando. Contudo, cada execução poderia ser diferente, cantores diferentes,
acústica diferente, instrumentos diversos, velocidade e forma, enfim... um
enorme potencial criativo e de arranjo.
Nós professores, podemos usar sim os recursos digitais (são uma
ferramenta preciosa para a difusão cultural na contemporaneidade!). Contudo,
não devemos perder a habilidade de criar junto aos nossos alunos novas
formas de se fazer musica.
_____________

¹ Looping consiste em utilizar o mesmo elemento musical repetidas vezes.


Pode-se também sobrepor outros instrumentos, ritmos e ostinatos dentro de
um mesmo looping.
BOYD, Malcolm. "Arrangement." Grove Music Online. Oxford Music Online.
Oxford University Press. Web. 9 Feb.
2015.<http://www.oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music
/01332>.
Última atualização: quinta, 1 Set 2016, 12:50

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