Você está na página 1de 33
\ A FILHA DE RAPPACCINI (Tirado dos escritos de Aubépine) NATHANIEL HAWTHORNE ko nos lembra térmos visto tradugio de qualquer trecho das obras do Sr. de l’Aubépine, 0 que é tanto menos de estranhar quanto seu proprio nome é desconhecido da maior parte de seus compatriotas, assim como dos estudantes de literatura estrangeira. Como escritor, parece ocupar éle uma infeliz posigéo entre os Transcendentalistas (os quais, sob uma ou outra denominacao, trazem sua contribuicio a téda a literatura mundial da atualidade) e a inamera legido dos homens de pena que escrevem para intelecto e as simpatias da multidio. Conquanto njo seja excessi- yamente requintado, € todavia demasiado remoto, impreciso € insubs- tancial em sua maneita de desenvolver a narrativa para agradar ao gosto desta filtima classe de leitores, ao mesmo tempo que demasiado popular para satisfazer as exigéncias espirituais ou metafisicas daquela, € deve portanto encontrar-se sem publico, com excecio aqui € acola de algum individuo ou, possivelmente, de uma toda isolada. Justia seja feita a seus escritos: nfo sao totalmente destituidos de fantasia € originalidade; poderiam ter-lhe valido maior fama, nao féra por um amor inveterado 4 alegoria, capaz de conferir as suas intrigas e personagens © aspecto de cenarios € pes- soas pertencentes 20 mundo da Lua, e de furtar qualquer calor humano as suas concep¢oes. Suas ficgdes ora sao histéricas, ora dos tempos atuais, e por vézes, por quanto se possa depreender, pouca ou nenhuma relagio tém quanto a0 tempo ou espago. Em todo caso, éle contenta-se geralmente com um levissimo esbéco das maneiras exteriores — a imitacao mais sucinta possivel da vida real — e procura suscitar o interésse gracas 2 alguma peculiari- 21 dade menos evidente. Ocasionalmente, um sépro. da Natureza, uma gota de patos ou de ternura, ou win clario de humor, introduz-se yr entre suas imagens fantdsticas ¢ faz com que sintamos que, po tamos dentro dos limites de nossa Terra, apesar de tudo, ainda es' | ni eer emnoa apenas a essa breve introduga0, que as obras do Sr. de I’Aubépine poderio ocupar uma hora de lazer tio satis. fatoriamente quanto as de algum escritor mais brilhante, contanto que o leitor tenha a ventura de as considerar de ‘um ponto de vista apropriado; caso contrario, dificilmente deixario de parecer excessivamente absurdas. Nosso autor é prolifico; continua a escrever ¢ publicar com uma abundancia tao incans4vel e digna de louvores como se seus esforcos féssem coroados do brilhante éxito que acolhe tao justa- mente os de Eugéne Sue. Féz sua primeita apariggo com uma colegio de histérias, numa longa série de volumes intitulada Contes Deux Fois Racontés. Os titulos de alguns de seus tra- balhos mais recentes sio (estamos citando de memoria): Le Voyage Céleste en Chemin de Fer, 3 vols., 1838; Le Nouveau Pére Adam et la Nouvelle Mére Eve, 2 vols., 1839; Roderic, ou le Serpent a VEstomac, 2 vols., 1840; Le Culte du Feu, volume in félio de profunda pesquisa sdbre a religiio e o ritual dos antigos guebros da Pérsia, publicado em 1841; La Soirée du Chateau en Espagne, 1 vol., in-octavo, 1842; e L’ Artiste du Beau; ou le Papillon Mécanique, 5 vols., in-quarto, 1843. Nossa leitura atenta e algo exaustiva dessa extraordindria lista de volumes acar- fetou certa simpatia e afeigao pesscal pelo Sr. de Tl’ Aubépine, embora sem a minima admiracio; e teriamos muito gésto em fazer © pouco que esté ao nosso alcance a fim de apresenta-lo favora- velmente ao piblico americano, O conto que se segue é a traducio de sua “Béatrice; ou Ia Belle Empoisonneuse”, recentemente pu- blicado em La Revue Anti-Aristocratique. Esta revista, editada pelo Conde de Bearhaven, tem em anos recentes encabecado a defesa dos principios liberais e dos direitos do povo com uma fidelidade e eficdcia merecedoras dos maiores encdmios. Um jovem, chamado Giovanni Guasconti, veio h4 muitos anos da regifio mais meridional da Italia, a fim de continuar seus estudos na Universidade de Padua. Giovanni, que possuia apenas uma escassa reserva de ducados de ouro na algibeira, foi morar num quarto alto e sombrio, em um prédio antigo que no parecia _gigno de ter sido o palicio , inte et ao fall de stun sb familia ha muito extinta, © jovem estrangeinae : oucos conhecimentos do grande poema de sua te tinha nio Fe que um dos antepassados de sua familia, ¢ eee lembrou-se ocupante daquela propria casa, tinha sido’ retratado mo como um dos participantes das imortais agonias de seu I (as Essas reminiscéncias e associacGes, aliadas a uma ance erno, melancolia, natural em um rapaz pela primeira vez afa tad. lc sua esfera nativa, levaram Giovanni a soltar Fundos. suspive _ enquanto langava os olhos pelo aposento desolado e i bilado. — Virgem Santa, signor! — exclamou a velha Dona Lisabetta que, conquistada pela notavel beleza fisica do jovem, estava se esforcando carinhosamente por dar um aspecto habitivel ao quarto, — que suspiro € ésse, vindo do coracio de um jovem! Acha triste esta velha mansio? Pelo amor de Deus, ponha, entio, a cabeca 4 janela, e o senhor ver4 um pér de sol tZo luminoso quanto © que deixou em Napoles. Guasconti seguiu mecinicamente o conselho da velha, mas nio péde concordar totalmente com ela em que o pér de sol paduano fésse tao alegre quanto o da Italia meridional. Fésse como fésse, iluminava, entretanto, um jardim que se estendia sob a janela e derramava sua influéncia benéfica por sdbre enorme vatiedade de plantas, que pareciam ter sido cultivadas com o maximo cuidado. — Este jardim faz parte da casa? — perguntou Gio- vanni. — Deus me livre, signor, a menos que produzisse com abundancia melhores hortalicas do que as que crescem néle agora — respondeu a velha Lisabetta, —_Nio; éste jardim é cultivado pelas préprias maos do Signor Giacomo Rappaccini, ° famoso doutor, que, posso assegura-lo, é conhecido de nome até mesmo em Napoles. Dizem que dessas plantas éle destila remédios tZo fortes quanto feiticos. O senhor hi de ver mais de uma vez o signor doutor trabalhando, e talvez a Signora, filha déle, colhendo as estranhas fléres que crescem no jerdim. A velha tinha feito o que podia para melhorar o aspecto do quarto; e recomendando o jovem A protecio dos santos, reti- rou-se. paduano © gue brasio de una mal mo- 23 Giovanni nio conseguiu encontrar ocupagio, melhor do que olhar para o jardim debaixo de sua jancla. Julgou, pela aparéncia, tratar-se de um daqueles jardins botinicos, amas antigos em Pidua do que em qualquer outro lugar da co ou do mundo, Ou, o que nfo era improvavel, poderia or sido cee lugar de recreio de alguma familia opulenta; de fato, elevava-se, em seu centro, um chafariz de marmore, esculpido com muita arte, mas tao desoladoramente despedagado que era impossivel recons- tituir-se a estrutura original a partir dos fragmentos remanescentes. A gua, no entanto, continuava a jorrar e cintilar sob Os raios do sol, tio alegremente como nunca. Um leve burburinho chegava até a janela do quarto do jovem e dava-lhe a impressio de que a fonte era como que um espirito imortal a cantar sua can¢ao incessantemente e sem levar em conta as vicissitudes que The andavam 4 roda, enquanto um século o corporificava no marmore e outro despedagava pelo chao a forma perecivel. A volta do tanque onde caia a agua cresciam diversas plantas, que pareciam necessitar de abundante suprimento de umidade para o desenvol- vimento de suas gigantescas félhas e, em alguns casos, de fléres Havia especialmente um arbusto, plan- Juxuriantemente vistosas. tado num vaso de marmore, no meio do tanque, carregado com uma profusio de fléres purptireas, possuindo cada uma o brilho € a riqueza de uma gema; 0 conjunto todo constituia um espetaéculo t@o resplandecente que parecia bastar por si sé para iluminar o jardim, mesmo se nao houvesse a luz do sol poente. Cada pedaco de terra estava povoado por plantas e ervas, as quais, embora menos belas, traziam contudo provas de assiduo cuidado, como se tédas féssem dotadas de virtudes individuais conhecidas da mente cien- tifica que as criara, Estavam algumas colocadas em urnas, ricas de velhas esculturas, e outras em vasos comuns de jardim; algumas esgueitavam-se como serpentes pelo chio ou trepavam alto, va- Iendo-se de qualquer meio de ascenséo que se Ihes oferecia. Uma planta enrolara-se em térno de uma estétua de Vertumno, que ficou assim quase inteiramente coberta e oculta por um repos- teiro de folhagens pendentes, disposta com tanta felicidade, que poderia ter servido de estudo para algum escultor. Estando Giovanni 4 janela, ouviu um farfalhar de uma cortina de fdlhas e percebeu que alguém estava traba- Thando no jardim. Pouco depois apareceu o vulto dessa pessoa, e revelou-se nio ser o de um trabalhor comum, mas sim um por detras fromem alto, macilento, pilido e d roupas pretas de um estudioso, ‘ermo da vida, e tinha cabelos ci rosto singularmente marcado nunca poderia, nem sequer em muito calor de coracio. Nada seria capaz de sobrepujar a contensio jardineito cientifico examinava cada atbusto cri minho: dir-se-ia que éle Perscrutava a sua nat fazendo observagdes sdbre a le aparéncia doentia Tinha Ge ultrapace, nzentos, barba pela inteligéncia ¢ seus dias de mocida: passa tala e cinza, © um cultura, mas de, t ae ef expressado com a qual aquéle escido em seu ca. ‘ureza_ mais as intima, sua esséncia criadora, ° . 1 € descobris porque uma félha se desenvolvia com essa forma e outra ne aquela, € por que motivo tais e tais fl ae a CO 5 ae ores diferiam ent 7 quanto & cor e a fragrincia, Todavia, tre si ES apesar compreensio da parte déle, nao existiam eyes maior intimidade entre éle e aquelas existéncias vegetais. Ao contrario, éle evitava tocd-las ou aspirar diretamente o seu perfume com uma cautela que impressionou Giovanni da maneira mais desa- gradavel; a atitude daquele homem, na verdade, era a de uma pessoa que estivesse caminhando por entre influéncias malignas, tais como feras selvagens ou mortiferas serpentes, ou ainda maus espiritos, os quais, se éle lhes consentisse um momento de liberdade, trariam sébre éle alguma terrivel fatalidade. Era estranhamente atemorizador para a imaginacio do jovem ver essa expressio de inseguranga numa pessoa cultivando um jardim, a mais simples e€ inocente das labutas humanas, e que tinha sido tanto a alegria quanto o trabalho dos pais da raga humana, antes da queda. Seria, pois, aquéle jardim o Eden do mundo atual? E ésse homem, com tamanha percepcio da maldade daquilo que crescia por suas préprias maos — seria éle Adio? O suspicaz jardineiro, enquanto arrancava as félhas mortas ou aparava oO desenvolvimento por demais exuberante dos arbustos, protegia as mZos com um par de espéssas luvas. Nem eram estas sua unica protecio. Quando, em seu caminhar pelo jardim, chegou A planta magnificente que deixava pender suas gemas de parpura junto a fonte de mirmore, éle colocou uma oe bel : miscara por sobre a béca e as narinas, como se toda eg ees fésse capaz de esconder a mais mortal malignidade; porém, ju cone a sua tarefa ainda por demais perigosa, recuou, afrancou @ Se e chamou alto, mas com a voz doentia de uma pessoa atacada de alguma moléstia interna: 25 — Beatriz! Beatriz! — Aqui estou, meu pai. Que deseja o senhor? — exclamou da janela da casa fronteiriga uma voz rica e jovem, uma voz tig vibrante quanto um pér de sol tropical, e que féz com que Gio. vanni, embora sem saber por que, pensasse em profundas tona- lidades de pirpura ou escarlate ¢ em perfumes pesadamente delei- taveis. — O senhor esté no jardim? — Estou, sim, Beatriz — respondeu o jardineiro — e preciso de seu auxilio. Pouco depois surgiu de baixo de um pértico esculpido o vulto de uma jovem, trajada com tanta fiqueza de gésto quanto a mais espléndida das fléres, formosa como a aurora, e com um desabrochar tio intenso e vivido que mais um fulgor teria sido demasiado. Parecia transbordar vida, satide e energia; todos ésses atributos estavam como que presos € comprimidos, e¢ reprimidos tensamente por sua virgindade. Contudo, a fantasia de Giovanni devia estar tornando-se mérbida enquanto olhava para aquéle jacdim, pois a impressio que a bela estranha provocava néle era como se ali estivera outra flor, a irma humana das fléres vegetais, tio bela quanto elas, mais bela que a mais resplande- cente dentre elas, mas que sé se poderia tocar com mio enluvada, e da qual nio seria possivel aproximar-se sem mascara. A medida que Beatriz ia caminhando pela aléia do jardim, podia notar-se que ela pegava em muitas delas e inalava o perfume de diversas plantas que seu pai tinha evitado com a maxima aplicacio. — Olhe, Beatriz, — disse éle — veja quantos cuidados indispensaveis tém de ser ministrados ao nosso maior tesouro. Todavia, abatido como estou, poderia pagar com a vida a apro- ximagio déle tanto quanto o exigem as circunstancias. Receio que doravante esta planta tenha de ser entregue unicamente aos seus cuidados. — E com alegria empreenderei novamente as vibrantes tonalidades da voz da jovem dama, a esplendorosa planta e abria os bracos “Sim, minha irmi, esplendor meu, tarefa de cuidar-te e servir-te; e tu fumado, que € para essa tarefa — exclamaram en- quanto ela inclinava-se para como que para abraca-la. ha de pertencer a Beatriz a a pagaris com teus beijos e teu halito per: ela como que o sépro da vida.” 26 0, os modos revelando téda a tenure marcante expressa avras, atacefou-se ela com os cuidados que a plat ti Precis exigirs “ ee 2 sua janelaclevada, exfrep: re a olhos € quase duvidava se seri uma menina cuidando de sua flor predileta, ou uma irma a desempenhar s¢ de seus deveres de afeto para com outra. A cena logo terminou, Fosse por ter o pr. Rappaccini acabado seus trtbalhos no jardim, ou por ter o olhar cauteloso avistado 0 rosto do estranho, éle pezou do brago da filha € retirou-se. Aproximava-se ji a noite; cxilades opres- sivas pareciam evolar das plantas e perder-se no acima da sanela aberta; ¢, fechando o caixilho, Giovanni foi para o Ici e sonhou com uma espléndida flor e uma formosa dona Ha OA flor € 4 donzela eram diferentes, contudo idénticas, ¢, ¢m ambas as formas, carregadas com algum estranho perigo. Mas existe uma influéncia na luz da manhi, que tende retificar quaisquer erros de imaginacio, ou mesmo de opiniio, nos quais possamos ter incorrido durante o pér do sol ou em meio as sombras da noite, ou 4 claridade menos sadia do luar. O Giovanni, ao sair do sono, foi abrir de langar os olhos s6bre o jardim que seus Sentiu-se surpreendido anto éle se revelava douravam as Enta r suas PA a primeiro movimento de par em par a janela e | sonhos tinham feito tio fértil em mistérios. e um pouco envergonhado ao verificar 0 qu real e comum, sob os primeiros raios de sol que gotas de orvalho pendentes das félhas e das fléres, e que, con- quanto conferisse uma beleza mais viva a cada flor rara, trazia tudo para dentro dos limites da experiéncia cotidiana. Alegrou-se © jovem por ter, no seio da cidade rida, o privilégio de contemplar aquéle recanto de bela e luxuriante vegetacio. Servir-lhe-ia, dizia éle consigo mesmo, de linguagem simbélica que 0 manteria em comunhio com a Natureza. £ verdade que nem o doentio Dr. Giacomo Rappaccini, desgastado pelo muito pensar, mem a sua brilhante filha, estavam agora visiveis; assim sendo, Giovanni nio podia avaliar quanto da singularidade que éle atribuia a ambos era devida as proprias qualidades déles, e quanto a sua fantasia ctiadora de milagres; sentia-se porém inclinado a formar a opinii mais racional possivel a respeito de téda a situagio. No decorrer do dia foi apresentar os seus respeitos ao Signor Pietro Baglioni, professor de Medicina da universidade, médico de eminente fama, para quem Giovanni trouxera uma carta de 27 Fra 0 professor um personagem idoso, gue € habilos que poderiam’ gi’ *b% e apresentasiio. Z para jantar, © torn renta indole benevolente, denominados joviais. Reteve 0 raps oe agradivel pela liberdade ¢ vivacidade de sua conversacio, expect? mente depois de aquecido por um ou dois frascos de vinho test Imaginando que homens de Ciéncia, moradores da mesma 4 Pe deviam necessiriamente estar em relagSes de intimidade ung 2° outros, Giovanni valeu-se de uma oportunidade para menciona io respondeu com fae nome do Dr. Rappaccini. Mas 0 professor ni cordialidade quanta esperara. — Ficaria mal a um professor da divina arte da Medicina disse o Professor Pietro Baglioni, em resposta a uma Pergunta de Giovanni — 0 negar louvor devido e ponderado a um médico tGo eminentemente habil quanto Rappaccini; mas, por outro lado pouco estaria eu obedecendo & minha consciéncia se consentisse que um honrado jovem como vés, Signor Giovanni, 0 filho de um velho amigo, alimentasse idéias erréneas a respeito de um homem que poderia, eventualmente, em algum momento, ter em suas maos vossa vida e morte. A verdade é que nosso venerando Dr, Rappaccini tem tanta sabedoria quanto qualquer membro da Fa- culdade — com uma tinica excecio, talvez, — de Padua, ou de téda a Italia; porém, existem certas graves objegdes contra a sua reputa¢io profissional. — E quais sio? — perguntou o jovem. — Tem o meu amigo Giovanni alguma doencga do corpo ou do coracio, que o torne tio inquiridor a respeito de médicos? — disse o professor, com um sortiso. — Mas quanto a Rappaccini, dizem déle — e€ eu, que conhego bem o homem, posso responder que éle cuida infinitamente mais da Seus pacientes sio para éle interes- pela veracidade disso — Sa- Ciéncia que da Humanidade. santes somente como objetos para alguma nova experiéncia. crificaria qualquer vida humana, inclusive a déle mesmo, ou 4 de quem lhe fésse mais querido, no intuito de acrescentar um gto de mostarda que fésse ao imenso acervo de seus conheci- mentos. — Parece-me que é realmente um homem horrivel — observou Guasconti, rememorando mentalmente o aspecto frio e puramente intelectual de Rappaccini. — Contudo, honrado professor, no é éste um nobre espirito? Existirio muitos homens capazes de um amor tio espiritual 4 Ciéncia? 28 de vista mais sensato do que aquéle que adot gle a teoria de que tddas as virtudes me panes i. Sustenta naquelas substancias que chamamos cence icinais estio contidas com as préptias mios, e dizem mesmo qu vegetais. Cultiva éstes dades de venenos, mais horrivelmente ee meagan atics um que a Natureza, sem 0 auxilio désse sibio, te conde qualquer como praga ao mundo. Que o signor douter era Jamais lancado que seria de esperar com substincias tio eee rece ‘Uma 7 c Petigosas, nio se pode negar. vez ou outra, é preciso reconhecé-lo, éle efet e parece ter efetuado, alguma cura milagrosa; mas, a tae Tea ou opiniao sincera, Signor Giovanni, éle deveria reckber a ; aes rr tais exemplos de bom éxito — pois sao ee iat a trabalho do acaso — e antes ser rigidamente tido como reapers! or seus fracassos, os quais podem com justica ser reconhecidos como trabalho seu. O jovem teria aceito as opinides de Baglioni com muitos ontos de desconto se soubesse que existia uma batalha profissional de longa duragio entre éle ¢ 0 Dr. Rappaccini, na qual pensava-se geralmente que éste tinha levado a melhor. Se o leitor sentir-se inclinado a julgar por si, aconselhamo-lo a procurar certos optisculos em letra gética escritos por ambas as partes, que se conservam no departamento médico da Universidade de Padua. — Eu nao sei, egrégio professor, — retrucou Giovanni, s ter meditado sébre o que Ihe féra dito do zélo exclusivo a — eu no sei quanto ésse médico pode iste certamente para éle um objeto mais apé: de Rappaccini pela Ciénci amar a sua arte; mas ex! amado ainda. Ele tem uma filha. — Ah! — exclamou 0 professor a rir-se. — Entio, est desco- berto agora o segrédo de nosso amigo Giovanni. Ouvistes falar de sua filha, por quem todos os mancebos de Pidua tém perdido a cabeca, embora nem sequer meia diézia dentre éles tenha tido a ventura de ver-lhe o rosto. Pouco sei da Signora Beatriz, salvo que dizem té-la Rappaccini instruido a fundo em sua cincia ele embora jovem e bela como corre fama que €, J@ see a para reger uma citedra de professor. Talvez seu pai 2 Cea a minha! Correm outros ruméres absurdos, que 8 ES referéncia, nem que se Ihes dé ouvido. | Portanto, Signor anni, bebei agora o seu copo de Lacrima-Christi. 29 Guasconti voltou para casa um tanto esquentado pel, que tinha tragado e que fazia com que teu clrebra tergulf em estranhas fantasia’ relativamente ao De. Rappaccini et po Beatriz. No caminho, como passasse por Scuoetorl naan de flores, comprou um ramalhete de flores recérn-cothidas. 1 Tendo subido até ao quart ec ie _ neha, 1 lad quarto, lo da porém na sombra lancada pela espessura da parede, a fim d poderl ola parson jardiml comipoacol perines detsertdeecotene: Sob o seu othat, tudo era solidio. As estranhas plantas estavam se aquecendo ao sol, e fazendo de vez em quando um aceno coal umas para as outras, como que em testemunho de simpatia ¢ ae tesco. No centro, junto a fonte dilapidada, crescia 0 magnifico arbusto, com suas gemas de parpura a cobri-lo de cachos; ruti- lavam no ar e tornavam a brilhar no fundo do tanque, que parecia assim estar transbordando resplandecéncia colorida, gracas aos re- flexos suntuosos que néle mergulhavam. Primciro, como ja dissemos, 0 jardim era um deserto. Logo, entretanto, — como Giovanni em parte desejava e em parte receava fdsse acontecer, — apareceu um vulto sob o antigo portico esculpido, que se foi aproximando por entre as carreiras de plantas, sorvendo os seus perfumes varios como se fora um daqueles séres da velha fibula clissica, que viviam de suaves fragrancias. Ao avistar novamente Beatriz, 0 mancebo foi até surpreendido por ver 0 quanto a sua beleza excedia a Iembranga que dela guardava; tio brilhante, tio vivida era a sua natureza que cla resplandecia em plena luz do sol, e, como Giovanni murmurou consigo, iluminava positivamente os intervalos mais sombrios da aléia do jardim. Estando seu rosto agora mais descoberto que da primeira ocasido, sentiu-se impressionado por sua expressio de simplicidade e dogura, — do consideradas na idéia que qualidades essas que nao tinham si éle fizera de seu cardter, € que 0 lJevaram a perguntar-se nova- mente que espécie de mortal poderia ela ser. Nem deixou tampouco de notar, ou imaginar, certa analogia entre a bela jovem eo magnifico arbusto que deixava pender, por cima da fonte, Ihantes a pedras preciosas — semelhanga que suas fléres seme! Beatriz parecia Jevada por fantastico capricho a realcar, tanto pelo arranjo de suas vestes quanto pela escolha de suas céres. e os bragos, o, ela abriu amplament r, e atraiu os ramos num apertado Ao aproximar-se do arbust como que com apaixonado ardos 30 lexo — tio aperta amPifolhas, e ee ae que seu rosto fico das » cachos _ brilhantes u escondido no flores. entremearam-se seio a Dee ee “se com Di-me teu s6pro, irmio”, — excl as ar comum faz-me desmaiar. Da-me esta amou Beatriz * da haste com dedos delicados e coloco june flor, junto ao — pois o que eu separo Proferindo tais palavras, a filha de Rap meu coracio, paccini dos mais resplandecentes boté rendé-lo to seio. Mas ant cca € estava a ponto de tivessem perturbado os sentidos de Giova que os tragos de vinho ee eee ages ae gee ae ocorreu um singular lagatto ou do camaleio, estava por omar da espécie do caminho, bem aos pés de Beatriz, Parecen “° a arrastando pelo distincia em que éle se encontrava, dificilmente poderia mas da algo tio diminuto — que uma ou duas gét i poderia ter visto da haste partida da flor, rolavam sobre a ae can Durante a instante, o réptil contorceu-se eee ied ficou estirado, imével, sob a luz do sol. Beatriz viu dese fendmreno notavel e persignou-se, tristemente, porém sem surprésa; nem deixou, em seguida, de prender no seio a flor fatal. ‘Ali, ela desabrochou, ¢€ cintilava quase com o efeito ofuscante de "uma dra preciosa, acrescentando ao traje e ao aspecto da jovem aquéle encanto perfeito que nada mais no mundo poderia ter conferido. Mas Giovanni, saindo da sombra da janela, curvou-se para a frente, retraiu-se para tras, murmurou e estremeceu. “__ Estou acordado? Estou em meu juizo perfeito?” — disse éle de si para si. “— Quem é éste ser? Deverei chamé-la bela, ou inexprimivelmente terrivel?” Beatriz estava agora passeando daqui ¢€ de acola através do jardim, aproximando-se de um ponto situado embaixo da janela de Giovanni, de sorte que ale era obrigado a esticar bastante a cabeca para fora de seu esconderijo, 4 fim de satisfazer a intensa e dolorosa curiosidade que ela provocava. Neste mo- mento apareceu um maravilhoso inseto pot cima do muro do jardim; tinha talvez vagado pela cidade, sem encontrar flores nem folhagens por entre aquelas antigas habitagdes dos homens, até que os intensos perfumes dos arbustos do Dr. Rappaccini © ee de muito longe. Sem pousar nas fléres, aquela fulgéncia aac fe . voagou & pareceu atrafda por Beatriz, ¢ demorou-se no ar e esvoag colheu_ um 31 nio poderiam Mais estar os sse como fésse, pareceu-lhe para oO inscto com infanti] a seus pés; estremeceram por motivo nenhum que ne fdsse a atmosfera a de sua cabega. Desta feita, anni a engana-lo. Beatriz estava olhando ‘as forcas € caia estava morto —— menos qu volt a olhos de Giov: que, enquanto Bea enlévo, éste perdia as. brilhantes; as suas as: : nt - 5 ia co jovem pudesse discernir se ster do ta hilito. Beatriz persignou-se de névo e suspirou profunda- ébre o inseto morto. mente ao inclinar-se so! Um movimento impulsivo de | Ali ela avis grega do que it Giovanni atraiu os olhos da tou a bela cabega do rapaz aliana, com tragos bonitos e ouro por entre os seus cabelos anelados 0 algum ser que estivesse pairando no Giovanni atirou para baixo o rama- jovem para a janela. — uma cabe¢a mais regulares, € um brilho de — voltada para ela com at. Mal sabendo o que fazia, E Ihete que éle até entdo segurara na mio. — Signora, — disse éle — estas sio fléres puras € sadias. Usai-as pelo amor de Giovanni Guasconti. — Obrigada, signor — replicou Beatri nora, que era emitida como se féra uma lufada de misica, e com uma expressio brejeira, que cra a um tempo de criancga e de mulher. — Aceito 0 vosso presente, € gostaria de retribui-lo com esta preciosa flor de pirpura; mas se eu a atirar para o alto, ela no vos alcangar’. Portanto, o Signor Guasconti tera de contentar-se apenas com meus agradecimentos. Ela ergueu do chao o ramalhete e, em seguida, como intimamente envergonhada por ter saido de seu retraimento de virgem para corresponder aos cumprimentos de um estranho, atra- vessou rapidamente o jardim, dirigindo-se para a casa. Mas por breve que fésse aquéle momento, pareceu a Giovanni, quando ela estava prestes a desaparecer sob 0 portico esculpido, que o seu belo ramalhete estava j4 comegando a fenecer nas mios da Era uma idéia infundada; nao havia possibilidade de Ancia iz, com sua voz so- que jovem. distinguir-se entre uma flor murcha e uma fresca, a uma tao grande. aa Por muitos dias apés ésse incidente, o mancebo evitou chegat a janela que dava para o jardim do Dr. Rappaccini, como se algo horrendo e monstruoso Ihe pudesse ferir a vista, "se éle cedesse a tentagdo de langar uma olhadela. Tinha consciéncia de ter-se posto, até certo ponto, sob a influéncia de algum poder incom- 32 preensivel por causa das relagées que tinha iniciado com Beatriz, O procedimento mais sensato teria sido, se 0 seu coragio estivesse correndo algum verdadciro perigo, abandonar seu quarto ¢ a propria Padua imediatamente; outro, um pouco menos sensato, teria sido acostumar-se, 0 quanto possivel, com a vista familiar cotidiana de Beatriz, trazendo-a por esta forma, rigida e siste- miticamente, dentro das raias da experiéncia comum. O que Giovanni nunca deveria ter feito era permanecer, enquanto evitava vé-la, tio préximo a éste ser extraordinario, pois que a proximidade e a prépria possibilidade de comunicagio poderiam conferir uma espécie de substancia e de tealidade 4s loucas divagagées que sua imaginacio se comprazia continuamente em forjar. | Guasconti nio possufa um coragio profundo, ou, pelo menos, suas profun- dezas até ent&o nao tinham sido sondadas; mas éle era dotado de uma fantasia ativa e de um ardente temperamento meridional, que alcangava a cada instante um grau de febre mais elevado. Possuisse ou nao Beatriz aquéles atributos terriveis, aquéle hilito fatal, a afini- dade com aquelas fldres tio belas e mortais, como fazia crer tudo quanto Giovanni presenciara, ela havia pelo menos instilado um veneno sutil e violento em seu organismo. Nao era amor, embora a sua resplendente beleza o enchesse de loucura; nem era horror, mesmo quando éle imaginava que o seu espirito estivesse imbuido da mesma esséncia funesta que parecia ter-se infiltrado em todo © seu arcabouco fisico; era porém um selvagem rebento de amor e horror ao mesmo tempo, que tinha néle algo de cada ascendente, e que ardia como aquéle ¢ estremecia como éste. Giovanni nio sabia o que receat; sabia ainda menos em que pér suas esperancas; entretanto, esperanga e receio travavam em seu peito uma luta sempre renovada, em que alternadamente vencia um, e 0 outro tornava a erguet-se para prosseguir na luta. Abencoadas tddas as simples emocées, sejam elas sombrias ou brilhantes! E a Iirida associagio de ambas que produz a chama iluminadora das regides infernais. Por vézes procurava éle abater a febre do espirito com um rapido passeio pelas ruas de Padua ou além de suas portas: seus passos acompanhavam o ritmo das pulsagSes do cérebro, de sorte que o passeio acabava por acelerar-se em uma corrida. Certo dia, fizeram-no parar; seu brago foi agarrado por um corpulento personagem, que se voltara ao reconhecer o mancebo e gastara muito folego até poder alcancé-lo. 33 Parai, meu jovem amigo! — exclamou — Signor Giovanni! : : Sig) Bem poderia ser, se eu estivesse éle, — Estais esquecido de mim? tio mudado quanto vés. Era Baglioni, a quem Giovanni cues desde 0 primeiro encontro, com a suspeita de que a sagacidade do professor pudesse penetrar muito fundo em seus segredos. _Procurando voltar a si, olhava esgazeadamente de seu mundo interior para o mundo homem perdido em sonhos. externo e falava como um : / — Sim; sou Giovanni Guasconti. Vés sois 0 Professor Pietro Baglioni. Agora, deixai-me passar! : — Nio ainda, nao ainda, Signor Giovanni Guasconti — disse o professor, sorrindo, mas ao mesmo tempo perscrutando ‘© jovem com penetrante olhar. — Qué! nao cresci eu lado a lado com vosso pai? e haveré o filho déle de passar por mim como um estranho nestas veihas ruas de Padua? Parai, Signor Giovanni, pois temos de trocar algumas palavras antes de nos separarmos. — Depressa, entZo, muito honrado professor, depressa — disse Giovanni com impaciéncia febril. — Nao vé 0 nobre pro- fessor que estou com pressa? Ora, enquanto éle estava falando, surgiu na rua um homem yestido de préto, curvado e movendo-se lentamente, como uma ssoa de ma saide. Seu rosto denotava uma cér extremamente palida e doentia, mas ainda assim trazia tio fortemente estampada a marca de uma inteligéncia penetrante e ativa que qualquer observador poderia com facilidade nao levar em conta os atributos meramente fisicos e ver apenas a sua matravilhosa energia. Ao passar por éles, aquela pessoa trocou com Baglioni uma saudacio fria e distante, mas cravou o olhar em Giovanni, com uma inten- sidade de atengio que parecia pér a descoberto tudo quanto néle existia que merecesse ser observado. No entanto, havia naquele olhar uma estranha quietude, como se tivesse apenas interésse especulativo, e no humano, no mancebo. — E o Dr. Rappaccini! — cochichou o professor, depois de © estranho os ter ultrapassado. — Ja chegou éle a ver 0 vosso rosto antes? — Nio que eu saiba — respondeu Giovanni, sobressaltando-se ao ouvir aquéle nome. — Ele ja vos viu! Ele deve vos ter visto! — disse Baglioni, rapidamente. — Por éste ou aquéle motivo, ésse homem de 34 Ciéncia esté fazendo algum estudo convosco. Conheso_aquéle seu olhar! Bo mesmo que Ihe ilumina friamente as feicdes quando éle se inclina s6bre um passaro, um camundongo ou uma borboleta, que éle matou com o perfume de uma flor, no decorrer de alguma experiéncia; um olhar tio profundo quanto a propria natureza, mas desprovido do calor de amor da Natureza. Signor Giovanni, sou capaz de apostar minha vida que estais sendo o objeto de alguma experiéncia de Rappaccini! — Quereis tomar-me por um estulto? — exclamou Giovanni com _veeméncia. — Isto, sim, senhor professor, seria uma expe- riencia. perversa. — Paciéncia! Paciéncia! — replicou o imperturbavel pro- fessor. — Digo-vos, meu pobre Giovanni, que Rappaccini tomou um interésse cientifico por vés. Caistes em suas horrendas mios! E a Signora Beatriz — que papel desempenha ela neste mis- tério? Mas Guasconti, a quem se tornara intolerdvel a pertinacia de Baglioni, retirou-se neste ponto, e ja estava longe, antes que 0 professor o pudesse novamente segurar pelo braco. Ele olhou atentamente para o jovem e meneou a cabega. — “Isto nao pode set”, — disse Baglioni de si para consigo. — “Esse rapaz é filho de meu velho amigo, e nfo ha de incorrer em nenhum mal do qual os arcanos da ciéncia médica o possam preservar. Além disso, € uma impertinéncia por demais intole- ravel da parte de Rappaccini, arrancar desta maneira, por assim dizer, 0 rapaz das minhas maos € utilizd-lo para alguma de suas infernais experiéncias. Aquela filha déle! Serd preciso cuidar disso, também. Talvez, sapientissimo Rappaccini, possa eu ludi- brié-lo quando menos sonhar com isso!” Entrementes, Giovanni prosseguia em seu percurso erratico, e encontrou-se finalmente 4 porta de sua casa. Ao transpor a soleira, foi acolhido pela velha Lisabetta, cheia de mesuras € sorrisos, que desejava visivelmente atrair-lhe a atencao; debalde, entretanto, pois a ebulicéo de seus sentimentos abatera-se momen- tineamente em uma vacuidade fria e inexpressiva. Ele fitou 0 rosto enrugado que se estava franzindo num sorriso, mas nao pareceu noté-lo, A velha senhora, entéo, segurou-O pelo ca- saco. Signor! signor! — murmurou ela, com UM Sortiso atra. ves: aS em téda a largura do rosto, 0 fast ornava no ae vessiido com uma grotesca escultura em madeira, enegeecd pelos Pemalos. — Ouga, signor! Ha uma entrada A para o an aa : van dim! O que disse? —- exclamou Giovanni, voltando-se Fipida. To aES fora algum objeto inanimado entrando sibitaments em vida febril. — Uma entrada secreta para o jardim do p, Rappaccini? : : : a Psiu! Psiu! Nao fale tio alto! — cochichou Lisabetta, colocando a mio sébre a béca do jovem. — Isso mesmo; para dignissimo doutor, onde o senhor poderd ver todos o jardim do p : i Mais de um mancebo, em Padua, daria our os belos atbustos. n para ser admitido por entre aquelas fléres. Giovanni pés-Ihe na mao uma moeda de ouro. — Ensine-me o caminho — disse éle. Perpassou-lhe pela mente uma_ suspeita, provavelmente des- ettada pot sua conversa com Baglioni, de que essa interposic: da velha Lisabetta poderia talvez estar relacionada com a intriga, fésse qual fésse a sua natureza, na qual o professor parecia supor que o Dr. Rappaccini o queria envolver. Mas tal suspeita, embora petturbasse Giovanni, foi incapaz de deté-lo. No momento em ue se tornou sabedor da possibilidade de aproximar-se de Beatriz, pareceu-lhe que fazé-lo era uma necessidade imperiosa para a sua existéncia. Nao importava ser ela anjo ou deménio; éle pertencia irrevogavelmente 4 sua esfera, e tinha que obedecer & lei que o fazia redemoinhar naquela direcio, em circulos sempre mais es- treitos, para um resultado que éle nio Pfocurava antever; e contudo, por estranho que pareca, ocorreu-Ihe uma sabita desconfianga de que ésse seu intenso interésse talvez fésse uma ilusio; talvez nao tivesse um cardter bastante profundo e positivo para justificar 0 atirar-se éle a uma situaggo incalculdvel; talvez fésse a simples fantasia do espirito de um jovem, apenas levemente, ou mesmo de forma alguma, relacionada com o seu coracio. Fle parou, vacilou, féz meia volta, mas finalmente prosseguiu- Seu_encarquilhado guia conduziu-o por diversas passagens escuras € finalmente abriu uma porta, pela qual, ao ser descerrada, Penetraram a visio € 0 som de folhagens farfalhantes, brilhantes CaP ae tertstO8: do sol que interceptavam. Giovanni dew um 36

Você também pode gostar