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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
REITOR Jaime Arturo Ramírez
Poemas
VICE-REITORA Sandra Regina Goulart Almeida Georges Bataille
EDITORA UFMG
DIRETOR Wander Melo Miranda
ORGANIZAÇÃO E TRADUÇÃO
VICE-DIRETOR Roberto Alexandre do Carmo Said ALEXANDRE RODRIGUES DA COSTA
VERA CASA NOVA
CONSELHO EDITORIAL
EDIÇÃO BilÍNGUE
Wander Melo Miranda I presidente
Danielle Cardoso de Menezes
Eduardo de Campos Valadares
Élder Antônio Sousa Paiva
Fausto Borém
Flavio de Lemos Carsalade
Maria Cristina Soares de Gouvêa
Roberto Alexandre do Carmo Said Belo Horizonte 2015

( EDITORAufmg)
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© 2015, Alexandre Rodrigues da Costa, Vera Casa Nova


© 2015, da coleção, Márcia La rica
Sumário I
© 2015, Editora UFMG

Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido NOTA EXPLICATIVA SOBRE OS POEMAS 12
por qualquer meio sem autorização escrita do Editor.

O DESAFIO DA TRADUÇÃO 16
B328a.Pc Bataille, Georges,1897-1962. Vera Casa Nova
Poemas I Georges Bata iiie ; tradução de
Alexandre Rodrigues da Costa, Vera Casa Nova,
-Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015. EXPLOSÃO EM SILÊNCIO 18
356 p. : ii.- (Fora de Série) Eliane Robert Moraes
Fernando P.aixão
Texto em Francês e Português
ISBN: 978-85-7041-990-3

1. Poesia francesa. I. Costa, Alexandre


Rodrigues da. 11. Casa Nova, Vera. III. Série.
IV. Título. Poemas
CDD:841
CDU: 821.133.1-1 27 . L'Archangélique
O Arcangélico
Elaborada pela DITII- Setor de Tratamento da lnfonmação
Biblioteca Universitária da UFMG
28 Le Tombeau
COORDENAÇÃO EDITORIAL Michel Gannam
29 Otúmulo
ASSISTÊNCIA EDITORIAL Eliane Sousa
COORDENAÇÃO DE TEXTOS Beatriz Trindade
DIREITOS AUTORAIS Maria Margareth de Lima e 56 L'Aurore
Renato Fernandes 57 Aaurora
PREPARAÇÃO DE TEXTOS Maria do Rosário A. Pereira
REVISÃO DE PROVAS Cláudia Campos e Thaís Duarte Silva
PROJETO GRÁFICO DA COLEÇÃO Márcia Larica
90 Le Vide
FORMATAÇÃO Tulio Linhares 91 Ovazio
PRODUÇÃO GRÁFICA Warren Marilac

95 Poemes de la Som me Athéologique


Poemas da Suma Ateológica

131 Du Halt de Montserrat


Do Alto de Montserrat
EDITORA UFMG
Av. Antônio Carlos, 6.627
135 De la Douleur au Livre
CAD 11 Bloco III Pampulha Da Dor ao Livro
Belo Horizonte MG
CEP 31.270-901 Brasil
Te!. +55 {31) 3409 4650 136 Douleur et Quatre Poemes
Fax+ 55 (31) 3409 4768
editora@ufmg.br 137 Dor e quatro poemas
www.editoraufmg.com.br
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II
11
146 fe Mets mon Vit contre ta foue 259 L'Être Indifférencié n'est Rien
147 Coloco meu pau contra tua bochecha O Ser Indiferente não é Nada

148 ô Crâne... 270 Poemes Disparates


149 Ô crânio ... 271 Poemas disparatados

150 Onze Poemes Retirés de L'Archangélique 283 L'Orestie


151 Onze poemas retirados de O Arcangélico A Oréstia

172 Poemes Éliminés 284 Invocation à la Chance


173 Poemas eliminados 285 Evocação do acaso

206 Le Loup Soupire... 286 La Discorde


207 O lobo suspira 287 A discórdia

208 Poemes Érotiques 291 Moi


209 Poemas eróticos Eu

222 Coryphea 302 Le Toit du Temple


223 Corifeia 303 O teto do templo

224 Cinq Poemes de 1957 312 fe me fette chez les Morts


225 Cinco poemas de 1957 313 Me jogo aos mortos

234 La Tombe de Louis XXX 322 Étre Oreste


235 A tumba de Luís XXX 323 Ser Orestes

252 Absence de Remords 337 LeLivre


253 Ausência de remorsos O Livro

254 Acéphale
255 Acéfalo

256 Dans le Halo de la Mort


257 No halo da morte PONTO DE LACERAÇÃO: O FRACASSO
NA POESIA DE GEORGES BATAILLE
Alexandre Rodrigues da Costa 342

CRONOLOGIA 350
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11

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NOTA EXPLICATIVA O Arcangélico
SOBRE OS POEMAS
Nossa tradução de L'Archangélique se baseia na edição estabelecida
a partir da que Georges Bataille lançou sob o mesmo título nas edições
Messages (impressa em 30 de abril de 1944).
Os manuscritos L'Archangélique são classificados em três grupos
no inventário dos papéis de Georges Bataille:

1) Um conjunto de 48 páginas compreendendo:


a) um manuscrito completo e nomeado de "Tombeau", precedido desta
menção: "cópias de L'Archangélique a destruir";
b) um manuscrito incompleto de "Tombeau" e de "L' Aurore";
c) uma cópia passada a limpo do primeiro poema de "L'Aurore";
d) urna série de rascunhos dificilmente decifráveis com numerosas
versões repetidas dos mesmos poemas;
e) uma cópia passada a limpo dos poemas: "Ma Sceur Riante, Tu es la
Mort...", "Seule, Tu es la Vie ...", que eram parte de "L'Aurore':

2) Um conjunto de 56 páginas compreendendo:


a) um manuscrito completo de L'Archangélique, provavelmente passado
a limpo para a publicação e datado para reunião: "agosto de 1943";
b) alguns "poemas não publicados" (de outubro de 1943 a abril de
1944), em que se encontram rascunhos e cópias sem rasura;
c) um maço de rascunhos com o que deve ser a primeira versão de
"Tombeau".

3) Uma pequena série de rascunhos com disparates onde se


encontram os poemas e o plano das obras.

Poemas da suma ateológica

Georges Bataille deu o subtítulo de "somme athéologique" aos


três volumes que constituem o centro de sua obra e que aparecem su-
cessivamente na seguinte ordem: L'Expérience Intérieure, em 1943; Le
Coupable, em 1944; Sur Nietzsche, em 1945.

13
Do alto de Montserrat Chansons

Este é aparentemente o primeiro poema publicado por Georges 1) La Lie.


Bataille. Ele faz parte de um conjunto intitulado: Montserrat par André 2) Ma Fêlure.
Masson et Georges Bataille, e compreende: 3) J' ai de la Merde.
a) "Du Haut de Montserrat"; 4) La Blessure.
b) "Le Bleu du Ciel"; 5) La Nuit est ma Nudité.
c) as reproduções de "Aube à Montserrat" (1935) e de "Paysage aux Le Livre.
Prodiges" (1935) de André Masson. L'Oratorio.
Esse conjunto ocupa as páginas 50, 51 e 52 do número 8 da revista
Minotaure, impressa em 15 de junho de 1936. "Le Bleu du Ciel" (páginas 2) Três cópias datilografadas: a terceira cópia, corrigida, traz anotações
51 e 52) é um texto em prosa que não tem nada em comum com o de tipógrafo (indicando, por exemplo, uma tiragem de cem exemplares)
romance de mesmo titulo publicado em 1957. e é acompanhada de elementos da última página. Parece, no entanto,
que o projeto de edição não teve continuação.
Da dor ao livro
O ser indiferente não é nada
Título composto a partir do primeiro e do último poemas desta
série de poemas encontrados nos papéis de Georges Bataille. Esse con- Este poema aparece1J unicamente na revista Botteghe oscure. Suas
junto apareceu no volume IV das Obras completas. seis partes foram publicadas no número XIII, na qual eles ocupam as
páginas 14, 15 e 16.
A tumba de Luís XXX
AOréstia
Composto por volta de 1954 a partir de poemas não utilizados; a
pasta contém: "A Oréstia" é a terceira parte do livro O impossível (L'Impossible),
nome dado à segunda edição do texto originalmente intitulado ódio.
l) O manuscrito, que é acompanhado de três grupos de poemas onde da poesia (Haine de la Poésie), publicado em 1947. Na primeira versão
se encontram "Dor e quatro poemas" e os rascunhos de Le Petit, publi- do texto, ela era a primeira seção, acompanhada de "Uma história de
cado em 1943, sob o pseudônimo de Louis Trente. "Bataille escreveu os ratos" e "Dianus".
poemas diante de mim, com a ideia de que eu poderia talvez musicá-los.
Foi em outubro e novembro de 1944" (René Leibowitz). O manuscrito O livro
conservado por René Leibowitz encontra-se assim:
Repetição de "Je Mets mon Vit...': poema encontrado nos manus-
critos de I:Archangélique. A fotografia de uma vulva deveria se interca-
lar entre esta página e a que lhe seguiria.

14 15
r

O DESAFIO DA TRADUÇÃO Trata-se mesmo de uma "dialética prática", como afirma Paul
VERA CASA NOVA Ricreur, ou seja, de uma dicotomia fidelidade versus traição. Ser fiel
aos versos de Georges Bataille, ou trair e assumir os erros da aposta, no
risco de traduzir. Ou ainda, como afirma Ricreur, "as razões do impasse
. _ G_randeza da tradução, risco da tradução: especulativo, em que o intraduzível e o traduzível se entrechocam". 1
tra17ao cnadora do original, apropriação criadora
pela hngua de acolhida, construção do comparável. Durante um ano, pensamos, eu e Alexandre, como fazer possível
Paul Ricreur a outros leitores, sobretudo àqueles que não têm acesso aos versos em
língua francesa de G. Bataille, a leitura destes textos.
Traduzir os poemas desse autor requer um tipo de orientação que
perpassa ora a questão da tradutibilidade, ora a da intradutibilidade:
Daí a possibilidade de uma traição a todo momento.Traição discutida
durante a leitura (interpretação e análise dos poemas) em que a tarefa
maior do pós-doutorado de Alexandre Rodrigues se apresentava como
enfrent1U" a tradução. Assim foi. Durante o tempo de seu estágio de PD
financiado pela Fapemig, a procura do sentido idêntico, ou quase, nos
inquietou muito. A possível traduçãó em termos de fidelidade às ideias
e versos do autor.
Os versos de Bataille desnorteiam os tradutores, pois a propensão
de sua poética é não comunicar, tal qual os grandes poetas. Intraduzível,
muitas vezes, indizível, não só no próprio francês como no português. A
perplexidade tomou conta de nós por vários momentos, e por isso mes-
mo resolvemos trabalhar a língua sobre ela mesma, seguindo os conse-
lhos de Paul Ricreur.
O desejo de traduzir era maior. Ultrapassando obstáculos das duas
línguas (daí a importância de uma edição bilíngue), entre polissemias
possíveis, tentamos sempre restituir equivalências língua a língua, cons-
truindo comparáveis (notas de tradução) e equivalências de sentido.
Quando dois poetas se reúnem para traduzir outro poeta, só resta a
inquietação, ou o sentido do provisório, como lembra Walter Benjamin
em A tarefa do tradutor. Esperamos que os leitores desses versos possam
aquilatar a importância desse polêmico filósofo-poeta que nos legou
não só a teoria, mas a prática poética do erotismo.

1 RICCEUR, Paul. Sobre a tradução. Trad. Patrícia Lavalle. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 37.
i:
17
EXPLOSÃO EM SILÊNCIO Estranha poesia, essa de Georges Bataille, em que o úniéo ponto
ELIANE ROBERT MORAES de sustentação das palavras parece ser a instabilidade. Estranhos poemas,
FERNANDO PAIXÃO esses de O Arcangélico, que se propõem como o grito mudo de um su-
jeito em desesperada travessia da noite sem ter, no horizonte, qualquer
esperança de despertar. Estranha eloquência, a desse "eu lírico" que se
apaga em cada verso, condenando seu próprio enunciado ao mais pro-
fundo silêncio. Aliás, é em torno do silêncio que essa poesia gravita o
tempo todo, como que buscando avizinhar-se da morte.
A palavra silêncio, diz Bataille, carrega em si um paradoxo. O que
ela diz nomear não se deixa capturar por nenhum nome; o que prome-
te designar não pode jamais ser designado. Trata-se de um significante
que, no limite, burla seu próprio significado, uma vez que toda palavra
implica, por princípio, um ruído a desmentir o silêncio. Assim como
acontece com a palavra nada- cuja menção, por si só; trai a pretensão
de convocar o vazio que jaz em seu horizonte-, a simples nomeação do
silêncio supõe o anúncio de seu fracasso.
i
Em 'Texpérience intérieure': Bataille se abandona a essa reflexão para i·
concluir que o silêncio, "entre todas as palavras, é a mais perversa, ou a mais
poética: ela é a própria garantia de sua morte': Daí que ela se apresente na
qualidade de "palavra escorregadia': que se desvia dos sentidos habituais
para abrir caminhos rumo à interioridade do sujeito. Explica o autor:

( ... ) quando um perfume de flor está carregado de re-


miniscências, nós nos demoramos ao exalar essa flor,
a examiná-la, na angústia do segredo que sua doçura
está prestes a nos oferecer: esse segredo nada mais é que
presença interior, silenciosa, insondável e nua, que uma
atenção constante às palavras (aos objetos) nos furta.

Ora, o silêncio designaria justamente esse momento de suspensão


em que a intensidade da experiência íntima se impõe ao verbo e, por
isso mesmo, constitui seu paradoxo:"( ... ) o silêncio é uma palavra que
não é palavra, e o sopro de um objeto que não é um objeto..." 2

2BATAILLE, Georges. J:expérience intérieure. in: Omvres completes V. La somrne athéologique. Paris:
Gallirnard, 1973. p. 28-29.

19
Talvez se possa afumar que esse paradoxo está no centro da poesia arriscado, sem dúvida, e igualmente paradoxal, uma vez que se propõe a
de Bataille. Basta abrir O Arcangélico ao acaso e ler alguns de seus poemas ultrapassar o domínio verbal a partir do próprio verbo. Para realizá-lo,
para comprová-lo, tal como acontece com os versos que se seguem: o autor de O Arcangélico se entrega a uma concepção muito particular,
sintetizada num verso tão cortante quanto categórico: "Eu me aproximo
o nada não é mais que em mim eu mesmo da poesia: mas para perdê-la."
o universo não é mais que minha tumba Trata-se, pois, de conceber a poesia como perda, o que coloca esses
o sol não é mais que minha morte poemas em plena sintonia com a extensa obra de um pensador que se
devotou, como nenhum outro, a uma densa reflexão sobre as figuras da
Ou ainda: perda, tais como o dom, o êxtase e a dilapidação. Escrita em distintos
momentos da vida do autor, mais exatamente entre o início da década
e os lírios de 1940 e o final dos anos de 1950, a produção que compõe O Arcan-
evaporam a água destilada gélico resume, à sua maneira, as grandes inquietações de Bataille. Mais
as palavras fracassam que isso, porém, o que ela realmente faz é dramatizar essas inquietações
e eu fracasso por fim no próprio ato da linguagem.
Por tal razão, mais ainda que o ensaio e a ficção, essa poesia pode ser
Os exemplos abundam. Tudo exala um espírito paradoxal nesta vista como a expressão por excelência da perda, realizando aquela "despe-
poesia que parece se desmentir a cada linha, como se as palavras ali sa simbólica" sobre a qual discorrem as notáveis páginas de La notion de
tivessem a função irrevogável de negar a si mesmas. Como que confir- dépense. Não por acaso, Bataille afuma nesse ensaio seminal que
mando esse traço central de sua lírica, Bataille lembra que
a noção de poesia, que se aplica às formas menos de-
ainda que as palavras drenem em nós quase toda a gradadas, menos intelectualizadas da expressão de um
vida - esta vida cujos raminhos, sem exceção, parecem estado de perda, pode ser considerada como sinônimo
ter sido apreendidos, arrastados, juntados por uma de despesa: significa, com efeito, de modo mais preciso,
multidão de formigas (as palavras) que não conhecem criação por meio da perda. Seu sentido é, portantó, vizi-
descanso -, ainda assim subsiste em nós uma parte nho àquele do sacrificio. 4
muda, esquiva, inapreensível. Na região das palavras, do
discurso, essa parte é ignorada. Por isso, ela geralmente Com efeito, tal qual um gesto de pura perda, cada poema deste livro
nos escapa. 3 parece evocar um rito sacrificial em que um sujeito nu, desprovido de
tudo, encena sua própria ruína. A começar pelo texto que abre o volume
Eis aí uma chave para se compreender a singularidade deste livro: o e que está entre os mais angustiados do autor: no inqUietante "O túmulo':
que sua poética pretende tocar parece ser justamente essa região secreta o léxico sombrio se impõe à voz lírica para dramatizar o movimento de
da qual emana uma espécie de silêncio intenso e introspectivo. Projeto

'BATAILLE, Georges. La twtion de dépense. ln: Quvres completes I. Premiers écrits (1922-1940). Paris:
3
Ibidem, p. 27. Gallimard, 1970. p. 307.

20 21
uma "imensidade" cósmica que desaba sobre um "eu" trágico, perdido no autônoma. O sacrifício do indivíduo, por via avessa, serve então como
caos do universo. Não há verdade que se sustente ao longo dessa perfor- testemunho do incessante trabalho da morte. Em verdade, o sujeito
mance verbal, que, não raro, se vale de imagens extremas: atua paradoxalmente como "persona coletiva".
É ele mesmo a confidenciá-lo:
minha cabeça doce
que esgota a febre Abro em mim mesmo um teatro
é o suicida da verdade onde se encena um falso sono
(... ) uma montagem sem objeto
o amor é paródia do não amor
a verdade é paródia da mentira sem esperança
o universo um alegre suicídio a morte
a vela apagada.
Sem pretender qualquer verossimilhança, o mundo das palavras
se livra a si mesmo, entrega-se ao insustentável da existência, à sua ir- Ora, uma montagem sem objeto e sem esperança supõe neces-
realidade, tal qual uma sombra declinada sobre o cosmos. Por conta sariamente um diálogo com a finitude, entendida como manifestação
disso, "O túmulo" está entre os poemas que melhor realizam o intento e
maiúscula que implica a cada um a todos. Mas, o que se vê aí é uma
batailliano de fuga da linguagem na desvairada tentativa de falar além mortandade em sacrifício lento, intensificada por imagens dilaceradas
do logos. Em vez de acumular sentido linearmente, cada verso parece e persistentes. Compõem um personagem que parte da negatividade
trabalhar para instaurar aquele intervalo introspectivo que aponta para máxima e que procura fixar no espaço imaginário da morte um campo
a implosão dos sentidos correntes. próximo da antipoesia, com propriedades similares à antimatéria.
O sacrifício manifesta-se, portanto, no plano da expressão e ao Nada que lembre, portanto, uma poesia bem-acabada e harmoni-
mesmo tempo na subjetividade que explode entre forças absolutas. zada no ritmo. Ao contrário, seu traço inusitado transparece por meio
Para conseguir tal efeito, o rito promovido pela poética de Bataille de uma tessitura renitente e acumulativa de sensações. As imagens in-
mantém como força centrífuga a figura onipresente do "eu': tão am- sistem numa enumeração que mais se aproxima da tonalidade de ma-
plamente explorada. Frente aos nossos olhos de leitor, o sacrifício do nifesto subjetivo, levado a descomprimir conteúdos ansiosos. Quanto ·
eu traduz um "desespero a equilibrar-se apenas no ponto do próprio mais paradoxal é o pensamento, mais resulta num tom afirmativo e
paradoxo': conforme a máxima criada por Adomo. 5 agônico.
Por meio de golpes sucessivos, o desespero se desentranha da teia Daí este livro configurar uma poética intensa e estranha, muito es-
de paradoxos. No decorrer da leitura, testemunha-se o desfile dilace- tranha. Nela, fica registrada uma espécie de síntese dramática daquele
rado de uma subjetividade dispersa entre sensações e visões múltiplas. mesmo sujeito radical que se encontra nos ensaios filosóficos de Bataille.
No entanto, como essas percepções beiram o absoluto, elas se desco- A seu modo, esses poemas teatralizam o impasse de quem deseja alcançar
lam do sujeito para assumir uma dicção grandiloquente, impessoal e o absoluto, mas se vê reduzido a uma densa camada de silêncio. Não !;lá
como fugir ao paradoxo. O Arcangélico, afinal, traz à luz uma experiência
5
ADORNO, Theodor. Lírica e sociedade. ln: OS PENSADORES- Adorno. São Paulo: Abril, 1975. p. 207. interior que ultrapassa os limites da própria poesia.

22 23
-,

L'Archangélique
O Arcangélico
Le Tombeau O túmulo

I I

Immensité criminelle Imensidade criminosa


vase fêlé de l'immensité vaso rachado da imensidade
ruine sans limites ruína sem limites

immensité qui m'accable molle imensidade flácida que me esmaga


;e suts mau sou fraco
l'univers est coupable o universo é culpado

la folie ailée ma folie loucura alada minha loucura


déchire l'immensité rasga a imensidade
et l'immensité me déchire e a imensidade me rasga

je suis seul estou só


des aveugles liront ces lignes cegos lerão estas linhas
en d'interminables tunnels em intermináveis túneis

je tombe dans l'immensité caio na imensidade


qui tombe en elle-même que cai em si mesma
elle est plus noir que ma mort ela é mais negra que minha morte

le soleil est noir o sol é negro


la beauté d'un être est le fond des caves a beleza de um ser é o fundo dos porões
un cri de la nuit définitive um grito da noite definitiva

ce qui aime dans la lumiere o que ama na luz


le frisson dont elle est glacée o arrepio com o qual ela se congela
est le désir de la nuit é o desejo da noite
je mens eu minto
et l'univers se cloue e o universo se fixa
à mes mensonges déments às minhas mentiras insanas

l'immensité a imensidade
etmoi e eu
dénonçons les mensonges l'un de l'autre denunciamos as mentiras um do outro

la vérité meurt a verdade morre


et je crie e eu grito
que la veritément que a verdade mente

ma tête sucrée minha cabeça doce


qu'épuise la fievre que esgota a febre
est le suicide de la vérité é o suicida da verdade

30 31
le non-amour est la vérité o não-amor é a verdade
et tout ment dans l' absence d' amour e tudo mente na ausência de amor
rien n'existe qui ne mente nada existe que não minta

comparé au non-amour comparado ao não-amor


l'amour est lâche o amor é covarde
et n'aime pas e não ama

l'amour est parodie du non-amour o amor é paródia do não-amor


·la vérité parodie du mensonge a verdade paródia da mentira
l' univers un suicide gai o universo um alegre suicídio

dans le non-amour no não-amor


l'immensité tombe en elle même a imensidade cai em si mesma
ne sachant que faire não sabendo o que fazer

32 33
tout est pour d' autres en paix tudo está para os outros em paz
les mondes tournent majestueux os mundos se tornam majestosos
dans leur monotonie calme em sua calma monotonia

l'univers est en moi comme en lui-même o universo está em mim como em si mesmo
plus rien ne m'en sépare nada mais me separa dele
je me heurte en moi-même à lui me enfrento em mim mesmo com ele

dans le calme infini na calma infinita


ou les lois l' enchainent onde as distrações o acorrentam
il glisse à l'impossible immensément ele desliza para o impossível imensamente

\ ..

34 35
-------

horreur horror
d'un monde tournant en rond de um mundo transformado em círculo
l' objet du désir est plus lain o objetodo desejo está mais longe

la gloire de l'homme est a glória do homem


si grande qu'elle soit é tão grande que ela
d' en vouloir une autre quer ser outra

Je SUlS eu sou
le monde est avec moi o mundo está comigo
poussé hors du possible empurrado fora do possível

je ne suis que le rire eu sou apenas o riso


et la nuit puérile e a noite infantil
ou tombe l'immensité onde cai a imensidade

iI
lq

I
l
I'
I•

36 37
r
je suis le mort eu sou o morto I:
'1

o cego i1
l'aveugle i
l' ombre sans air a sombra sem ar

com me les fleuves dans la mer como os rios no mar


en moi le bruit et la lumiere em mim o ruído e a luz
se perdent sans finir se perdem sem fim

je suis le pere eu sou o pai


et le tombeau · e o túmulo
du ciel do céu

38 39
ri
I I

· o excesso de trevas
l'exces de ténebres
est I' éclat de I' étoile · é o brilho das estrelas
le froid de la tombe est un dé o frio da tumba é um dado

la mort joua le dé a morte jogou o dado


et le fond des cieux jubile e o fundo dos céus jubilou-se
de la nuit qui tombe en moi da noite que tombou em mim.

I~

41
40
II II

Le temps m'apresse je tombe O tempo me obriga a cair


et je glisse sur les genoux e eu deslizo sobre os joelhos
mes mains tâtent la nuit minhas mãos tateiam a noite

adieu ruisseaux de lumiere adeus riachos de luz


il ne me reste que l'ombre me resta apenas a sombra
la lie le sang a borra o sangue

j' attends le coup de cloche espero o toque de sino


ou jetant un cri onde ao se arremessar um grito
j' entrerai dans l' ombre entrarei na sombra

42 43
III . III

Un long pied nu sur ma bouche Um longo pé nu sobre minha boca


un long pied contre le creur um longo pé contra o coração
tu es ma soif ma fievre tu és minha sede minha febre

pied de whisky pé de whisky


pied de vin pé de vinho
pied fou de terrasser pé louco para esmagar

ô ma cravache ma douleur ó meu chicote ó minha dor


talon tres haut me terrassant calcanhar suspenso me pisando
je pleure de ne pas mourir choro por não morrer

ô soif ó sede
inapaisable soif insaciável sede
désert sans issue deserto sem saída

44 45
soudaine bourrasque de mort ou je crie tempestade repentina de morte onde eu grito
aveugle à deux genoux cego de dois joelhos
et les orbites vides e as órbitas vazias

couloir ou je ris d'une nuit insensée corredor onde eu rio de uma noite insana
couloir oil je ris dans le claquement des portes corredor onde eu rio ao bater das portas
oil j' adore une fleche onde adoro uma flecha

et j' éclate en sanglots rompo em soluços


le coup de clairon de la mort o toque de clarim da morte
mugit dans mon oreille mugindo na minha orelha

46 47
r
I
I;
I

IV IV

Au-delà de ma mort Além de minha morte


UnJOUT um dia
la terre tourne dans le ciel a terra virou céu

je suis mort estou morto


et les ténebres e as trevas
alternent sans finir avec le jour alternam sem fim com o dia

l'univers m'est fermé o universo me fechou


en lui je reste aveugle nele eu fico cego
accordé au néant em acordo com o nada
le néant n'est que moi-même .~ nada não é mais que em mim eu mesmo
l'univers n'est que ma tombe o universo não é mais que minha tumba
le solei! n'est que la mort o sol não é mais que minha morte

mes yeux sont 1'aveugle foudre meus olhos são raios cegos
mon creur est le ciel meu coração é o céu
ou 1'orage éclate onde a tempestade eclode

en moi-même em mim mesmo


au fond d'un abíme no fundo de um abismo
l'immense univers est la mort o universo imenso é a morte

50 51
je suis la fievre ~u sou a febre
le désir o desejo
je suis la soif eu sou a sede

la joie qui retire la robe a alegria que tira o vestido


et le vin qui fait rire e o vinho que faz rir
de n'avoir plus de robe de não ter mais vestido
dans un bol de gin numa taça de gin
une nuit de fête uma noite de festa
les étoiles tombent du ciel as estrelas caem do céu

je lampe la foudre à longs traits bebo o raio em grandes tragos


je vais rire aux éclats me arrebentarei de tanto rir
la foudre dans le creur o raio no coração
L'Aurore A aurora

Crache le sang Cuspo o sangue


c'est la rosée isso é orvalho
le sabre dont je mo urrai o sabre com o qual eu morrerei

de la margelle du puits da beira do poço


regarde le ciel étoilé observo o céu estrelado
a la transparence des larmes tem a transparência das lágrimas
fe te trouve dans l'étoile .Eu te encontro na estrela
je te trouve dans la mort eu te encontro na morte
tu es le gel de .ma bouche tu és o gelo de minha boca
tu as l'odeur d'une morte tu tens o cheiro de uma morta

tes seins s'ouvrent comme la biere teus seios se abrem como a cerveja
et me rient de l'au-delà e me riem do além
tes deux Zangues cuisses délirent tuas duas longas coxas deliram
ton ventre est nu comme un râle teu ventre está nu como um estertor

tu es belle comme la peur tu és bela como o medo


tu es folle com me une morte tu és louca como uma morta
Le malheur est innommable A infelicidade é inominável
le cceur est une grimace o coração é uma careta

ce qui tourne dans le lait o que transforma no leite


le rire de folle de la mort o riso de loucura da morte

60 61
Une étoile s'est levée Uma estrela se ergueu
tu es je suis le vide tu és eu sou o vazio
une étoile s'est levée uma estrela se ergueu
douloureuse comme le cceur dolorosa como o coração

luisante comme une larme reluzente como uma lágrima


tu siffles c'est la mort tu assobias é a morte
l'étoile emplit le ciel a estrela enche o céu
douloureuse comme une larme dolorosa como uma lágrima

je sais que tu n'aimes pas eu sei que não me amas


mais l'étoile qui se leve mas a estrela que se eleva
coupante comme la mort cortante como a morte
épuise et tord le cceur exaure e torce o coração
]e suis maudit voilà ma mere ·sou maldito eis minha mãe
que cette nuit est Zangue ·esta noite é longa
ma Zangue nuit sans larmes minha longa noite sem lágrimas

nuit avare d' amour noite desejosa de amor


ô cceur cassé de pierre ó coração quebrado de pedra
enfer de ma bouche de cendre inferno de minha boca de cinza

tu es la mort des larmes tu és a morte das lágrimas


sois maudite seja maldita
mon cceur maudit mes yeux malades te cherchent meu coração maldito meus olhos doentes te encontram

tu es le vide et la cendre tu és o vazio e a cinza


oiseau sans tête aux ailes battant la nuit pássaro sem cabeça com asas batendo a noite
l'univers est fait de ton peu d'espoir o universo é feito de tua escassa esperança

l'univers est ton cceur malade et le mien o universo é feito de teu coração doente e o meu
battant à froler la mort batendo até roçar a morte
au cimetiere de l'espoir no cemitério da esperança

ma douleur est la joie minha dor é a alegria


et la cendre le feu e a cinza o fogo
--
Dent de haine Dente de ódio
tu es maudite és maldita
. tu
qui est maudite paiera quem é maldita pagará

tu paieras ta part de haine tu pagarás tua parte de ódio


l'horrible soleil tu mordras o horrível sol tu morderás
qui est maudit mord le ciel quem é maldito morde o céu

avec moi tu déchireras comigo tu rasgarás


ton cceur aimé de l' effroi teu coração amado de pavor
ton être étranglé d' ennui teu ser estrangulado de tédio

tu es l'amie du soleil tu és amiga do sol


il n'est nul repos pour toi não há nenhum repouso para ti
ta fatigue est ma folie teu cansaço é minha loucura 1

1
O verso mostra uma ambiguidade, uma vez que em francês la dent é feminino, assim como a pessoa
amada à qual o verso pode se referir.
De la bouse dans la tête . Com bosta na cabeça
j' éclate je hais le ciel grito eu odeio o céu
qui suis-je à cracher les nues quem sou eu para cuspir nas nuvens
ii estame r d' être immense é amargura de ser imenso
mes yeux sont des cochons gras meus olhos são de porcos gordos
mon creu r est de I'encre noire meu coração é de tinta negra
mon sexe est un soleii mort meu sexo é um sol morto

les étoiles tombées dans une fosse sans fond as estrelas caídas em um fosso sem.fundo
je pleure et ma Zangue caule eu choro e minha língua flui
ii importe peuque l'immensité soit ronde pouco importa que a imensidade seja redonda
et roule dans un panier à son e role em um cesto de farelos
j'aime la mort je la convie eu amo a morte eu a convido
dans la boucherie de Saint-Pere para ·ir ao açougue do Santo Pai
Noire mort tu es mon pain . Negra morte tu és meu pão
je te mange dans le cceur eu te como no coração
l' épouvante est ma douceur o terror está em minha ternura
la folie est dans ma main. a loucura está em minha mão.
Nouer la carde du pendu Segurar a corda do enforcado
avec les dents d'un cheval mort. · com os dentes de um cavalo morto.
Douceur de l'eau Ternura da água
rage du vent raiva do vento

éclat de rire de l'étoile gargalhada de estrela


matinée de beau soleil manhã de sol bonito

il n'est rien que je ne rêve não há nada que eu não lembre


il n'est rien que je ne crie não há nada que eu não grite

plus lain que les larmes la mort mais longe que as lágrimas a morte
plus haut que le fond du ciel mais alto que o fundo do céu

dans l' espace de tes seins no espaço de teus seios


Limpide de la tête aux pieds . Limpa da cabeça aos pés
fragile comme l'aurore frágil como a aurora
le venta brisé le cceur o vento quebrou o coração

à la dureté de l'angoisse à dureza da angústia


la nuit noire est une église a noite negra é uma igreja
ou l'on égorge un pore onde se degola um porco

tremblante de la tête aux pieds trêmulo da cabeça aos pés


. fragile comme la mort frágil como a morte
agonie ma grande sceur agonia minha grande irmã

tu es plus froide que la terre tu és mais fria que a terra


Tu reconnaítras le bonheur Tu reconhecerás a felicidade
en l'apercevant mourir ·ao vê-la morrer

ton sommeil et ton absence teu sono e tua ausência


accompagnent dans la tombe são companheiras na tumba

78 79
Tu es le battement du creur . Tu és o batimento do coração
que j' écoute sous mes côtes que eu escuto sob minhas costas
et le souffle suspendu e o sopro suspenso
Mes sanglots sur tes genoux Meus soluços sobre teus joelhos
j'ébranlerai la nuit eu sacudirei a noite

ombre d' ailes sur un champ sombra de asas sobre um campo


mon cceur d' enfant perdu meu coração de criança perdida
Ma sceur riante tu es la mort Minha irmã risonha tu és a morte
le cceur défaille tu es la mort coração desfalecido tu és a morte
dans mes bras tu es la mort nos meus braços tu és a morte

naus avons bu tu es Ia mort nós bebemos tu és a morte


comme le vent tu es Ia mort como o vento tu és a morte
com me la foudre Ia mort como o raio a morte

la mort rit Ia mort est la joie a morte ri a morte é a alegria


Seule tu es ma vie Sozinha tu és minha vida
des sanglots perdus soluços perdidos
me séparent de la mort me separam da morte
je te vais à travers les larmes eu te vejo através das lágrimas
et je devine ma mort e adivinho minha morte

si je n'aime pas la mort se eu não amasse a morte


la douleur a dor
et le désir de toi e o desejo de ti
me tueraier1t me matariam

ton absence tua ausência


ta détresse tua miséria
me donnent la nausée me dão náusea
temps pour moi d' aimer la mort tempo para eu amar a morte
temps de lui mordre les mains tempo de lhe morder as mãos

.!

86 87
Aimer c'est agoniser Amar é agonizar
aimer c'est aimer mourir amar é amar morrer
les singes puent en mourant os macacos fedem ao morrer

assez je me voudrais mort há muito eu me quero morto


je suis trop mau pour cela estou lânguido demais para isso
assez je suis fatigué há muito estou cansado

assez je t' aime comme un fêlé há muito eu te amo como um louco·


je ris de moi l'âne d' encre rio de mim burro de tinta
brayant aux astres du ciel zurrando aos astros do céu

nue tu éclatais de rire nua tu te arrebentas de rir


géante sous le baldaquin gigante sob o dossel
je rampe afin de n'être plus me rastejo a fim de não existir mais

je désire mourir de toi desejo morrer de ti


je voudrais m'anéantir quero me aniquilar
dans tes caprices malades nos teus caprichos doentes

88 89
Le Vide O vazio

Des flammes naus entourerent De chamas nos cercamos


sous nos pas l'abfme s'ouvrit sob nossos passos o abismo se abriu
un silence de lait de gel d'ossements um silêncio de leite de gelo de ossadas
naus enveloppait d'un halo nos envolvia com um halo

tu es la transfigurée tu és a transfigurada
mon sort t'a cassé les dents meu destino te quebrou os dentes
ton creur ést un hoquet teu coração é um soluço
tes ongles ont trouvé le vide tuas unhas encontraram o vazio

tuparles comme le rire tu falas como o riso


les vents dressent tes cheveux os ventos erguem teus cabelos
l'angoisse serrant le creur a angústia ao abraçar o coração
précipite ta moquerie precipita teu escárnio

tes mains derriere ma tête tuas mãos atrás de minha cabeça


ne saisissent que la mort agarram apenas a morte
tes baisers riants ne s'ouvrent teus beijos ridos não se abrem
qu'à ma pauvreté d' enfer à minha pobreza de inferno

sous le baldaquin sordide sob o dossel sórdido


ou pendent les chauves-souris pendem os morcegos
ta merveilleuse nudité tua maravilhosa nudez
n'est qu'un mensonge sans larmes é apenas uma mentira sem lágrimas

mon cri t'appelle dans le désert meu grito te chama no deserto


ou tu ne veux pas venir onde tu não podes vir
mon cri t'appelle dans le désert meu grito te chama no deserto
ou tes rêves s'accompliront onde teus sonhos se cumprirão

90 91
ta bouche scelée à ma bouche tua boca selada à minha boca
et ta Zangue dans mes dents e tualíngua nos meus dentes
l'immense mort t'accueillera a imensa morte te acolherá
l'immense nuit tombera a imensa noite cairá

alors j' aurais fait le vide então eu terei realizado o vazio


dans ta tête abandonnée na tua cabeça abandonada
ton absence sera nue tua ausência será nua
comme une jambe sans bas como uma perna sem meia

en attendant le désastre à espera do desastre


ou la lumiere s'éteindra onde a luz se apagará
je serai doux dans ton cceur eu serei doce no teu coração
comme le froid de la mort como o frio da morte
Poemes de la Som me Athéologique
Poemas da Suma Ateológica
L'EXPÉRIENCE INTÉRIEURE . A EXPERIÊNCIA INTERIOR

]e ne veux plus, je gémis, Eu não quero mais, eu gemo,


je ne peux plus souffrir eu não posso mais sofrer
maprison. minha prisão.
]edis ceei Digo isso
amerement: amargamente:
mots qui m'étouffent, palavras que me sufocam,
laissez-moi, deixem-me,
lâchez-moi, soltem-me,
j'ai soif tenho sede
d'autre chose. de outra coisa.
]e veux la mort Quero a morte
non admettre não admitir
ce regne des mots, este reino das palavras,
enchafnement encadeamento
sans effroi, sem medo,
teZ que l'effroi tal como o medo
soit desirable; seja desejado;
ce n'est rien isto não é nada
ce mot que je suis, sou o que sou,
sinon caso contrário
lâche acceptation
aceitação covarde
de ce qui est.
do que é.
]e hais
Odeio
cette vie d'instrument,
esta vida de instrumento,
je cherche une fêlure,
busco uma fissura,
mafêlure,
a minha fissura,
pour être brisé.
J' aime la pluie, para ser quebrado.
lafoudre, Amo a chuva,
la boue, o relâmpago,
une vaste étendue d' eau, a lama,
uma vasta extensão de água,

96 97
lI
i j

le fond de la terre, .as profundezas da terra,


mais pas moi. mas não a mim.
Dans le fond de la terre, Nas profundezas da terra,
ô ma tombe, ó minha sepultura,
délivre-moi de moi, liberte-me de mim mesmo,
je ne veux plus l'être. não quero mais ser.
Spedre en larmes .. Espectro em lágrimas
ô Dieu mort ó Deus morto
ceil cave olho oco
moustache humide bigode úmido
dentunique dente único
ô Dieu mort ó Deus morto
ô Dieu mort óDeusmorto
Moi Eu
je te poursuivais eu te perseguia
de haine com ódio
insondable insondável
et je mourais de haine e eu morria de ódio
coinme un nuage como uma nuvem
se défait. se desfaz.
lI
i;
Manibus Date Lilia Plenis .. Manibus Date Lilia Plenis

GLORIA IN EXCELSIS MIHI GLORIA IN EXCELSIS MIHI

Au plus haut des cieux, No mais alto dos céus,


les anges, j' entends leur voix, me glorifient. os anjos, ouço suas vozes, glorificam-me.
]e suis, sous le soleil, fourmi errante, Sou, sob o sol, formiga errante,
petite et noire, une pierre roulée pequena e preta, uma pedra rolada·
m'atteint, me atinge,
m'écrase, me esmaga,
morte, morta,
dans le ciel no céu
le soleil fait rage, o sol está em fúria,
il aveugle, ele cega,
;e cne: eu grito:
"il n'osera pas" "ele não ousará"
il ase. ele ousa.
l
Quem sou eu
I
Qui suis-je
não "eu" não não
pas "moi" non non
mas o deserto a noite a imensidão
mais le desert la nuit l'immensité
o que eu sou
que je suis
qu'est-ce o que é
deserto imensidão noite besta
desert immensité nuit bête
rápido nada sem retorno
vite néant sans retour
e sem nada ter conhecido
et sans rien avoir su
Morte
Mort
resposta
réponse
esponja inundada de sonho
éponge ruisselante de songe
solaire solar
enterre-me
enfonce-moi
que eu não saiba mais
que je ne sache plus
que estas lágrimas.
que ces larmes.
Étoile Estrela
je la suis eu a sigo
ô mort ó morte
étoile de tonnerre estrela de trovão
folie cloche de ma mort. louco sino de minha morte.
Poemes .. Poemas
pas courageux não corajosos
mais douceur mas doçura
oreille de délice orelha de delícia
une voix de brebis hurle uma voz de ovelha berra
au delà va au delà vai de um lado para o outro
torche éteinte. tocha apagada.
DIEU .. DEUS

Á la main chaude Com a mão quente


je meurs tu meurs eu morro tu morres
oü est-il onde ele está
oü suis-je onde eu estou
sans rire semnr
je suis mort estou morto
mortetmort morto e morto
dans la miit d' encre na noite de tinta
fleche tir.ée flecha disparada
sur lui. sobre ele.
LE CoUPABLE ·.Ü CULPADO

Trop de jour de joie trop de ciel Bastante dia alegria bastante céu
la terre trop vaste un cheval rapide terra muito vasta um cavalo rápido
j'écoute les eaux je pleure le jour escuto a água choro o dia

la terre tourne dans mes cils a terra gira em meus cílios


les pierres roulent dans mes os as pedras rolam em meus ossos
l' anémone le ver luisant a anêmona o vaga-lume
m'apportent la défaillance tragam-me o erro

dans un suaire de rases em um manto de rosas


une larme incandescente uma lágrima incandescente
annonce le jour. anuncia o dia.
absence de tonnerre . ausência de trovão
éternelle étendue des eaux pleurantes extensão eterna de águas que choram
et moi la mouche hilare e eu a mosca alegre
et moi la man coupée e eu a mão cortada
moi je mouillais mes draps e eu eu molhava meus lençóis
et j' étais le passé e eu era o passado
l'aveugle étoile morte a cega estrela morta

chienjaune cão amarelo


il est là lui ele está ali
l'horreur o horror
hurlantcomme un ceuf gritante como um ovo
et vomissant mon cceur vomintando meu coração
dans l'absence de main na ausência de mão
je crie eu grito

je crie au ciel que eu grito para o céu


ce n'est pas moi qui crie não sou eu quem grita
dans ce déchirement de tonnere neste rasgar de trovão
ce n'est pas moi qui meurs não sou eu quem morre

c'est le ciel étoilé é o céu estrelado


le ciel étoilé crie o céu estrelado grita
le ciel étoilé pleure o céu estrelado chora
je tombe de sommeil eu caio de sono
et le monde s'oublie e o mundo se esquece

enterrez-moi dans le solei! enterre-me no sol


enterrez mes amours enterre meus amores
enterrez ma femme enterre minha mulher
nue dans le solei! nua no sol
enterrez mes baisers enterre meus beijos
et ma bave blanche. e minha baba branca.

114 115
T
1

SUR NIETZSCHE . SoBRE NIETzscHE

M'exprimant sur l'état que désigne un sobriquet (le pai), j'écris Ao me exprimir sobre o estado que designa um apelido (o espeto),
ces quelques lignes en forme de theme de méditation: eu escrevo estas poucas linhas em forma de tema de meditação:

!e me représente: un objet d' attrait, Eu me represento: um objeto de atração


laflamme a chama
brillante et légere brilhante e leve
se consumant en elle-même, se consumindo em si mesma,
s'annihilant se aniquilando
et de cette façon révélant le vide, e de certa forma revelando o vazio,
l'identité de l'attrait, a identidade da atração,
de ce qui enivre daquilo que embriaga
etdu vide; e o vazio;

!e me représente Eu me represento
le vide o vazio
identique à une fiam me, idêntico a uma chama,
la suppression de l'objet a supressão do objeto
révélant la flamme revelando a chama
qui enivre que embriaga
et illumine. e ilumina.
Etje crie E eu grito
hors des gonds fora das dobradiças
qu'est-ce o que é
plus d' espoir mais a esperança

en mon creur se cache em meu coração se esconde


une souris morte um rato morto

la souris meurt um rato morre


elle est traquée ele é caçado

et dans ma main le monde est mort e na minha mão o mundo morreu


soufflée la vieille bougie soprada a velha vela
avant de me coucher antes de me deitar

la maladie la mort du monde a doença a morte do mundo


je suis la maladie eu sou a doença
je suis la mort du monde eu sou a morte do mundo
Le silence dans le cceur .O silêncio no coração
au coup de vent violent na rajada de vento violento
mes tempes battent la mort minhas têmporas batem a morte
et une étoile tombe noire e uma estrela cai negra
dans mon squelette debout no meu esqueleto em pé

no ir negro
silence j' envahis le ciel silêncio eu invado o céu
noir ma bouche est un bras negro minha boca é um braço
notr negro
écrire sur un mur en flammes escrever sobre um muro em chamas
noires negras
le vent vide de la tombe o vento vazio da tumba
siffle dans ma tête assobia em minha testa

120 121
Le silence fou d'un pas .O silêncio louco de um passo
le silence d'un hoquet ~ silêncio de um soluço
ou est la terre ou le ciel onde é a terra onde o céu

est le ciel égaré e o céu perdido


je deviens fou. me torno louco.

J' égare le monde et je meurs Eu perco o mundo e morro


je l' oublie et je l'enterre eu o esqueço e eu o enterro
dans la tombe de mes os. na tumba de meus ossos.

Ô mes yeux d' absent ó meus olhos de ausência


de tête de mort. de cabeça de morto.

123
Espoir Esperança
ô mon cheval de bois Ómeu cavalo de madeira
dans les ténebres un géant nas trevas um gigante
c'est moi ce géant eu sou esse gigante
sur un cheval de bois. sobre um cavalo de madeira.
l
I
!

Ciel étoilé Céu estrelado


masceur ri:linha irmã
hommes maudits homens malditos
étoile tu es la mort estrela tu és a morte
Ia lumiere d'un grand froid a luz de um grande frio

solitude de la foudre solidão do raio


absence de l'homme enfin ausência do homem enfim
je me vide de mémoire eu me esvazio da memória
un soleil désert um sol deserto
efface le nom apaga o nome

étoile je la vais estrela eu a vejo


son silence glace seu sil~ncio gela
ii crie comme un loup ele grita como um lobo
sur les dos je tombe à terre de costas caio no chão
elle me tue je la devine. ela me mata eu a penetro.

126 127
ô les dés joués . Ó os dados jogados
du fond de la tombe do fundo do túmulo
en des doigts de fine nuit nos dedos da noite delicada

dés d' oiseaux de soleil dados de pássaros de sol


saut d'ivre alouette salto de cotovia bêbada
moi comme la fleche eu como a flecha
issue de la nuit saída da noite

ô transparence des os ó transparência dos ossos


mon creur ivre de soleil meu coração bêbado de sol
est la hampe de la nuit. é o mastro da noite.

128 129
l
Du Halt de Montserrat
Do Alto de Montserrat
Taut dait revenir au feu originei . .Tudo deve voltar ao fogo original
Tempête de flames Tempestade de chamas
Ainsi parlait: HÉRACLITE Assim falou: HERÁCLITO
Levant et couchant de l'homme lucide et dur. Aurora e crepúsculo do homem lúcido e duro.
- Tu dois vair le flux et le reflux -Tu deves ver o fluxo e o refluxo
Des passions méprisables. Das paixões desprezíveis.
- Tu accepteras l'humide comme on aime - Tu deves aceitar o úmido como se ama
La mere qui naus engendra. A mãe que nos gerou.
- Hommes et femmes vaus êtes vaués au -Homens e mulheres vós estais condenados ao
Feu de lave immatérielle Fogo de lava imaterial
Çà et là légere, écrasante Aqui e ali rápida, obscena, esmagadora

Taujaurs mortelle Sempre mortal


Taujaurs vive Sempre viva
N'aimant que ce qui viendra. Amando apenas o que virá.

Taujours jetés aux volcans de vie et de mart. Sempre jogados aos vulcões de vida e de morte.

Et PARACELSE: les deux mains appuyées E PARACELSO: as duas mãos apoiadas


Sur l'épée de la sagesse Sobre a espada da sabedoria
En intimité avec les astres et les pierres Na intimidade com os astros e as pedras
Amoureux des cavernes de l'homme Apaixonado pelas cavernas do homem
Du ventre de l'univers. Pela barriga do universo.

Et toi ZARATHOUSTRA reil de lumiere E tu ZARATUSTRA olho de luz


Au centre d'un monde terrible et joyeux No centro de um mundo terrível e alegre
]e vaus salue des hauteurs Eu vos saúdo das alturas
Du Montserrat. De Montserrat.

Ü2 133
l
I
De la Douleur au Livre
Da Dor ao Livro
Dor e quatro poemas
Douleur et Quatre Poemes

DoR
DoULEUR
Dor
Douleur
dor
douleur
dor
douleur
ó dor
ô douleur
ó dor
ô douleur'
ó minhas lágrimas de piche
ô mes pleurs de poix
meu rabo de açafrão
ma queue de safran
ó tirar a calça
ô me déculotter
mijar
me pisser

137
136
MADEMOISELLE MoN CCEuR MA.DEMOISELLE MoN CCEuR 1
Mademoiselle mon creur Senhorita meu coração
mise nue dans le dentelle despida em renda
à la bouche pmfumée pela boca perfumada
le pipi caule de ses jambes o mijo escorre de suas pernas

r: odeu r maquillée de la gente O odor maquiado da greta


est laissée au vent du ciel é deixado ao vento do céu

un nuage uma nuvem


dans la tête na cabeça
se réfléchit à l' envers se reflete ao contrário
une merveilleuse étoile uma.estrela maravilhosa
tombe cai
creur criant com me la bouche coração gritante como a boca

le creur manque o coração falha


un lis est brúlant um lírio está queimado
le soleil ouvre la gorge. o sol abre a garganta.

138 139
PIPI .. Muo

Pie mangeuse d' étoiles Gralha comedora de estrelas


fatigue mangeuse de terre fadiga comedora de terra
épuisement de tout esgotamento de tudo

ciel rapace céu ávido


ciel maudit céu maldito
partisan de l'hôpital companheiro do hospital

un corbeau sur des échasses um corvo sobre palafitas


entre dans l' ceil entra no olho

creu r en flammes de rubis coração em chamas de rubi


pipi sur ma cuisse nue mijo sobre minha coxa nua
poli derriere mouillé polida bunda molhada
je bande et je pleure estou de pau duro e choro

aile noire de la tombe asa negra do túmulo


politesse du caveau cortesia de cabaré

140 141
. À ROMANA 1::I
ÀLAROMAINE I

À la romaine À romana
un cceur de veau um coração de bezerro
la barbe en pointe a barba em ponta
et le gland rose. e a glande rosa.

143
142
RIRE
Rire et rire . Rir e rir
du soleil do sol
des orties das urtigas
des galets dos seixos
des canards dos patos
de la pluie da chuva
du pipi du pape do mijo do papa
demaman da mamãe
d'un cercueilempli de merde. de um caixão cheio de merda.

,,

144 145
]e Mets mon Vit contre ta ]oue .Coloco meu pau contra tua bochecha

]e mets mon vit contre ta joue Coloco meu pau contra tua bochecha
le bout frôle ton oreille a ponta toca a tua orelha
lêche mes bourses lentement lambes minhas bolas lentamente
ta Zangue est douce com me l'eau tua língua é suave como a águà

ta Zangue est crue com me une bouchêre tua língua é crua como uma açougueira
elle est rouge comme un gigot ela é vermelha como um pernil
sa pointe ·est un coucou criant sua ponta é um cuco chorando
mon vit sanglote de salive meu pau soluça saliva

ton derriêre est ma déesse tua bunda é minha deusa


il s'ouvre com me ta bouche ela se abre como tua boca
je l'adore comme le ciel eu a amo como o céu
je le vénêre comme un feu eu a venero como um fogo

je bois dans ta déchirure bebo em tua ferida


/ étale tes jambes nues estendo tuas pernas nuas
je les ouvre comme un livre eu as abro como um livro
ou je lis ce qui me tue. onde leio o que me mata.

146 147
ô Crâne... crânio...

ô crâne anus de la nuit vide ó crânio ânus da noite vazia


ce qui meurt le cielle souffle o que morre o céu sopra
le vent apporte l'absence à l'obscurité o vento traz a ausência à obscuridade

Déserte un ciel fausse l'être Deserta um céu falseia o ser


voix vide Zangue pesante de cercueils voz vazia língua pesada de caixões
l'être heurte l' être o ser se choca contra o ser
la tête défobe l'être a cabeça oculta o ser
la maladie de l'être vomit un soleil noir de crachats. a doença do ser vomita um sol negro de escarros.

La chemise soulevée à travers A camisa agitada através


l' eau fleurie de polis da água floresce de pelos
quand le bonheur sale leche la laitue quando a felicidade suja lambe a alface
le creur malade o coração doente
par la pluie à lumiere vacillante de la bave elle rit aux anges. pela chuva à luz vacilante da saliva ela gargalha.

148 149
Onze Poemes Retirés de L'Archangélique . Onze poemas retirados de O Arcangélico

ma folie et.ma peur minha loucura e meu medo


ont de grands yeux morts têm de grandes olhos mortos
la fixité de la fievre a fixidez da febre

ce qui regarde dans ces yeux o que olha nestes olhos


est le néant de l'univers é o nada do universo
mes yeux sont d' aveugles ciels meus olhos são de céus cegos

dans rnon impénétrable nuit na minha impenetrável noite


est l'impossible criant é o impossível gritando
tout s'effondre tudo se desmorona

150 151
almanach de lessive d' encre . almanaque de sabão de tinta
immortalité de poete velu imortalidade de poeta peludo
poésie cimetiere d' obésité poesia cemitério da obesidade

adieu blanquettes grivoises adeus blanquettes apimentados


doux morts costumés en femmes nues doces ternos mortos em mulheres nuas
adieu mensonge sommeils adeus mentira sonolenta

152
153
-~ -r
i

prurit infini de fourmis arrestation coceira infinita de formigamento encarcerado


tri de papiers moustaches en poussiere seleção de papéis bigodes em poeira
wagonnets de fievre vagonetes de febre

colonnade de pluie folie colunata de chuva louca


claquements de linceuls souillés estalos de mortalhàs manchadas
funebre impudeur des humains os impudor fúnebre de ossos humanos

là une Joule amoncelle des boftes de peut-être ali uma louca amontoa caixas de talvez
un gendarme en chemise du haut d'un toit um guarda de camisa do alto de um teto
gesticule une faux le Démon gesticula uma foice o Demônio
je t'égare dans le vent eu te perco no vento
je te compte chez les morts eu te conto entre os mortos
une carde nécessaire uma corda necessária
entre le vent et le creur entre o vento e o coração

156 157
!e n'ai rien à faire en ce monde Não tenho nada a fazer neste mundo
sinon de bruler senão queimar
je t'aime à en mourir eu te amo de morrer
ton absence de repos tua ausência de repouso
un vent fou siffle dans ta tête um vento louco assobia na tua cabeça
tu es malade d' avoir ri tu és doente de ter rido
tu me fuis pour un vide amer tu me evitas por um amargo vazio
qui te déchire le cceur que te rasga o coração

déchire-moi si tu veux rasgue-me se tu queres


mes yeux te trouvent dans la nuit meus olhos te encontram na noite
brulés de fievre. queimados de febre.

158 159
]'ai froid au cceur je tremble Eu tenho frio no coração eu tremo
du fond de la douleur je t'appelle ·do fundo da dor eu te chamo
avec un cri inhumain com um grito inumano
com me si j'accouchais como se eu parisse

tu m'étrangles comme la mort tu me estrangulas como a morte


je sais cela misérablement eu sei disso miseravelmente
je ne te trouve qu'agonisant eu só te encontro agonizando
tu es belle comme la mort tu és bela como a morte

tous les mots m'étranglent todas as palavras me estrangulam


étoile perce le ciel estrela fura o céu
crie comme la mort grita como a morte
étrangle estrangula

je ne veux pas la vie eu não quero a vida


m'étrangler c'est doux me estrangular é doce
l' étoile qui se leve a estrela que se levanta
est froide com me une morte é fria como uma morta

,,

162 163
vu.-.de-moi les yeux
. venda-me os olhos
j' aime la nuit
eu amo a noite
mon cceur est noir
meu coração é negro
pousse-moi dans la nuit
empurre-me na noite
tout est faux
tudo é falso
je souffre
eu sofro
le monde sent la mort
o mundo percebe a morte
les oiseaux volent les yeux crevés
os pássaros roubam os olhos furados
tu es sombre comme un ciel noir
tu és sombria como um céu escuro

164
165
,.
1

la fête commencera . a festa começará


dans la boue et dans la peur na lama e no medo

les étoiles tomberont as estrelas cairão


quand la mort approchera. quando a morte se aproximar.

166 167
Tu es l'horreur de la nuit Tu és o horror da noite
je t'aime comme on râle eu te amo como um estertor
tu es faible com me la mort tu és fraca como a morte

je t'aime com me on délire eu te amo em delírio


tu sais que ma tête meurt tu sabes que minha cabeça morre
tu es l'immensité la peur tu és imensamente o medo

tu es belle comme on tue tu és bela como ao matar


le cceur démesuré j' étouffe o coração desmesurado eu sufoco
ton ventre est nu comme la nuit. tua barriga é nua como a noite.
Tu me menes droit vers la fin Tu me levas direto até o fim
l'agonie a commencé a agonia começou
je n'ai plus rien à te dire não tenho mais nada a te dizer
je parle de chez les morts eu falo dos mortos
et les morts sont muets. e os mortos são mudos.

170 171
Poémes Éliminés . Poemas eliminados

LESMA.lSONS
As CASAS
Dix cent maisons tombent Centenas de casas caem
cent puis mille morts cem depois mil mortes
à la fenêtre de la nue
a janela da nuvem

une douleur vide uma dor vazia


enfilade d'ombres fila de sombras
cette nuit s'étend étouffe esta noite se estende sufocante

les yeux de ces mots olhos das palavras


épuisent le cceur consumiram o coração
tête aveugle aphone cabeça cega afônica
démence sans être. demência sem ser.

172
173
l
À même le trou des étoiles Ao mesmo furo das estrelas
à même une nuit d' encre à mesma noite de tinta
à même 1'reil éteint ao mesmo olho apagado
à même un grand silence ao mesmo grande silêncio
à même le château hanté de la mémoire ao mesmo castelo assombrado da memória
à même un cri de folie ao mesmo grito de loucura
à même 1'angoise à même la tombe à mesma angústia ao mesmo túmulo

à même 1'aube de ma mort. à mesma aurora da minha morte.


E0SSUAIRE 0 OSSUÁRIO

La force de la vie et le malheur du froid A força da vida e a desgraça do frio


la dure bêtise de l'homme a difícil estupidez do homem
sachant la foi de son couteau conhecida lei de sua faca
la tête avare de l'extase cabeça sórdida do êxtase

un creur de glace une soupe fumante um coração de gelo uma sopa fumegante
un pied sale de sang um pé sujo de sangue ·
la moustache des larmes o bigode das lágrimas
une crécelle de mourant. uma matraca de morte.
LEMUR A PAREDE
Une hache Um machado
donnez une hache dê um machado
afin que je m'effraie para que eu me assuste
de mon ombre sur le mur com minha sombra na parede
ennui tédio
sentiment de vide sensação de vazio
fatigue. fadiga.

178 179
LEPARVJS 0 ÁTRIO

Bonnet de nuit Touca de dormir


vase de nuit penico
un bas rouge un ratelier uma meia vermelha uma dentadura

mitre d'or mitra de ouro


un ciel gelé um céu gelado
mange le mau du chat perché. come a indolência do gato empoleirado.

180 . 181
Vis age sans fin Rosto sem fim
deDieu de Deus
ce monsieur este cavalheiro
etsa dame e sua senhora
etc. etc.
j'en meurs estou morrendo
etvous. e vós.

182 183
LECHÃTEAU
0 CASTELO

Mes petites douleurs


Minhas pequenas dores
à la nuit me déchirerent
à noite me dilaceram
déchirées en grandes ruines
rasgadas em grandes ruínas
au somment d'un rocher chauve
o cume de rocha careca
une muraille croulante
uma muralha em ruínas
escalade le ciel noir
escalando o céu negro
élevant la pierre morte
erguendo a pedra morta
d'une tour épouvantable.
de uma torre terrível.
l

LE GIVRE A.GEADA

Mon amante la mort Minha amante a morte


étoile de chaux vive estrela de cal vivo
creur de glace creur d' eau coração de gelo coração de água
creur aux cheveux de givre coração aos cabelos de geada
étoile de cendre estrela de cinza
silence sans levres. silêncio sem lábios.

186
187
LAFENÊTRE A JANELA

Petit oiseau . Pequeno pássaro


mille couleurs mil cores
une mort emplit le ciel uma morte encheu o céu

un corbeau plat um corvo achatado


les yeux morts os olhos mortos
le vent arrache le ciel o vento arranca o céu

chuchotement sussurro
d'une morte de uma morta
la folie ouvre le ciel. a loucura abre o céu.

188 189
Masse de terre dans le ciel Massa de terra no céu
silence signe de néant sinal silencioso do nada
montagne herbeuse endormante jaunie montanha cheia de ervas enfadonha amarelada ·
chute de l'être dans la nuit queda do ser na noite

je me cache dans tes ombres eu me escondo nas tuas sombras


et je mange à ton soleil e como ao teu sol
mon squelette transparaít meu esqueleto transparece
dans la lumiere du jour na luz do teu dia

un sentiment de terreur um sentimento de terror


resserre doucement la gorge aperta suavemente a garganta
il glace lentement le cceur. gela lentamente o coração.

190. 191
LESOL ÓCHÃO

]'aime la cendre le mâchefer Eu amo a cinza a escória


une tête de dure pierre uma cabeça de pedra dura
et l'insistance de ma vie e a insistência da minha vida

les mains violacées as mãos púrpuras


les rires dans le froid os risos no frio
et le couteau rouge des dents. e a faca vermelha dos dentes.

192 193
LE SEMINAIRE Ü SEMINÁRIO

Trente âmes noires Trinta almas negras


les mâchoires gelées os maxilares congelados
trente ânes noirs trinta asnos negros
les mâchoires pelées os maxilares despidos

une étoile morte uma estrela morta


chante un psaume miserere canta um salmo miserere
une bouche morte uma boca morta
crache une âme miserere cospe uma alma miserere

un ciel d'âne um céu de asno


éternue un cri de peur espirra um grito de medo
ou mon âme onde minha alma
a craché le cri de creur. cuspiu o grito do coração.

194 . 195
Rire d' oiseaux boue de sang Riso de pássaros enlameados de sangue
fracas de glace des dents tumulto de gelo dos dentes
ordure cri vomissement lixo grito vômito
tête basse dans l'horreur. cabeça baixa no horror.

196.
197
Terre tourne tourne terre Térra gira gira terra
un tour de putains de bois um carrossel de putas de madeira
solei! rouge solei! noir sol vermelho sol negro
rases blanches rases rases rosas brancas rosas rosas

rases de tombes rosas de túmulos


tournis de rases vertigem de rosas
putains de tombes putas de túmulos
tournis de tombes. vertigem de túmulos.

198 199
Crânefêlé Crânio rachado
ville enfeu cidade em chamas

ciel de suie céu de fuligem


femmevelue mulher peluda

au lapin écorché com coelho esfolado


le nez goutte. o nariz pinga.

200 . 201
LEMASQUE AMÃSCARA

Mort masquée de papier gras Morte mascarada de papel engordurado


fuir I' exces de ce silence fugir ao excesso desse silêncio
amuser la puanteur. distrair o mau cheiro.
L'ÉGLISE
A IGREJA
Bise d'hiver Beijo de inverno 2
ô ma mourante sceur ó minha irmã moribunda
lueur de loup morsure de la faim luz de lobo mordida da fome
pierre du gel à même le cceur nu pedra de gelo no coração nu

ah crachat de l'indifferénce ah escarro da indiferença


ah ciel d'insulte à tous les cceurs ah céu de insulto a todos os corações
ah froid plus vide que la mort. ah frio mais vazio que a morte.

2 Este verso é ambíguo, pois "bise" pode ser traduzido como "beijo" ou como "vento frio".

204 205
Le Loup Soupire O lobo suspira

Le loup souspire tendrement O lobo suspira ternamente


dormez la belle châtelaine durma bela castelã
le loup pleurait comme un enfant o lobo chorava como uma criança
jamais vaus ne saurez ma peine jamais conhecerás minha tristeza
le loup pleurait comme un enfant o lobo chorava como uma criança

La belle a ri de son amant A bela riu de seu amante


le vent gémít dans un grand chêne o vento gemia no grande carvalho
le loup est mort pleurant le sang · o lobo morreu chorando sangue
ses os sécherent dans la plaine seus ossos secaram na planície
le loup est mort pleurant le sang. o lobo morreu chorando sangue.
~s Érotiques Poemas eróticos

lNSIGNIFIANCE INSIGNIFICÂNCIA

]'endors Adormeço
l'aiguille a agulha
de mon cceur de meu coração
je pleure choro
un mot uma palavra
que j'ai perdu que perdi
j'ouvre abro
le bord o contorno
d'une larme de uma lágrima
ou l'aube onde a madrugada
morte morta
se tait. se cala.

208 209
LE PETIT ]OUR AMANHÃ

]'efface Apago
le pas o passo
j'efface apago
lemot a palavra
['espace o espaço
et le souffle e o sopro
manquent. fracassam.

';
LA TERRE À TERRA

Le mort A morte
saisit le vif agarra o vivo

et l'oiseau ferme la marche. e o pássaro não voa.


LA LESSIVE A LIMPEZA

Lalune Alua
est le savon é o sabão
des tuyaux grêles dos tubos esguios
de ma voix. de minha voz.

J'ouvre les jambes Abro as pernas


à la Zangue de bceuf à língua de boi
de la foui"rure da pele

Une Zangue pine crachait Um grande pênis cospe


dans l'église de mon cceur. na igreja de meu coração.

mon petit trou est l'autel meu buraquinho é o altar


dont la nappe sont les chiottes cuja toalha são os banheiros

. Du solei[ mort illuminait l'ombre velue O sol morto iluminava a sombra felpuda ,.
d'une trainée de foutre amer de um rastro de foda amarga
le chapeau de ta Zangue aux yeux de sang. o chapéu de tua língua nos olhos de sangue.

Gonflée comme une pine ma Zangue Inchada como um pênis minha língua
dans ta gorge d' amour rase. na tua garganta de amor rosa.

214
215
Ma vulve est ma boucherie Minha vulva é meu açougue
le sang rouge lavé de foutre 0 sangue vermelho lavado de foda
le foutre nage dans le sang. a foda nada no sangue.

Dans mes bas mauves le parfum de pomme Nas minhas meias roxas o perfume de maçã
le panthéon de la bitte majestueuse o panteão do mastro majestoso
un cul de chienne ouvert um cu de cadela aberto
à la sainteté de la rue. para a santidade da rua.

L'amour chevelu de ma jambe O amor cabeludo de minha perna


un panthéon de foutre um panteão de foda

]e dors Eu adormeço
la bouche ouverte dans l' attente a boca aberta à espera
d'une pine qui m'étrangle de um pênis que me estrangula
d'un jet fade d'un jet gluant. de um jato insípido de um jato pegajoso.

L'extase qui m'encule est le marbre O êxtase que me enraba é.o mármore
de la verge maculée de sang. do pênis manchado de sangue.

Pour me livrer aux vits Para me entregar aos caralhos


j'ai mis coloquei
ma robe à fendre l'âme. meu vestido destruidor de almas.

* * '.
L'oiseau O pássaro
des bois dos bosques
et la solitude e a solidão
de laforêt. da floresta.
LAFOUDRE ÜRAIO

Le canon tonne dans le corps O canhão troveja no corpo


et la foudre dans l'ceil de bronze e o raio no olho de bronze
a la nudité de l'ordure. tem a nudez da imundície.

SOLITUDE SoLIDÃO

Le pouce dans le con O polegar na cona


le ciboire sur les seins nus o cibório sobre os seios nus
mon cul souille la nappe de l'autel meu cu suja a toalha do altar
ma bouche implore ô christ minha boca implora ó crista
la charité de ton épine. a caridade de teu espinho.

NUIT BLANCHE NorTE BRANCA

S' étrangler Se estrangular


rabougrir une voix definhar uma voz
avaler mourante la Zangue devorar a língua agonizante
abolir le bruit abolir o ruído
s'endormir adormecer
se raser se barbear
nre aux anges. gargalhar.

218 . 219
NUITNOIRE NOITE NEGRA

Tu te moqueras de ton prochain comme de toi-même Zombarás de teu próximo como de ti mesmo ..
Tirez l'amour de l'oie Retire o amor do ganso
de la rate des grands hommes do baço dos grandes homens

L'oubli est l'amitié de l'égorgé O esquecimento é a amizade do decapitado

Révérence parler Reverência falar


je m'en vais. eu vou embora.

LE GI.As 0 DOBRE

Dans ma cloche voluptueuse No meu sino voluptuoso


le bronze de la mort danse o bronze da morte dança
le battant d'une pine sonne a batida de um pênis soa
un long branle libidineux um longo movimento libidinoso

LE CHAUVE 0 CARECA

Le trou de ta pine est le rire O buraco de teu pinto é o riso


dont les couilles sont ['aurore. cujas bolas são a aurora.

220. 221
Coryphea Corifeia

Malheur! le sang caule de mes seins, mon gosier s'ouvre à la mort Desgraça! o sangue flui de meus seios, minha garganta se abre
sur un mauvais roucoulement... ]e donne ma vie aux sourires à morte sobre um mau agouro ... Dou minha vida aos sorrisos
sournois du plaisir: il est l'odeur enivrante de l'argent. Laisse une dissimulados de prazer: é o odor inebriante do dinheiro. Deixe
derniere étreinte donner à tes reíns la robe gluante de la mort. um último abraço dar a tuas ancas o vestido viscoso da morte.

222. 223
Cinq Poemes de 1957 éinco poemas de 1957

MoNCHANT MEU CANTO

J' emplis le ciel de ma présence Encho o céu com a minha presença


Mon cri n'est pas celui Meu grito não é o
d'un grand oiseau de um grande pássaro
qui perce l'aube que fura a madrugada
mon chant n'est pas celui des meu canto não é o das
cigales emplissant les nuits d'été cigarras enchendo as noites de verão
ma platnte n'est pas celle des meu lamento não é o dos
agonisants dans le vide que agonizam no vazio
qui suit un bombardement após um bombardeio
elle déchire ele dilacera
]e ne meurs pas je ne suis rien Não estou morrendo não sou nada
sais-je pas ce qu'est ce cri não sei o que é este grito
Il ouvre les nuages Ele abre as nuvens
]e ne ris pas Não estou rindo
jamais je ne pleure nunca choro
je hurle eu urro
J' ouvre le ciel Abro o céu
comme on ouvre la gorge como se abre a garganta
des mourants dos moribundos
je suis calme sou calmo
comme un taureau como um touro
qui meugle sous la pluie que muge na chuva
]e ne suis pas un homme Não sou um homem
je meugle eu mujo
je suis plus idiot que la foudre sou mais idiota do que um relâmpago
qui éclate de rire que arrebenta de rir
je veux faire un vacarme quero fazer um tumulto
sigrand tão grande
qu'on ne s'entendra plus que não se entenda mais

224 225
LA MARsEILLAISE DE r'AMoUR À MARsELHESA DO AMOR

Deux amants nus chantent la Marseillaise Dois amantes nus cantam a Marselhesa
deux baisers sanglants leur mordent le cceur dois beijos sangrentos mordem o coração
les chevaux ventre à terre os cavalos galopam
les cavaliers morts os cavaleiros mortos
village abandonné aldeia abandonada
l'enfant pleure a criança chora
dans la nuit interminable na noite interminável
LA vALSE BRUNE A VALSA ESCURA

Le Caméléon O Camaleão
tient l'accordéon segura o acordeão
guitare violão
ta carde casse tua corda quebra
la noce emplie de marc o casamento cheio de álcool
et la valse meurt e a valsa morre
au chant des Libera nos ao canto do Libera-nos
C'EST LA DANSE NOUVELLE
ESTA É A NOVA DANÇA

Quand les bourriques


Quando os burros
meurent du choléra
morrem de cólera
le sanglot des bourriques
o soluço dos idiotas
est un sanglot de veuve
é um soluço de viúva
et la veuve
e a viúva
elle songe à ses amours
ela pensa em seu amor
pleurez pleurez
chores chores
jusqu'à la fin du monde
até que no fim do mundo
songez songez
penses penses
à nos amours défuntes
em nossos amores defuntos
il n'est pas terhps de braire
não é tempo para zurrar
aujourd'hui
hoje
mais demain
mas amanhã
tous les ânes du monde
todos os asnos do mundo
dansent le choléra
dançam a cólera

'.

230
231
LE TROTTOIR DE DANAlDE A CALÇADA DE DANAXDE

Maputain Minha puta


mon cceur meu coração
Je t'aime comme on chie Eu te amo como se caga
Trempe ton cul dans l'orage Mergulhe seu cu na tempestade
entourée d' éclairs rodeada de raios
C'est la foudre qui te baise É um relâmpago que te fode
un fou brame dans la nuit um louco berra na noite
qui bande comme un cerf que trepa como um cervo
ô mort je suis ce cerf ó morte, eu sou esse cervo
que dévorent les chiens que os cães devoram
La mort éjacule en sang . A morte ejacula em sangue

'.
La Tombe de Louis XXX
A tumba de Luís XXX
La lie
A borra
l'épuisement d'un creur horrible o esgotamento de um coração horrível
l'âcre
o acre
la douce intimité du vice
a doce intimidade do vício
le CIEL inversé dans tes yeux. I
o CÉU invertido nos teus olhos.
* I
Tombeau de vent II *
Túmulo de vento
tombeau de fleuve I túmulo de rio
ma mort fausse ma voix
minha morte falseia minha voz
qui ne peut parvenir
I que só pode atingir
qu'à la douleur des dents I
I a dor dos dentes
petite fleur
tu le sais petite oreille
II pequena flor
I tu sabes orelhinha
à que! point I a que ponto
tenho medo da merda.
j'ai peur de la merde. I *
*
À la nuit
I
I
À noite
observar o céu
regarder le ciel
com a fenda do traseiro.
avec la fente du derriere.
* *
<.·
A ferida está fresca
La blessure est fraíche
ela desfigura
elle défigure
o vermelho escorre
le rouge ruisselle
a faixa cortada
la coupure bande
não há mais o olho
il n'y a plus d' rei!
sou eu.
c'estmoi.

234 235
L'0RATORIO Ü ORATÓRIO

PERSONNAGES PERSONAGENS

LE RÉCITANT. O NARRADOR.
LA PUTAIN, 90 ans, mourante (elle fut adorablement belle à 20 ans; A PUTA, 90 anos, moribunda (ela foi adoravelmente bela aos
un jour qu'elle était nue, elle rendit à Dieu le service que, dans les 20 anos, um dia estava nua, apresentou a Deus o serviço que,
120 journées, d'Aucourt rend à la Duelos). nos 120 dias, de Aucourt dirigiu-se a· Duelos).
LE CURÉ, 30 ans. O PADRE, 30 anos.
DIEU, sorte de pavé. DEUS, uma espécie de pedra.

Le récitant nomme et présente les personnages. fl n'y a ni costume O narrador nomeia e apresenta os personagens. Não há trajes
ni décor. La scene a lieu dans la chambre de la putain. ou cenários. A cena se passa no quarto da puta.
Elle dit: Ela diz:

A l'égout Para o esgoto


je suis l'égout eu sou o esgoto
hélas! ai!

herr curé dit Moi herr curé suis herr padre diz: Eu herr padre sou
ton petit garçon teu menininho
caresse-moi acaricia-me
l'oreille a orelha
en mourant. ao morrer.
Ômonhostie ó minha hóstia
ma mere égout minha mãe esgoto
je t éleve dans le ciel eu te levanto para o céu ''

le pavé dit: ]e suis Dieu a pedra diz: Eu sou Deus


je te cogne sur la tête eu bato na tua cabeça
herrcuré herrpadre
je te tue eu te mato
je suis un con. eu sou uma buceta.

236 237
{e Livre
O Livro

''
Je bois dans ta déchirure Eu bebo em tua ferida
et j' étale tes jambes nues e estendo tuas pernas nuas
je les ouvre comme un livre eu as abro como um livro
ou je lis ce qui me tue. onde leio o que me mata.

'.
''

Hans Bellmer, Sem título, 1946, fotografia em preto e branco.


© Bellmer, Hans.Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2013.

243
La Méditation A MEDITAÇÃO

... Dans les premiers jours ou je méditais j'entrais comme ... Nos primeiros dias em que comecei a meditar, entrei
d'habitude en état de torpeur, quand je me sentis, soudainement como de costume em um estado de torpor, quando senti,
devenir un sexe en érection. L'intensité de ma conviction la rendait de repente, ficar com o sexo ereto. A intensidade da minha
difficile à récuser. La veille, j'avais eu de la même façon le sentiment convicção ficou difícil de negar. No dia anterior, eu havia tido,
violent d'être un arbre et, sans que je pusse m'y opposer, dans da mesma forma, a sensação violenta de ser uma árvore e, sem
1'obscurité, mes bras s'étendirent com me des branches. L'idée d' être que eu me opusesse a isso, na obscuridade, meus braços se
- mon corps, ma tête- un grand pénis qui bande était si folle que estenderam como ramos. A ideia de.ser- meu corpo, minha
j'eus envie de rire. L'idée comique me vint même qu'une érection si cabeça- um grande pênis duro era tão louca que eu tive vontade
dure -le corps en entier tendu comme une queue bande - n'avait de rir. A ideia côrnica me ocorreu que uma ereção tão dura- o
d'autre issue que jouir! fl m'était d'ailleurs impossible de rire à teZ corpo todo esticado como um pênis ereto- só poderia acabar
point fétais tendu: comme le supplicié dont j'ai l'image, j'avais, je em gozo! Era-me, aliás, impossível de rir a tal ponto eu tinha
pense, des yeux révulsés dans l'orbite, la tête renversée, les levres chegado: como o supliciado do qual eu possuo a imagem, eu
ouvertes. Dans cet état inattendu, le souvenir de la photographie tinha, penso, os olhos revoltos nas órbitas, a cabeça jogada para
me vint à esprit sans provoquer la dépression habituelle: un jet trás, os lábios abertos. Neste estado inesperado, a memória desta
d'horreur, de lumiere, me parcourut de bas en haut. Rien qui fotografia me veio ao espírito sem provocar a depressão habitual;
davantage excede le sentiment que m'inspire un supplice. um jato de horror, de luz, me percorreu de baixo para cima.
Nada mais excede o sentimento que me inspira um suplício.

J'évitais des lors ces sortes d'affreux changements (l'élément


de scandale en moi n'est qu'involontaire: il me dépasse toujours). A partir de então, evitei esse tipo de terríveis transformações
Mais un an plus tard, sous le coup d'une excitation sexuelle (à (o elemento de escândalo em mim é apenas involuntário: ele
laquelle je devais résister), je finis par me mettre nu dans ma me ultrapassa sempre). Mas um ano mais tarde, sob o golpe de
chambre. ]e me représentais debout les scenes les plus libertines. uma excitação sexual (a qual eu devia resistir), acabei por ficar
J' entrai dans un état difficile à décrire, voisin du cauchemar et nu no meu quarto. Representei de pé as cenas mais libertinas.
pénible: la torpeur et l'exaspération s'y mêlaient. ]e descendis Entrei em um estado difícil de descrever, vizinho do pesadelo e
do sofrimento: o topar e a exasperação se mesclando. Eu desci '.
nu dans la vaste maison vide et m'assis sur le trône des cabinets.
I'avais l'espor que la décation me 1ibérerait. ]e me tordis tres rouge nu a vasta casa vazia e me sentei no vaso sanitário. Eu tinha a
et j' aurais pu crier: je me retrouvai dans ma chambre et non moins esperança que a defecação me libertaria. Retorci-me até ficar
qu'avant avide de femmes. A la fin mon corps se tendit comme vermelho e poderia ter gritado: me reencontrei no meu quarto
l'année précédente, à nouveau l'image du supplice me brisa. ]e e não menos ávido do que antes de mulheres. Finalmente, meu
tombai à terre... corpo se esticou, como no ano anterior, de novo a imagem do
suplício me quebrou. Caí no chão ...

244 245
Le temps passé à ne pas souffrir paraft vain ou, si l'on aime O tempo gasto em não sofrer parece inútil ou, se preferir,
mieux, maladroit, comparé à celui qu'ordonne le malheur. Non desajeitado, comparado àquele que ordena a desgraça. Não
qu'une douleur approfondie nous achemine à quelque but et soit que uma dor mais profunda nos leve a algum fim e seja um
un résultat pci.r ce détour! L'authentique douleur nous dit: "Iln'est resultado para esse desvio! A autêntica dor nos diz: "Não
ni but ni résultat, qui justifie ma cruauté; tu ne pourrais d' aucune há nem um fim nem um resultado que justifique minha
façon réserver le plus faible espoir: je ne mene qu'à moi je te veux crueldade, tu não poderias de maneira nenhillna guardar a
tout entier sans condition." II faut l'avouer néanmoins: mais frágil esperança: eu só levo a mim, eu te quero totalmente,
"Si la douleur n'était pas 'ce qu'elle est, contraíre au désir' elle incondicionalmente." No entanto, é preciso admitir:
répondrait au désir que nous avons d' échapper aux limites. C'est "Se a dor não era 'o que é, contrária ao desejo', ela
. pour cela qu:en son pouvoir, tout ce qu'elle n'est pas semble vain." responderia ao desejo dizendo que nós escapa_m~s dos ~t~s: ,
É por isso que em seu poder, tudo o que ela nao e parece mutil.
]e m'imaginais condamné de moi-même au silence, en une
douleur indéfinie, si grande que les mots... Imaginava-me condenado por mim mesmo ao silêncio, em
uma dor indefinida, tão grande que as palavras ...
]e pensais: "Combien ma douleur est cruelle,- personne n'est
plus bavard que moi!" Pensava: "Como minha dor é cruel- ninguém é mais
tagarela do que eu!"
Ces souffrances qui font respirer la mort... A I' avance, la mort
Esses sofrimentos que respiram a morte ... Desde já, a morte
nous entoure d'un silence sans fin comme une fle est entourée
nos cerca com um silêncio interminável como uma ilha rodeada
d' eau. Mais c'est là justemement Z'indicible. Qu' import des mots
de água. Mas este é justamente o indizível. Que importam
quine percent pas ce silence. Qu'importe de parler d'un "moment
palavras que não perfuram este silêncio? Que import~ falar d~,
de tombe': quand chaque parole n'est rien puisqu'elle n'atteint pas um "momento de túmulo': quando cada palavra não e nada, Ja
l'au-delà des mots.
que ela não atinge o para além das palavras.
]e sais que j'ai mené les choses jusqu'au bout, en ce que le dire Eu sei que levei as coisas até o fim, ao dizer isso rrie aborreço.
.
m 'ennute.
A destruição da linguagem não é minha obra, mas só tem
La destruction du langage n'est pas mon fait mais n'a lieu en lugar em mim ao me destruir, como a ação do instante que me
moi me détruisant, comme le fait du moment qui m'a supprimé ''
suprimiu (agora eu falo mas em vão).
(maintenant je parle mais).
Estou escrevendo para o uso dos soberanos? Se eu alieno
]'écris à l'usage de souverains? Si j'aliene en moi, par une em mim, por uma concessão feita aos valores de utilidade, os
concession faite aux valeurs d'utilité, les moments d'horreur, étant le momentos de horror, sendo o suporte de um bem soberano,
support d' un "souverain bien': j'échange (je vends) la souveraineté troco (vendo) a soberania que me pertence por uma
qui m'appartient pour une commondité: ne plus avoir peur. . comodidade: não mais ter medo.

246 247
Mais cette peur en jeu n'est pas moins désir qu'horreur: c'est ·
l' angoisse (~u ~e désir que j'ai d' un objet qui m'effraie (n'être plus) Mas este medo que está em jogo é nada menos desejo que
horror: é angústia (na qual o desejo que eu tinha de um objeto
CT-_~use_ (e~~~ch:t) ,'::~n .~ffroiJ_. Si j'accordais aux raisons de la peur,
que me assusta (não mais) cava (enriquece) meu pavor). Se eu
st J~ dt~ats Dteu , J altenerats une souveraineté qui veut qu'en
conciliasse as razões do medo, se eu dissesse "Deus", eu alienaria
m,ot ~ott surmontée la peur de n'être plus, je passerais au service
uma soberania que quer em mim superar a dor de não ser
d uttle (par un détour, puisque l'utile est d'être- Dieu la garantie
mais, eu passaria ao serviço do iítil por um desvio, já que o útil
transcendante de l'être -le service de Dieu l'abaissement devant
é do ser- Deus a garantia transcendente do ser- o serviço de
ce príncipe: que Z'être demeure, soit impérissable).
Deus o rebaixamento diante deste princípio: que o ser persista,
]e ne pui: ?as n_e plus redouter la mort. De même je ne puis
seja imperecível).
pas ne plus destrer smon la mort elie-même ce qui l'annonce: une
Não posso mais temer a morte. Da mesma forma, não
aurore de la inort.
posso desejar senão a própria morte que a anuncia: uma aurora
La nuclité, la fente urinaire, le voisinage de la merde sont à la da morte.
mort,~e que le le:er du solei! est au jour. L'obscénité de la "petite A nudez, a fenda urinária, a proximidade da merda são
m~rt annonce a chaque heure en moi l'horreur de la grande. para a morte o que o nascer do sol é para o dia. A obscenidade
Dteu ne me sauve pas moins de ma nudité merdeuse que de la da "pequena morte" anuncia a cada hora em mim o horror da
pourriture dans la terre. grandeza. Deus não me salve menos de minha nudez de merda
L'excês de plaisir de la filie nue, la queue dans la bouche do que a podridão na terra.
est à moi comme un gage de nuit définitive. Si je disais: "No~s O excesso de prazer da menina nua, o pau na boca, é para
~evons avan~ tout durer'~ je devrais condammer la filie. Mais mim como o castigo da noite definitiva. Se eu disser: "Nós
Je renoncerats de la sorte à ma souveraineté (je dirais à genoux: devemos, acima de tudo, durar': eu deveria condenar a menina.
"Mon Dieu!"). La religiosité (alier au bout, ce que naus pouvons Mas eu renunciaria ao acaso a minha soberania (eu diria de
ensemble, du possible de la vie) a deux vaies, !'une servile, l'autre joelhos: "Meu Deus!"). A religião (ir ao limite, o que podemos
souveraine. La premiêre n'est nuliement échec immédiat, mais elie juntos, do possível da vida) tem dois caminhos: um servil, o
:ub~rd~n~e à la fin toute valeur, Dieu lui-même, à l'utilité (c'est- outro soberano. O primeiro não é de modo algum fracasso
a-dtre a 1etre). La seconde épuise et n'a pas d'issue. Elie implique: imediato, mas ele subordina, no fim, todos os valores, o próprio
- le désir, dans l'angoisse, l'emportant sur la peur; Deus, à utilidade (o que se refere ao ser). O segundo se esgota e
- la_ consc~ence qu'un plaisir souverain est un défi (heureux, não tem saída. Ele implica:
que rendtt posstble la chance) que je porte à mort; -o desejo, na angústia, se eleva sobre o medo; ('

- l'idée que la nuit ou je tombe ne peut être compensée nulie -a consciência de que um prazer soberano é um desafio
par: et d'aucun~ façon; je serais sans cela subordonné au ''possible'; (feliz, que torna possível o acaso) que eu levo à Il10rte;
qw com?enseratt, au lieu d'être abandonné (com me je suis) à ma - a ideia de que a noite na qual eu caio não pode ser
souverameté (à la nuit qui jamais ne verra se lever le jour). compensada em nenhum lugar e de nenhuma forma; eu seria
sem isso subordinado ao "possível': que compensaria, no lugar do
ser abandonado (como eu estou) a minha soberania (a noite que
jamais verá nascer o dia).

248
249
('

Louis Carpeaux,A morte dos mil cortes (1905). Em 25 de março de 1905, o Ching-Pao
(Pequim Gazeta) publicou o seguinte Decreto Imperial, emitido em nome do Imperador
Koang-Sou: "O príncipe mongol exige que o referido Fou-Tchou-Li, considerado culpado
do assassinato do príncipe Ao-Han-Ouan, seja queimado vivo, mas o Imperador acha
essa tortura demasiado cruel e condena Fou-Tchou-Li à lenta morte porComp-tch'e
(corte em pedaços). Respeitar isto:' Imagem retirada do livro: BATAILLE, Georges. Las
lagrimas de Eras. Barcelona: Tusquets, 1981. p. 236.

251
Absence de Remords Ausência de remorsos

J' ai de la merde dans les yeux Tenho merda nos olhos


J' ai de la merde dans le cceur Tenho merda no coração
Dieu s'écoule Deus escorre
rit n
rayonne resplandece
enivre le ciel embriaga o céu
le ciel chante à tue-tête le ciel chante o céu canta com toda força o céu canta
· la foudre chante o raio canta
les yeux s~cs . o brilho solar canta
le silence áissé de la merde dans le cceur os olhos secos
o silêncio quebrado da merda no coração
Si un gland jouissant engendrait l'univers, ille ferait cornrne il
est; on aurait, dans la transparence du ciel, du sang, des cris, de la Se uma glande gozando engendrasse o universo, ela o faria
puanteur. Dieu n' est pas un curé mais un gland: papa est un gland. como é; teria, na transparência do ceu, sangue, gritos, fedor.
Deus não é um padre mas uma glande: papai é uma glande.
ma fêlure est un ami
aux yeux de vin fin minha ferida é um amigo
nos olhos de vinho fino
et mon crime est une amie
aux levres de fine e meu crime é uma amiga
nos lábios finos
je me branle de raisin
me torche de pomme eu me masturbo com uva
me limpo com maçã
'·.

252 253
Acéphale Acéfalo

ÔOBJET ÓOBJETO
que tu es vide que tu és vazio
de moi de mim

ÔOBJET ÓOBJETO
serais-tu vide serias tu vazio
de toi de ti

es tu és tu
le fantôme iminensémen.t vide o fantasma imensamente vazio
des imaginations calmes de imaginações calmas

le fantôme décrete o fantasma decreta


d'une voix fausse com uma falsa voz

MALHEURÀ DESGRAÇA A
QUI ENTEND DES VOIX QUEM OUVE VOZES 3

'Este poema inédito de Georges Bataille, comunicado por Maurice Bl";lchot a Brun? Roy, serve de
preliminar à sua contribuição à G.L.M., livro de homenagem a Guy LeV!s Mano, publicado pela Fala
Morgana, em 1982.

254 255
Dans le Halo de la Mort Nb halo da morte

Dans le halo de la mort No halo da morte


les rues ont des chevaux as ruas têm cavalos
aux crinieres de Vit nu nas crinas do Pênis nu

Tombeau de vent Túmulo de vento


tombeau de fleuve túmulo de rio

ma mort fausse ma voix minha morte falseia minha voz


qui ne peut parvenir que só pode atingir

qu'à la douleur des dents. a dor dos dentes.

Petite fleur Pequena flor


tu le sais petite vieille tu sabes velhinha
à quel point a que ponto
j' ai peur de la merde eu tenho medo da merda4

' Este poema inédito de Georges Bataille foi encontrado nos papéis de Georges Henein, a quem
Bataille o enviou. Ele foi publicado aos cuidados de Jean-Paul Neveau na Éditions Le Nyctalope,
Amiens, 1983, acompanhado de um desenho de Fred Deux gravado por Cécile Reims. Essa pequena
brochura tem por título: Sobre um poema de G. B. Ela teve a tiragem de 63 exemplares. O nome de
Bataille aparece na ficha técnica. A palavra "pênis" está bem sublinhada no manuscrito e um ponto
aparece depois da palavra "dentes':

256 257
L'Être Indifférencié n'est Rien
O Ser Indiferente não é Nada
I I

Chapeau Chapéu
defeutre de feltro
de la mort da morte
le givre a geada
la sreur a irmã
d'un sanglot de um soluço
gat alegre

la blancheur a brancura
de la mer domar
et la pâleur de la lumiere a palidez da luz
déroberont les ossements ocultando as ossadas

l'absence a ausência
de la mort da morte
sourit. sorri.

II II

Le corps O corpo
du délits do delito
est le creur é o coração
de ce délire. deste delírio.

260 261
III Iii
Les lois de la saveur AB leis do sabor
assiegent cercam
la tour de la luxure. a torre da luxúria.

N IV
Ealcool O álcool
de la poésie da poesia
est le silence é o silêncio
défunt. falecido.

v v
]'ai vomi Vomitei
parles nez pelo nariz
le ciel arachnéen o céu aracnídeo
mes tempes amenuisées minhas têmporas enfraquecidas
achevent de l'amincir acabam por emagrecê-lo
je suis mort estou morto
et les lis e os lírios
évaporent l'eau distillée evaporam a água destilada

les mots manquent as palavras fracassam

et je manque enfin. e eu fracasso enfim.

262 263
VI
VI
Les mots du poeme, leur indocilité, leur nombre, leu r
AB palavras do poema, sua indolência, se.u núme~o, sua ,
insignifiance, retiennent sur le creur l'instant impalpable, baiser
insignificância, retém sobre o coração o mstante unpalpavel,
lentement appuyé sur la bouche d'une morte, ils suspendent le
beijo lentamente apoiado sobre a boca de uma morta,
souffle à ce qui n'est plus rien.
suspendendo o sopro do que não é nada.
La transparence de l'être aimé, miraculeuse indifférence,
A transparência do ser amado, indiferença miraculosa,
ce qui égare, égaré dans le cristal innombrable de la lumiere:
o que se perde, perdido no cristal inümerável da luz:
n'y penser jamais plus.
nunca mais pensar nisso.
VII Vil
L'éclair tue O relâmpago mata
retourne les yeux retorna os olhos
la joie a alegria
efface apaga
la joie a alegria

effacée apagado
· vitre de mort vidro de morte
glacée gelado
ô vitre ó vidro
resplendissante resplandecente
d'un éclat qui se brise de um estilhaço que quebra
dans l' ombre qui se fait na sombra consumada

Je SUlS eu sou
ce qui n'est pas o que não é
j'ouvre eu abro

les dents mêlées os dentes misturados


des morts dos mortos
et les grincements de la lumiere e os rangidos da luz
qui m'enivre que me embriaga
de l'étreinte de abraços
qui s'étouffe que se sufocam
de l'eau de água
qui pleure que chora
de l'air mort de ar morto
et de l'âme de 1'oubli e da alma e do esquecimento

267
266
mais rien mas nada
je ne vais não vejo
nen nada
je ne ris plus não rio máis
car à force de rire pois à força de rir
je transparais eu transpareço

269
268
Poemes Disparates Poemas disparatados

fusqu' aux bottes dans les yeux Até às botas nos olhos
jusqu'aux larmes de la boue até às lágrimas de lama
jusqu'aux mains enflées de pus até às mãos inchadas de pus
mene le chemin du défi leva o caminho do desafio

des longs râles de la tombe os longos estertores do túmulo


ou sijjla une mort sans air onde assopra uma morte sem ar
. et de l'absence d' espoir e da falta de esperança
nait l'étoile de la nue. nasce a estrela da nudez.
(novembre 43) (novembro 43)

270 271
I gave to Limbour a rendez-vous Eu encontrei Limbour
on the Champs-Élysées no Champs-Élysées
to speak of heaven para falarde paraíso

I said
eu disse
heaven is a cat
o paraíso é um gato

a third said
um terceiro disse
heaven is two cats
o paraíso são dois gatos

another said
um outro disse
heaven is a tangue
o paraíso é uma língua
thicker than a mob.
mais gorda do que a multidão.

272 273
]e rêvais de toucher la tristesse du monde Eu sonhava em tocar a tristeza do mundo
au bord désenchanté d'un étrange marais à margen desencantada de um estranho pântano
je rêvais d'une eau lourde ou je retrouverais eu sonhava com uma água pesada onde eu encontraria
les chemins égares de ta bouche profonde os caminhos extraviados de tua boca profunda

j'ai senti dans mes mains un animal immonde senti nas minhas mãos um animal imundo
échappé à la nuit d'une affreuse forêt fugitivo à noite de uma floresta terrível
et je vis que c'était le mal dont tu mourais e eu vi que era o mal do qual morrias
que j'appelle en riant la tristesse du monde que eu chamo rindo a tristeza do mundo

une lumierefolleun éclat de tonnerre uma luz louca um estrondo de trovão


un rire libércint ta Zangue nudité um riso liberando tua longa nudez
une immense splendeur enfin m'illuminerent um esplendor imenso enfim me iluminaram

et je vis ta douleur com me une charité e eu vi tua dor como uma caridade
rayonnant dans la nuit la Zangue forme claire brilhando na noite a longa forma dara
et le cri de tombeau de ton infinité. e o grito de túmulo de tua infinitude.

274 275
En mourant je voudrais tenir Ao morrer gostaria de ter
I' objet que tu me donneras o objeto que tu me darás
le serrer dans ma main gelée apertá-lo na minha mão gelada
puis de mes levres le souiller depois de meus lábios o mancharem
de la bave de I' agonie. com a baba da agonia.

276
277
--;r

Vêtu de ma sueur de sang Vestido com o suor de meu sangue


fantôme échevelé de vieille fantasma descabelado de velha
tes dents le vent les gelere teus dentes o vento os congelará
alors je les baiserai então os beijarei
tu seras morte. tu estarás morta.

278 279
A profundidade de uma noite
La profondeur d'une nuit
enterrou com sua poeira
ensevelit de sa poussiere
a grande estrela Açougueira
la grande étoile Boucherie
o LEITE do céu.
le LAIT du ciel.

281
280
L'Orestie
A Oréstia
Invocation à la Chance Evocação do acaso

O restie Oréstia
rosée du ciel rosa do céu
cornemuse de la vie gaita da vida

nuit d' araignées noite das aranhas


d'innombrables hantises de incontáveis obsessões
inexorable jeu des larmes inexorável jogo das lágrimas
ô soleil en mon sein Zangue épée de la mort ó, sol em meu peito longa espada da morte

repose-toile long de mes os descanse ao longo de meus ossos


repose-toi tu es l'éclair descanse tu és o relâmpago
repose-toi vipere descanse víbora
repose-toi mon creur descanse meu coração

les fleuves de l'amour se rosissent de sang os rios do amor ficam rosa de sangue
les vents ont décoiffé mes cheveux d' assassin os ventos já despentearam meus cabelos de assassino

Chance ô blême divinité acaso ó pálida divindade


rire de l'éclair riso de relâmpago
soleil invisible sol invisível
tonnant dans le creur trovejando no coração
chance nue acaso nu

chance aux longs bas blancs acaso em longas meias brancas


chance en chemise de dentelle. acaso em camisa de renda.

284
285
La Discorde A discórdia

Dix cent maisons tombent Centenas de casas caem


cent puis mille morts cem depois mil mortes
à la fenêtre de la nue. à janela da nuvem.

Ventre ouvert Barriga aberta


tête enlevée cabeça arrancada
reflet de Zangues nuées reflexo de longas nuvens
image d'immense ciel. imagem de céu imenso.

Plus haut Mais alto


que le haut sombre du ciel que o topo escuro do céu
plus haut mais alto
dans une folle ouverture na abertura louca
une trainée de lueur um rastro de luz
est le halo de la mort. é o halo da morte.

Un creur de glace une soupe fumante Um coração de gelo uma sopa fumegante
un pied sale de sang um pé sujo de sangue
la moustache les !armes o bigode as lágrimas
une crécelle de mourant. uma matraca de moribundo.

Flamme de nuit Chama da noite


jambe sciée perna cortada
cervelle nue et pied nu miolos nus e pé nu
le froid le pus la nuée o frio o pus a nuvem
le cerveau mouchent du sang. o cérebro assoando sangue.

!'ai faim de sang Tenho fome de sangue


faim de terre au sang fome de terra no sangue
faim de poisson faim de rage fome de veneno fome de raiva
faim d' ordure faim de froid. fome de lixo fome de frio.

286 287
]e me consume d' amou r Eu me consumo de amor
mille bougies dans ma bouche mil velas na minha boca
mille étoiles dans ma tête mil estrelas em minha cabeça

mes bras se perdent dans l'ombre Meus braços se perdem na sombra


mon cceur tombe dans le fond meu coração cai no fundo
bouche à bouche de la mort. boca à boca com a morte.

288 289
Moí
Eu
Cceur avide de lueur Coração ávido de luz
ventre avare de caresses barriga avarenta de carícias
le soleil faux les yeux faux o sol falso os olhos falsos
mots pourvoyeurs de la peste palavras provedoras da peste

la terre aime les corps froids. a terra ama os corpos frios.


Larmes de gel Lágrimas de gelo
équivoque des cils equívoco dos cüios

levres de morte lábios de morta


inexpiables dents imperdoáveis dentes

absence de vie ausência de vida

nudité de mort. nudez de morte.

294 295
A travers le mensonge, l'indifférence, le claquement des dents, le Através da mentira, a indiferença, o estalo dos dentes, a
bonheur insensé, la certitude, felicidade insana, a certeza,
dans le fond du puits, dent contre dent de la mort, une infime o fundo do poço, dente contra dente da morte, uma ínfima
parcele de vie aveuglante nait d'une accumulation de déchets, parcela de vida cegante nasce de um acúmulo de restos,
je la fuis, elle insiste; injecté, dans le front, un filet de sang se mêle eu a evito, ela insiste, injetado, na testa, um filete de sangue se
à mes larmes et baigne mes cuisses, mescla às minhas lágrimas e banha minhas coxas,
infime parcele née de supercherie, d' avarices impudentes, ínfima parcela nascida de trapaça, de avarezas impudentes, não
non moins indifférente à sai que la hauteur du ciel, menos indiferente a si que a altura do céu,
et pureté de bourreau, d'explosion coupant les cris. e a pureza de carrasco, da explosão cortando os gritos.

296 297
]'ouvre en moi-même un théâtre Abro em mim mesmo um teatro
ou se joue un faux sommeil onde se encena um falso sono
un truquage sans objet uma montagem sem objeto
une honte dont je sue
sem esperança
pas d' espoir a morte
la mort a vela apagada.
la bougie soufflée.

299
298
Entre-temps, je lis Nuits d'octobre, étonné de sentir un décalage Enquanto isso, eu leio As noites de outubro, admirado de sentir
entre mes cris et ma vie. Au fond, je suis comme Gérard de uma diferença entre meus gritos e minha vida. No fundo, eu
Nerval, heureux de cabarets, de riens (plus équivoque?). Je me sou como Gerard de Nerval, feliz com os cabarés, com os nadas
rappelle dans Tilly mon goút pour les gens du village, au sortir (mais equivocado?). Eu me lembro, em Tilly, do meu carinho
des pluies, de la boue, du froid, les viragos du bar maniant pelas pessoas do vilarejo, ao sair na chuva, na lama, no frio,
les bouteilles et le nez (le tarin) des grands domestiques de
as taberneiras mexiam nas garrafas, e o nariz (o focinho) dos
ferroe (saouls, boueusement bottés); la nuit, les chansons de empregados (embriagados, botas enlameadas); à noite, as canções
faubourg pleuraient dans des gorges vulgaires, il y eut des allées de subúrbio lamentavam nas gargantas vulgares, havia becos
et venues de bringue, des pets, des rires de :filles dans la cour. e avenidas em farra, animais de estimação, risos de garotas
Fétais heureux d'écouter leur vie, griffonnant mon carnet, no pátio. Eu estava feliz de escutar sua vida, rabiscando meu
couché dans une chambre sale (et glacée). Pas 1'ombre d' ennui, caderno, deitado em um quarto sujo (e gelado). Sem nenhum
heureux de la chaleur des cris, de 1'envoutement des chansons: aborrecimento, feliz com o calor dos gritos, com o feitiço das
leur mélancolie prenait à la gorge. canções: sua melancolia dava nó na garganta.
Le Toit du Temple O teta do templo

Sentiment d'un combat décisif dont rien ne me détournerait Sentimento de um combate decisivo no qual nada agora me
maintenant. ]'ai peur ayant la certitude que je n'éviterai plus le desviaria. Tinha medo da certeza de que eu não evitaria o
combat. combate.

La réponse ne serait-elle pas: "que j'oublie la question"? A resposta não seria: "que eu esqueça a questão"?

302 303
Il me sembla hier avoir parlé à ma glace. Me pareceu que ontem eu falei ao meu espelho.

Il me sembla voir assez loin comme à des lueurs d' éclair une Me pareceu que eu vi tão longe como as luzes dos relâmpagos
region ou l'angoise a conduit... Sentiment introduit par une uma região onde a angústia levou ... Sentimento introduzido
phrase. ]'ai oublié la phrase: elle s'accompagna d'un changement por uma frase. Esqueci a frase: ela era acompanhada de uma
perceptible, comme un déclic coupant les liens. mudança perceptível, como um clique cortando amarras.

]e perçus un movement de recul, aussi décevant que celui d'un Percebi um movimento de recuo, tão decepcionante quanto o
être surnaturel. de um ser sobrenatural.
Rien de plus détaché ni de plus contraíre à la malveillance. Nada mais desprendido nem mais contrário à malevolência.
]'éprovais comme un remords l'impossibilité de jamais annuler Sofria como um remorso a impossibilidade de nunca anular
mes affirmations. minhas afirmações.
Comme si quelque intolérable oppression naus gênait. Como se qualquer opressão intolerável nos incomodasse.

Désir- à trembler- que la chance survenant, mais dans O desejo -a tremer- de que o acaso aconteça, mas que, na
l'incertitude de la nuit, imperceptible, soit cependant saisie. Et si incerteza da noite, imperceptível, seja, no entanto, apreendido.
fort que fut ce desir, je ne pouvais qu' observer le silence. E por mais forte que fosse esse desejo, eu podia apenas observar
o silêncio.
Seul dans la nuit, je demeurai à lire, accablé par ce sentiment
d'impuissance; Sozinho na noite, eu continuava a ler, oprimido pelo
sentimento de impotência.

306 307
--,-.
I
]e lus en entier Bérénice (je ne !'avais jamais lu). Seule une phrase Li totalmente Berenice (nunca eu o tinha lido). Apenas uma
de la préface m'arrêta: '~ .. cette tristesse majestueuse qui fait tout frase do prefácio me parou: "... esta tristeza majestosa que faz
le plaisir de la tragédie." ]e lus, en français, Le Corbeau. ]e me todo o prazer da tragédia:' Li, em francês, O corvo. Me levantei
levai touché de contagion. ]e me levai et pris du papier. ]e me contaminado. Me levantei e peguei o papel. Me lembro da pressa
rappelle la hâte fébrile avec laquelle j' atteignis la table: pourtant febril com que me atirei à mesa: no entanto eu estava calmo.
j' etais calme.
Escrevi:
J'écrivis:
Passou
Il s'avança uma tempestade de areia
une tempête de sable só pude dizer que
je ne puis dire que
na noite
dans la nuit
ela passou como um muro em ruínas
elle avança comme un mur en poussiere ou como o turbilhão vestido de um fantasma
ou comme le tourbillon drapé d'un fantôme
ela me disse
elle me dit
onde estás
ou es-tu
je t'avais perdu eu te perdi
mats mot mas eu que nunca a tinha visto
qui jamais ne l'avais vue gritei no frio
je criai dans le froid quem és tu demente
qui es-tu por que
demente fingir
etpourquoi não me esquecer
faire semblante nesse momento
de ne pas m'oublier ouvi cair a terra
à ce moment corri
j'entendis tomber la terre atravessei
je courus um interminável campo
traversai caí
un interminable champ o campo também caiu
je tombai um soluço infinito o campo e eu
le champ aussi tomba caímos
un sanglot infini le champ et moi
tomberent
r1

308 309
nuit sans étoile noite sem estrela
vide mille fois éteint vazio mil vezes apagado
un teZ cri
tal grito
te perça-t-il jamais jamais te perfurou
une chute si Zangue. uma queda tão longa.

En même temps, 1'amour me brülait. J' étais limité par les Ao mesmo tempo, o amor me queimava. Estava limitado
mots. Je m'épuisai d'amour dans le vide, comme en presénce pelas palavras. Estava esgotado de amor ~o vazio, ~orno n,a
d'une femme désirable et déshabillée - mais inaccessible. Sans presença de uma mulher desejável e desptda, mas macesstvel. Sem
.même pouvqir exprimer un désir. mesmo poder exprimir um desejo.

Hébétude. Impossible d'aller au lit malgré l'heure et Estupefação. Impossível me deitar apesar da hora e
la fatigue. J'aurais pu dir~ de moi comme il y a cent ans do cansaço. Poderia falar de mim como há cem anos o fez
Kierkegaard: "J'ai la tête aussi vide qu'un théâtre ou l'on vient Kierkegaard: "Eu tenho a cabeça tão vazia quanto um teatro onde
de jouer."
acabamos de encenar."

Comme je fixais le vide devant moi, une touche aussitôt Como eu fixei o vazio diante de mim, um toque . .
violente, excessive, m'unit à ce vide. Je voyais ce vide et ne imediatamente violento, excessivo, me uniu a esse vazw. Eu vta o
voyais rien, mais lui, le vide, m' embrassait. vazio e não via nada, mas ele, o vazio, me abraçava.

Mon corps était crispé. Il se contracta comme si, de Meu corpo estava crispado. Ele se contraía como se, de si
lui-même, il avait du se réduire à l'étendue d'un point. Une mesmo, tivesse que se reduzir à extensão de um ponto. U~a
fulguration durable allait de ce point intérieur au vide. Je fulguração duradoura saía desse ponto interior até o vazw. Eu
grimaçais et je riais, les levres écartées, les dents nues. estremecia e ria, os lábios abertos, os dentes nus.

310 311
!e me Jette chez les Morts Me jogo aos mortos

La nuit est ma nudité A noite é minha nudez


les étoiles sont mes dents as estrelas são meus dentes
je me jette chez les morts me jogo aos mortos
habillé de blanc solei!. vestido de sol branco.

La mort habite mon creur A morte mora no meu coração


comme une petite veuve como uma pequena viúva
elle sanglote elle est lâche ela soluça ela é covarde
j' ai peur je pourrais vomir tenho medo poderia vomitar

la veuve rit jusqu'au ciel a viúva ri para o céu


et déchire les oiseaux. e rasga os pássaros.

312 313
A ma mort
les dents de chevaux des étoiles
hennissent de rire je mort
Diante da minha morte
os dentes de cavalo das estrelas
relincham de rir eu morte
l
''
:I

mortrase morte rasa


tombe humide tumba úmida
solei! manchot sol maneta

le fossoyeur à dents de mort o coveiro de dentes de morto


m'efface me apaga

l'ange au voide corbeau o anjo com asas de corvo


crie grita
gloire à toi glória a ti

je suis le vide des cercueils eu sou o vazio dos caixões


et I' absence de moi e a ausência de mim
dans l'univers entier no universo inteiro

les trompes de la joie as trompas da alegria


sonnent insensément soam incessantemente
et le blanc du ciel éclate e o branco do céu eclode

le tonnerre de la mort o trovão da morte


emplit l'univers enche o universo

trop dejoie alegria demais


retourne les ongles. retorna as unhas.

]'imagine Imagino
dans la profondeur infinie no profundo infinito
I' étendue déserte o deserto extenso
diferente do céu que eu vejo
différente du ciel que je vais
não contendo mais os pontos de luz que estremecem
ne contenant plus ces points de lumiere qui vacillent
mais des torrentes de flammes
plus grand qu'un ciel
mas torrentes de chamas5 I:I
maiores que um céu
aveuglant comme l'aube cegando como a madrugada

abstraction informe abstração informe


zébrée de cassures listrada de fendas
amoncellement amontoado
d'inanités d'oublis de inutilidades de esquecimentos
d'un côté le sujet JE de um lado o sujeito EU
et de 1'autre l' pbjet e de outro o objeto
univers charpie de notions mortes universo em fiapos de noções mortas
ou JE jette en pleurant les détritus onde o EU joga chorando os detritos
les impuissances · as impotências
les hoquets os soluços
les discordants cris de coq des idées os discordantes gritos de galo das ideias

ô néat fabrique ó nada fabricado


dans l'usine de la vanité infinie na usina da vaidade infinita
com me une caísse de dents fausses como uma caixa de dentes falsos

JE penché sur la caísse EU inclinado sobre a caixa


]E ai EU tenho
mon envie de vomir envie minha inveja de vomitar inveja

ô faillite ó fracasso
extase dont je dors êxtase com o qual durmo
quand je crie quando grito
toi qui es et seras tu que és e serás
quand je ne serai plus quando não serei mais
Xsourd X surdo
maillet géant martelo gigante
brisant ma tête. destroçando minha cabeça.

s Na primeira edição de O impossível, lê-se: "mas torrentes de chamas/maiores que o céu/mais


cegos que a madrugada~

316
317
Le scintillement O cintilamento
le haut du ciel o alto do céu
la terre a terra
etmoi. e eu.

318 319
Mon creur te crache étoíle Meu coração te cospe estrela

incomparable angoisse incomparável angústia

je me ris mais j'ai froid. eu rio mas tenho frio.

320 321
--~----

" -"""--~

Être Oreste Ser Orestes

Le tapis de jeu est cette nuit étoilée ou je tombe, jeté com me le dé O tapete do jogo é esta noite estrelada onde caio, jogado como
sur un champ de possibles éphémeres. o dado sobre um campo de possibilidades efêmeras.
Je n'ai pas de raison de "la trouver mauvaise': Não tenho razão para "considerá-la má".

Étant une chute aveugle dans la nuit, j'excede ma volonté malgré Sendo uma queda cega na noite, excedo minha vontade apesar
moi (qui n'est en moi que le donné); et ma peur est le cri d'une de mim (que não é em mim mais que algo dado); e meu medo
liberté infinie. é o grito de uma liberdade infinita. ·

Si je n'excédais par un saut la nature "statique et donné': je serais Se eu não excedesse por um salto a natureza "estática e dada",
défini par des lois. Mais la nature me joue, me jette plus lain qu'elle- eu seria definido pelas distrações. Mas a natureza me joga, me
même, au-delà des lois, des limites qui font les humbles l'aiment. arremessa mais longe que ela mesma, além das leis, dos limites
que fazem os humildes a amarem.
Je suis le résultat d'un jeu, ce qui, si je n'étais pas, ne serait pas,
qui pouvait ne pas être. Sou resultado de um jogo, o qual, se eu não existisse, não seria,
não poderia ser.
!e suis, dans le sein d'une immensité, un plus excédant cette
immensité. Mon bonheur et mon être même découlent de ce Sou, no sentido de uma imensidade, um mais excessivo que
caractere excédant. esta imensidade. Minha felicidade e meu ser mesmo resultam
dessa característica excessiva.
Ma bêtise a béni la nature secourable, agenouillée, devant Dieu.
Ce que je suis (mon rire, mon bonheur ivres) n'en est pas moins joué, Minha loucura abençoou a natureza útil, rebaixada diante de
livre au hasard, mis à la porte dans la nuit, chassé comme un chien. Deus. O que eu sou (meu riso, :mlnha' felicidade embriagada)
não é por isso menos que jogado, deixado ao acaso, colocado à
Le vent de la vérité a répondu comme une gifle à la joue tendue de porta da noite, escorraçado como um cachorro.
la piété.
O vento da verdade respondeu como um tapa ao jogo tenso da
Le cceur est humain dans la mesure ou il se révolte (ceei veut dire: piedade.
être un homme est "ne pas s'incliner devant la loi").
O coração é humano na medida em que ele se revolta (isso
quer dizer: ser um homem é "não se inclinar diante da lei").

322 323
Un poete ne justifie pas - il n'accepte pas - tout à fait la nature. Um poeta não justifica ele não aceita- a natureza. ·
La vraie poésie est en dehors des lois. Mais la poésie, finalement, completamente. A verdadeira poesia está fora das le1s. Mas a
accepte la poésie. poesia, por fim, aceita a poesia.

Quand accepter la poésie la change en son contraíre (elle devient Quando aceitar a poesia troque-a pelo seu contrário (ela se
médiatrice d'une acceptation)! je retiens le saut dans leque/ torna mediadora de uma aceitação) eu retenho um salto no
j'excéderais 1'univers, je justifie le monde donné, je me contente de Iui. qual eu excederia o universo, eu justifico o mundo dado, eu me
contento com ele.
M'insérer dans ce qui m'entoure, m'expliquer ou ne voir en mon
insondable nuit que'une fable pour enfants (me donner de moi- Me inserir naquilo que me cerca, me ei:plicar ou ~e ver em minha
même une image ou physique ou mythologique)! non!... insondável noite somente em uma fábula para cnanças (me dar
]e renoncerÇiis au jeu ... uma imagem ou física ou mitológica de mim mesmo)! não!...
Eu renunciaria ao jogo.
]e refuse, me révolte, mais pourquoi m'égarer. Si je délirais, je
serais simplement nature/. Eu recuso, me revolto, mas por que me extraviar. Se eu delirasse,
Le délire poétique asa place dans la nature. Illa justifie, accepte seria simplesmente natural. . .
de 1'embellir. Le refus appartient à la conscience claire, mesurant 0 delírio poético tem seu lugar na natureza. ~:e a_ JUStifica,
ce qui lui arrive. aceita embelezá-la. A recusa pertence à consc1enc1a clara,
La claire distindion des divers possibles, le don d'aller au bout du medindo aquilo que lhe acontece. .
A clara distinção das diversas possibilidades, o. dom de 1r ao fim
plus lointain, relevent de l'attention calme. Le jeu sans retour de
do mais distante, resulta da atenção serena. O JOgo sem reto~no
moi-même, 1'aller à 1'au-delà de tout donné exigente non seulement
do mesmo, 0 ir além do todo dado, exigindo não apenas o nso
ce rire infini, mais cette méditation lente (insensée, mais par exces).
infinito, mas a lenta mediação (insensata, mas pelo excesso)·
C'est la pénombre et l'équivoque. La poésie éloigne en même
Isto é a penumbra e o equívoco. A poesia afasta ao mesmo_
temps de la nuit et du jour. Elle ne peut ni mettre en question ni tempo a noite e 0 dia. Ela não pode nem c?locar em questao
mettre en action ce monde qui me lie.
nem por em ação este mundo que me opnn:e. . .
La menace en est maintenue: la nature peut m'anéantir- me A ameaça se mantém: a natureza pode me arnq~a~- me reduzrr
réduire à ce qu'elle est, annuler jeu que je joue plus lain qu'elle- àquilo que ela é, anular o jogo que eu jogo o mrus distan~e de~a­
qui demande ma folie, ma gaieté, mon éveil infinis. que exige minha loucura, minha alegria, meu despertar infinitos.

Le relâchement retire du jeu- et de même 1'exces d'attention. A preguiça retira do jogo- e do mesmo o excesso ~e ate~ção.
L'emportement riant, le saut déraisonnable et la calme lucidité sont A raiva ri, o salto irracional e a calma lúcida são eXIg~nCias do
exigés du joueur, jusqu'au jour ou la chance de lâche- ou la vie. jogador, até o dia em que a sorte o acovarde - ou a VIda.

]e m'approche de la poésie: mais pour lui manquer. Eu me aproximo da poesia: mas para perdê-la.

324 325
Dans le jeu excédant la nature, il est indijférent que;·e l'excede No jogo que excede a natureza, é indiferente que eu exceda
) ll A 'd
) , ou ou que ela mesma se exceda em mim (ela é talvez toda inteira
qu e e-meme s exce e en mot (elle est peut-être tout entiere ex '
d' zz ces excesso dela mesma), mas, com o tempo, o excesso se insere ao
'e. e~meme 'mats: dans le .temps, l'exces s'insere à la fin dans
A ) •

l 01d1e des choses (;e mourat à ce moment-là). fim na ordem das coisas (mas eu morrerei nesse momento).

~l m'a fallu,pour saisir un possible au sein d'une evidente Me foi necessário, para alcançar algo possível em meio de uma
tmpossibilité, me représenter d' abord la situation inverse. impossibilidade evidente, me representar primeiro a situação
inversa.
A suppos~r que je v~uille. ~e réduire à l'ordre legal, j'ai peu de
Ao supor que eu queira me reduzir à ordem legal, tenho poucas
chan~es d y patyemr entterement: je pécherai par inconséquence-
chances de chegar inteiramente: eu pecarei pela inconsequência ou
par ngueur malheureuse...
pelo rigor infeliz...
Dans l'extrême rígueur, l'exigence de l'ordre est détentrice d'un si
No extremo rigor, a exigência da ordem é detentora de tanto
grand pouvoir qu'elle ne peut se retourner contre elle-même D
l' P , .
e:: enence qu,en ont les dévots (les mystiques), la personne. deans poder que ela não pode se voltar contra ela mesma. Na expe-
riência que se tem dela os devotos (os místicos), a pessoa de
~teu est placé'; au sommet d'un sommet d'un non-sens imoral:
Deus é colocada no auge do não-sentido imoral: o amor do
l a~~~r ~u devo~ réalise en Dieu- auquel il s'identifie- un exces devoto realiza em Deus - com o qual ele se identifica - um
qut, s tll assumatt personnellement, le jetterait à genoux, écoeuré. excesso que, se ele assumisse pessoalmente, ele se jogaria de
joelhos, enjoado.
La réduct!on à l'or~r: é;.houe de toute façon: la dévotion formelle
(sans exces) condutt a l mconséquence. La tentative inverse a A redução à ordem fracassa de todas as formas: a devoção for-
d~nc des chances. Illui faut se servir de chemins détournés (de mal (sem excesso) conduz à inconsequência. A tentativa inver- I
nres, de _n~usées incessantes). Sur le planou ces choses se jouent, sa, portanto, das probabilidades. É necessário a ele se servir de
chaque element se change en son contraíre incessamment. Dieu caminhos tortuosos (de risos, de náuseas incessantes). Sobre o
se char?e soudain d' "horrible grandeur': Ou la poésie glisse à l' plano onde essas coisas se jogam, cada elemento se converte em
embelltssement. Achaque effort je fais pour le saisir, l'objet de mon seu contrário incessantemente. Deus se encarrega de repente da
atente se change en un contraíre. "horrível grandeza". Ou a poesia desliza para o embelezamento.
A cada esforço que eu fazia para alcançá-lo, o objeto de minha
espera se tornava o seu contrário.

326 327
L'éclat de la poésie se révele hors des moments qu'elle atteint dans
un désordre de mort. O brilho da poesia se revela fora dos momentos que ela alcança
em uma desordem de morte. 6

(Un commun aá:ord situe à part les deux auteurs qui ajouterent
(Um acordo comum coloca à parte os dois au:ores que ,acresc.en-
à celui de la poésie l'éclat d'un échec. L'équivoque est liée à leurs
taram à poesia o brilho de um fracasso. O eqmvoco esta. relaclO-
noms, mais l'un et l'autre épuiserent le sens de la poésie qui nado aos seus nomes, mas um e outro esgotaram o sentido que
s'acheve en son contraíre, en un sentiment de haine de la poésie. La acabou em seu contrário, em um sentimento de ódio à poesia. A
poésie quine s'éleve pas au non-sens de la poésie n'est que le vide de poesia que não se eleva ao nonsense da poesia é apenas o vazio da
la poésie, que la belle poésie.) poesia, apenas poesia bonita.)

' Na primeira edição de o impossíve~ lê-s~: "O b~o da p.o~ia se revela fora dos belos momentos
que atinge: comparada ao fracasso da poesta, a poesta rastep.
l
POUR QW SONT SES SERPENTS ... ?
I pARA QUEM SÃO ESSAS SERPENTES ... ?

L'inconnu et la mort... sans la mutité bovine, seule assez O desconhecido e a morte ... sem a mudez bovina, apenas o
s~lide en de tels chemins. Dans cet inconnu, aveugle, je succombe suficiente sólido em tais caminhos. Nesse desconhecido, cego, eu
(;e renonce à l'épuisement raisonné des possibles). sucumbo (eu renuncio ao esgotamento racional dos possíveis)?

La poésie n'est pas une connaissance de soi-même, encare A poesia não é um conhecimento de si mesmo, menos ainda
moins l'expérience d'un lointain possible (de ce qui auparavant a experiência de uma possível distante (da qual primeiramente
n'était pas) mais la simple évocation parles mots de possibilités não era) mas a simples evocação pelás palavras de possibilidades
inaccessibles. inacessíveis.

L'évocation a sur l'expérience l'avantage d'une richesse et A evocação tem sobre a experiência a vantagem de uma
d'une facilité infinie mais éloigne de l'expérience ( essentiellement riqueza e de uma facilidade infinita mas se afasta da experiência
paralysée). (essencialmente paralisada).

Sans l'exubérance de l'évocation, l'expérience serait Sem a exuberância da evocação, a experiência seria racional.
raisonnable. Elle commence à partir de ma folie, si l'impuissance Ela começa a partir de minha loucura, se a impotência da
de l' évocation m'écoeure. evocação me enjoasse.

La poésie ouvre la nuit à l'exces du desir. La nuit laissée par A poesia abre a noite ao excesso do desejo. A noite abandonada
les ravages de la poésie est en moi la mesure d'un refus- de ma pelas devastações da poesia é em mim a medida de uma recusa-
folle volonté d' excéder le monde-. La poésie aussi excédait ce de minha vontade louca de exceder o mundo;- A poesia também
8
monde, mais elle ne pouvait me changer. excedia este mundo, mas ela não podia me mudar.

Ma liberté fictive assura davantage qu'elle ne ruinait la Minha liberdade :fictícia me deu mais certeza de que não
contrainte du donné nature!. Si je m'en étais contenté, je me serais arruinaria a limitacão da natureza dada. Se eu estivesse me
soumis à la Zangue à limite de ce donné. contentado com is~o, estaria submisso com o tempo ao limite
desse dado.

7Na primeira edição de O impossível, lê-se: "Neste desconhecido, alegremente, um poeta sucumbe
(renuncia ao esgotamento racional dos possíveis):'
8 Na primeira edição de O impossível, lê-se: "O que ela substitui à servitude dos vínculos naturais é a

liberdade de associação, que destrói os vínculos, mas verbalmente:' ·

330 331
[e, continu~i~ de mettre en question la limite du monde, voyant Eu continuava a colocar em questão o limite do mundo,
la ~~sere de qut s en contente, et je ne pus supporter longtemps la vendo a miséria de quem com ela se conforma, não podia
factltté de la fiction: j'en exigeai la réalité, je devins fou. suportar por muito tempo a facilidade da ficção: eu exigi dela a
realidade, fiquei louco.
Si je mentais, je demeurais sur le plan de la poésie, d'un
dépassement verbal du monde. Si je persévérais en un décri Se eu mentisse, eu ficaria sobre o plano da poesia, de uma
aveugle du monde, mon décri était faux (com mele dépassement). ultrapassagem verbal do mundo. Se eu perseverasse em um
En ~n certain sens, mon accord avec le monde s'approfondissait. descrédito cego do mundo, meu descrédito seria falso (como a
M~ts ne pouvant mentir sciemment, je devins fou (capable ultrapassagem). De uma certa forma, meu acordo com o mundo
d'tgnorer la vérité). Ou ne sachant plus, pour moi seul, jouer la se aprofundava. Mas não podia mentir conscientemente, fiquei
corrz,édie, ~'un délire, je devins fou encare mais intérieurement: je louco (capaz de ignorar a verdade). Ou não sabendo mais, por
fis l expenence de la nuit. mim apenas, interpretava a comédia do delírio, fiquei louco mas
ainda interiormente: eu fiz a experiência da noite.
~a poésie fut un simple détour: j'échappai par elle au monde
du dtscours, devenu pour moi le monde naturel, j'entrai avec elle A poesia foi um simples desvio: escapei por ela do mundo
en une sorte de tombe ou l'infinité du possible naissait de la mort do discurso, transformado para mim no mundo natural, eu
du monde logique. entrei com ela em um tipo de tumba onde o infinito do possível
nascia da morte do mundo lógico.
La logique en mourant accouchait de folles richesses. Mais
~e ~ossible évoqué n'est qu'irréel, la mort du monde logique est A lógica, ao morrer, dá à luz loucas riquezas. Mas o possível
trreelle, tout est louche et fuyant dans cette obscurité relative. ]e evocado é apenas irreal, a morte do mundo lógico é irreal, tudo é
puis m'y moquer de moi-même et des autres: tout le réel est sans duvidoso e fugidio nesta obscuridade relativa. Eu posso gozar de
:,~Zeur, to~_te valeur irréelle! De là cette fatalité de glissements, ou mim mesmo e dos outros: todo o real é sem valor, todo o valor
J tgnore st ;e mens ou si je suis fou. La nécessité de la nuit procede é irreal! Daí esta facilidade e esta fàtalidade de deslizamento,
de cette situation malheureuse. onde eu ignoro se minto ou se sou louco. A necessidade da noite
procede desta situação infeliz.
La nuit ne pouvait qu'en passer par un détour.
A noite só podia passar por um desvio.
La mise en question de toutes choses naissait de
l'exaspération d'un désir, quine pouvait porter sur le vide! O questionamento de todas as coisas nascidas da exasperação
de um desejo, que não poderia se sustentar sobre o vazio.
, L'~bjet de mo~ désir ~tait en premier lieu l'illusion et ne put
etre qu en second !teu le VIde de la désillusion. · O objeto de meu desejo era no primeiro lugar da ilusão e ·
só pôde estar em segundo lugar o vazio da desilusão.

333
332
r-""~A
::
mise en question sons désir est formei/e, indifférente Ce n'est
pas d'elle qu'on pourrait dire: "c'est la même chose que l'homme."
O questionamento sem o desejo é formal, indiferente. Não
é dele que se poderia dizer: "é a mesma coisa que o homem". ,I

La poésie révele un pouvoir de l'inconnu. Mais l'inconnu A poesia revela um poder do desconhecido. Mas o
n'est qu'un vide insignifiant, s'il n'est pas l'objet d'un désir. La desconhecido é apenas um vazio insignificante, se ele não
poésie est moyen terme, elle dérobe le connu dans l'inconnu: elle é objeto de um desejo. A poesia é meio termo, ~la oculta o
est l'inconnu paré des couleurs aveuglantes et de l'apparence d'un conhecido no desconhecido: ela é o desconhecido adornado de
solei!.
cores brilhantes e da aparência de um sol. ,.

, Ébloui de mille figures ou se composent l'ennui, l'impatience Deslumbrado por mil figuras onde se compõe o tédio, a
et l'amour. Maintenant mon désir n'a qu'un objet: l'au-delà de impaciência e o amor. Agora meu desejo só tem um objeto: o
ces mille figures et la nuit.
além dessas milhares de figuras e a noite.

Mais dans la nuit le désir ment et, de cette maniere, elle cesse Mas na noite o desejo mente e, de certa maneira, ela deixa
d' en paraítre 1'objet. Cette existence par moi menée "dans la nuit" de mostrar o objeto. Essa existência por mim levada "na noite"
ressemble à celle de l'amant à la mort de l'être aimé, d'Oreste parece aquela do amante à morte do ser amado, de Orestes
apprenant le suicide d'Hermione. Elle ne peut reconnaítre en informado do suicídio de Hermione. Ela não pode reconhecer
l'espece de la nuit "ce qu'elle attendait': na natureza da noite "o que ela esperava".

334 335
Le Livre
O Livro
Je bois dans ta déchirure
et j'étale tes jambes nues
je les ouvre comme un livre
ou je lis ce qui me tue.
Eu bebo em tua ferida
e estendo tuas pernas nuas
eu as abro como um livro
onde leio o que me mata.
l
'I
!

338 339
PONTO DE LACERAÇÃO Traduzir os poemas de Georges Bataille é o mesmo que tentar sutu-
O FRACASSO NA POESIA DE rar uma ferida que não pode ser fechada. Aberta, ela nos obriga a olhar
GEORGES BATAILLE '!
para a escuridão que nela se esconde, sol negro que lacera a medida, fa-
ALEXANDRE RODRIGUES DA COSTA zendo da página o espaço do desvio, da transgressão. Cada palavra, aí,
mostra seus interstícios, a noite que a rodeia, a imensidade de sua pró-
pria sombra. Os poemas de Bataillé, nesse sentido, nos cegam, não com
A linguagem poética mais uma vez uma suposta beleza idealizada, concebida pelos jogos da razão. Não, seus
me abre ao abismo.
Georges Bataii/e
poemas nos cegam com o desequilíbrio do verso, a insuficiência e a des-
figuração de suas palavras. Rasgadas, elas·não se prendem a um sentido
claro e definido, mas se oferecem, ambivalentes, como naturezas infor-
mes. Como Bataille nos diz em uma das edições de Documents, "o que o
informe designa não tem seus direitos em nenhum sentido e se estende
por toda parte, como uma aranha ou um verme': "é um termo que serve
para desclassificar': 1 Aquele que se atreve a ler os poemas de Bataille de-
para-se, portanto, com essa zona incerta, onde a lógica e a racionalidade
não têm mais espaço, onde a gargalhada, o delírio e a sujeira imperam
como um processo de contraoperação: "( ... )é a prática de uma atitude de
pensamento fadada ao fracasso, descontentamento e imperfeição. Nada
mais do que uma resistência contra os tediosos e formativos efeitos do
pensamento racional." 2 Nesse sentido, a contraoperação é uma atitude
que busca propositalmente a imperfeição, o fracasso, como forma de
tornar indistinguíveis o sagrado e o profano. Ela é o próprio informe
colocado em ação, uma vez que a distinção não tem mais vez e o que
prevalece é o que podemos chamar de orgia da forma. Por isso, pensar e
conceber o poema sob os desígnios do informe deixa, na página, como
se fosse ferida, uma palavra sempre aberta, fundada no descontínuo,
no fragmentário. O desconhecido, aquilo que não tem resposta, passa a
dominar a linguagem, e o que se estabelece é uma tensão não resolvida
entre nascimento e morte, entre o transitório e o permanente. Longe de
uma síntese, o informe abraça simultaneamente os dois termos, sem que
haja uma conclusão, um fim.

1BAii\J.I.LE, Georges. C\?uvres completes V. Paris: Gallimard, 1970. p. 217.


2BILLES, Jeremy. Ecce monstrum: Georges Bataille and sacrifice of forro. New York: Fordhan University
Press, 2007. p. 28.

343
] !I

É inevitável, assim, que, ao se traduzirem os poemas de Bataille,


0 Por isso, o nonsense é o que possibilita nutrir o discurso poético
tradutor se depare com o informe. No poema O Arcangélico, por exem _
com um ódio capaz de lhe dissolver as formas, de maneira que suas
pio, é possível perceber isso, no instante em que os versos parecem
imagens se tornem desfiguradas, quase inapreensíveis. Para entender
desabar sobre si mesmos, já que os sentidos que as imagens articulam
melhor como isso se dá, talvez seja interessante nos determos em uma
não se prendem a um encadeamento, a uma sintaxe que as amarre.
passagem de O impossível, no qual Bataille escreve: "( ... ) a poesia que
Embora os temas em O Arcangélico estejam definidos a partir do sub-
não se eleva ao nonsense da poesia é apenas o vazio da poesia, é apenas
título que cada seção leva ("O túmulo", ''A aurora': "O vazio"), isso não
poesia bonita:' Para evitar essa poesia bonita, o poeta deve escapar do
quer dizer que, aí, as palavras se curvem, dóceis, a um sentido que as
mundo do discurso e aceitar o excesso como "o plano onde cada ele-
redima. Ao contrário, poder-se-ia dizer que não só em O Arcangélico,
mento se converte em seu contrário incessantemente". O que se tem,
mas em toda a p_oesia de Bataille, ocorre uma revolta da palavra, uma
portanto, é uma desordem a partir da qual a linguagem encontr~ o
vez que, como o informe, elas não se .fecham em definições, não se
nonsense, aquilo que excede o mundo das consequências felizes. E o
limitam a estàbelecer contornos claros e precisos daquilo que chama-
nonsense, na concepção de Bataille, que possibilita que o sentido se
mos de identidade, função ql.le os dicionários cumprem muito bem,
quebre e fique suspenso, que o poema não se torne apenas uma coisa
ao catalogarem e estipularem por ordem numérica os significados que
bonita, em conformidade com o vazio do que é útil.
uma palavra pode ter. Nos poemas de Bataille, o que se percebe é que
O nonsense seria, assim, uma forma de quebrar, internamente,
a contraoperação assume mesmo o papel de sabotagem do discurso
com as engrenagens do discurso. É o que podemos ler em Ser Orestes:
poético. É o que podemos perceber quando nos deparamos com o ver-
"( ... ) eu me aproximo da poesia: mas para perdê-la." Aqui, a tradu-
so "quand le bonheur sale leche la laitue" ("quando a felicidade suja
cão não dá conta da violência contida no verbo manquer, uma vez que
lambe a alface"), do poema "ó crânio': Aí, a aparição súbita da palavra
~le pode ser traduzido não só como perder, mas também desfigurar,
laitue provoca uma espécie de rompimento na estrutura do poema,
desrespeitar, estragar, falhar, faltar, ofender. A aproximação da poesia
já que ela marca a asserção de toda possibilidade intransponível, ou
resulta, portanto, no ódio a ela. A partir desse ódio, o discurso é re-
seja, a coexistência dentro do discurso de algo que o oblitere a ponto
duzido a restos, de tal maneira que a linguagem fracassa, desmorona.
de criar lugares instáveis, zonas cancerosas nas quais os sentidos das
Estaríamos, aí, no extremo do possívd, cuja necessidade de dilacerar o
palavras estão dispersos, voltados contra si mesmos. Ora, ao se encarar
discurso nos remete a um lugar de extravio, de não saber. Em vez de co-
o informe como uma operação, os significados das palavras se tornam
municar algo, o poema se afirma naquilo que escapa ao entendimento.
deslizantes, escorregadios, à imagem da aranha ou do catarro. Os li-
Seu fim é a imperfeição:"( ... ) o sentimento que tenho do desconhecido
mites são rompidos, em favor da contestação da ordem, daquilo que
do qual falei é sombriamente hostil à ideia de perfeição (a servidão
é dado como certo. Não há mais um centro, no qual a razão se esta-
mesma, o 'deve ser'):' 3 Se o poema é imperfeito e foge à utilidade, o
beleça, mas, ao contrário, é o incerto que passa a ser o fun.damento da
desconhecido é tanto aquilo que o ampara quanto o que se projeta
existência, no momento em que as linhas, que delimitam o contorno,
dele como horizonte do impossível. No entanto, o desconhecido que
desabam, e o interno e o externo se confundem. O informe representa,
0 poema nos oferece não surge do nada:"( ... ) o poético é o familiar
assim, o colapso da identidade, pensada em termos cartesianos, pois
dissolvendo-se no estranho, e nós mesmos com ele. Ele nunca nos.
ele permite a imbricação entre sujeito e objeto, um golpe no discurso
lógico e na razão.
3
BATAILLE, O?uvres completes V, p. 16.

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desapossa totalmente, pois as palavras, as imagens dissolvidas, estão
tornando-as sagradas. Mas, para isso, é necessário destruir os sentidos
carregadas de emoções já sentidas, fixadas a objetos que as ligam ao co-
da palavra, retirar tudo o que ela possa ter de utilidade, para que assim 'I
nhecido."4 Para que o poema se torne desfigurado, maldito, ele precisa
o nonsenseexpulse o discurso lógico e faça da iiicerteza o ponto de
que suas palavras tenham o sentido obliterado, se tornem inacessíveis, interseção entre aquele que escreve e o que se projeta para além das
de maneira que jamais constituam um caminho a ser trilhado a fim palavras.
de se alcançarem determinados objetivos, o que seria a total rendição A poesia, articulada como forma de transgressão, seria, assim, o
do poema ao discurso lógico, utilitário do dia a dia. Assim, a angústia movimento sem fim, no qual o texto se torna, pelo excesso, fracasso. O
que o poema gera a partir do desconhecido não ocorre de repente, ela discurso poético, nesse sentido, não é só a possibilidade de conjugar o
se faz na gradual desfiguração do mundo ao nosso redor. A perda de ser pela subtração, determinado por "uill poder, que tudo pode, pode
sentido do poema, o nonsense, é a entrada ao desconhecido, mas isso inclusive isso, suprimir-se como poder':' mas a afirmação da obra que ,:
não quer dizer que o conhecido seja esquecido:"( ... ) a imagem poética, se constrói por suas ruínas, por sua incompletude, pela proposital in-
mesmo s·e ela leva o conhecido ao desconhecido, prende-se, no entan- capacidade de se sustentar em seu dizer. O poema, dessa forma, se con-
to, ao conhecido que lhe dá corpo, e ainda que ela o dilacere e dilacere cretiza a partir de um errar que o mantém no limite de um não saber,
a vida nessa dilaceração, se fixa a ele." 5 Dilacerar o conhecido não é pergunta aberta pelo infinito da questão:"( ... ) poder enfim não saber
negar-lhe a existência, mas deslocá-lo, deformá-lo, de tal maneira que
nada, ou antes, se eu não sei nada, é que nenhuma questão pode ser
o discurso lógico que o cerca desabe. Nesse sentido, de acordo com feita:' 8 O ódio à poesia torna-se então esse tempo sempre presente, no
Bataille, "a poesia é um termo mediano, ela esconde o conhecido no
6
qual os limites da forma desmoronam, para nos lançar nessa afirmação
desconhecido': ou seja, a angústia que o poema nos oferece surge da
que não se afirma, que é a morte. Ao contrário do célebre aforismo de
tensão entre aquilo que nos é familiar e o que nos foge à compreensão. Nietzsche, "aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não
Como um "entre" a poesia conjuga duas realidades, o conhecido e o se tornar também um monstro': os poemas e os dizeres que formam A
desconhecido, sem chegar a uma síntese. Ela se torna, na expressão de
Oréstia parecem afirmar que "o ódio à poesia': o impossível, é aquilo
Bataille, mediadora.
que nos incita a correr o risco de olhar para o abismo, sabendo que
Esse caráter mediador se encontra na própria referência que Ba- podemos nos transformar em monstros. O poema é a materialização
taille faz a Orestes. De acordo com Sir James George Prazer, em O ramo desse abismo, e sua monstruosidade, sua desfiguração, em vez de nos
dourado, Orestes teria sido o primeiro Dianus, pois, ao chegar ao bosque assustar, é o que nos leva a aceitá-lo como espaço de perda, onde as
de Nerni, assassinou o sacerdote que lá reinava e estabeleceu o culto à palavras têm o seu sentido contestado e nos perdemos, dilacerados, tão
Diana. Esse ato deu início a um estranho ritual: aquele que assassinasse incompletos quanto podemos ser.
o sacerdote seria também assassinado pelo seu sucessor. Dessa forma, o
indivíduo se tornava ao mesmo tempo assassino e sacerdote, sacrifica-
dor e vítima. Em O impossível, a poesia é o objeto desse sacrifício, pois
aquele que se nomeia Dianus deve retirar as palavras do discurso lógico,

• Ibidem, p. 17.
5
Ibidem, p. 170.
6 7
BAIAILLE, Georges. C\?uvres complétes III. Paris: Gallimard, 1971. p. 222. BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita 2: a experiência-limite. São Paulo: Escuta, 2007. p. 192.
8
BATAILLE, Georges. C\?uvres complétes XIII. Paris: Gallimard, 1988. p. 530.

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CRONOLOGIA 1897 10 de setembro: nasce Georges Albert Maurice Victor Bataille em


Billom, Puy-de-Dôme. Em decorrência da sífilis, seu pai está cego.

1900 Seu pai sofre de urna paralisia geral.

1901-1913 A família se muda para Reims. Lá, Georges frequenta o liceu


para meninos até janeiro de 1913. Ele é um péssimo aluno. Os sofrimen-
tos de seu pai são atrozes. Este espetáculo, dirá Bataille, o transtornou
por toda a vida.

1914 Obtém seu primeiro baccalauréat, passando em línguas români-


cas, sem distinção. Converte-se ao catolicismo e recebe o batismo. Em
agosto, deixa Reims e dirige-se para Riom-és-Montagnes, com sua mãe,
deixando o pai aos cuidados de urna empregada doméstica.

1915 Obtém seu baccalauréat de Filosofia, novamente sem distinção


acadêmica. O pai morre em 6 de novembro. Vai ao funeral, em Reims,
comsuamãe.

1916 Consegue dispensa do serviço militar, 154° Batalhão do Regimen-


to de Infantaria, em decorrência de urna grave doença pulmonar.

1917 Retorna a Riom. Leva urna vida religiosa. "É um santo", dirá um
de seus amigos. Inscreve-se no seminário de Saint-Flour; lá passa o ano
escolar de 1917-1918.

1918 Imprime seu primeiro livro, Notre-Dame de Rheims, cuja existên-


cia se descobrirá anos após a sua morte.

1920 Descobre a importância do riso, "a chave do fundo dos mundos':


Sempre piedoso, se confessa todas as semanas.

1921 Torna-se amigo de Alfred Métraux. Lê Proust.


-l.·•
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~
~922 De~ende sua tese: L'Ordre de chevalerie, conte en vers du XXX< siecle, 1930 15 de janeiro: morte de sua mãe. Publicação de Un Cadavre, pan-
mtroductwn et notes. Nomeado arquivista-paleógrafo em 10 de feverei- fleto contra Breton. Lê Marx, Stirner, Trotsky e Plekhanov.
ro. Permanece um tempo em Madrid. Apaixona-se pelas touradas. Em 7
de maio, assiste à morte do jovem toureiro Manolo Granero: um chifre 1932 Fim de Documents após 15 números. Reencontra Boris Souvarine
perfura-lhe o olho. Em 10 de junho, nomeado bibliotecário estagiário e entra no Círculo Comunista Democrático. Colabora com a revista La
do Departamento de Impressões da Biblioteca Nacional, regressa a Paris. Critique Sociale no seu número 3. Publica L'Anus Solaire com pontas
secas de André Masson.
1923 Descobre Freud. Conhece Léon Chestov, com quem tem sua ver-
dadeira educação em Filosofia. Colabora com a tradução de L'Idée de 1933 Publica seu artigo "La Notion de Depense" na revista La Critique
bien chez Tolstoi et Nietzsche, de Chestov. Sociale, número 7, e, no número 11, "La Structure Psychologique du Fas-
cisme" (textos maiores e fundadores). Recebe Walter Benjamin em Paris.
1924 Nomeado bibliotecário do Departamento de Medalhas da Biblio-
teca Nacional. Encontra Michel Leiris, que o introduz no grupo da rua 1934 Assiste ao seminário de Alexandre Kojeve sobre a Femenologia do
Blomet, onde ele se torna amigo de André Masson. . espírito, de Hegel. "Cansar-se, até tocar a morte, de tanto fàrrear, de noi-
tes sem dormir e de foder:' Separa-se de sua mulher, Sylvia. Liga-se a
1925 Torna-se hostil ao surrealismo. Começa a fazer análise com Adrien Colette Peignot (Laure). Faz amizade com Pierre Klossowski.
Borel, que lhe apresentava as fotos do suplício dos 100 cortes. A con-
templação dessas fotos será para ele "decisiva': Não há mais a fé. Ele se 1935 Termina Le Bleu du Ciel, que ele só publicará em 1957. Alia-se a
perverte sistematicamente, bebendo, jogando, frequentando os bordéis. Breton para lançar a revista Contre-Attaque com o objetivo de se opor à
Frequenta o curso de Marcel Mauss. Lê Hegel. ascensão do nazismo.

1926 Escreve W.C., que depois destruirá, salvo um capítulo nomeado 1936 Tratados e reuniões sob a égide de Contre-Attaque, depois ruptura
"Dirty': que servirá mais tarde de introdução ao livro Le Bleu du Ciel. com os surrealistas e dissolução do movimento. Em abril, em Tossa de
Descobre Sade. Mar, com Masson, redige o programa da sociedade secreta e da revista
Acéphale, cujo primeiro número será lançado em 24 de junho. Publica,
1928 Casa-se com Sylvia Makles; seu padrinho é Michel Leiris. Publi- em dezembro, Sacrifices, com 50 águas-fortes de Masson.
ca Histo~re de L'CEil, sob o pseudônimo de Lord Auch, em uma edição
clandestina: 134 exemplares com oito litografias de André Masson não 1937 Cria o College de Sociologie com Michel Leiris e Roger de Caillois;
assinadas. . sessão inaugural em 20 de novembro.

1929 Secretário-geral da revista Documents, que vai lhe permitir ser 0 1938 7 de novembro: morte de Collete Peignot. Crise profunda.
coordenador anti-idealista da oposição ao surrealismo.

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1939 Em junho, no número 5 da Acéphale, publica anonimamente "La 1955 Publica Lascaux ou la Naissance de l'Art e Manet pela editora Skira.
Pratique de la Joie devant la Mort': Começa a escrever Le Coupable. Tem graves problemas de saúde. Diagnóstico: arteriosclerose cerebral.

1941 Encontro capital com Maurice Blanchot. Escreve Madame Edward 1957 Publica Le Bleu du Ciel por Jean-Jacques Pauvert, La Littérature et
que publica sob o pseudônimo de Pierre Angélique. Começa a escreve; le Mal, pela Gallimard, L'Érotisme, pela editora Minuit. Esses três edito-
L'Expérience Intérieure.
res organizam uma homenagem pára celebrar os seus 60 anos.

1943 Publica L'Expérience Intérieure pela editora Gallimard. Vai morar 1959 Publica, pelo clube francês, Le Proces de Gilles de Rais, introdução
em Vézelay; lá encontra, em junho, Diane Kotchoubey de Beauharnais. e anotação dos textos desse processo.
Publica Le Petit sob o pseudônimo de Louis Trente. Artigo de Sartre "Un
Nouveau Mysdque" critica violentamente L'Expérience Intérieure. 1960 O estado de saúde piora e ocorre período de depressão.

1944 Publica Le Coupable pela editora Gallimard e L'Archangélique pela 1961 17 de março: leilão solidário, no hotel Drouot, de pinturas, aquare-
editora Messages. Inúmeras discussões com Jean-Paul Sartre. las, desenhos de seus amigos: Arp, Bazaine, Ernst, Fautrier, Giacometti,
Masson, Michaux, Miró, Picasso, Tanguy etc., cuja produção permitirá a
1945 Publica Sur Nietzsche, Volonté de Chance et Memorandum, pela Bataille adquirir um apartamento na rua Saint-Sulpice. Publicação, em
editora Gallimard. Vive com Diane em Vézelay, onde residirão até 1949. junho, por Jean-Jacques Pauvert, deLes Lannes d'Éros.

1946 Cria a revista Critique, cujo primeiro número aparece em junho.


1962 Muda-se, no dia 1° de março, para a rua Saint-Sulpice, e morre no
dia 2 de julho de manhã. É enterrado em Vézelay.
1947 Publica Méthode de Méditation, pela editora Fontaine, e La Haine
de la Poésie, pela editora Minuit.

1948 Nascimento de Julie, sua filha com Diane.

1949 Publica La Part Maudite I, ensaio de economia geral, pela editora


Minuit. Retoma seu emprego de bibliotecário e é nomeado conservador I
~~
da biblioteca Inguimbertine de Carpentras. !

1950 Publica L'Abbé C. pela editora Minuit. Escreve o prefácio para jus-
tine, de Sade.

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A presente edição foi composta pela Editora UFMG e impressa pela Imprensa Universitária UFMG • • • • • • • • • • ii •
em sistema offset, papel pólen soft80g (miolo) e cartão supremo 250g (capa), em outubro de 2015.
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