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Jilian Kerr nunca teria imaginado que voltaria a ver seu ex-noivo Dax Piersall, e muito menos que

se casaria com ele. Quando o poderoso executivo lhe ofereceu um trato comercial em troca do casamento,
tentou rechaçá-lo... só que seus olhos sedutores a obrigaram a aceitar.
Dax recordava que Jillian tinha uma mente feita para os negócios - e um corpo para o pecado - e
tinha planejado manter seu coração fora do trato. Mas a mulher vibrante e segura que era Jillian
provocava nele o desejo de ser um homem melhor...
Chegariam aquelas duas almas apaixonadas a
compreender que o que faltava em suas vidas era a presença do
outro?
Capítulo Um

Uma gota de suor se formou em sua nuca e deslizou lentamente entre suas omoplatas, chocando-
se com a barreira do sutiã, para seguir por sua coluna abaixo. Enquanto Jillian Kerr procurava não matar-se
com seus altos saltos sobre o chão desigual, parecia-lhe que o linho de seu traje de jaqueta negro se
converteu em lã séria e pesada. O sol brilhava sem clemência, e sob seus dedos, a jaqueta escura de seu
acompanhante lhe queimava as pontas.
Depois de uma semana de chuvas, Baltimore tinha gozado de três formosos dias ensolarados, o
chamado verão índio típico dos setembros da costa atlântica. A grama parecia ressecada, a luz era intensa e
os pássaros trilavam como no verão.
Jillian não se fixava em nada.
As duas tumbas as pontas eram como cicatrizes abertas na carne delicada e luxuosa da pradaria e
Jillian as superou para dirigir-se ao pequeno altar onde um sacerdote ia dar começo ao funeral. Soltou o
braço de seu amigo e este foi colocar-se, junto com outros amigos, nas filas que não estavam reservadas à
família. Jillian tomou assento, só, na primeira fila.
Não havia mais família. Salvo ela, e não era de tudo certo. Jillian e Charles tinham crescido juntos,
eram quase como irmãos, mas não eram parentes. E Alma, a mulher do Charles, era a filha única de uns pais
já falecidos de maneira, que tampouco havia ali ninguém para chorar por ela. Jillian era a única em quem
recaía a responsabilidade de doer-se por seus queridos amigos.
Aquilo não era certo. Havia outra família e Jillian tinha enviado uma nota muito sentida e cortês
para dar conta do acontecido. Mas em seu íntimo, sabia que só lhe importavam o suficiente para assistir a
seu enterro.
Cuidadosamente, fugiu o campo minado em que sua mente queria internar-se e se deixou dirigir
pela voz grave do pastor para outro caminho não menos triste. Fixou os olhos nas árvores iguais que
coroavam a colina, ao fundo, e afastou o loiro cabelo do rosto para repetir as palavras do sacerdote. Não
chorou. Em nenhum momento. Escutou o elogio póstumo de Alma Bender Piersall e Charles Edward
Piersall, empresário local, incansável voluntário na vida comunitária, membro ativo de sua igreja,
contribuinte generoso e seu amado amigo da infância.
Charles Edward Piersall era também o responsável pela seqüência devastadora de acontecimentos
que destruiu seu amor e a converteu no que era naquele momento. E apesar de que devia odiá-lo, suas
lembranças de Charles estavam cheios de ternura e amor.
Juntos tinham aprendido a andar de bicicleta, tinham subido às árvores e roubado frutas. Fugiram
durante as noites, tinham criticado os pretendentes um do outro e assistido de braços dados à cerimônia de
entrega de diplomas do bacharelado. Tinham apoiado um ao outro nos momentos mais duros de suas vidas.
E embora não se viam muito nos últimos anos, a idéia de que Charles vivia na mesma cidade tinha sido para
ela como um porto seguro, uma tábua a que segurar-se quando a solidão ameaçava afoga-la.
Um rumor agitou aos presentes e a fez voltar à cabeça, irritada, disposta a sossegar aos que falavam
com um de seus temíveis olhares gélidos.
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Um movimento captou sua atenção. Parecia... Não podia ser. Ao reconhecer a cabeça escura no
fundo, aconteceu algo estranho: a terra se elevou, oscilou uns instantes e só recuperou a estabilidade quando
Jillian tomou ar. Olhou rigidamente à frente, enquanto Dax, o irmão mais velho de Charles, passava entre a
multidão e tomava assento na cadeira a sua direita.
OH, Senhor! Supunha-se que estava fora do país. O pânico se apropriou de Jillian, que teve que
recordar onde estava para que seus músculos recuperassem a calma. Não podia fugir. Por outro lado, pensou
com ironia, o perito em fugas era ele. O pensamento provocou nela uma onda tão inesperada de raiva que
apertou os punhos, lutando por reprimir o rancor e a pena que anos atrás se converteram em ódio puro.
Morreria antes do que permitir que a chegada de Dax a obrigasse a sair correndo.
O rumor da conversação se espessou e Jillian observou pela extremidade do olho que Dax girava a
cabeça. O rumor se deteve imediatamente.
Por que não ficou calvo? Perguntou-se Jillian. Deus! Que ele tivesse engordado, ou mancasse, ou
estivesse usando óculos de lentes grossas. Deus!
Não tinha se permitido mais que uma olhada rápida, mas lhe tinha bastado para comprovar que Dax
não tinha perdido nenhuma gota de seu atrativo. Em todo caso, seu grave e masculino encanto se
intensificou nos anos de exílio, e parecia tão forte como sempre. Para testemunhá-lo, bastava olhar as suas
coxas largas e musculosas sob a calça de tecido escuro. Uma lembrança daquelas coxas, e o prazer que lhe
tinham causado ao pegarem-se as suas, tentou clarear a mente, mas o fez pedacinhos sem contemplações.
Por sorte ela tampouco tinha mudado. Estava muito bonita e sabia. Por sorte. Seu corpo estava em
forma, graças ao exercício e ao gasto em cremes e em cabeleireiros. Tinha as unhas largas e pintadas com
arte, o cabelo em seu lugar, e o traje de jaqueta tinha estilo e se rendia com sutileza a suas magras e
harmoniosas curvas.
Mas não bastava. Deus! Ele já havia superado sua poderosa e bela juventude. Teria querido olhar
aquele homem a que tinha amado e com quem ia casar-se e ter se perguntado o que teria visto nele. Pelo
contrário, seu coração palpitava ante sua proximidade e logo que podia respirar.
O público murmurou “amém” e Jillian compreendeu que tinha chegado ao fim do funeral de
Charles e Alma. O pastor se afastou e ela ficou em pé para fazer seu papel.
Junto a ela, Dax se levantou também. Enquanto avançava com duas rosas amarelas, seu último
presente a seus amigos, sentiu que Dax tomava com delicadeza seu braço, ficando a seu lado e segurando-a
ao caminhar.
Lançou-lhe um olhar furioso e quis retirar o braço, mas ele não deixou. Pela primeira vez seus
olhos se encontraram e viu, nos de Dax certo cinismo que a fez estremecer-se de ira. Era capaz de obrigá-la
a fazer um número naquele momento inapropriado. Mas não... estava ali para mostrar seu respeito por seu
irmão mais novo.
“Charles. Meu Deus”. A idéia varreu toda sua ira e a tristeza foi tão grande que seus joelhos
tremeram.
Em sua mente, estalou, com aterradora claridade, o motivo de sua presença ali. Mas Charles não
podia estar morto, não podia jazer em um silêncio frio dentro de uma caixa de madeira clara. Era a única
pessoa no mundo que sabia tudo sobre Julián Elizabeth Kerr e o que necessitava. Necessitava sua amizade
sem exigências, o apoio que sempre lhe ofereceu e sua compreensão.

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E Alma. A doce e encantadora Alma. Tinha sido o melhor da vida de Charles, o amor de Alma, e
esta tinha aceitado a Jillian como a uma irmã, sem receios nem dramalhões. Também ela tinha emprestado
seu ombro às lágrimas de Jillian embora tivesse deixado de vê-los tempo atrás.
E de novo as lágrimas a estavam enchendo, e teve que apertar os lábios e agüentar enquanto
depositava as flores sobre os caixões e se afastava, para que outros pudessem dar o último adeus.
Os dedos de Dax sobre seu antebraço queimavam e assim que se separou do público, Jillian se
afastou violentamente, dizendo:
— Não me toque ou te corto os dedos.
Estavam a pleno sol e o cabelo perfeitamente cortado de Dax brilhava um negro tão escuro que não
se permitia o menor reflexo castanho ou índigo. Tinha todo o aspecto do americano de êxito. Riu ao ouvi-la,
uma risada sem alegria, tensa como um giz sobre a lousa.
— Alegra-me ver que continua tão simpática como sempre, preciosa. Acabo de chegar à cidade.
Não vai me dar um abraço e desejar boas-vindas?
— Chegou uns sete anos mais tarde — Deus! Não era para ter dito, pois a última coisa que queria
era que ele pensasse que tinha estado contando os dias desde sua partida. Mas o velho amor e o rancor lhe
tinham pregado uma peça, ao saírem de repente do armário onde os tinha trancado.
Dax cerrou os olhos e sob sua aparência educada e formal, apareceu algo perigoso, que quase a
obrigou a retroceder. Mas não lhe deu esse gosto.
O homem olhou aos caixões.
— Que pena do Charlie. E sua mulher. Nunca a conheci, mas devia ser algo muito especial para que
meu irmão te soltasse como a uma batata quente.
Monstro. Como podia falar assim de seu irmão? O punho que rodeava seu coração o apertou
dolorosamente, mas se limitou a dizer:
— Alma era uma pessoa maravilhosa. Charles a amava muito.
As sobrancelhas de Dax se elevaram ante seu comentário.
—E isso devia te tirar do sério. Ou o velho Charles te manteve por perto para quando as coisas
ficassem aborrecidas com sua mulher?
O cérebro de Jillian assimilou as palavras, voltou-se e tentou várias vezes conectar as palavras antes
que o sentido de sua frase emergisse.
— É um bastardo. Não te atreva a supor nada sobre minha vida. Não tem nem idéia do que Charles
e eu sentíamos. OH, perdão — assentiu como se de repente tivesse recordado algo —... Tinha esquecido que
é muito melhor fazendo hipóteses do que se comprometendo com alguém...
Estava frente a ele e tinha que inclinar um pouco a cabeça para olhá-lo, pois ele era duas cabeças
mais alto. Viu como seus olhos brilhavam e reconheceu o desprezo e um ódio tão velho e tão vivo como o
que ela sentia.
— Jill? — a rouca voz feminina expressava preocupação — Algum problema?
Jillian deu a volta para sorrir para sua irmã Marinha que se aproximava arrastando o seu marido.

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— Não aconteceu nada — fez um esforço para concentrar-se e estendeu as mãos para sua irmã —
Salvo que estamos no funeral de duas pessoas que não deveriam morrer tão jovens — soltou um suspiro e
ignorou a presença de Dax a seu lado. Propôs-se ignorá-lo para sempre.
— Marinha. Mudei tanto assim?
Tinha que ter suposto que Dax não ia ficar calado. Tomou as mãos de Marinha entre as suas e lhe
sorriu, com muito mais ternura do que estava mostrado para Jillian.
Ela se deu conta de que sua irmã a olhava com angústia, seu belo rosto esforçando-se em
reconhecê-lo.
— Marinha, é Dax Piersall, o irmão de Charles.
Dax ia perguntar algo, quando Jillian se voltou para ele.
— Marinha teve um acidente faz uns anos e esqueceu algumas coisas. Não recorda muitas coisas de
sua infância.
— O irmão de Charles? — os olhos azuis de Marinha estavam cheios de lágrimas — Não sabia que
Charles tinha família. Sinto-o tanto...
— Não se preocupe — as palavras de Dax tinham uma dureza inesperada — Não nos víamos há
anos. Não estávamos muito unidos — lançou um olhar a Jillian, um olhar cheio de desprezo — Os que
estavam unidos eram Jill e Charles.
— Deixa-a em paz, Dax — ameaçou friamente Jillian — Pode me odiar o que queira, mas não
aborreça ao resto do mundo.
Um silêncio incômodo seguiu a suas palavras. Então Dax tomou ar, e voltou a olhar a Marinha, com
os traços adoçados de novo:
— Sinto que não se lembre de mim. Passamos muito tempo juntos quando criança.
— Eu também o sinto — disse Marinha docemente e girando-se, apresentou o seu marido — Este é
Ben Bradford, meu marido. Ben, quero apresentar-lhe a Dax Piersall, que ao que parece é um de meus
amigos de infância.
Ben estendeu a mão com energia, mas Jillian observou que não sorria. Tampouco Dax e de repente
a semelhança entre os dois homens a surpreendeu. Ambos eram altos, fortes e morenos, embora o cabelo do
Ben tivesse já alguns fios brancos nas têmporas.
De ambos emanava uma aura de poder, uma energia pessoal que lhes atraía imediatamente a
obediência de outros. Salvo que outros se chamassem Jillian Kerr, é obvio.
Ben deu um passo atrás, sem atender ao Dax.
—Tem que nos perdoar — disse, dirigindo-se a Jillian — mas tenho que levar a Marinha a casa.
Precisa descansar.
Marinha elevou os olhos ao céu.
— Descansar, diz. O bebê estará uivando quando chegarmos em casa. Muito descanso.
Ben a pegou pela mão, sorrindo.
— Nos veremos em breve Jill.
— Também vou indo — disse ela, saltando ante a oportunidade de desaparecer — Vou com vocês.

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Mas Dax pegou sua mão e lhe apertou os dedos como se queria rompe-los em pedaços.
— Não pode ir tão rápido —disse — Temos muitas lembranças que compartilhar.
— Deixa-a ir — Ben deu um passo para ele, olhando-o com agressividade.
— Não aconteceu nada, Ben — apressou-se a dizer Jillian — É verdade que temos que esclarecer
algumas coisas.
Na realidade seu coração se pôs a saltar ante sua presença e o roçar de sua pele a aturdia. Odiava-o,
mas seguia comovendo-a fisicamente.
Procurando não demonstrar, tentou escapar de sua mão, mas foi impossível. Não queria que a
tocasse, e o havia dito. Não ia permitir que a intimidasse. Teria que lhe demonstrar que era capaz de
devolver qualquer golpe pensou com maligna satisfação.
Assim deu um passo para ele e colou seu corpo ao do homem, lhe pondo uma mão coquete no
peito. Embora tivesse se preparado para o contato, teve que fechar os olhos um instante pelo impacto que
supôs sentir seu corpo.
Dax também fechou os olhos. Logo os abriu e deixou de apertar seu braço. Deslizou a mão por suas
costas em um gesto familiar e a pôs em sua cintura, sustentando-a firmemente contra ele. A descarga elétrica
que Jillian sentiu estava a ponto de esvaziar todo seu cérebro.
Mas se concentrou em não perder de vista seu objetivo, ignorando as explosões de excitação de seu
interior.
—Entre outras coisas temos que falar das indústrias Piersall, agora que somos os sócios
majoritários. Mas vocês podem ir.
Não afastou a vista de Dax enquanto falava e embora este dissimulasse, não pôde evitar um olhar
de surpresa quando mencionou o negócio. Assim não sabia que Charles lhe tinha deixado todas suas ações.
Mas ela mesma se inteirou só umas horas antes.
Percebeu a hesitação de sua irmã, o receio do Ben. Conhecia o caráter explosivo de Ben e seu
sentido protetor. Se não tirasse de perto, os dois homens estariam pegando-se em poucos minutos. Assim
manteve seu sorriso fixo até que o casal decidiu partir.
Assim que deram a volta, separou-se de Dax e para sua surpresa, este não a reteve. Tão melhor.
Todo seu corpo vibrava de tensão erótica e logo que podia pensar.
— Não coloque a minha irmã nisto — exclamou com ferocidade quando ninguém pôde ouvi-los.
—É verdade que ela não lembra de mim, não?
— Não lembra de nada de antes do acidente — disse Jillian — Uma garota com sorte. Gostaria de
trocar de lugar com ela agora mesmo — antes que ele falasse, prosseguiu — Você tinha que ter me avisado
de sua chegada, Dax. Teria organizado uma festa e convidado a todos os inúteis da cidade.
—Você mudou — disse Dax lentamente — A velha Jullian era um encanto de garota, não uma
mulher cheia de ira.
Jillian odiava o jeito como a estava olhando, como se fosse uma das propriedades de sua família,
um estranho objeto.
—Claro que mudei — disse seca, impessoalmente. Antes morreria do que reconhecer o mal que o
seu comentário tinha lhe feito — Sou uma mulher adulta com um negócio próprio e uma vida própria.

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—O rincão dos meninos.
A surpresa e o medo de novos problemas a fizeram a olhar para ele com intensidade:
—Como você sabe? Pensei que você tinha acabado de chegar à cidade.
Dax sorriu e seu olhar de ódio a fez retroceder um passo.
—Procurei saber sobre você e sobre os meus negócios por aqui, preciosa.
—Não sabe tudo, aposto que não sabia de minhas ações.
—Jill! — voltou-se ante a voz masculina que a chamava, fazendo um esforço por sorrir.
—Como está, anjo? —Roger Wingerd se aproximou e a abraçou antes de afastar-se — Vou sentir
falta do Charles. O Clube não será nada sem ele.
Jillian assentiu, com um nó na garganta ante a imagem de Charles no jantar anual que faziam para
arrecadar recursos.
—Eu também.
A seu lado, Dax se moveu com inquietação e estendeu a mão.
—Dax Piersall.
Os olhos de Roger mostraram sua surpresa enquanto lhe dava a mão.
— Roger Wingerd.
— Roger é o diretor de finanças da empresa — explicou Jillian — Ele e Charles trabalharam juntos
nos últimos sete anos. Roger o conhecia melhor que ninguém, excetuando a Alma — “melhor que você”, era
a mensagem muda.
Roger pareceu não captar a tensão no ar.
—Sinto muito sua morte. Para mim, Charles era o melhor.
—Certamente — resmungou Dax.
Jillian ignorou sua violência e manteve os olhos fixos em Roger.
—Segue de pé quinta-feira à noite?
Roger assentiu.
—Eu gostaria muito, mas entendo que não tenha vontade de nada.
—Até lá estarei melhor então — assegurou-lhe Jillian, encantada de mostrar ao Dax sua vida social
— Pode me pegar por volta das...
—Não está livre na quinta-feira à noite. Nem nenhuma outra noite.
A voz tinha dito com extrema clareza, e a deixou por um instante, muda de assombro.
Girou para olhá-lo, pálida.
—Não tem nenhum direito de interferir em minha vida.
Mas Dax não a olhava, mas sim a Roger a quem dirigia uma mensagem primitiva por cima de sua
cabeça, uma mensagem que o outro captou com precisão.
—Pode contar a quem quiser: Jillian está fora de circulação enquanto eu estiver na cidade.

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Roger lhe dedicou um olhar interrogativo e Jillian moveu a cabeça enfaticamente.
—Está delirando. Para variar. Ligarei para você — dedicou um olhar homicida a Dax —... assim
que explique umas coisinhas ao homem das cavernas.
Roger optou por uma retirada rápida e Jillian se voltou para Dax.
—Não volte a fazer isso. E não fale mais assim, nunca fomos noivos. Só me falta que se dedique a
intimidar a minha família ou meus amigos.
Dax encolheu os ombros, com o rosto inescrutável.
—Foi divertido.
—Saia da minha vida —exclamou Jillian com fúria — Já o fez uma vez. Não acredito que custe
muito voltar a fugir da cidade.
Desta vez Dax apertou os dentes, mas não respondeu, mas sim olhou seu relógio, como se tivesse
que fazer um esforço para não lhe agarrar. Logo elevou os olhos.
—Vou estar em sua vida por um tempo, preciosa. Assim será melhor que se acostume.

Quatro horas mais tarde, todos os amigos de Charles e Alma já tinham saído da recepção em sua
honra. Jillian tinha falado dos falecidos, reconfortado os amigos, gasto caixas de lenços de papel.
Tinha tido cinco ofertas para embebedar-se, um casal de amigos se propôs a passar a noite em sua
casa e outro, que não conhecia, insistiu em levá-la para jantar. Mas o único convite que a tentava era a de
beber a noite inteira.
Quando deixou a igreja e a sala de recepções, dirigiu os cinco quilômetros que a separavam de sua
casa. Por sorte estava esgotada. Cada célula de seu corpo se sentia amassada e teve que fazer um esforço
imenso para empurrar a porta de seu carro e sair. Em contraste com o corpo doído, sua mente estava vazia.
Como se a tivesse envolvido em uma espessa capa de algodão que amortecia todo estímulo da realidade.
Se existisse tal coisa. A realidade tirou férias no dia em que recebeu a histérica chamada de sua
empregada que tinha recebido uma chamada da polícia. Não havia ninguém para identificar Charles e Alma
e ela tinha ido ao necrotério.
Tinham morrido imediatamente quando um condutor bêbado se lançou sobre seu automóvel. Nada
em sua vida se comparava ao horror de ter que reconhecer os restos de duas pessoas amadas. Comparado
com isso, ser abandonada pelo homem com quem ia casar-se parecia uma brincadeira.
Enquanto procurava suas chaves, seus pés descalços se chocaram com o primeiro degrau da entrada
da casa e disse uma maldição. Quanto mais rápido entrasse, mais rápido poderia dormir por dias...
—Quem...? — exclamou, assustada, ao ver a sombra que surgia em sua cadeira de balanço, mas
não terminou a frase, pois tinha reconhecido a alta figura — Maldito seja, Dax, que susto me deu.
—Perdão — parecia divertido por seu susto.
—Vá embora — acrescentou Jillian enquanto colocava a chave na fechadura e a girava — Estou
cansada e não te convidei.
— Eu me convidei. Temos que falar sobre muitas coisas — deu um passo para ela e viu que seus
olhos brilhavam na noite — Jante comigo amanhã de noite.

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—Nem sonhando — Jillian tentou ocultar o tremor de sua voz. Deus, não o queria tão perto —
Tenho planos para amanhã à noite e temo que minha agenda esteja cheia até dois mil e trinta. Não tenho
tempo para você.
Empurrou a porta, lhe dando as costas.
—O contrato de aluguel de sua loja termina no próximo mês.
As palavras tranqüilas, pronunciadas com confiança, a fizeram parar.
—Fez sua lição.
—Já sabe que o contrato do “Sugar” e do pub da esquina terminam também em novembro.
—E o que me importa? —perguntou, sabendo onde queria chegar.
—Saberá também que está falando com o proprietário do centro comercial —disse Dax com a
mesma calma — E que posso renovar ou não os contratos conforme eu queira.
Aquilo era muito, depois do dia horrível que tinha tido. Lentamente, deixou-se cair na cadeira de
balanço, permitindo que o sentido de sua ameaça penetrasse nela. Ele era o proprietário do edifício e podia
negar-se a renovar os aluguéis.
—Por quê? — disse em voz baixa, evitando manifestar a dor que sentia — Por que faria isso? Não
acha que já foi suficiente...
—Suficiente? —as palavras de Dax eram uma explosão de ira que a fizeram estremecer — E o que
você me fez? Como acha que me senti ao descobrir que minha noiva e meu único irmão estavam juntos
pelas minhas costas? Como acha que eu me senti, encontrando vocês juntos na mesma cama em que eu tinha
estado, algumas horas antes? —inclinou-se para ela, pondo as mãos aos lados de sua cabeça — Foi uma
sorte chegar logo nesse dia em casa, e uma desgraça para você. Ao menos descobri a prostituta de classe que
foi antes de colocar um anel no seu dedo.
O silêncio que seguiu a sua explosão de ódio fez crepitar à noite. Seus rostos estavam muito
próximos, as expressões hostis.
Com um som de desagrado, Dax se separou dela e deu a volta, apoiando a mão na parede de tijolo.
E apesar da raiva e da fúria, uma parte de Jullian desejou ir até ele, lhe acariciar as costas e consola-
lo, amenizar sua raiva.
Tinha que se passar por uma psiquiatra.
Procurou o tom mais depreciativo para dizer:
—Vejamos se eu entendi: ou janto com você amanhã ou pode fechar meus negócios e os de outras
pessoas inocentes?
As costas de Dax ficaram rígidas.
—Se me obriga a isso — voltou-se, mas não pôde ver sua expressão — Falei com o advogado
depois do funeral e ele me disse que Charles deixou a parte dele para você — e acrescentou com amargura
— Em pagamento a seus serviços?
Julián tomou ar, controlou sua ira e contou até dez antes de responder.
—Não tenho a menor idéia do por que Charles me deixou o dinheiro. Teria sido para Alma se ela
tivesse sobrevivido — sua voz tremeu quando a imagem da doce, prática e pequena Alma se formaram em
sua mente.
9
Houve um silêncio tenso. Virtualmente podia sentir o ódio que emanava dele, em ondas quentes.
—Como é uma acionista, terá que saber que as Indústrias Piersall passam um mau momento —
disse ao fim.
—O que quer dizer um mau momento? — sentia medo, como se farejasse uma nova armadilha.
—Um mau momento —repetiu Dax e ao sair das sombras, mostrou seus olhos cheios de gravidade
mortal — Suas ações não valem nada se não se fizer algo para tirar a companhia do marasmo.
—Algo como o que? —não lhe importavam as ações nem os benefícios. Tinha dinheiro para viver
bem sem ajuda de ninguém. Mas como uma mulher de negócios, a idéia do fechamento, da falência e as
demissões, a horrorizava. E, além disso, era a última coisa que ficava de Charles.
Sem responder a sua pergunta, Dax disse:
—Amanhã. Passo para te buscar as sete. Roupa informal — abriu a porta e tirando a chave da
fechadura, a atirou para seu colo — Vai para cama. Está com uma cara horrível.
Não pôde evitar replicar para aquele homem de orgulho insultante, mas ainda lhe restava forças:
—Se tenho uma cara horrível deve ser de desgosto por estar de novo na mesma cidade que você.
Continuava sentada na cadeira de balanço quando Dax saiu e se perdeu nas sombras.

Capítulo Dois
Ela pode fazer de você um covarde, como sempre, pensou Dax. Apoiou a cabeça no encosto do
carro e esperou, alongando o tempo de bater em sua porta e contemplar de novo o gelo dos olhos azuis de
Jillian.
Acreditava estar preparado para voltar a vê-la. Até que a viu realmente. Ainda não podia acreditar
que ela controlava vinte e três por cento de sua empresa.

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No momento em que recebeu o breve e sentido telegrama que anunciava a morte de Charles,
começou a imaginar o reencontro. Sua primeira impressão tinha sido surpresa ao ver o nome de Jillian no
cabeçalho. Tinha se preparado para enterrar o passado e a todos os que estavam unidos a ele.
Especialmente Jillian. Como a tinha odiado! Havia lhe custado anos para deixar de pensar nela cada
minuto, anos, e com um maldito papel tinha voltado para sua mente como se nunca tivesse saído dela. Tinha
feito uma breve investigação sobre Jullian e ao encontrar-se com o detetive no aeroporto e inteirar-se de
como tinha passado os últimos sete anos, compreendeu que desta vez ela não sairia de sua vida sem lhe
arrancar umas respostas. Se conseguisse compreender por que ela aceitou casar-se com ele quando
obviamente queria ao Charles, possivelmente pudesse esquecê-la.
Mais algumas chamadas e ele estava na posição que desejava ter e foi ao funeral sentindo-se
bastante forte. Enquanto avançava para ela entre as pessoas, sabia que podia fazê-la pedaços, do mesmo
modo que ela tinha feito pedaços seu coração.
Mas não tinha previsto a reação de seu corpo quando se sentou junto a ela na cerimônia. Não tinha
olhado diretamente para seu rosto, mas a forma em que suas largas pernas com meias negras e os formosos
pés repousavam sobre o piso o tinham deixado sem fôlego. As lembranças tinham engolido sua razão, de
uma vez. Havia tornado a ver seu longo corpo nu debaixo dele, tinha escutado seus doces gemidos quando a
acariciava.
Foi necessária toda a cerimônia para pôr seus sentidos em ordem e controlar a rebelião de suas
mãos que morriam por tocá-la. E quando ao fim se levantaram e viu seu rosto, foi golpeado por sua
aparência juvenil e sua formosura. Aquela mulher tinha trinta e dois anos, mas parecia fresca como uma flor
da primavera.
Parecia não ter reparado em sua presença. Dax tinha percebido sua dor e sua luta por manter o
controle. Mas aquilo só serviu para enchê-lo de raiva. Pois lhe fez saber que ela sempre queria ao Charles
em todos aqueles anos.
A tristeza tomou seus pensamentos. Sempre assumiu que teria tempo de falar com seu irmão. Não
ia perdoar Jillian, mas Charles era outra coisa.
Pois Dax sabia melhor que ninguém quão irresistível era aquela mulher. Quando jovem, tinha muito
ciúme da amizade de seu irmão com Jillian, de sua cumplicidade. Aqueles dois sempre estavam juntos,
tocavam-se com familiaridade, rindo, contavam o que não contavam a ninguém. Dax sempre havia se
sentido excluído naquela relação, até acreditou que Jillian lhe pertencia.
Devia ter entrado em contato com Charles nos últimos anos. Nem sequer tinha retornado para o
funeral de sua mãe, quatro anos atrás, algo imperdoável. Mas tinha pensado em ligar para seu irmão
centenas de vezes. E agora era tarde, e tudo estava perdido.
Charles... seu irmão mais novo. Morto. Dax repetiu em seu cérebro a imagem de Jullián
depositando uma rosa sobre seu caixão. Uma dor imensa o invadiu e se deu conta de quanto tinha sentido
falta de Charles.
Queria ter chegado a conhecer a esposa de seu irmão. Teria aplaudido a qualquer mulher capaz de
arrancar Charles das afiadas unhas de Jillian.
Conseguiu sair dos devaneios e fechou a porta do carro, dirigindo-se à porta. Jillian abriu
imediatamente, como se tivesse estado espiando ansiosa. Bem. Devia deixá-la esperar por meses.
Mas a surpresa voltou a paralisá-lo ao contemplar o rosto angelical, cuja beleza de porcelana
admirou por um segundo, antes de afastar o olhar. Vestia calças jeans e uma jaqueta elegante, um traje

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amadurecido e não especialmente sexy, impróprio de Jullian. Claro que a jovem tinha mudado durante
aqueles anos.
Recordou o traje de jaqueta negro que usava no funeral, feito para mostrar as curvas, ajustar-se ao
pequeno traseiro e pôr em evidência as longas pernas. Tinha-a observado desde seu carro enquanto dois
homens a acompanhavam exageradamente atentos e tinha tido que suportar o golpe em seu estômago ao ver
como ela se pendurava do braço de um deles para percorrer o cemitério.
Mas o pior tinha sido quando a mulher tinha tido a idéia de pegar-se a ele e abraça-lo, como se
fossem íntimos que se vêem diariamente. Sabia que o tinha feito para evitar que sua irmã se preocupasse,
mas o efeito tinha sido desconcertá-lo e enchê-lo de uma ânsia insensata de acariciá-la e fundir-se com ela.
Suspeitou que sua repentina mudança para um traje convencional era uma estratégia idealizada em
seu benefício. Provavelmente o tinha comprado nesse mesmo dia.
A idéia o fez sorrir enquanto dava um passo a frente, mas Jillian lhe fechou.
—Estou pronta.
Assim ia ser. Nada de amabilidade nem de conversa mundana. O impulso perverso e obstinado que
despertava nele tomou posse e ele disse, sem mover-se:
—Me convide a entrar.
—Não. Pediu para que fosse jantar com você. Vamos.
—Vamos preciosa.
Empregou o termo deliberadamente e não lhe escapou o pestanejar da mulher, apenas perceptível,
salvo para sua atenta observação. A expressão que ele usava antes com carinho era agora recebida com um
tremor de gato assustado.
—Pareceu-me natural querer ver como vive minha antiga noiva — pôs as mãos na cintura dela e a
afastou, entrando na casa e simulando interesse pelo mobiliário, quando seu corpo estava lhe dando de novo
más sensações. Teve que tomar ar para reduzir o efeito de Jullian sobre suas vísceras e outras partes mais
expressivas de seu corpo.
Aquilo o tirou do sério. Tinha conhecido dúzias de mulheres formosas e lindas em sua vida. E
nenhuma delas podia despertar a metade do desejo que o acometia quando tinha Jillian por perto.
—Preferiria que terminássemos logo. Tenho trabalho amanhã.
—Em sua loja — languidamente, Dax percorreu a pequena e limpa cozinha que parecia não ser
usada. O único toque pessoal eram algumas fotos de meninos — provavelmente os filhos de Marinha —,
bem como os ímãs da geladeira. O resto parecia feito por um decorador, e o surpreendeu comprovar que as
lustrosas maçãs que repousavam em uma cesta eram reais.
Passou para a sala de jantar, de estilo moderno, dominada por um quadro enorme.
—O que é?
Jullian o tinha seguido, sem vontade e claramente chateada por sua invasão.
—É um quadro — disse com um leve sorriso divertido.
Dax lhe lançou um olhar de soslaio.
Jillian elevou as palmas e se encolheu de ombros.

12
—Não sei o que representa. Alguns dias parecem com um tigre usando meias três - quartos verdes e
outros um jardim com frutas amarelas. É um presente de um artista e não quis ferir seus sentimentos.
—Um artista? —reprovou-se por insistir no assunto, mas era tarde.
—Sim, um artista. Um artista homem, macho, como queira chamar. Embora custe para você
acreditar, Dax, eu tive uma vida própria desde que partiu, e algumas relações.
Dax ignorou o sarcasmo e se dirigiu ao aposento seguinte, um salão com sofás em torno de uma
lareira e um enorme piano aberto. Lembrou que Jillian gostava de tocar piano.
Com quem compartilharia agora o sofá para dois frente ao fogo? Sabia que o pensamento era
irracional, mas continuava sem suportar a idéia de Jillian com outro homem.
Algumas fotografias sobre um aparador captou sua atenção e se dirigiu para elas. A família de sua
irmã, disse sorrindo. Ali estava uma garotinha morena nos braços de Ben e uma muito grávida Marinha
resplandecente de felicidade. A nostalgia o encheu um instante ante a cena de intimidade e olhou a segunda
foto, em que Marinha se apertava contra um homem grande e loiro.
Antes que pudesse perguntar, Jillian disse:
—Seu primeiro marido. Morreu no acidente.
Havia um tom tão triste em sua voz que desejou abraçá-la e consolá-la, mas resistiu a um impulso
tão idiota.
As fotos seguintes eram igualmente interessantes e formavam uma seqüência.
Na primeira, junto a uma piscina em um dia ensolarado, um sujeito enorme, vestido só com traje de
banho e mostrando os músculos, estava deitado no chão, aos pés de Jullian. Outro homem igualmente forte a
pegava pela cintura com ar de posse. Jillian por sua vez vestia o biquíni mais minúsculo que tinha visto em
sua vida e que alterou imediatamente sua pressão arterial.
Na segunda fotografia, aquele monstro dos músculos a tinha tomado entre seus braços e a mantinha
no ar, junto à piscina. Sorria como um selvagem e Jillian parecia se defender brincado e gritando. A terceira
culminava a cena com a queda de ambos na água azul da piscina.
Jillian estava a seu lado. Tomou a foto de suas mãos e passou um delicado dedo pelo cristal,
suspirando exageradamente.
—Alguém especial? — não pôde evitar perguntar, embora soubesse o que estava provocando.
—Dois homens muito especiais — sorriu carinhosamente para a foto — Além de meu cunhado,
Jack e Ronan são os dois homens que mais amo no mundo. Inclusive quando conspiram para me atirar à
piscina.
Dax se afastou um pouco para evitar estrangulá-la.
—Nunca te bastou um só — falou sem intenção e só ao olhá-la compreendeu que tinha
desenterrado um fantasma.
E na repentina cumplicidade, apoiada no ódio mútuo que os uniu, Dax viu que se compreendiam.
Quando faziam o amor, Jillian nunca se conformava com uma vez. Sua atração era primitiva e suas energias
juvenis, e bastava olhá-la para recordar sua risada afogada e sua forma de mover, e a maneira que ela tinha
de obter satisfação duas vezes, quase seguidas entre seus braços.
Olhou seus lábios. Estavam ligeiramente separados, mostrando seus dentes perfeitos, por cortesia
de um aparelho se recordava.
13
Custava-lhe respirar. Podia sentir a excitação de Jullian e sua ereção, que tinha tentado controlar
desde o primeiro momento, era já notável. Estendeu a mão e com desespero, tomou as suas e as apertou
contra seu peito.
Jillian ofegou, olhando-o com olhos de gazela assustada.
E então, uma onda de raiva, tão densa e viva que o deixou rígido, dolorido, cego de fúria, a mesma
raiva que tinha sentido ao descobrir que sua noiva estava na cama com seu irmão, invadiu-o e sacudiu até
esvaziá-lo.
—Quantos homens essas mãos já tocaram? —exclamou e as soltou com nojo.
Por um instante, pareceu-lhe que era angústia que refletia no rosto de Jillian. Mas todo desespero se
apagou imediatamente, e a mulher sorriu triunfalmente:
—A dúzias. E todos eles me disseram que eu era a melhor que tinham conhecido.
Poderia matá-la. Realmente poderia fazer isso.
Seu pensamento deveria ser óbvio, pois Jillian deu um passo para trás, mas não se calou.
—Você que perguntou Dax — fez uma pausa e por um instante seu rosto formoso pareceu tão triste
que Dax esteve a ponto de cair de joelhos — Se dissesse a verdade, pensaria que eu estaria mentindo, assim,
isso importa?
—Não acredito que você seja capaz de dizer a verdade — disse Dax. amargamente.
E para preservar-se de uma nova dor, concentrou-se na última fotografia. Ficou boquiaberto. Era
uma foto de Jillian. Estava embalando um bebê que tinha uma penugem loira em sua cabeça. Tinha o rosto
muito perto do rostinho do menino e o olhava com tanta ternura que sua expressão se afundou em seu
coração como uma faca afiada. Era dele? De quem era? “Poderia ter sido meu filho”, pensou, com angústia.
Mas ela não o tinha amado o suficiente.
Como se estivesse lendo seus pensamentos, Jillian disse com calma:
—É o primeiro filho de minha amiga Deirdre. Está mais grandinho, mas era uma preciosidade
quando bebê.
A tensão de seus ombros cedeu, e com um gesto de desprezo para o que podia ser e não foi,
abandonou sua inspeção e foi para a porta.
Enquanto subiam a colina que levava a casa de Charles e Alma, ou já era de Dax?, Jillian procurou
se fazer de forte. Tinha estado ali no dia em que morreram, quando tinha se encarregado de escolher a roupa
que devia levar o casal em seu último adeus. Só pedia a Deus que lhe evitasse a dor de ter que escolher de
novo o traje definitivo de duas pessoas amadas.
—Por que paramos aqui?
Dax lhe dedicou um olhar inexpressivo e parou o motor.
—Jantaremos aqui.
Jillian o olhou com horror.
—Espero que esteja brincando.
—Parece que estou brincando? — foi surpreendida com a resposta de Dax.
Não podia jantar ali. Era impossível.
14
—Dax... as duas últimas vezes que vim a esta casa não foram precisamente fáceis. Se eu soubesse
nunca teria aceitado jantar contigo aqui.
Dax saiu do carro e deu a volta para lhe abrir a porta.
—Saia — ordenou com secura.
Estava empenhado em destruir sua vida, pensou Jillian com rancor. Devia calar suas emoções ou as
utilizaria contra ela.
—Saia ou faço você sair — ameaçou Dax.
Lentamente, tirou as pernas do carro e se ergueu, ignorando sua mão estendida, dirigindo-se às
escadas da entrada.
Dax se adiantou para abrir a porta, mas com a mão no trinco, duvidou um instante.
Jillian afastou os olhos, negando-se a oferecer o espetáculo de sua dor, e depois de uns segundos,
Dax abriu a porta. Entrou no vestíbulo e por um momento, a senhora Bowley, a governanta e cozinheira que
tinha estado com eles desde a infância, saiu da cozinha, secando as mãos no avental.
—Jillian! —a mulher a rodeou com seu quente abraço, cheirando a canela, que a levou de volta ao
passado. É curioso como certos aromas despertam as lembranças. O aroma da senhora Bowley lhe devolveu
a calma e a confiança que havia sentido quando era menina. Quando a mulher se afastou, seus olhos de um
azul claro estavam cheios de lágrimas — Como está, filha?
—Estou bem —tomou as mãos tremulas da mulher — Estava preocupada com você. Como está?
A mulher sorriu com muita dificuldade.
—Foi duro. Continuo esperando que apareça a senhora Alma ou que Charles suba correndo as
escadas.
—Sei — Jillian lhe rodeou os ombros com um braço — Eu tampouco posso acreditar.
—Pelo menos tenho o Dax. E claro, também...
—Senhora Bowley — a voz de Dax era amável, mas firme —... Se importaria se fossemos para a
sala de jantar?
—Claro querido — disse ela, e com um último amoroso sorriso dedicado a Jillian, voltou para a
cozinha.
Dax cruzou o vestíbulo e abriu a porta do escritório de Charles. Que agora era dele. Olhou-o com
surpresa até que entendeu que ele queria que entrassem no escritório, em lugar de ir para a sala de jantar. Era
desconcertante pensar que aquela casa era agora de Dax.
—Quer um drink? —perguntou ele quando já estavam dentro do escritório.
—Um xerez — pediu Jillian e ao vê-lo desaparecer, suspirou e foi para as janelas, afastando as
pesadas cortinas, deixando que entrasse a última luz da tarde.
A nuca estava doendo devido a tensão e pensou que se Dax ficasse na cidade, teria que contratar um
massagista fixo.
Dax retornou com sua taça e outra para ele e a estendeu, enquanto a senhora Bowley entrava e
deixava uma bandeja na mesa, desaparecendo imediatamente.
Dax acendeu o abajur da mesa e disse:

15
—Vêm sentar. Precisamos conversar sobre uma série de coisas.
Jillian franziu o cenho e tomou sentou em uma poltrona, procurando não olhar para as musculosas
pernas de Dax quando este se apoiou na mesa do escritório. Sentiu a mesma raiva que havia sentido quando
a tinha olhado com desprezo em sua própria casa, um momento antes.
Por que não o tinha esbofeteado? Era como se perdesse toda força de vontade, todo pensamento
independente quando a olhava com seus olhos cheios de ódio. Aqueles olhos, um segundo antes, haviam lhe
dito que recordava o incrível e poderoso sexo que tinham tido antes. E Jillian havia sentido que suas vísceras
se derretiam de desejo por um homem que a desprezava.
E ela também o desprezava.
Mas lhe doía pensar que ela não se afastou. Ele tinha sido o primeiro em romper a magia do
momento e a velha dor lhe fechou a garganta. Por que sempre pensava o pior dela? Continuava a condená-la
como há sete anos atrás. Era como se precisasse considerá-la uma mulher sem moral para sobreviver.
— O que sabe das indústrias Piersall? — a brusca pergunta a tirou de seus pensamentos.
— Além do fato de que é o negócio da família e que faz vigas de aço para a construção, não sei
grande coisa —reconheceu — Se crê que possuo segredos de família, está equivocado — não pôde deixar de
acrescentar — Charles e eu nunca falamos muito de negócios quando estávamos juntos.
—Não seja infantil —replicou Dax — Não tem que me provar nada. Conheço de sobra seu amor
por meu irmão. Só queria saber se pode me explicar como Charles conseguiu colocar a empresa em um
buraco negro.
Jillian estava tão zangada com ele que demorou em compreender o sentido de suas palavras.
— Como? Deve ter interpretado errado. A companhia vai muito bem. Charles sempre estava dando
dinheiro a diversas obras sociais e era muito generoso com os salários e...
—Não me diga? —Dax sorriu com rancor — Acredito que isso foi magnânimo da parte dele.
Embora ainda não esteja seguro. É a pior contabilidade que vi em minha vida.
—Ele odiava a parte burocrática do trabalho —admitiu Jillian — Charles gostava das pessoas,
lembra? Mas tinha bons empregados para as finanças. Conversou sobre isso com Roger Wingerd?
—Não tive chance. Primeiro queria me familiarizar com as contas antes de começar a fazer
perguntas — passou a mão pela nuca e logo estendeu um grosso relatório a Jullian — Não acredito que o
entenda, mas deveria dar uma olhada. É uma cópia do relatório trimestral. E não é nada bom.
—Eu estudei contabilidade, lembra disso? — informou-lhe secamente Jillian abrindo o relatório
com certo temor — Embora faça tempo que não pratico.
—Faz tempo?
Jillian elevou a vista e lhe dedicou um sorriso irônico.
—Trabalhei para uma grande consultora durante cinco anos antes que Marinha e eu decidíssemos
abrir a loja.
Dax elevou a sobrancelha.
—Estou impressionado — mas seu tom era zombador.
Negando-se a responder à provocação, Jillian respondeu:
—Obrigada.
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Concentrou-se um momento nos papéis e depois lhe estendeu o relatório.
—Teria que olhá-lo com mais calma, mas dá a impressão de que a empresa tem sérios problemas.
—Problemas? —Dax falou com dureza — Se não se fizer algo, quebrará no final do ano.
Jillian estava preocupada e durante uns instantes, limitou-se a olhá-lo.
—Meu Deus, Dax, se dá conta da quantidade de gente que ficaria sem trabalho?
Dax girou agilmente e tomou outra folha da mesa.
—Uns quatrocentos, mais ou menos.
—Não sabia que era tão grave — sussurrou Jillian.
—Aparentemente, Charles tampouco — por uma vez, Dax parecia ter esquecido o tom de violência
— Esperava que você pudesse dar alguma luz sobre isto.
Jillian disse que não e de repente compreendeu algo.
—É um canalha — terminou o copo de xerez e o deixou bruscamente sobre a mesa — Não viu meu
nome entre os empregados e queria saber se eu ajudei Charles a tirar dinheiro da empresa ou algo assim.
Cretino!
Levantou-se, furiosa, e foi para a porta, mas tinha esquecido quão ágil Dax era. Pegou-a pelo
cotovelo, e havia divertimento em seus olhos.
—Me pegou, o que posso dizer? —separou-se de um salto quando Jillian lançou o cotovelo contra
suas costelas — Calma preciosa. Não te acusei de nada.
—Pois me pareceu.
—Venha relaxe —acrescentou, sem aproximar-se — Não acredito que tenha nada a ver com os
problemas da empresa.
—Que generoso —replicou Jillian amargamente — Me perdoa por não esperar de ti uma opinião
tão magnânima.
—Mas necessito que me ajude a resolvê-los —prosseguiu sem lhe prestar atenção — houve uns
movimentos nas ações de Charles. Algo normal, sem dúvida. Por outra parte, estive lendo as atas das últimas
juntas de acionistas e eu não gosto da direção que tomaram.
—E é obvio que tem a solução — interrompeu Jilian, voltando a sentar.
—Sim — tomou sua taça e deu um gole, olhando-a fixamente antes de seguir — Mas os acionistas
importantes não vão fazer caso a menos que tenha a maioria.
A compreensão começou a nascer na mente de Jillian.
—Quanto das ações tem, Dax?
—A família reúne cinqüenta e um por cento — disse com calma.
—De maneira que —Jillian cruzou as pernas com deliberada lentidão —... Sem meu voto, não pode
controlar as decisões da junta.
A boca de Dax era uma linha branca.
—Não, não posso.
Jillian elevou uma sobrancelha zombadora enquanto se divertia descruzando de novo as pernas.
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—OH, que interessante.
—Eu não o chamaria interessante — estalou Dax — Deus! Eu poderia matar você. E poderia matar
o Charles por permitir isso se já não estivesse morto.
De repente, Jillian deixou de desfrutar de seu minuto de poder. Em lugar de satisfação, encheu-se
de uma tristeza amarga, depressiva. Tinha lutado tanto para ter uma vida própria quando Dax a abandonou, e
de repente parecia que não tinha passado mais que horas desde sua partida.
Teria lhe pedido que a levasse a para casa, mas sabia que não serviria de nada. Assim que o seguiu a
sala de jantar, sem gestos de protesto, vazia. Havia três pratos na mesa, e apesar de seu aborrecimento, o
detalhe a enterneceu. Sabia que Alma e Charles quase sempre jantavam na cozinha com a senhora Bowley e
lhe pareceu um gesto sensível que Dax não a tivesse esquecido.
Foi até o fundo do aposento e abriu as janelas que davam ao jardim, respirando o ar fresco. Não
queria estar tão perto do Dax, pois embora desejasse golpeá-lo, também desejava abraçá-lo e sentir suas
mãos mágicas sobre sua pele.
Olhou a grama cortada e a piscina iluminada pelas luzes. Aquela piscina trazia centenas de
lembranças... a alegria dos jogos infantis, a espera dolorosa da adolescência, desejando que Dax se fixasse
em seu novo traje de banho, os beijos e abraços de sua juventude ardente.
Quando terminaria aquela tortura, pensou com desespero. Não tinham começado o jantar e se sentia
já com os nervos desfeitos. Girou sobre seus calcanhares para deixar de olhar a piscina separar de sua mente
a angustiante volta do passado. Dax estava atrás dela.
Chocou-se com ele com uma exclamação enquanto Dax a pegava pelos braços para que não
perdesse o equilíbrio. Quando tentou se afastar, ele a atraiu contra seu corpo. Um corpo dolorosamente
familiar e estranho. Gemeu surdamente de desespero e prazer ao sentir como se ajustavam suas formas e o
calor que tinha entre eles.
Aquilo era o que os tinha unido. Desde a primeira vez em que a tinha tomado nos braços para
dançar em seu aniversário de dezessete anos, tinha sido perfeito. Ainda podia recordar o olhar impotente,
tenro, o desespero em seus olhos ao abraçá-la, a resposta inequívoca de seu corpo, a sensação de triunfo que
havia sentido quando Dax a tinha beijado, sobre a pista, como um sonho.
—É muito jovem — havia dito, controlando-se, e apesar dos protestos de Jilian se afastou
galantemente dela, e foi para a Europa estudar.
Não tinha lhe pedido que saíssem juntos até que ela fez vinte e quatro anos.
Recordava perfeitamente que Dax tinha ido vê-la no mesmo dia que voltou da Europa e desde esse
momento tinham saído juntos. Tinha passado dois meses antes que fizessem amor pela primeira vez. Dois
longos meses em que sua virgindade tinha sido posta a prova, defendida pelo autocontrole de Dax. Ela nunca
se controlou com ele. O ruim é que continuava assim.
Teria ficado ali para sempre. Quando pudesse resistir ao desejo de seu corpo de esfregar-se contra
ele. A dignidade não tinha nada a fazer frente a sua elementar atração. Carne de sua carne. Era sua metade
perdida, a resposta à equação de sua vida.
Sobre sua cabeça, Dax disse algo e Jilian ergueu os olhos.
—O que?
—Disse “maldita seja” — acariciou vagamente a pele de seus braços que ainda a sustentava e a
olhou aos olhos — Minha vida seria mais fácil sem isto.
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Ao falar sua boca adquiria uma forma fascinante. Jillian entendia perfeitamente suas palavras.
—Mais fácil —suspirou — Entre todos os homens deste mundo, por que você precisamente?
—Porque você é feita para mim — sua voz era grave e segura. Depois baixou a cabeça para ela e
Jillian a elevou, incapaz de mostrar resistência.
Seus lábios se encontraram. Seus corpos tremeram com o mesmo arrebatamento ante o contato. Em
um segundo, Jillian esqueceu cada dolorosa lição que tinha aprendido daquele homem. Jogou os braços ao
redor do pescoço dele enquanto ele a estreitava, tomando-a pela cintura. Jillian se afundou nele, rendida,
uma rendição que Dax reconheceu e aceitou sem uma palavra. Não era possível que seus corpos estivessem
mais perto. As mãos de Jillian se afundavam com raiva em seu cabelo enquanto sua língua a explorava
avidamente.
Jillian se sentia como um galho de uma arvore sob um vento impetuoso; um grão de areia elevando-
se frente a uma avalanche. Quando Dax afastou a boca da sua e a beijou na garganta, jogou a cabeça para
trás, fechando os olhos, incapaz de afastá-lo.
—Lembra a primeira vez?
As palavras roucas surgiam entre beijos que foram percorrendo seu pescoço e seu decote. Suas
mãos passaram das costas aos seios que reclamavam sua atenção.
Jillian gemeu.
—Junto à piscina.
A risada rouca de Dax estalou junto a sua têmpora. Colocou as mãos sob sua camisa e acariciou a
pele, fazendo-a gemer de prazer. Suas mãos foram acendendo sua carne, deixando um rastro ardente
enquanto subiam para seu peito.
—Papai?
Dax estremeceu e afastou suas mãos, girando e interpondo seu corpo entre Jillian e as janelas da
sala de jantar, de onde provinha a voz infantil.
Jillian teria protestado pelo repentino abandono, mas não podia falar.
—Um segundo, Christine — custava-lhe falar, e Jillian sentiu como lhe doía afastar-se dela. Ela
começou a tremer.
Mas a voz infantil surgiu de novo:
—Você está com quem, papai?
Dax suspirou e deu um passo, enquanto Jillian ajeitava a roupa com mãos tremulas. Lentamente,
deixou-se ver e olhou quem tinha falado.
A surpresa e a dor a paralisaram, uma sensação gelada passou por sua coluna antes cheia de fogo e
por instinto, apoiou-se no braço do homem, enjoada, para imediatamente retirar a mão, como fugindo do
contato.
Muda pelo choque, ouviu uma voz longínqua que dizia:
—Christine, esta é minha amiga Jillian.
A menina era loira, com mechas longas e claras. Mas era impossível ignorar seu parentesco. Tinha
os olhos de Dax, sobrancelhas idênticas, unidas agora em um gesto de receio. Tinha também seu tipo magro
e ágil, embora logo tivesse um par de pernas femininas que deixariam um homem sem fôlego. Mais de um.
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“Como é possível doer tanto?” Acreditava ter superado seu amor por Dax, e ao esquecê-lo tinha
renunciado a fundar uma família, vivendo apenas com os restos do amor de um homem que não tinha
acreditado nela o suficiente. E de repente se dava conta de que ao negar a possibilidade de outro amor, não
tinha feito nada a não ser castigar a si, acreditando castigar a Dax. Ela era a que tinha estado sozinha durante
sete anos, enquanto Dax não tinha perdido o tempo.
Sentiu que seu peito se enchia de amargura e um soluço estalou em seu interior. Para contê-lo, teve
que tampar a boca com a mão. Dax deu a volta para tocá-la.
Mas ela deu um passo atrás, como se tratasse de uma serpente venenosa e seguiu retrocedendo até
que o frio mármore do corrimão a deteve. Dax a seguiu e elevou as mãos, como expressando que não ia lhe
fazer nada e Jillian o olhou, sentindo uma agonia tão aguda como havia sentido no dia em que, louco de
fúria, Dax a tinha acusado de traição e partiu para sempre.
Baixou a cabeça e fechou os olhos, sentindo que todo o pranto que tinha retido durante o funeral de
Charles e Alma, durante os anos de solidão e amargura, iam extravasar dentro dela.
Mas tomou ar e sentiu que o muro de amparo, construído durante anos, tomava a frente. A bendita
indiferença começou a acalmar seus membros tensos e toda emoção se apagou. Não podia lhe fazer mal.
Mais tarde choraria, mas agora tinha vencido o sentimento que estava a ponto de quebrá-la em pedaços.
Reuniu coragem e algo parecido com um sorriso, avançou para a menina. Estendeu a mão como
uma autônoma, dizendo:
—Oi, sou Jillian Kerr.
A menina observou a mão como se não soubesse o que fazer com ela, mas por fim tomou com
graça.
—Sou Christine — disse.
Não o disse com alegria, mas Jillian não estava para sutilezas.
—Conheço seu pai desde que éramos crianças, tão pequenos como você. Mas não somos amigos
realmente e só vim falar de negócios. Já vou indo.
Passou junto à menina e ultrapassou a mesa com seus três talheres, a caminho da porta. No
vestíbulo pegou o telefone e chamou um táxi para pegá-la.
Quando foi sair e esperar fora da casa, Dax a chamou. Continuou caminhando e estava no jardim
quando o homem chegou a seu lado:
—Jillian?
Não respondeu. Não podia falar. Ardiam-lhe os olhos e toda sua vontade estava centrada em conter
os soluços. Seguiu caminhando para a rua esperar um táxi.
—Jillian, temos que conversar.
Jillian caminhou mais rápido, colocando a mão na boca para afogar um soluço.
—Não pode ir andando até em casa, anjo. Deixe-me levá-la para casa.
A doçura de sua voz lhe fez mal. Por sorte, um táxi apareceu no caminho.
—Queria te falar de Christine. Queria que a conhecesse, mas não assim...

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—Pois já a conheço — olhou-o um segundo e procurou apoio no muro imaginário de sua mente —
Se tiver voltado para me castigar, Dax, pode ficar contente — não podia ocultar a dor de sua voz quando
disse —Queria que tivesse sido você o Piersall que estava no carro a semana passada.
Os traços do homem se endureceram. O táxi se deteve junto a eles e Jillian entrou no carro
enquanto Dax a olhava como se estivesse transformado em pedra. Conseguiu pronunciar o endereço e logo
se concentrou em agüentar até sua casa para chorar.

Capítulo Três

Dax se sentou na borda da piscina, olhando a água sem vê-la realmente. Era mais de meia noite e
começava a sentir o incômodo de sua postura, mas permaneceu ali, quieto, tentando entender o curso de sua
própria vida.
Seguia emocionado pela reação de Jullian ao descobrir que tinha uma filha, durante aquela estranha
noite. E enquanto a água acariciava seus pés e seus tornozelos, perguntou-se por que motivo tudo tinha saído
tão mal. Pois uma vez tinham sido muito felizes.
Do primeiro beijo que trocaram até o dia em que a tinha flagrado na cama com seu irmão, tinha
sido um homem feliz. Ou tinha acreditado nisso. E jamais tinha conhecido a uma mulher que pudesse fazê-
lo esquecer Jillian. Nem sequer uma mulher que gostasse o suficiente para pensar em compartilhar sua vida
com ela. Tampouco teve a oportunidade de comprovar isso com Libby. Casaram-se para legalizar a situação
de Christine, mas nunca tinham tido uma vida em comum.
Não era justo culpar a sua ex-mulher por isso. Libby não tinha podido lutar contra os fantasmas.
Dax suspirou um som estranho na quietude da noite. Gostaria de estar pelo menos uma vez na cama com
alguma mulher sem imaginar imediatamente que era Jillian a quem abraçava. Tinha conseguido eliminá-la
de seus pensamentos durante o dia, mas ela habitava seus sonhos durante anos.
As lembranças de seu sorriso zombador, de seus olhos luminosos, tinham-no açoitado e torturado
desde sua partida. Quando meninos a via como a uma irmã pequena, um tanto insuportável, enquanto que se
fazia inseparável de Marinha durante os anos do instituto. Sempre tinha lhe maravilhado a diferença entre as
duas irmãs. Fisicamente, podiam passar por gêmeas, salvo pela diferente altura. Marinha era mais alta que
Jillian, mas ambas tinham um rosto e um corpo que fazia com que os homens se detivessem na rua,
fascinados.
Mas suas personalidades não teriam sido mais diferentes se tivessem nascido em planetas distintos.
Marinha era tranqüila, Jillian inquieta. Marinha calada, Jillian sociável. A primeira tinha um caráter
equilibrado e sóbrio, enquanto que a segunda era exuberante, um verdadeiro vulcão. Com Jillian não havia
meios termos. Ou a tinha ou podia te matar.
Marinha era uma mulher cheia de graça e elegância, e sempre se vestiu com distinção. Enquanto
que a vivaz Jillian não podia entrar em uma reunião sem que todos os homens dessem a volta para vê-la
passar. E sua sedução natural era posta em evidencia por sua roupa, nem sempre discreta.

21
No funeral de seu irmão, uma parte dele tinha querido cobrir suas pernas muito longas e nuas,
objeto de atração de todos os olhares masculinos. Outra parte se limitou a desfrutar do espetáculo.
Por que não tinha se apaixonado por Marinha? Era sua amiga, mas nunca sentiu por ela mais que
afeto. Quanto a Jillian... Quando a garota fez quinze anos todo seu ser adolescente se acendeu de desejo. E
continuava igual, disse com ironia. Deveria odiá-la só por isso.
Colocou uma mão na água fria. A primeira vez em que tinham feito amor estavam junto à piscina,
deitados sobre a erva úmida. Se os tivesse descoberto, seu pai o teria matado e o dela o teria talhado em
pedacinhos. Não estanhava, agora que era pai.
Mas não tinha pensado nisso. A única coisa em que havia pensado era em tirar seu traje de banho.
Passaram dois meses saindo juntos, desde o dia em que Dax voltou da Europa, sem ter deixado de pensar em
Jillian nem um dia de sua vida. Não tinham se separado após e cada vez, ele tinha conseguido se segurar,
convencido de que devia esperar até poder lhe propor matrimônio. Tinha superado as tentações de seu
sangue ardente e o suplício o fazia sentir-se heróico.
Mas na noite do aniversário de vinte e três anos de Marinha, esqueceu suas promessas de sacrifício.
Tinham organizado uma festa para Marinha na casa de seus pais, tinham nadado e pouco a pouco,
os amigos se dispersaram, até que só ficaram Jillian e ele.
Ainda recordava a tensão de seu corpo ao compreender que estavam sozinhos. Quase nunca
estavam sozinhos, em parte para evitar tentações e em parte porque saíam em turma e se viam em lugares
públicos.
Assim que Marinha desapareceu com seu amigo, Jillian lhe jogou água à cara e exclamou:
—O desafio a uma corrida.
Ele tinha começado a rir.
—Quando vai aceitar que não pode ganhar?
Jillian não respondeu e se atirou à água. Dax a seguiu, alcançando-a na metade da piscina. Ali lhe
puxou a perna e enquanto a jovem se debatia entre risadas a abraçou para sentir seu corpo e impedir que
fugisse.
A privacidade inesperada era um potente afrodisíaco e quando Jillian passou os braços pelo seu
pescoço e apertou seus preciosos seios contra seu peito, perdeu a cabeça.
E ela o seguiu. Acariciaram-se, beijaram e exploraram sobre a relva, gemendo ante as sensações da
carne recém descoberta.
—Dax? — tinha sussurrado Jillian.
—O que? —ele tinha conseguido lhe baixar o traje de banho e estava acariciando seus seios com a
boca.
—Por favor, pode... podemos... fazer?
A tímida petição terminou de avivá-lo. Olhou-a, aconchegada entre seus braços, com os mamilos
duros roçando seu peito e seu corpo deu a resposta. Mas ainda vacilou, açoitado por suas promessas.
—Podemos fazer sim, mas não é necessário.
Seu sentido comum se evaporou quando ela o olhou e apertando-se mais contra ele, pressionando
sua ereção contra seu ventre, sussurrou:

22
—Mas é o que eu quero. Por favor.
O sangue lhe subiu a cabeça. Estendeu uma toalha em uma zona mais alta e branda e terminou de
despi-la. Embora já a conhecia, ao ver seu formoso corpo nu e desejoso, sentiu que tremia de paixão.
Estava tão excitado que logo que pôde tirar sua própria roupa, nem acariciá-la o tempo suficiente,
ansioso por satisfazer seu próprio desejo por longo tempo reprimido.
Demoraram alguns meses para encontrar o prazer conjunto, e logo o sexo entre eles foi mais do que
teria podido imaginar, quando Jillian se revelou como a mulher cheia de sensualidade que era.
Dax se moveu com tenso, excitado pelas lembranças e passou a mão pela nuca, angustiado. O que
tinha acontecido a eles depois?
De repente deixou de percorrer as imagens agridoces do passado, e foi assaltado pela lembrança
mais próxima da reação de Jillian, ante a aparição de sua filha.
Toda excitação desapareceu, substituída pelo desejo de saber o que tinha passado naquele momento
pela mente de Jillian.
Não havia dúvida de que uma dor devastadora a tinha invadido ao ver Christine. Nos segundos em
que não tinha podido dissimular, Dax tinha visto sobre seu rosto a expressão da surpresa, a incredulidade,
seguida do reconhecimento e uma agonia sem comparação. Tinha fechado os olhos e Dax tinha acreditado
por um momento que sua indestrutível Jillian ia desmaiar.
Quando tinha tentado falar, sua reação tinha sido tão inesperada como seu silencioso sofrimento.
Tinha fugido dele, como se sentisse pânico, com o rosto mudado e um olhar vazio e selvagem. Tinha-lhe
assustado vê-la assim, como um animal ferido.
Tinha feito muito mal, disso estava certo. Mas não tinha feito de propósito. Como não a tinha
beijado deliberadamente. Ia lhe falar de Christine antes que sua filha aparecesse para o jantar, mas tinha
esquecido quando tinha começado a tocá-la.
Não queria pensar no que significava sentir tanto prazer por tê-la de novo entre seus braços.
Bastava recordar que ela também tinha estado nos braços de seu irmão.
O pensamento não provocou a habitual cortina de ira que se abatia sobre sua mente. Seguia ouvindo
as patéticas palavras de Jillian: “Se tiver voltado para me castigar, pode ficar contente”.
Mostrou-se tão abalada como sete anos antes, como uma pessoa que recebeu um golpe no estômago
e está fazendo um esforço para não dobrar-se e cair de bruços. Era certo que tinha desejado castigá-la, mas
obtê-lo tinha amargurado a vitória: vê-la dobrada de dor ante seus olhos tinha lhe deixado um sentimento
vazio.
Odiava pensar que se tornou um homem tão mesquinho. Não tinha sido uma pessoa inteira desde
que ouviu seu irmão declarar seu amor para ela, aquele triste dia sete anos antes. Mas o tempo não tinha
passado em vão e o ódio que sentia tinha morrido.
Voltou a pensar em Jillian. Pois depois de desmoronar ante seus olhos, fez algo incrível, algo que
muitos homens fortes não teriam obtido ante um golpe físico. Quando pensava que ia dissolver-se,
recuperou-se. Observou como se retirava, procurava proteção mentalmente, e ressurgia com novas forças
para enfrentar à realidade. Quando voltou a olhá-lo, estava calma. Não havia a menor alegria nela, mas o
mero feito de ter conseguido recuperar-se era assombroso.
A calma durou o suficiente para lhe permitir sair da sala. Tinha conseguido fugir, mas sem chegar a
projetar sua imagem habitual de inconsciente segurança em si mesma. Era como se duas mulheres
23
habitassem em sua cabeça e Dax se perguntou a qual tinha amado anos atrás. A antiga Jillian lhe teria jogado
qualquer objeto próximo à cabeça. Teria gritado insultado e chorado, e assustado a pobre Christine. Quando
voltou a vê-la no funeral, teria jurado que a mulher que conhecia não tinha mudado, salvo pela sofisticação
que dispunha a maturidade. Tinha respondido a seus sarcasmos verbais com engenho e tinha percebido seu
gênio e talento em cada frase.
Mas não havia nenhum espírito na mulher aniquilada que tinha saído de sua casa aquela noite.
Aquela nova Jillian tinha estado a ponto de chorar. Não tinha visto Jillian chorar desde que Faísca,
o cão que tinha sido fiel companheiro de sua infância, morreu. Ela tinha doze anos.
A culpa se instalou como uma mão de ferro sobre sua nuca já tensa. Conhecia muito bem esse
sentimento. Havia se sentido culpado desde o dia em que Libby Garrison tinha batido na porta de seu
apartamento de Atlanta e havia lhe dito que estava grávida. Tinha passado pouco tempo que tinha deixado
sua casa e à mulher que ia ser sua esposa.
Não serviu muito se dissesse que tinha estado fora de si, cheio de raiva e dor, empenhado em apagar
Jillian de sua mente com outras mulheres. O que tinha feito foi ruim. Fez mal a Libby, a Jillian e sobre tudo
à pequena Christine.
Aquela menina merecia um lar feliz, ou ao menos um pai que amasse a sua mãe. Mas Dax nunca se
imaginou pai de um filho que não fosse também de Jillian. Milhares de vezes se surpreendeu desejando o
impossível: que essa criatura fosse filha de Jillian.
Sim, a culpa tinha sido sua companheira durante muito tempo.
E agora tinha que voltar a viver com ela, depois de comprovar a dor de Jillian. Durante muito
tempo tinha desejado mostrar-se com outra ante os olhos de Jillian, para feri-la e triunfar, mas uma idéia o
tinha retido: visto que ela já não o queria, o que podia lhe importar que ele estivesse com outra mulher?
E aquela noite, sem haver planejado, tinha levado a cabo sua cruel vingança. E depois de sete anos,
a invencível tinha estado a ponto de estalar em soluços ante a prova de... Do que? De que ele tinha sido
infiel?
Aquilo não tinha nenhum sentido depois do acontecido com seu irmão.
Lançou-se à água e enquanto nadava, voltou a surpreender-se pela ausência de ódio em seu interior.
Apalpou mentalmente a ira antiga, tão familiar, e a encontrou, mas sem arestas, como gasta pelo tempo.
Precisava saber por que o tinha enganado com o Charles, mas não era mais guiado pelo desejo de vê-la
sofrer.
Já tinha conseguido.
E não desejava que sofresse mais. Mas agora necessitava que o ajudasse a salvar o negócio da
família, a herança de sua filha. E faria o que fosse necessário para obtê-lo.

Jillian estava colocando um vestido adorável de outono, desenhado por sua amiga Deirdre, em uma
das bonecas do balcão de sua loja de brinquedos, quando o viu se aproximar. Através da vitrine, seus olhos
se encontraram. Jillian se esforçou em sustentar seu olhar, e quando Dax afastou a vista, sentiu-se
recompensada.
Até que se deu conta de que Dax tinha baixado a vista para contemplar o decote que mostrava sua
blusa entreaberta.

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O que ele fazia ali? Tinha ido jogar mais sal na ferida? Cada vez que recordava a horrível noite
quinze dias atrás sentia o estômago revolver. Como tinha sido capaz de fazer isso? Lançar em seu rosto a
filha de maneira tão cruel?
E por que não? De seu ponto de vista, Jillian lhe devia muito mais. Apesar de suas desculpas, estava
certa de que tinha arrumado o encontro surpresa com a pequena para vingar-se.
Sua filha. Dax não tinha razões para saber quanto doía para ela descobrir que tinha uma filha. Ele
não morria como Jillian, por ter filhos, nem sentia que sua vida havia se acabado no dia em que se separaram
para sempre.
Dax cruzou a porta fazendo soar uma campainha que anunciava os visitantes. Jillian saiu
rapidamente do balcão, consciente em sua postura reclinada, a curta saia de veludo rosa que vestia não devia
cobrir grande coisa de suas coxas.
Dax emergiu depois de uma montanha de ursos de pelúcia criados por um artesão local justo
quando Jillian tinha conseguido recompor sua imagem.
—Oi, Jillian.
Inclusive o som de sua voz parecia cheio de arestas que se cravavam em seu coração. Não podia
olhá-lo, de maneira que deu a volta para recolher os brinquedos que não tinha terminado de colocar,
deixando que a cortina de seu cabelo ocultasse seu rosto.
—Oi, posso te ajudar em algo? — fria e educada, decidiu. Era mais fácil atacar que defender-se —
Algo para a menina da qual está tão orgulhoso?
Não respondeu.
Como a resposta cortante que esperava não surgiu, Jillian decidiu olhá-lo.
Dax a estava olhando com seriedade e algo que se parecia suspeitosamente à compaixão em lugar
do desprezo habitual.
—Quero falar com você. Aqui ou em outro lugar, como preferir.
Jillian moveu a cabeça com energia.
—Não. Você e eu só temos que falar de negócios e o faremos nas reuniões, com outros acionistas.
—Já comeu algo?
Típico do Dax, ignorar o que acabava de dizer.
—Não —respondeu — Mas não vou parar para comer.
—Por quê? —pela primeira vez, Dax olhou a loja com atenção — Pensei que sua irmã trabalhava
com você.
Jillian lhe dedicou um olhar que indicava suas dúvidas sobre seu quociente intelectual.
—Refere à Marinha, que teve um filho faz menos de um mês e passa o dia cuidando dele?
—Não tem ajuda?
—Duas garotas em meio período. E preciso contratar alguém a mais, ao menos para a temporada
natalina — deu-se conta de que respondia a suas perguntas como uma boa aluna e deu a volta com raiva —
Adeus, Dax.
—Quer salvar as indústrias Piersall?
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A pergunta a fez parar em seco quando se dirigia ao fundo da loja.
—Claro — disse, perguntando-se onde queria ir — Já disse que não tenho nada a ver com...
—Acredito que posso salvar a empresa, mas preciso de sua ajuda.
Jillian o olhou de novo e colocou a mão na orelha com gesto humorístico, como se temesse ter
ouvido mau.
—Diga isso outra vez.
—Preciso de sua ajuda para salvar a empresa.
—Não. Porque não vai só. Monte em seu cavalo branco e te vá salvar o que quiser. Eu tenho uma
vida própria.
—Se não me ajudar, não acredito que possa evitar a falência.
—Não acredito que precise de mim para nada.
—Pois já verá que sim — abaixou as mãos em gesto de impotência e as estudou as pondo logo
sobre o mostrador atrás do qual Jillian se refugiou — Quero que se case comigo. Juntos, controlamos o
suficiente para assegurar que a empresa siga o rumo que acredito ser correto.
Jillian tinha ficado literalmente sem fala. Procurou palavras em sua mente, mas não encontrou nada.
Era possível ser mais insultante?
—Posso tomar seu silêncio por um sim? —para alguém que devia estar brincado, sua expressão era
intensa e grave.
—Você deve ter ficado em um manicômio todos estes anos — disse ao fim Jillian. Com a voz
retornou a ira. Sentia-se insultada. Maldito! Ninguém no mundo podia fazer com que se irritasse como Dax
— Eu não era boa para me casar com você quando decidiu que seu irmão e eu estávamos de caso, mas agora
que precisa salvar seu negócio, tornei-me aceitável?
Tomou um livro grosso que havia sobre a mesa, com a tentação de lançar em sua cabeça.
—Se atirar isso em mim, juro que esse mostrador não te defenderá — ameaçou Dax sem elevar a
voz. Ao ver que a mulher deixava o livro com um gesto ressentido, prosseguiu — Está tão furiosa porque
parti ou porque voltei com uma filha?
—Por nada! Não estou furiosa. Para estar furiosa teria que me importar com isso e não estou —
ouviu o tremor em sua voz o ocultou — A única coisa que me preocupa é que você tirou suas conclusões e
rompeu o coração de seu irmão e jamais reconheceu a hipótese de ter se equivocado. E agora ele já não está
aqui e é muito tarde.
Dax estremeceu visivelmente. Quando falou, foi com temor:
—Como equivocado? Sei o que vi e o que escutei. Está dizendo que interpretei algo mal?
—Você, alguma vez se equivoca? Você se equivocar? —o sarcasmo foi à única resposta.
Houve um silêncio tenso. Dax a olhou com uma expressão reflexiva que a perturbou mais do que
queria reconhecer. Depois, um olhar neutro, vazio, tomou o lugar da dúvida.
—Quando acha que nos casemos? Deveria ser o quanto antes. Há coisas que não podem esperar.
—Não acho que nos casemos —declarou Jillian entre dentes — Minha resposta é não.

26
—Eu gostaria que vivesse em minha casa, porque pretendo que trabalhemos juntos e será mais
fácil. É obvio, terá seu quarto — acrescentou Dax, magnânimo — E a senhora Bowley fica conosco, claro,
para organizar a casa. Não quero que Christine sofra mais mudanças em sua vida.
Aquilo doía. Era óbvio que pensava em sua filha. Mais que doer, queimava.
—Disse que não me interessa. Tenho certeza que há alguma outra mulher em algum lugar disposta
a aceitar a sua oferta.
Um sorriso de lobo curvou a boca de Dax e Jillian compreendeu tarde que tinha errado o tiro.
—Há muitas mulheres dispostas a aceitar a oferta, preciosa. Recordo-me que você mesma esteve
uma vez — Jillian lançou uma imprecação que ele não atendeu — Mas falamos aqui de algo mais
importante. Charles deixou o negócio à borda do precipício. Se quiser tirá-lo de lá, terei que dedicar muito
tempo ao negócio e quero que me ajude. Tenho meus próprios negócios para manter, além deste.
—Quais? —tentou concentrar-se nas palavras em lugar da imagem de Dax na cama com outra
mulher.
De novo ignorou seu comentário.
—Já estou negociando um contrato para o Piersall, para fabricar em massa um novo produto.
Necessito de muitas relações públicas, e você tem a formação e a classe necessária para me ajudar.
—Que adulador.
—E sabe manipular aos homens para que façam o que quer.
Jillian elevou a sobrancelha.
—Ah, passei de aeromoça a uma prostituta em duas frases.
— Nos casaremos. Assim espero que se comporte como uma mulher casada. Ao menos em público.
—Quando as vacas voarem.
Dax fez uma careta de desgosto, mas continuou falando:
—Com seus conhecimentos, pode me ajudar muito no aspecto financeiro. Há algumas coisas muito
estranhas na contabilidade e eu gostaria de conhecer sua opinião — passou uma mão nervosa pelo cabelo
negro — Embora confie em meus empregados de Atlanta, ficarei louco cuidando de dois negócios de uma
vez.
—Já está louco — Jillian sabia que estava bancando a esperta, mas a proposta do homem era
inconcebível — Deveria pedir ajuda.
A luz nos olhos de Dax ficou mais intensa.
—Estou tentado exatamente isso. Quero trocar a estrutura da empresa e dos chefes, mas não posso
fazer isso sem seu apoio. Entre os dois podemos endireitá-la e logo deixá-la nas mãos de um bom gerente.
—Tenho um negócio, se por acaso não se deu conta. Não procuro trabalho.
—Pode trabalhar comigo em casa, pelas tardes. Não faz falta que vá ao escritório.
—Não me estranha que pareça para você difícil levar dois negócios —exclamou Jillian —... Está
surdo. Disse não.
—Christine necessita de uma mãe. Você o faria bem.

27
Aquilo a deixou de dura, feito pedra. Pensava que Dax não podia lhe magoar, mas estava enganada.
—Que ela tenha a sua própria mãe —replicou acidamente — Ou também a abandonou? — a dor a
atravessou de novo e não pôde evitar que as lágrimas aparecessem em seus olhos.
—Não continue — a voz de Dax era tão autoritária que Jillian sentiu que a raiva encobria à pena.
Nunca tinha falado assim quando eram jovens. — A mãe de Christine não quer estar com ela — disse — Me
odeia, e vê minha filha como a prova do pior erro de sua vida.
Jillian sabia o que era sentir-se rechaçada. Mas afastou a imediata simpatia que sentiu pela pequena.
A mera idéia de se passar por mãe de um filho do Dax a punha doente.
—Por que eu? —furiosamente mordeu os lábios para lutar contra o plano.
—Por que não? Nos conhecemos muito bem. Já sei todos os seus defeitos.
—Não sabe nada sobre mim —disse Jillian amargamente — Já não sou a menina idiota que
adorava cada palavra que saía de sua boca.
—Já sei que não é nenhuma menina — enquanto falava foi aproximando-se e deu a volta no
mostrador — E sei outras coisas — deu um passo a mais para ela, e Jillian retrocedeu se chocando com o
pequeno quarto onde guardava a roupa e as bebidas.
—Não faça isso — pediu Jillian, reconhecendo o horror de sentir-se atraída por um homem que a
odiava.
—Sinto muito, mas é a única forma para que se cale.
Jillian elevou as mãos para detê-lo, mas Dax segurou seus braços, os colocou junto a sua cabeça e
jogou seu corpo sobre ela, pressionando-a contra a parede.
Houve uns segundos de silêncio elétrico, tenso, pontuado por suas respirações agitadas. Logo Dax
se aproximou mais, pressionando seus seios, lhe deixando ver a bochecha que azulava com a barba. Dax
tragou saliva e Jillian seguiu o movimento de seu pomo-de-adão, fascinada.
—Me beije — pediu e suas palavras a tiraram da letargia sensual que sentia.
Sabia que não podia lutar contra ele, mas girou a cabeça para negar-se.
—Nem pensar.
Dax pegou seus pulsos com uma só mão e com a outra pegou seu queixo, e sem esperar sua
resposta, começou a beijá-la.
Seus corpos se uniram mais, como peças de um quebra-cabeça. Jillian sentia sua ereção contra o
ventre e sua boca que a beijava como se ela fosse um manjar desejado durante anos.
O odiava e não queria responder. Mas seu corpo, que reconhecia o único homem a que tinha amado,
não queria saber nada de suas decisões e se deixava levar, até que sua boca se abriu sozinha para recebê-lo.
Quando viu que a língua dela se unia timidamente à sua, Dax soltou seus pulsos e acariciou sua cintura
enquanto as mãos de Jillian se enlaçavam sobre sua nuca.
Segurou sua cabeça com uma mão, assegurando seus beijos, enquanto a outra descia com segurança
por suas costas, e ali tomava suas nádegas para aproximá-la ainda mais de sua pélvis.
Jillian gemeu ante o gesto e ele absorveu o som. Durante um tempo eterno, exploraram suas bocas,
enquanto Dax a mantinha pega à parede do armazém, apertando-se contra ela até que a tensão erótica se fez
insuportável para ambos.

28
Então, Dax se afastou e apertou o rosto de Jillian contra seu ombro.
—Espera —disse sem fôlego — Jill, temos que parar.
As palavras eram um eco familiar, doloroso, dos primeiros meses de noivado.
Como se surgissem de um lugar profundo, Jillian tentou compreende-las, ainda agarrada a ele,
enquanto Dax a tomava pela cintura e estabelecia uma distância entre eles.
—Isto é um inferno — disse Dax enquanto Jillian, repentinamente consciente do ocorrido, afastava-
se — E não foi parte do plano.
Jillian não lhe respondeu. Estava envergonhada. Odiava a si mesma e odiava a ele. Aquele homem
tinha pensado o pior dela, tinha abandonado e no minuto em que voltava a vê-lo, derretia-se como cera junto
à chama.
—Não quero desejar você — disse, tremendo.
—Isso é um sentimento fútil —replicou Dax — Está claro, preciosa, que não podemos deixar de
nos tocar. Sempre foi assim e sempre será assim.
Jillian girou para olhá-lo, indignada.
—E há mais: nunca me casarei contigo.
Dax se deteve, como um animal cheirando o perigo.
—Se você se negar, perderemos Piersall. E as pessoas ficarão sem trabalho.
—Isso você diz —Jillian roçou os lábios que seguiam palpitando — Mas só tenho sua palavra —riu
seca, tristemente — E nos dois sabemos o que vale sua palavra.
Um profundo rubor cruzou pelo rosto moreno do homem.
—Isso é sua culpa.
—Uma promessa é uma promessa —disse Jillian — Não tinha nem idéia do que aconteceu entre o
Charles e eu. Tirou suas conclusões e se foi sem querer saber a verdade — de repente, deu-se conta do que
dizia e se deteve, bruscamente. Não tinha a menor intenção de defender-se a essas alturas.
Dax a estava olhando como um gato sob um telhado, ardendo de curiosidade e seu temor quase
evidentes no pequeno armazém. Mas Jillian não queria mais perguntas.
—Bem —disse simulando frivolidade — Como não paro de repetir, não temos nada do que falar. Já
pode ir.
—Não vou à parte alguma —disse Dax — Responde: casará comigo, sim ou não?
—Segunda opção —disse ela — Não.
—Muito bem — voltou-se e deu um passo para a porta — Alguma mensagem para as pessoas do
bar da esquina? Aproveitando que vou falar com eles — acrescentou e Jillian o olhou com ódio.
—Para que?
Dax foi até a porta da loja.
—Quero falar com os donos sobre o contrato.
Jillian se interpôs entre ele e a saída.
—E dirá o que?
29
—Que têm que procurar outro lugar. Igual o resto dos comerciantes.
—Não!
—Pois se case comigo.
—Não posso!
—Não quer — corrigiu-a Dax, abrindo a porta, face aos esforços da mulher.
O desespero a fez balbuciar:
—Se me casar contigo...
—Ninguém terá que se preocupar.
—É... é um verme —a voz de Jillian tremia de raiva impotente — Isto é um golpe muito baixo,
inclusive vindo de você.
—Visto que.
Houve um longo silêncio, como o que antecede à batalha. Só que um inimigo tinha mais armas e
sabia.
Jillian baixou a vista.
—Quando quer que me mude?
—Amanhã —declarou Dax —, quanto antes melhor.
Jillian não respondeu muito tensa procurando não gritar. Como podia ser tão canalha?
Dax tomou seu silêncio por uma nova dúvida.
—Olhe. Será apenas durante seis meses. Se tudo estiver em ordem então, será livre para ir.
Seis meses. Estava tão longe como uma pequena luz ao final de um túnel. Assentiu lentamente,
aliviada pela existência de um prazo.
—Está bem. Tenho duas condições.
De repente era Dax que a olhava como se fosse uma serpente venenosa.
—Quais?
—Em primeiro lugar, quero um acordo pré-nupcial que estabeleça todos os detalhes deste
desprezível assunto. Incluída a promessa de congelar os alugueis do centro comercial pelos próximos três
anos.
Dax pensou uns segundos, e logo assentiu.
—Me parece bom. Qual é a segunda?
—Iremos jantar juntos amanhã e me contará tudo sobre sua filha.
—Minha filha? —Dax parecia ainda mais receoso, e seu aspecto, sempre tão seguro de si mesmo,
sofreu certa vacilação.
—Se tiver que viver com essa menina, preciso saber tudo sobre ela. Tudo — explicou Jillian,
olhando-o sem doçura.
Dax assentiu procurando em seus olhos algo, mas só encontrou a fria exigência de uma mulher de
negócios.
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—Parece-me justo — disse.

Capítulo Quatro
Dax a levou para jantar no clube de campo, e Jillian se perguntou como teria conseguido virar
membro tão rapidamente, mas logo lembrou que sem dúvida sua família estava entre os sócios fundadores e
tinha reserva sempre que quisesse.
Quando a garçonete se aproximou para anotar os pedidos, Jillian desfrutou malignamente pedindo
lagosta, o prato mais caro do cardápio, embora soubesse que o preço não afetaria Dax, se é que seu traje e
seu carro eram reais para falar de uma condição econômica mais que vantajosa.
Quando as bebidas chegaram, um silêncio incômodo se instalou entre eles. Dax tomou ar e Jillian
se limitou a elevar as sobrancelhas, esperando que falasse.
—Não é... fácil, se quer a verdade. Não estou muito orgulhoso pelo que aconteceu.
Ótimo, pensou Jillian. Não queria que fosse fácil para ele, depois do que ela tinha sofrido nos
últimos dias.

31
—Quero a verdade.
Dax se moveu na cadeira, mas assentiu.
—A verdade — bebeu um gole de cerveja — depois que você — vacilou e seu gesto se esticou ao
recordar —... depois de minha partida, viajei sem destino. Minha mãe me pediu para voltar, mas eu não
podia viver aqui. Um dia cansei de me mudar e como estava em Atlanta, fiquei lá. Utilizei meus sobrenomes
para abrir uma série de portas e conseguir um trabalho em alguma empresa. E então apareceu a possibilidade
de comprar um negócio como caído do céu.
—Que tipo de negócio? —Jillian não tinha a menor idéia de onde provinha seu dinheiro e morria de
curiosidade de saber.
Vacilou de novo.
—Direi, mas não ria.
—Por que ia rir? —intrigada, inclinou-se para frente e cruzou os dedos — Juro que não rirei.
—Caixões.
— Caixões? —um sorriso zombador subiu a seus lábios e se conteve para não soltar uma
gargalhada — Você faz caixões?
Dax a olhava com aborrecimento.
—A geração dos cinqüenta está crescendo. É um negócio com futuro.
Jillian assentiu com um gesto serio.
—Certamente.
—Está rindo — acusou Dax — Por isso não lhe tinha contado antes.
—Perdoe —colocou a mão na frente da boca — É que não esperava.
—Nem eu —replicou Dax ironicamente — Como te disse, foi uma oportunidade. E utilizei parte de
minha herança para comprar o negócio.
Pediu outra cerveja e Jillian o acompanhou, pensando que uma pequena ajuda não seria má.
—Contratei algumas pessoas e logo fui completando a equipe. Minha primeira executiva foi uma
garota, uma mulher, chamada Olivia Garrison, Libby. Era jovem, como eu, recém saída da universidade com
um título de finanças e muito preparada.
Uma pontada de inveja se cravou no peito de Jillian. Dax tinha pensado muitas coisas dela em sua
vida em comum, mas duvidava que tivesse se gabado ante sua inteligência.
—Tive uma aventura com ela — disse. Seu olhar era frio e contemplava Jillian como um falcão a
sua presa.
Ela manteve uma expressão neutra, como se suas aventuras não a afetassem.
—Uma noite, depois de um jantar de trabalho com vários clientes, deixei-a esperando frente ao
restaurante enquanto ia procurar o carro e ao passar diante dela, algo aconteceu: ela estava de perfil, não me
olhava, e por um segundo, vi você — tomou ar antes de seguir — Dei-me conta de repente de que a tinha
escolhido porque lembrava você. Como se isso fosse adiantar para que saísse de meus malditos pesadelos.

32
Jillian gemeu silenciosamente. Por que tinha perguntado sobre a menina? Aquilo ia lembrá-la de
novo o fracasso de sua relação e fazê-la sofrer. Mas Dax continuava falando e suas palavras penetraram em
sua mente, apesar de seu desejo de as negar.
—Nosso... assunto não durou muito e nem foi o único. Por infelicidade cometemos um engano e
uns meses mais tarde, em fevereiro, me disse que estava grávida.
Fevereiro. Jillian tentou superar o frio assobio de sua mente. Não tinha demorado nem um ano para
engravidar outra mulher. Levantou a mão e pediu uma trégua:
—Para.
—Não. Você queria saber — quando Jillian tentou ficar em pé, pegou a mão dela para que
permanecesse sentada — Christine nasceu em outubro e sua mãe e eu nos casamos alguns meses antes.
Queria que ter feito algum comentário sardônico, mas não lhe ocorreu nenhum. A revelação de seu
escasso amor por ela a tinha deixado muda de tristeza.
Se não fosse por suas mãos que cobriam as suas teria partido imediatamente. Mãos que tinha amado
muito e conhecia bem, que estava acostumada a olhar pensando que pertenciam ao homem de sua vida, ao
pai de seus futuros filhos.
Mas ele tinha encontrado outra pessoa.
Continuava olhando essas mãos quando tudo começou a girar a seu redor, e a visão foi estreitando
até que só ficou um ponto de luz e uma voz que lhe dizia:
—Jillian!
Vagamente, compreendeu que Dax a sustentava pela nuca e estava dizendo que respirasse
profundamente e baixasse a cabeça devagar.
Pouco a pouco a visão retornou, e se deu conta de que os outros casais olhavam para eles com
curiosidade.
—Toma um gole — disse Dax — Já passou, mas você está muito branca.
—Não vou desmaiar — disse bobamente, afastando a cabeça do contato de suas mãos. Dax estava
sustentando-a por trás com o seu corpo dava para sentir o seu calor, embora quisesse ficar assim para
sempre, ergueu-se com orgulho e repetiu — Eu não desmaio.
—Sim já sei — sorriu Dax e houve uma doçura estranha em seu sorriso, que a fez lhe odiar mais.
—Deve ser a cerveja com o estômago vazio —comentou Jillian —, Me passe um pouco de pão.
Dax lhe estendeu a bandeja e explicou com calma:
—Se isso a faz sentir-se melhor, direi que nosso matrimônio foi um desastre desde o primeiro dia.
Libby demorou uns cinco minutos para compreender que era uma substituta sua.
Jillian tinha esperado amargura em sua voz, e tomou por surpresa a triste resignação de seu tom.
—Se me odiava tanto por que lhe falou de mim?
Dax elevou a sobrancelha e desta vez sim, falou com dureza e uma brincadeira dirigida para si
mesmo.
—Não falei de ti, mas o fato de ter dito seu nome no meio da noite e em outros momentos a alertou.

33
Não era justo. Queria ter sentido alguma satisfação ao saber que Dax tinha sofrido tanto como ela,
mas a imagem do homem com outra mulher a feriu profundamente. Para engolir o nó em sua garganta,
retornou à estratégia de ataque.
—E me deixe adivinhar — disse elevando a sobrancelha — Abandonou você antes que pudesse lhe
explicar o que realmente tinha acontecido.
Dax demorou uns segundos em assimilar o sarcasmo, mas logo se limitou a dizer:
—Não, não me abandonou. Mas levou quatro anos para que eu compreendesse que estávamos
arruinando a infância de Christine com nossas brigas contínuas. Então pedi o divórcio — fez uma careta –
Libby me substituiu por outro em seguida. O problema era que seu novo noivo não queria um filho de outro
homem. E Libby vê Christine como a imagem do tempo perdido.
—E ela está contigo de férias ou algo assim? — a garganta doía e tentava não gostar de Christine,
mas sua piedade inata doía, pelo drama da pequena. Ela tinha desejado tanto um filho de Dax...
A expressão do homem se escureceu.
—Ganhei a custódia de Christine faz um ano. Libby não a viu após isso e apenas telefona. No
momento, minha filha só tem a mim. E a você —acrescentou —, se for sua madrasta.
—Não acredito — madrasta custava-lhe até falar a palavra.
—Será em breve — sua expressão se fez ameaçadora — E lhe agradeceria se não a traumatizasse
mais quando for morar na casa.
A mão de Jillian tremeu quando alcançou o copo de água.
—Não posso fazer isso.
—Havia dito que sim.
—Você me obrigou — tentou esconder sua angústia.
Os olhos de Dax eram implacáveis.
—É sua culpa.
—Não é verdade — sussurrou Jillian, pensando que devia lhe dizer que nunca o enganou, nunca o
abandonou, sempre o quis. Afastou a vista, incapaz de resistir de se defender pela última vez — Eu confiava
em você, muito mais do que você confiava em mim.
Dax cruzou os braços e a olhou com interesse distante.
—E agora vai querer me contar sua versão do que fazia na cama com o Charles trocando
apaixonadas palavras de amor.
Jillian depositou o pedaço de pão que estava mordiscando, repentinamente sem fome. Nunca ia
acreditar nela e era melhor aceitar de uma vez por todas.
—Sabe? Isto não foi boa idéia. É melhor que nos levantemos e demos por terminada o jantar.
—Não quer a lagosta?
—Não — disse ficando em pé – Vou embora.
Dax se elevou também, pagou a conta e a seguiu fora do restaurante.

34
—Algum dia — disse enquanto abria a porta de seu carro para que Jillian entrasse —, você vai
falar. Tenho uma longa lista de perguntas para você.
Enquanto Dax dava a volta ao carro, Jillian desejou poder estalar os dedos e encontrar-se em sua
casa, e pôr fim a tão ingrato encontro. Enquanto pensava viu o Roger Wingerd com uma mulher entrando no
clube. Ele a viu também, e embora uma expressão de receio cruzasse seu rosto, aproximou-se para
cumprimentá-la. Depois da forma que Dax o tinha tratado não estanhava que o pobre desconfiasse.
—Oi, Roger — cumprimentou pela janela aberta.
—Oi, Jillian — disse ele e se inclinou — Senhor Piersall.
Dax lhe devolveu a saudação.
—Wingerd. Veremos na reunião da próxima terça-feira.
—É verdade —assentiu este — Vais se dedicar ativamente à empresa? Charles estava acostumado a
estar de acordo com a junta de diretores...
—Já tenho lido as atas —interrompeu-lhe Dax — E francamente, acredito que eu vou ser um pouco
mais difícil que meu irmão. Não gosto do modo como tratam os assuntos.
Roger elevou as sobrancelhas, mas falou em tom amável:
—O resto dos acionistas não tem queixa, mas gostarão de escutar suas propostas.
—Certamente — Dax pôs em marcha o motor — Eu gostarei de expô-las — e sem esperar réplica,
deu marcha ré para sair do estacionamento.
—Sabe o que dizem — comentou Jillian então —, de que é mais fácil caçar moscas com açúcar que
com... outras substâncias. Poderia tentar ser amável com o pessoal.
Dax encolheu os ombros.
—Não acredito que Wingerd dure muito na empresa. Penso fazer algumas mudanças na direção.
Jillian o olhou com horror:
—Mas não pode chegar aqui assim e começar a despedir as pessoas! Roger foi um empregado leal.
O resto da direção não vai estar de acordo.
—Já sei. Mas não importa. Se tiver o voto majoritário, será feito do meu jeito.
—Assim pensa que é chegar aqui e pôr todo mundo a suas ordens? E se desfazer de pessoas
honradas?
—Não quero despedir ninguém. Eu não gosto da idéia. Mas se não agirmos com certa dureza, todo
mundo terminará na rua. É isso que quer? Piersall é a empresa que meu avô fundou e quero que Christine a
herde algum dia. E não vou permitir que siga a continue desse jeito.
Jillian não respondeu. Mas uma idéia estava nascendo em sua mente. A reunião dos diretores na
terça-feira podia ser mais interessante do que Dax acreditava.
O resto da semana transcorreu mais rápido do que Jillian podia assimilar.
Dax se encarregou de uma breve cerimônia civil na sexta-feira pela manhã. As testemunhas foram
duas pessoas contratadas para a ocasião, pois Jillian se negou a dar o menor aspecto pessoal ao evento.
No dia anterior se reuniram com os advogados para assinar o acordo pré-nupcial que ela tinha
exigido e que seu advogado tinha refeito para irritação de Dax.
35
Na manhã seguinte, iriam ao tribunal. A única concessão que Jillian fez foi colocar um traje de seda
muito elegante. Procurou fazer com que tudo parecesse tão superficial como de fato era um trato comercial,
pondo seu coração a salvo.
—Não quer que sua irmã ou alguma amiga venha? —perguntou Dax — Temos tempo para avisá-
los.
—Para que? —disse Jillian enquanto iam para a sala — Nem se fosse um casamento de verdade —
estremeceu, pensando no casamento de Marinha, ou no de várias amigas nos últimos anos. Cerimônias
cheias de ternura que ela tinha estado a ponto de estragar chorando. Aquele horrível momento teria que ser o
menos memorável possível, pois era o contrario dos sonhos que uma vez tinha tido.
Dax a olhou com seriedade.
—É um casamento de verdade — disse com um tom frio, distante — Será o maior compromisso de
sua vida, preciosa, e quero que os tenha presente.
—Ou o que? —replicou Jillian com desprezo — A última vez que se zangou pegou suas coisas e se
foi. Posso ter a mesma sorte desta vez?
A raiva brilhou nos olhos escuros do homem.
—Agora sou mais velho e mais preparado — resmungou enquanto abria a porta da sala e entrava
— Se eu pegar você em uma infidelidade desta vez desejará não ter nascido.
A ameaça em sua voz sossegou a aguda resposta que merecia, e Jillian pensou uma mais vez que
não conhecia aquele novo homem. Mas só teria que suportá-lo seis meses e logo ele sairia de sua vida tão
rápido como o tinha feito sete anos atrás.
Em seguida chegou sua vez e antes que desse conta estava prometendo fidelidade a Dax diante de
um juiz. Foi tudo frio e burocrático, e Jillian ficou agradecida. O início de um pesadelo de seis meses não
merecia maiores demonstrações de sentimento.
Ao final da cerimônia, ficou nervosa quando Dax tirou dois anéis a pedido do juiz.
Rapidamente, ocultou suas mãos.
—Não quero anel — disse.
—Claro que sim — Dax pegou sua mão e abriu seus dedos rígidos com violência até conseguir
introduzir em seu dedo um formoso anel com um diamante perfeito.
Não podia se negar sem fazer uma cena diante do juiz, que já os olhava com estranheza enquanto
dizia as palavras finais que selavam seu destino. Dax não tentou beijá-la, o que, de seu ponto de vista,
mostrava certa prudência. Ao assinar a licença, suas mãos tremeram.
—Vou manter meu nome — declarou lhe estendendo a caneta.
—Já falaremos disso.
—Não há nada que falar — replicou Jillian e ante o silêncio de Dax, o olhou de esguelha. Não
estava acostumado a ser tão complacente, e se perguntou o que estaria tramando.
Saíram do tribunal e Jillian piscou os olhos, aturdida pelo sol resplandecente. Procurou na bolsa
seus óculos de sol e sentiu alívio ao ocultar seus olhos atrás das lentes. A Dax a luz não parecia incomodar e
a pegou pelo braço para levá-la ao estacionamento, algo que no ponto de vista de Jillian, começava a ser um
hábito irritante. Sacudiu-se para se livrar.

36
—Tire as mãos. Este anel não lhe dá nenhum privilégio.
Dax lhe dedicou um olhar duro.
—Você se incomoda tanto que eu te toque?
—Para mim é tão insignificante que nem me dou conta — respondeu falsamente Jillian.
—Insignificante?
—Completamente.
—Bom, então espero que isto também te pareça insignificante.
Jillian deveria ter lembrado que Dax, igual a ela, odiava perder em uma discussão. Pegou-a de novo
pelo braço só que desta vez a fez girar para ele, passou o braço pela cintura dela, apoiou-a firmemente contra
seu corpo e a beijou no meio do estacionamento com um gesto quase violento.
Jillian ficou rígida, repelindo com toda sua alma aquele beijo. Não queria desejar Dax. Mas ao
mesmo tempo em que pensava, um sentimento mais primitivo tomava conta de seu corpo. Um corpo que se
voltava seu inimigo quando ele a tocava que não lhe pertencia, mas sim pertencia a uma mulher débil e
apaixonada, que se estremecia de prazer sob suas mãos, pegava-se a ele, separando os lábios para permitir
sua doce e violenta invasão.
Quando Dax se separou dela, Jillian não pôde fazer nada a não ser continuar pendurada em seu
pescoço, vencida. Ele a olhou com gravidade e Jillian compreendeu que estava zangado, e que só mantinha o
controle para fazer com que ela perdesse o dela.
Mas lhe custava respirar tanto quanto a ela. Se sua intenção era castigá-la, ele também tinha saído
escaldado.
—Não quero você — disse e as palavras arranharam seu coração — Mas continuo a desejá-la e
você a mim, embora o negue. Esta noite temos que resolver isto.
—Não — sua voz tremia, mas seu olhar era sincero — Se você se aproximar de mim esta noite,
juro que parto da cidade. Pode fazer o que quiser, mas não pode me obrigar a me deitar contigo.
—Não terei que te obrigar — disse Dax com impertinente doçura — Ambos sabemos que isto é
inevitável.
—Pode ser que não —Jillian levantou os óculos para olhá-lo com olhos tristes — Mas de certo
modo sim, visto que não é o que eu desejo. Terá que aceitar essa idéia.
Os músculos de seus braços, que ainda a seguravam, ficaram rígidos e Jillian observou o tremor de
um músculo em sua mandíbula. Depois a soltou, deixando escapar uma risada frustrada.
—Está claro que sabe como estragar um dia de casamento, preciosa.
Enquanto o via ir para seu carro, Jillian levou um dedo aos lábios que ainda palpitavam pelos
beijos. Viver com ele na mesma casa ia ser a prova mais dura de sua vida.
Porque por mais que o negasse, seu coração ainda chorava por ele. Odiava e amava ele e não estava
segura de poder resistir se ele se empenhasse em vencer sua resistência.
Chegou atrasada ao restaurante onde tinha marcado com suas amigas porque passou uns minutos no
carro, recuperando-se das emoções do casamento. Logo retocou o batom e se dispôs a dar explicações sobre
as mudanças de sua vida.

37
Havia sentido a tentação de manter oculta toda sua relação com Dax, mas não sabia como ia
conseguir mentir para todo mundo, sobretudo com uma menina no meio. O Natal estava chegando e
Christine merecia uma festa normal e sem sobressaltos.
Pela primeira vez se permitiu pensar na menina com a que ia conviver. Não tinha completado sete
anos e era alta para sua idade. Loira e com grandes olhos azuis. Lembrou que Dax havia dito que sua mãe se
parecia com ela. Fez um bom trabalho. Tirando a forma da mandíbula e as sobrancelhas, tão parecidas com
as de Dax, a menina teria passado por dela.
Não lhe dava muita satisfação saber que Dax não tinha se imposto.
A idéia era uma idiotice masculina. Jillian não se casou nem teve filhos porque sempre soube, por
instinto, que não poderia haver outro Dax em sua vida, e que não se conformaria com menos. Sentia falta de
ter filhos, mas não pensava em se enterrar em um matrimônio sem amor só pelo desejo de ter uma família.
Ele, por outra parte...
Abriu a porta do restaurante, disposta a não permitir que Dax arruinasse seu dia. No momento
queria desfrutar com suas amigas, e lhes contar o acontecido.
Frannie Ferris e Deirdre Sullivan, suas melhores amigas, já estavam sentadas e a saudaram ao vê-la
entrar. Atravessou o restaurante cheio e as abraçou alegremente.
—Oi, oi, vejamos — fez uma pausa e olhou ambos os rostos com atenção exagerada — Parece que
todo mundo dormiu muito bem esta noite. Não vejo olheiras em canto nenhum.
Enquanto as três se sentavam, Frannie riu quietamente.
—Sim, finalmente, todo mundo dorme bem na casa dos Ferris. Essa menina esteve a ponto de
acabar conosco.
Jillian sorriu e tomou a bebida que acabavam de lhe servir. A terceira filha de Frannie tinha um ano
e era a menina mais inquieta que tinha visto. Uma vez que aceitaram o fato de que Brittany precisava chorar
e gritar algumas horas ao dia, Frannie e seu marido Jack relaxaram e deixaram de pensar que estava doente.
—Em casa tudo vai bem — sorriu Dee por sua vez. Sua filha Maureen tinha apenas quatro meses e
dormia profundamente — A Lê adora o colégio e Tommy está agitado, pois está começando a ir à creche e
está sentindo menos a falta do irmão.
—Que bom — comentou Jillian. Sabia que Deirdre estava preocupada em como faria com Tommy
para que ele não sentisse a ausência de seu irmão durante todo o dia. De repente ficou reta e anunciou —:
Tenho notícias impactantes. Quem adivinha?
Frannie a olhou com curiosidade.
—Como impactantes?
—Muito impactantes.
As duas mulheres pareciam intrigadas.
—Comprou outra loja — propôs Frannie com segurança.
— Frio, muito frio.
—Vai sair em um cruzeiro?
—Isso não é impacto — objetou Dee enquanto Jillian negava com a cabeça — Vendeu sua casa?
—Não, mas vou alugá-la.
38
—Por quê? —Frannie parecia assombrada — Onde vai morar?
Jillian sorriu para tomar tempo. Deu um gole em sua bebida, suspirou e reuniu todo seu tato para
dizer:
—É uma longa história. Que começa com... isto — esticou a mão esquerda e pôs o anel a vista,
simulando ser uma mulher encantada com seu novo presente.
—São diamantes! —exclamou Dee.
—Não me diga! —Jillian tentou ver o lado irônico do assunto, pois não queria que suas amigas se
preocupassem com ela.
—É um anel de compromisso! — disse Frannie, mais aguda, com os olhos cheios de alegria —
conheceu a alguém?
—Pois sim —explicou Jillian — Mas não é exatamente o tipo de história que esperam escutar.
—Bom, é uma história de amor —Dee suspirou satisfeita — Isso é o importante.
—Pois não é.
—O que? —Dee ficou de novo reta — Por favor, Jill, nos conte, não estou entendendo nada.
—Muito bem —Jillian começou a brincar com o anel — Me casei esta manhã — ignorou as
exclamações de suas amigas, e prosseguiu — Ele se chama Dax Piersall e crescemos juntos. É o irmão mais
velho do Charles.
—Seu amigo que morreu — disse lentamente Frannie.
—Isso —Jillian olhou o anel — Charles me deixou sua parte de ações da companhia. Dax e eu nos
unimos temporalmente por nossos interesses para evitar certos problemas com a junta de acionistas e levar
adiante a empresa.
—Casou temporalmente com esse homem? —Frannie parecia atônita — Mas, não poderiam
trabalhar juntos sem se casar?
—Não —replicou Jillian — É difícil de explicar, mas assim é melhor — não queria lhes contar a
triste história de seu passado com Dax, nem reconhecer que ele a tinha obrigado a se casar. Não tinha
vontade de passar por mais humilhações.
—Quanto tempo vai ficar casada? —perguntou Dee. Seu bonito rosto expressava uma grande
preocupação — E onde vai morar?
—Me mudo para a casa de Dax e o acordo é de seis meses de matrimônio — girou de novo o anel
em seu dedo, procurando aliviar o ambiente — Não sei se posso ficar com o diamante quando tudo isto
terminar.
—Está escondendo alguma coisa — Frannie a acusou — O que é o que não nos contou?
—Um montão de detalhes aborrecidos. É algo bastante simples, um mero acordo comercial. OH,
esquecia dizer que Dax tem uma filha, assim vou ser madrasta.
—Não, é mais complicado —exclamou Dee — E quantos anos ela tem?
—É um pouco mais velha que Lê. Deve ter a mesma idade.
—Onde se casou?

39
Jillian compreendeu o que sua amiga pensava. Frannie tinha uma loja de vestidos de noiva e fazia
desenhos e devia estar ofendida porque sua amiga não a tinha consultado.
—Fomos ao tribunal faz umas duas horas —disse rapidamente — Fui vestida como no dia a dia
porque não era mais que um trâmite. Nem sequer havia testemunhas.
—Um acordo comercial — repetiu Dee docemente.
—Isso —Jillian elevou sua taça — Dentro de seis meses, serei livre de novo. E com sorte, rica —
inclinou-se para apertar a mão de Frannie — Prometo a você que se alguma vez me casar de verdade, você
cuidará do meu vestido e de tudo que for relativo ao vestuário.
Frannie sorriu com ironia.
—Não sei por que duvido vindo de uma mulher que faz do celibato um sacerdócio.
—Como deve ser — sorriu Jillian e adiantou sua taça — Brindemos por meu estado civil
temporário?
As três brindaram, embora Jillian não pudesse evitar a desagradável sensação de que não tinha
conseguido enganar suas amigas com seu frívolo relato.

Capítulo Cinco
Dax estava parado diante da janela de seu escritório olhando a estrada que ia para a casa. Parecia-
lhe impossível que Jillian fosse realmente aparecer.
Quando lhe disse que precisava pôr em ordem suas coisas antes de se mudar, Dax teria jurado, a
julgar por seu tom agressivo, que esperava que ele fosse contra. Mas tinha lhe dado uma semana de prazo, a
fazendo prometer que faria a mudança no sábado seguinte.
Embora não fosse realmente uma mudança. Negou-se a abandonar sua casa, empenhada em
procurar por um aluguel de seis meses. O que lhe lembrou o prazo estúpido que tinha feito quando acreditou
que ela ia dar para trás. Tinha tido que utilizar toda sua força para convencê-la, incluído uma vil chantagem
e não deixava de lembrar o olhar de ódio que sua manobra tinha merecido.
Acaso Jillian não sabia que ele nunca cumpriria uma ameaça assim?
Sua hostilidade começava a afetá-lo. Da noite do encontro com sua filha, a primeira noite em que
tinha visto uma mulher sofrendo sob a armadura de ferro de Jillian, pensava cada vez menos nas diferentes
maneiras de lhe quebrar o pescoço.
E depois da forma em que tinha reagido no restaurante, sabia perfeitamente que Jillian estava
mortalmente ferida. O que não entendia era o por que.
No momento.
Mas o que mais o preocupava, e assim tinha sido desde o primeiro instante, era seu impressionante
atrativo físico. Dax estava farto de lutar contra o desejo, farto de simular que não ansiava tocá-la, saboreá-la,
abraçá-la. Não precisava querê-la para desejá-la. O desejo era a única definição correta da corrente de
atração que o empurrava e transbordava cada vez que a tinha por perto. E quando vivesse com ele, nada os
deteria. Não, cansou de lutar.
Ia possuí-la.

40
É obvio que ia respeitar sua promessa de lhe dar um quarto próprio. Mas nada poderia impedir que
acabasse em sua cama.
Três caminhonetes brancas giraram nesse momento na curva e avançaram para a casa. Dax saiu
rapidamente da janela, se por acaso Jillian o via e pensava, erroneamente, que a estava esperando.
De sua mesa escutou as portas abrir e fechar e as vozes das mulheres junto com várias vozes
masculinas. Tentou olhar uns papéis, mas a porta estava aberta e a voz de Jillian chegou até ele, junto com a
animação armada por sua tropa de mudanças.
Captou um reflexo de Jillian que usava algo rosa e muito curto, e logo a ouviu subir as escadas.
— Por aqui, meninos — chamou e os levou ao quarto que iria ser seu.
Um homem loiro e muito grande passou na frente da porta, carregado de malas.
— Me explique de novo por que devo fazer isto.
— É sua amiga.
Uma mulher de cabelo curto e pernas que mereciam um olhar mais atento seguia o gigante,
dizendo:
— Ah, sim? Lembrei a você que ela teve piedade de você quando não merecia. Se não fosse por ela
você não voltaria a me ver!
Ambos riram. E mais dois homens apareceram levando caixas e bolsas. Jillian passou de novo.
— Onde estão esses fotógrafos de revistas quando alguém precisa deles? — perguntou ao ar — Já
posso ver a manchete: “Casamento de autor de sucesso destruído por loira impressionante”.
— O que acha “Autor medíocre assassinado por sua mulher”? —disse uma mulher morena e bonita
ao passar na frente da porta.
Ambas riram e um homem fora do campo de visão comentou:
— Ouça eu gosto disso.
Curioso por entender do que falavam e quem estava em sua casa, Dax não agüentou mais e saiu
para o vestíbulo.
— Homem — disse Jillian lhe assinalando um baú imenso — Chegou bem a tempo para subir com
isto.
Podia ter se negado, mas sentia curiosidade, assim pegou o baú com dificuldade e começou a subir.
Quatro homens desciam e lhe dedicaram olhares de interesse. Todos eram enormes, morenos e jovens.
Conseguiu depositar o baú junto ao resto das malas e quando voltou a abaixar, ficou consciente de
que muitos olhos o examinavam.
—Oi — o homem loiro que lhe estendia a mão era ainda maior visto de perto e não lhe agradou pôr
sua palma naquela enormidade. Mas se arriscou a perder o braço e o cumprimentou.
—Oi — disse feliz por conservar seus dedos — Sou Dax Piersall, o marido de Jillian —
acrescentou, por via das dúvidas.
—Jack Ferris —disse o homem olhando-o desde sua altura — E esta é a minha mulher, Frannie.

41
—Oi — apertou a mão de Frannie com maior doçura que a de seu marido. Era a proprietária das
formosas pernas que tinha visto e era uma mulher de beleza doce e morena — Ouvi faz alguns minutos que
você é amiga de Jillian?
Frannie assentiu e lhe dedicou um sorriso pela metade que lhe fez compreender que todos se
sentiam os protetores de Jillian. A idéia de que Jillian precisasse amparo o fez sorrir amplamente. Mas de
repente lembrou a dor que tinha lhe causado em duas ocasiões seguidas e seu sorriso se apagou.
Voltou-se para o segundo casal, estendendo a mão.
—Oi, sou Dax, são amigos de Jillian? — O homem deu um passo para ele e seu apertão lhe pareceu
mais civilizado que o do Jack.
—Ronan Sullivan. Amigo é dizer muito. Jillian só me tolera. Minha mulher, Deirdre, é a amiga.
— Alegra-me conhecê-lo, Dax — a mulher que se adiantou era uma morena muito atrativa, com os
olhos mais verdes que tinha visto em sua vida e um ar encantadoramente tímido. Se a sua doçura e beleza se
acrescentavam a um corpo impressionante e uma cabeleira de cachos negros com muita dificuldade
amarrados em um coque, era fácil saber por que seu marido não soltava sua mão.
E então Jillian entrou na sala e não lhe custou nada apagar qualquer outro pensamento. Usava umas
calças ajustadas e uma camiseta minúscula, cor rosa, junto com meias três/quartos e sapatilhas esporte muito
gastas. Não a tinha visto com tão pouca roupa desde sua volta e a visão de suas formas redondas e magras o
deixou sem fala.
Tinha um corpo impressionante e uma pele deslumbrante. Ronan comentou:
—Jill, quero que saiba que adorei esse traje que usa hoje, está lindo. Digo isso de coração.
Jack começou a rir. Jillian sorriu.
—Coloquei isso para você, tesouro.
Dax teve que resistir o impulso de ficar no meio e tampar com seu corpo a figura exposta de sua
esposa.
—O que você disse? — perguntou Jillian a Ronan apontando Dax.
—O que eu disse o que?
Jillian fez uma careta de desgosto.
—Sei que você não é modesto, assim deve ser descuidado — e voltando-se para Dax – Ronan é
R.A. Sullivan.
R. A. Sullivan! Reconheceu imediatamente o nome do famoso novelista.
—Sério? — comentou — Já li vários livros seus. Tenho uma coleção de seus livros.
— Mais dinheiro para Ronan —disse Jack — Eu vou esperar para comprar quando sair à edição de
bolso.
Ronan dedicou um olhar de desprezo a seu amigo.
— Rato.
Jillian voltou o olhar para Dax e este viu em seus olhos uma hesitação que lhe surpreendeu.
— Todo mundo já foi apresentado?

42
Dax assentiu.
— Todos. Restaram muitas malas?
Jack fez uma careta.
— Não sei bem. Mas se não nos movemos os outros trarão tudo.
— São membros da equipe de futebol do Jack — informou Frannie — vieram nos ajudar.
Dax olhou para Jillian:
— Ficaram coisas na sua casa?
Jillian disse que não. A hesitação tinha desaparecido e voltava a mostrar seu ar de confiança em si
mesma.
— Não. Seis meses e saio daqui, colega.
Um silêncio pesado pairou na sala, como se todos estivessem esperando a sua reação, menos Jillian,
que sorria com ironia.
Teria tirado ela dali para uma briga privada, mas temia tocar naquela pele brilhante. Assim
encolheu os ombros, olhando para o grupo de amigos.
— Ela fica assim quando está nervosa e eu a deixo nervosa.
Todos sorriram, mas sua frase surtiu o efeito desejado em Jillian, que ficou com raiva provocada
por suas palavras. E quando abriu a boca, para insultá-lo sem dúvida, Dax acrescentou:
— Vamos, me insulte preciosa. Vais me compensar mais tarde... quando estivermos a sós.
Aqueles olhos azuis disparavam flechas de fogo. Jillian o olhou, tragou suas palavras e saiu da sala.
— Escute preciosa, espere — chamou Jack, saindo atrás dela com o Ronan atrás — Não me disse
onde colocar a mesa.
Um silêncio incômodo seguiu sua partida.
Dax estava felicitando a si mesmo por ter ganhado a pequena luta quando Deirdre ficou na frente
dele, claramente nervosa, mas cheia de determinação.
—Jillian nos disse que isto era um acordo comercial.
Dax assentiu.
—É uma forma de vê-lo.
—Eu gostaria de ouvir como você o vê — perguntou cruzando os braços.
Dax estava surpreso. Quem teria pensado que aquela moreninha doce ia defender sua amiga assim?
Disse com suavidade:
— Isso diz respeito a minha mulher e a mim.
— Quando Jillian nos contou isso, do casamento, parecia uma manobra de acionistas — murmurou
Frannie, ficando junto a sua amiga — Mas não parece tão simples quando estão juntos.
Dax a olhou sem se comprometer.
— É que nos conhecemos desde pequenos.

43
— Jill não é tão forte como parece —informou-lhe Deirdre — Não sei por que você voltou e nem
por que motivo ela vai viver contigo, mas, por favor, não a faça sofrer.
— Não volte a fazê-la sofrer — acrescentou Frannie.
Dax elevou a sobrancelha perguntando-se o que Jillian teria contado a suas amigas.
— Quem disse que eu a tenho feito sofrer?
Frannie não sorriu.
— Ninguém disse nada. Mas se não foi você, alguém lhe fez muito mal no passado. Pode dizer que
não foi você?
— Olhe — disse Dax que começava a se sentir como o vilão da história — Jillian e eu temos uma
longa história em comum e algumas coisas que consertar. Não penso... — deteve-se e pensou que não queria
mentir. Havia voltado para fazê-la sofrer. E tinha conseguido, mas ao fazer, tudo havia tornado a começar —
Causei-lhe mal — disse lentamente – E possivelmente volte a fazê-lo, sem querer. Mas não o farei de
propósito — acrescentou mostrando suas mãos — Isso é o máximo que posso prometer.
— Agradeceria que não me faça passar vergonha diante de meus amigos — Jillian estava na soleira
e o olhava com agressividade. Fazia vinte e quatro horas que estava na casa e não tinha falado com Dax
desde a pequena batalha da mudança.
Dax estava comodamente sentado em um sofá da sala de estar, vendo uma partida de basquete na
televisão. Olhou-a com irritação.
— Pois não me provoque.
Jillian esteve a ponto de replicar, mas viu que Christine jogava em um canto da sala e abandonou o
tom agressivo.
— O que querem jantar hoje? Supõe-se que devo cozinhar quando a senhora Bowley está de folga?
Dax deixou escapar o ar com gesto de resignação exagerada.
— Claro que não. Pode cozinhar se lhe dá vontade, mas em geral a senhora Bowley nos deixa algo
preparado.
Christine estava sentada no chão rodeada de bonecas e trajes para vesti-las. Não tinha perdido uma
sílaba da conversação.
— OH, papai, pescou hoje. Eu não gosto —saltou sobre o colo de Dax para rogar — Não podemos
pedir uma pizza?
Dax pôs-se a rir e lhe fez cócegas até que a pequena se retorceu.
— Nem pensar. Eu gosto do atum.
— Pois eu não gosto — Jillian deu a volta para sair. Sentia-se estúpida e vil, sentindo ciúmes de
uma menina, mas a feria ver a adoração nos olhos de Christine e a ternura nos de seu pai — Vou pensar em
outra coisa para preparar. Congelarei o atum, e quando nem eu nem Christine estivermos em casa, você pode
comê-lo.
Foi à cozinha e começou a abrir as portas, analisando as possibilidades. Os tomates na geladeira lhe
deram a idéia de fazer molho para espaguete, assim que começou a cortá-los, junto com a cebola e o
pimentão. Estava cortando cebola quando Christine chegou à cozinha. A menina lhe dedicou um olhar
curioso e logo tomou assento em um canto, observando-a.

44
Uma vez picado o pimentão verde o pôs para fritar, junto com a cebola. Christine se aproximou e
observou os preparativos.
— O que é?
— Molho para espaguetes — jogou os tomates na frigideira e a cozinha se encheu do aroma.
— Eu gosto muito de molho de tomate — informou Christine.
Jillian não respondeu, tentando deter sua ternura e sua raiva. Aquela menina fazia renascer uma dor
nunca superada.
— Papai me disse que você vai ser minha madrasta — Christine avaliou com atenção o efeito de
suas palavras.
— Suponho que sim — disse Jillian sem se alterar.
— Devo te chamar de madrasta?
Jillian teve que rir.
— Não, ou me lembrarei sempre da Branca de Neve. Pode me chamar de Jill, se quiser. Meus
amigos me chamam assim.
Christine ficou em silêncio, mas suas pequenas mãos não paravam de fazer nós no cabelo de sua
boneca.
— Não tenho amigos — disse.
Jillian não queria sentir nada por aquela menina, mas a solidão de suas palavras lhe partiu o
coração. Deixou a faca e se ajoelhou frente à pequena.
Christine deu um passo para trás, assustada, mas Jillian aparentou não perceber.
— Na segunda-feira te levarei para visitar seu novo colégio. Aposto que em pouco tempo, terá
novos amigos — sorriu, desejando que a cautela desaparecesse daqueles grandes olhos — Seu pai lhe falou
da minha família?
Christine negou com a cabeça. Tinha a boneca apertada contra seu peito.
— Pois agora você tem uma tia e um tio, e vários primos — deteve-se. Era uma boa idéia que a
menina conhecesse a sua família? Dax havia dito à menina que sua madrasta duraria seis messes? Duvidava.
Mas Christine a olhava com interesse.
— Primos?
— Uh hum — Jillian ficou em pé e pegou a colher de madeira para mexer o molho — Jenny tem
quatro anos. Faz aniversario em novembro, um mês mais tarde que você. E tem um novo irmãozinho que é
um bebê. Chama-se John Benjamim e o chamamos JB.
— Posso conhecê-los?
— Claro. Convidaremos eles para jantar na próxima semana.
— O que vai fazer agora? —Christine olhava o molho, de repente esquecida das relações
familiares.
— Vou deixar ferver um pouco ate se transformar em molho e enquanto isso, vamos preparar
almôndegas de carne para acrescentar. Você gosta?

45
Christine assentiu.
— Perfeito. Há carne picada.
— Posso ajudar?
Jillian a olhou. A menina olhava a cabeça de sua boneca, preparada para que sua pergunta fosse
ignorada.
— Claro —disse — Quanto antes aprender a cozinhar, melhor para mim.
Christine sorriu um pouco, um sorriso que indicava que a menina desejava rir à gargalhadas, mas
que se sentia contida. Perguntando-se o que teria feito sua mãe exatamente para que Christine fosse uma
menina tão assustadiça, Jillian decidiu interrogar Dax.
— Não me disse que sabia cozinhar — a voz profunda a sobressaltou.
— Não perguntou — consciente da presença de Christine, Jillian optou por um tom cordial e
brincalhão.
— Sua cozinha tinha pinta de não ser usada — continuou Dax em tom igualmente cordial.
Jillian abriu a geladeira para tirar a carne picada.
— É assim. Como muitas vezes fora — assim estava bem. Que imaginasse que jantava com um
homem diferente cada noite — Mas o fato de que não cozinhe não implica que não possa fazê-lo. Na
realidade sou uma cozinheira bastante decente.
—Suponho que cozinhar para um só não é divertido — havia uma leve tensão em sua voz.
Perfeito. Se ele queria começar de novo a guerra, ela estava disposta.
— Não sei, pois raras vezes cozinho para mim — disse — Estou acostumada a preparar jantares
para dois.
— Pois a partir de agora vais preparar unicamente jantares familiares.
— Já vejo que precisa me recordar isso com frequência — sorriu Jillian com rabugice.
— Não me provoque Jillian.
— Quem provoca? Pode sair da cozinha enquanto...
— Parem! — a súplica infantil surgiu de um extremo da cozinha, e ambos se voltaram para uma
Christine que se refugiou contra um móvel como se quisesse desaparecer.
— Céu, não se preocupe. Papai e Jillian... — Mas Dax não teve chance de terminar a frase.
Com a cara contraída em um gesto de angústia, a menina pôs-se a correr e saiu da cozinha, subindo
as escadas em soluços.
Jillian se voltou para Dax.
— Este assunto da convivência vai nos deixar todos loucos — estava desejando correr e consolar à
menina, e teve que respirar para não fazê-lo. Não era filha dela, tinha que se lembrar disso.
Dax se sentou em um dos tamboretes altos e suspirou.
— Normalmente não é assim. Mas suponho que acreditou que estávamos brigando e se assustou. O
marido de Libby gritou muito com ela nos últimos anos.

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— Gritava com a menina? —olhou para ele, sem poder evitar a simpatia — Meu Deus. Poderia ter
me dito isso e teria tido mais cuidado.
— É verdade, sinto muito — o rosto de Dax era o retrato da tristeza e tinha os ombros caídos —
Vou subir para vê-la.
— Não, eu vou falar com ela. Já sabe que a quer, mas precisa me conhecer mais — quando Dax a
olhou nos olhos, não soube dizer o que a surpreendeu mais, se suas próprias palavras, ou o olhar
esperançoso do homem.
— Jillian?
Já estava na porta e se voltou para olhá-lo.
— Perdoe-me — a voz de Dax era sincera — Não devia começar uma briga.
— Eu também sinto muito —disse — Prometo a você que não subirei a voz se estiver na presença
dela. Teremos que guardar nossas brigas para quando estivermos sozinhos.
Dax sorriu compreensivamente.
— Não me preocupo nada com sua relação com Christine, sabe? Sempre soube que nunca lhe faria
mal.
Jillian subiu as escadas sentindo um calor no coração que dava asas a seus pés. Aquela tinha sido a
adulação mais formosa que tinha recebido de Dax.

A terça-feira seguinte era a data marcada para a reunião da junta que dirigia as Indústrias Piersall.
Dax chegou logo cedo e foi ao seu escritório consultar suas anotações. Passou a semana toda trabalhando
metade em casa e no escritório, para ir conhecendo o pessoal que trabalhava para seu irmão, ficava vendo os
procedimentos, comprovar o inventário e familiarizar-se com o processo industrial de fabricação de vigas de
aço.
Dax tinha crescido ali e sempre tinha pensado em se encarregar um dia do negócio, mas seu pai
morreu quando ele tinha dezessete anos e teve que continuar estudando, deixando a empresa nas mãos de um
gerente. Enquanto se formava acalentava a idéia de retornar e dirigir a empresa, além de casar-se com
Jillian.
Mas sua noiva e seu irmão o tinham traído e teve que sair de Butler Country.
Por isso pode comprovar que Charles tinha sido mais um presidente honorário que um verdadeiro
gerente, deixando a maior parte das decisões na mão de sua equipe de diretores e empregados. Tinha lido as
atas das juntas dos últimos três anos e parecia que Charles tinha faltado a maior parte.
Mas ele não tinha a menor intenção de ser um presidente no papel.
A porta da sala de reuniões estava aberta e ele entrou com passo firme. Uma dúzia de homens e
uma mulher de cabelo loiro estavam sentados a mesa. Todos ficaram em pé e começaram as apresentações.
Roger Wingerd estava ali, com o montão de informativos empilhados que pensava em compartilhar. Alguns
dos homens eram acionistas a um longo tempo e Dax os conhecia e um deles, Gerard Kelvey tinha sido
amigo de seu pai. Outros dois eram jovens e tinham um aspecto ambicioso. Também conhecia a mulher. O
marido de Naomi Stell tinha ações e desde sua morte, Naomi tinha se encarregado de seus assuntos.
Pouco a pouco foram calando as vozes e saudações e todos se sentaram.
E então a porta se abriu.
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Todos os olhos se voltaram automaticamente para esta, e ninguém afastou a vista ao ver Jillian.
A mulher fez uma pausa e inconscientemente Dax conteve o fôlego, expulsando o ar quando ela
avançou. Usava uma jaqueta azul marinho que lhe moldava à perfeição, obtendo um aspecto atrevido sem
mostrar nada que não fosse perfeitamente decente. Sem dúvida a saia era um pouco mais curta do apropriado
para uma reunião de negócios, mas não tinha nada que contestar. Os saltos altos faziam com que suas pernas
parecessem ainda mais longas e o ritmo que seu passo imprimia a seus quadris o deixava sem fala. Tinha o
cabelo artisticamente arrumado em um estilo que podia parecer muito casual, mas que em Jillian era
perfeitamente natural e terrivelmente sexy.
Seus olhos brilharam ao olhar aos reunidos e seus bonitos lábios se distenderam em um sorriso que
deixou a mostra seus dentes perfeitos. Todos se levantaram, incluindo ele.
Dax foi o primeiro a recuperar-se. Deu um passo para ela e puxou a cadeira vazia a seu lado.
Quando seu cérebro começou a funcionar, deu-se conta de que sua presença provavelmente era uma ameaça
para ele. Se fosse assim, queria tê-la perto.
—Senhora Kerr! Que prazer inesperado! —exclamou o mais velho dos presentes, que
desempenhava o moderador, com um sorriso encantado enquanto Jillian se sentava. E como se de repente
recordasse onde estava, acrescentou — Sempre é um prazer vê-la. Podemos ajudá-la em algo?
Jillian fez um gesto vago com a mão.
—Continuem como se eu não estivesse aqui. Só vim olhar e aprender — esperava a surpresa que
refletira em todos os rostos, e explicou — Charles me deixou sua parte das ações, assim assistirei às reuniões
a partir de agora.
Houve uma tensão repentina, elétrica, no ar. O homem que tinha falado esclareceu a garganta, olhou
de soslaio para Roger Wingerd e disse:
—Nos... nos deram a entender que a maioria das ações permaneceria na família Piersall.
—E assim é — Dax falou tentando não mostrar sua ira. Maldita Jillian, tinha que ter previsto que
faria algo assim — Jillian é agora a senhora Piersall. Nos casamos na semana passada.
— E claro, Dax sabia que eu queria ser uma parte ativa da companhia — acrescentou Jillian com
graça, dedicando um sorriso a seu marido, cuja nota irônica ninguém pôde apreciar.
Dax resistiu a tomar-lhe a mão e esmagá-la até que pedisse clemência, mas enquanto pensava numa
réplica, o moderador falou:
—Pois, me permitam que em nome de todos os cumprimente. Podemos começar.
Dax esteve sobressaltado toda a reunião, perguntando-se o que Jillian estaria planejando. Em
algumas ocasiões, fez perguntas, inteligentes e oportunas assentiu em algumas respostas, e escreveu algumas
notas.
Quando terminou, Dax se levantou e se dispôs a explicar o seu propósito. Tinha desejado aquela
ocasião e procurou tirar proveito. Falou de sua preocupação sobre a fragilidade financeira da companhia,
expôs suas idéias, respondeu às perguntas de alguns dos acionistas, ignorando o Roger, que parecia ansioso
ao dar-se conta de que seu trabalho estava por um fio.
—Mas não podemos despedir as pessoas — objetou Naomi.
—Não tenho a intenção de despedir a ninguém — replicou Dax — Mas deve haver mudanças entre
a direção e os gerentes. Temos uma estrutura muito hierárquica e carregada. Eu gostaria que a junta votasse,

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para me permitir adotar o papel de presidente, o mesmo que meu avô, meu pai e meu irmão tiveram na
companhia — para Dax aquilo era uma formalidade visto que ele, junto com Jillian, tinha o comando das
ações.
E de repente sentiu uma terrível suspeita. Olhou para Jillian, que escutava com atenção suas
palavras. Acaso pensava jogar com seu voto?
Enquanto todos começavam a comentar e murmurar, sentou-se e deu um chute em Jillian sob a
mesa.
Jillian se voltou e lhe dedicou um olhar paciente que confirmou suas piores suspeitas.
—Suponho que seu voto é em nome da família — disse.
Jillian vacilou como se a idéia a surpreendesse.
— OH, não sei —disse — Charles me confiou suas ações e acredito que pretendia que eu fosse
ativa e tomasse minhas próprias decisões.
— Maldita seja, Jillian! — sussurrou Dax, a ponto de dar um murro na mesa — Se não arrumarmos
as coisas, não haverá mais companhia. Tem que me dar seu voto.
— Dax — a jovem pegou em sua mão —, farei o que quer — fez uma pausa e dedicou um olhar
cheio de ironia para seu marido. Logo voltou a falar — Mas se lhe tranquiliza, acredito que estou de acordo
contigo. A Piersall necessita agora um líder forte e com caráter — sorriu —... e acredito que você reúne
essas qualidades.
Dax girou a mão para tomar a de Jillian e apertá-la brandamente enquanto a tensão o abandonava.
—Obrigado — disse.
Quando votaram, Dax comprovou com agrado que oitenta por cento dos votos o respaldavam.
Naomi Stell votou contra assim como, para sua surpresa, Gerard Kelvey também o fez.
Mas enquanto se despediam e acompanhava Jillian não pôde evitar sentir certo orgulho e alegria.
Ela o tinha apoiado. Confiava em seu julgamento e lhe tinha dado seu respaldo.
Sua alegria desapareceu ao recordar a recriminação de Jillian, tão repetida, de que nunca tinha
concedido a ela confiança similar.

Capítulo Seis
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Passou setembro e Dax se sentiu aliviado ao ver que Christine ia se adaptando. Gostava do colégio,
felizmente, e tinha amigos. Parecia-lhe que cada vez que voltava para casa alguém estava passando para
chamar a menina para brincar ou deixando uma amiguinha que brincasse com ela.
Também parecia que Jillian tinha se adaptado, desde sua chegada duas semanas antes. Passava
quase todas as tardes com Christine. Pelas manhãs, ia acordar a menina e depois de lhe arrumar o cabelo,
deixava que Dax lhe desse o café da manhã e a levasse ao colégio.
O acordo funcionava. O cabelo de sua filha tinha sido um transtorno contínuo. Christine se negava
a cortar-lo e Dax não se atreveu a contrariá-la, mas era totalmente incapaz de fazer tranças ou coques. Até a
chegada de Jillian, a menina usava o cabelo solto e cheio de nós. Agora, a cada manhã Jillian inventava um
novo penteado e lhe punha laços e coques, de acordo com a roupa que ela pensasse em usar.
Mas Jillian quase não lhe tinha dirigido à palavra na última semana. Dax suspeitava que o evitava
de propósito.
Três dias por semana, Jillian partia às sete e meia para ir à ginástica, e depois ia diretamente para
trabalho. O resto dos dias negava-se a tomar o café da manhã com ele, tomava um café quando ia para o
trabalho em seu carro vermelho, deixando-o com um sentimento de desejo e frustração que ia deixá-lo o
louco.
A única pessoa que gostava da situação e a levava muito bem era Christine. Uma noite atrás tinha
seguido o som de umas risadas até o quarto de Jillian cuja porta aberta deixava ver Jillian deitada na cama,
contemplando um desfile de modelos feito por Christine.
Desta maneira chegou o fim de semana e Dax decidiu que era hora de fazer algo.
—Quero falar com você — disse quando a viu descer as escadas.
A mulher fez uma careta e replicou:
—Só a idéia me faz envelhecer.
Dax sorriu ante a imagem.
—Você? Nunca. Morrerá loira embora seja rabugenta.
Jillian pareceu relaxar o suficiente para lhe dedicar um sorriso.
—Tem razão, suponho — olhou o relógio — Tenho que ir. O que queria?
“Você”. Mas só disse:
—Algumas coisas. Vou convidar uns amigos para jantar no próximo sábado. Tudo bem?
Jillian o olhou com atenção.
—Já os convidou, então? O que me importa se está tudo bem ou não? Visto que já os convidou?
Dax levantou as mãos em um gesto de rendição.
—Culpado. Já os convidei. Mas se te incomoda, posso levá-los para clube.
Jillian fez um gesto com a mão.
—Esquece. Por acaso não me contratou para me fazer de esposa? Cuidarei disso. Procura saber se
tem algum que seja alérgico a fruto do mar e me diga quem é antes do sábado.

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—Obrigado — olhou-a, zangado sem saber por que — O aniversário de Christine é dia treze.
—Treze de outubro? Dentro de duas semanas?
—Sim. Perguntava-me se me ajudaria a preparar um dia divertido para ela e comprar os presentes.
Jillian vacilou e logo tomou uma decisão.
—Claro. Podemos falar disso esta noite. Quando Chrissy se deitar, faremos o planejamento.
—Obrigado, lhe agradeço de verdade.
Houve um silêncio denso. Jillian usava calças para fazer ginástica e uma camiseta que marcava um
decote do que qual não podia afastar os olhos. A mulher se moveu, trocando a bolsa de lugar, e os seios se
moveram também.
Logo elevou as sobrancelhas.
—Algo mais?
Algo mais? O calor subia por sua nuca. Certo, suponha que seja apenas a conversa.
—É... sobre a empresa. Encontrei coisas estranhas nos livros de contabilidade. Se os trouxer esta
noite, você se importaria em dar uma olhada e me dar sua opinião?
—Não me importa. O que acha se jantarmos juntos e falamos de tudo?
—Eu adoraria. Nosso primeiro jantar de família — disse Dax, pigarreando para apagar o olhar de
emoção que tinha subido a seus olhos. Era pouco másculo sentir que a idéia de voltar do trabalho e encontrar
sua mulher e a sua filha era fascinante?
Jillian olhou de novo seu relógio.
—Vou indo. Nos vemos à noite.
Abriu a porta e saiu e nesse momento, Christine apareceu a seu lado.
—Papai, o que aconteceu?
A menina piscava os olhos, deslumbrada pelo sol da manhã.
Dax deu a volta e foi para junto dela.
— Nada — disse, sorrindo diante seu cabelo revolto e a enorme camiseta que usava. Leu as letras
escritas sob um sapo enorme: “Tem que beijar a um montão de sapos para encontrar o príncipe” — Bonita
camiseta.
Christine olhou para baixo.
— É de Jillian.
— E por que você está usando?
— Eu disse que eu gostava e ela me deu de presente — Christine bocejou — É muito cedo, vou
voltar a dormir.
— Posso te levar? — disse Dax estendendo os braços.
— Sim!
Inclinou-se para a menina e a pegou nos braços. Esta o rodeou com pernas e braços e apoiou a
cabeça em seu ombro. Dax beijou o cabelo revolto.

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— Amo você, filha.
— Eu também, papai.
Logo perguntou:
— Acho que ouvi Jillian lhe chamar de Chrissy?
— Sim. Como mami me chamava quando era pequena. Disse-lhe que podia me chamar assim.
Deixou à menina na cama e a cobriu, saindo sem fazer ruído do quarto. Quando estava do lado de
fora, levou a mão ao coração, cheio de dor. Christine não deixava de sentir a falta de sua mãe. Se Jillian
partisse, a pequena ia sofrer uma nova decepção.
E não ia ser a única.
A pequena tinha um convite para ir a um parque de diversões com a família de uma amiga. Depois
de deixá-la na casa da amiga, se pôs a trabalhar nas contas. Salvar a Piersall da quebra era um trabalho
absorvente, e cada vez se ocupava menos de seu negócio de Atlanta. “Se me oferecerem o suficiente”, disse,
“vendo a maldita companhia de caixões e deixo de me ver louco”.
E de repente, refletiu sobre sua própria decisão: seria verdade que estava pensando em vender seu
negócio em Atlanta? E instalar-se para sempre em sua cidade? Em seu lar? Perguntou-se quando tinha
começado a considerar de novo Butler Country como seu lar.
Jillian cumpriu com sua palavra, e se reuniu com ele para o jantar. Para sua tranquilidade, tudo foi
muito bem entre eles. Não houve sarcasmos nem subentendidos. Se não fosse pela reação de seu corpo
diante de sua esposa, a noite teria sido inclusive relaxante.
Jillian vestia uma camiseta e short curto. A camiseta era enorme e em outra mulher teria sido pouco
sexy. Mas não em Jillian.
Em Jillian... OH! Senhor. O tecido estava gasto de tantas lavagens e se pegava a seus peitos,
revelando a forma deliciosa com cada um. E o short era... curto. Logo que sobressaía sob a camiseta e
criavam a impressão de que não usava nada por baixo.
Jillian podia ser uma bruxa sem sentimentos e provavelmente ele estava louco por deixar-se seduzir
de novo por ela, mas não podia negar que estava feliz ao vê-la em sua casa. Logo que podia ia se concentrar
no delicioso guisado de frango que a senhora Bowley tinha preparado.
Jillian estava contando uma história graciosa que tinha acontecido na loja de brinquedos e ele se
obrigou a escutar. Christine também conversava sem parar de seu dia no parque e de seus novos amigos.
Jillian lhe respondia com tanta atenção, que Dax compreendeu que havia anos que não escutava realmente a
sua filha. Sentiu-se culpado por ter esperado uma terceira pessoa para dar-se conta.
Mas a culpa podia encher toda sua vida se ele deixasse. Era mais útil remediar o fato que
comprazer-se no passado.
Terminaram de comer e todos recolheram os pratos. Enquanto Jillian enchia a máquina de lavar
pratos, Dax acariciou o cabelo de Christine e comentou:
—Foi ótimo. Vamos ver se venho mais frequentemente jantar com minhas garotas.
O rosto de Christine se iluminou ao ouvi-lo.
—Sério papai? Seria genial.

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De repente um leve assobio os fez silenciar e Christine tirou de seu cinto um pequeno disco
enquanto Dax perguntava:
—O que é isso?
Christine estava muito concentrada apertando uma série de botões sobre a esfera e Jillian, que
estava de cócoras, elevou a vista.
—É um cachorrinho virtual.
—Um quê?
—Um cachorrinho virtual, a última moda japonesa. É como um jogo.
—Está brincando?
—Não —sorriu Jillian — Ensine a ele, Chrissy.
Durante dez minutos, soube tudo sobre os cuidado do pequeno monstro digital. Christine lhe
explicou que seu mascote era um gatinho e que tinha que jogar com ele, alimentá-lo, banhá-lo e educá-lo.
Dax não acreditava no que estava ouvindo.
—É como ter um filho. Tem que estar sempre atento — comentou.
Christine assentiu.
—O meu dorme toda a noite, mas acorda por volta das sete, com fome e um pouco triste. Tenho que
jogar com ele para animá-lo.
—Isto é a coisa mais louca que ouvi em minha vida —comentou Dax, atônito — Nunca tivemos
uma coisa assim quando eu era menino.
—Mas tinha carros e bonecos do Superman — recordou-lhe Jillian rindo.
—E você brincava com bonecas chatas até que lhes caía o cabelo de tão velhas.
—Não eram chatas! —Jillian lhe atirou um pano à cara — E ver como sua boneca perde o cabelo é
uma experiência traumática. Marcou-me para sempre.
—Ah, por isso foi tão terna com a Barbie e o Ken. Ainda me lembro da sua cara quando sua mãe
explicou que a perna que você tinha cortado da Barbie não sararia.
—Sabem muito um do outro — comentou Christine.
Um silêncio incômodo caiu sobre eles. Por fim, Jillian disse:
—É assim, não é?
Christine não teve consciência da repentina tensão entre os adultos. De repente exclamou:
—Tenho que fazer meus exercícios. Odeio ter tarefas — e saiu correndo da cozinha.
Jillian a olhou sair:
—E depois para cama. Teve um longo dia.
Um gemido foi à resposta e ouviram os passos rápidos nas escadas.
Logo se fez de novo o silêncio.
—Bom — disse Jillian olhando ao redor — Creio que está mais ou menos em ordem. Não quero
que a senhora Bowley se zangue comigo na segunda-feira. Vou ver se Christine precisa de ajuda...
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—Espere Jillian.
A antiga ternura vibrou entre eles, e Jillian voltou a olhá-lo. Logo afastou a vista.
—O que?
—Sabe que acabo de me dar conta do tanto que senti falta enquanto estive vivendo fora?
Ela o olhou de novo, com dureza.
—O que?
—Raízes. Lembranças e pessoas para compartilhá-las.
Os olhos de Jillian eram enormes, e azuis como um céu de verão, cheios de luz.
—Ninguém em Atlanta me conhecia. Parece uma tolice para você?
Os olhos da mulher se obscureceram.
—Não, me parece completamente lógico — disse, afastando de novo a vista.
Houve uma nota estranha em seu tom, quase dolorosa. Dax recordou o acidente de sua irmã e sua
amnésia.
—Você também tem se sentido sozinha?
Ela assentiu.
—Tenho me sentido sozinha — disse com simplicidade.
—Jillian...
Esta se voltou para a pia e se segurou na borda.
—Vamos esquecer Dax.
—Não quero esquecer nada — disse ele e se deu conta de toda a alegria que tinha enterrado sob sua
amargura. Aproximou-se dela, mas não a tocou — Tenho descoberto que eu gosto de recordar.
—Pois a mim não — havia tanta tristeza em sua voz que Dax a pegou pelos ombros e a fez girar-se
para ele — É melhor esquecer certas coisas.
Lentamente, estreitou-a contra ele, Jillian não resistiu embora tampouco lhe devolveu o abraço.
Com doçura, deixando de lado a excitação de seu corpo, Dax lhe acariciou a cabeça, pondo-a contra seu
ombro. Sentiu uma satisfação imensa quando percebeu que a rigidez de seus músculos cedia e que lhe
rodeava a cintura com os braços. Beijou seu cabelo, e durante muitos minutos permaneceram assim, um nos
braços do outro, no meio da cozinha.
E pela primeira vez desde que chegou a Butler Country, sentiu que tinha voltado para casa.
Por fim, o silêncio foi quebrado pelo rangido do interfone.
—Jillian? Pode subir? Não consigo fazer as subtrações.
Separaram-se lentamente, com pesar, e Dax pegou suas mãos e disse:
—Eu vou. Tenho que passar mais tempo com ela.
Jillian assentiu.
Dax queria dizer muito mais, falar dos sentimentos que se amontoavam em sua mente, mas só
conseguia comunicar-se com ela quando brigavam. Deixou cair os braços e foi à porta.
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—Ah — a voz de Jillian o obrigou a dar a volta —, Marinha nos convidou para jantar no jardim de
sua casa na próxima sexta-feira. Christine vem comigo — de novo olhou o chão da cozinha — Você também
está convidado, se quiser vir.
Seu impulso inicial foi rejeitar o convite, ao recordar o gesto de ódio do cunhado de Jillian. Mas
queria passar mais tempo com ela...
—Obrigado, será um prazer.
Voltou a descer depois de terminar os deveres e colocar Christine na cama. Cruzou-se com Jillian,
que subia para dar boa noite à menina e disse:
— Te espero no estúdio.
Minutos mais tarde, Jillian entrou, anunciando:
—Está quase dormindo.
—Foi um dia muito cansativo — Dax sorriu amorosamente, e logo assinalou, com gesto sério, uns
papéis sobre a mesa — São os resumos contábeis do último ano. Dê uma olhada, por favor.
Jillian fez isso. Quando por fim elevou os olhos, seu olhar mostrava preocupação.
—Dá a sensação de que os preços dos produtos se mantiveram baixos de propósito. Não entendo
como a Piersall pode sobreviver com margens tão pequenas.
Dax foi até ela e lhe assinalou um gráfico. Ao fazê-lo, seu peito pressionou um braço da mulher,
que o olhou...
E não afastou a vista.
Dax sentiu que seu coração se acelerava. Deslizou os braços por sua cintura, a fez voltar-se e a
abraçou, fechando os olhos ante a impressão de luxúria que sua carne fresca produziu contra seu corpo. Era
sua esposa. Não era justo que desfrutassem dos prazeres carnais do matrimônio?
— Preciosa — murmurou — Desejo tanto você.
Jillian tragou saliva.
—Eu sei.
—Vêm comigo para cima.
Jillian o olhou de novo. Dax passou a mão pelas suas costas, para estreitá-la ainda mais contra seu
corpo. A mulher umedeceu os lábios e o gesto atraiu a sensual atenção de Dax, que não pôde deixar de olhar
aqueles lábios rosados, cheios...
—Espera — Jillian falou muito rápido, para romper o feitiço — Não é isto o que eu quero Dax.
—É uma mentirosa —pontuou suas palavras com beijos leves sobre aqueles lábios — Me deseja
tanto como eu a você.
—Pode ser —concedeu Jillian, escapando de seu abraço — Mas eu não gosto do sexo pelo sexo —
sua voz era suave e estava cheia de dor, mas Dax ignorou irritado.
— Nenhuma vez o nosso foi sexo pelo sexo, como diz —declarou — Não lembrar?
—Lembro de tudo — deu a volta e seus ombros tremeram.
A pose que adotou o corpo de Jillian era tão vulnerável que a irritação de Dax evaporou.

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—Posso esperar preciosa. Mas não me faça esperar muito tempo. É minha mulher e te quero em
minha cama.
Jillian deu a volta e a tristeza de seu olhar o golpeou como uma bofetada.
—Não sou uma posse — disse — Sou uma pessoa e tenho sentimentos, Dax.
E saiu do estúdio. Dax a seguiu, com o corpo pedindo que a seguisse e a mente tentando
compreender suas palavras. Por que se sentia tão triste? Ela o tinha enganado. Mas enquanto se sentava com
apatia e começava a olhar de novo as contas, uma voz sardônica e dura começou uma ladainha em sua
mente: ela não tinha fugido deixando-o sozinho, ela não tinha tido o filho de outro homem nem voltou a se
casar.
Era possível que sentisse algo por ele? Sempre tinha acreditado que amava a seu irmão. Poderia por
acaso querer a ele também?

Na quarta-feira seguinte, a campainha da porta da loja de Frannie tilintou quando Jillian a


empurrou. O interior estava cheio de vestidos de noiva e de acessórios, pois o negócio de Frannie era
próspero, graças ao talento da mulher para desenhar vestidos que era o sonho de qualquer garota. Mas sobre
tudo porque a loja reunia tudo àquilo que uma noiva podia necessitar e umas tantas outras que não
necessitaria, mas que a fariam desfrutar ainda mais do grande dia.
Jilian descobriu um novo produto: pequenas bonecas com bonitos vestidos de noiva e uma nota que
explicava que se faziam réplicas do traje como lembrança do casamento. Sem dúvida, uma idéia de Deirdre,
disse Jillian, e a aprovou.
Seu próprio vestido de noiva estava em algum baú, na casa dos Piersall. Quando tudo se rompeu
entre eles, não quis voltar a vê-lo e disse à loja que o jogasse fora. Mas a mãe de Dax, a mais encantadoras
das sogras, correu para buscá-lo e o levou a sua casa.
—A vida dá muitas voltas — disse quando Jillian se negou a vê-lo — Daqui a uns vinte anos se
alegrará alegra de tê-lo conservado.
Soltou um palavrão pouco elegante, ante a lembrança de Dax, que nunca retornou. Já conhecia a
resposta a aquela esperança maternal.
—Algo engraçado?
Girou-se e devolveu a Frannie seu amplo sorriso.
—Oi, querida, como vai o negócio do amor?
—Oi, isso me dirá você, recém casada. O negócio vai bem, outra coisa é o lar. Já teve rubéola?
—Creio que sim. Marinha me contagiou quando tinha cinco anos —avançou com Frannie para o
fundo da loja, que fazia comunicação com a casa — Mas acreditei que agora tinha vacina.
—Sim —replicou Frannie, desgostosa — Mas não são cem por cento efetivas. E com minha sorte,
Alexa se contagiou na creche. E claro agora tenho a doença em casa.
Frannie a guiou até a cozinha:
—Fico tão feliz por você ter vindo. Minha cunhada está lá em cima com os meninos, me ajudando
por um tempo. Por sorte os dois pequenos devem estar dormindo.

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—Sabe que não perderia nosso almoço das quartas-feiras por nada do mundo —Jillian sentou-se à
mesa da cozinha onde já estavam dispostos vários pratos com salada e sanduíches — contratei uma garota
para substituir a Marinha, mas continuo trabalhando como uma mula. Isto é um descanso para mim.
—O que Dax diz sobre isso, de que trabalhe tanto?
A pergunta a desconcertou e vacilou um instante.
—Não sei —admitiu — Não temos falado sobre isso. Ele também está ocupado. Apenas tem tempo
para Christine, menos para uma esposa.
—Christine parece um encanto de menina — Frannie a tinha conhecido o fim de semana anterior,
em um passeio.
—OH, sim —aquele tema era mais seguro — tentei ir devagar com ela, mas já somos muito
amigas.
—Sua mãe e Dax estão... divorciados?
—Sim, mas ela está com outro homem e ele não gosta da menina.
Frannie mostrou seu desgosto com um gesto.
—E Christine sabe?
—Sim. Sua mãe não se incomodou em esconder isso dela. Segundo Dax, estava desejando
desfazer-se da filha — Jillian afastou uma mecha do rosto.
—Jill — Frannie, sempre cheia de desenvoltura, parecia estranhamente inibida —...No dia que fez
a mudança nos disse que era um acerto temporário. Isso é certo?
Não tinha vontade de falar desse assunto com sua amiga, mas tinha que lhe oferecer alguma
resposta.
—É certo —disse docemente — Dax tem muitos problemas com relação à empresa. Precisava de
mim para trabalhar com ele e ajudá-lo com Christine.
—Está me dizendo que isto é um acordo comercial?
Jillian assentiu:
—Mais ou menos.
—Mas — Frannie não sabia como começar —...a forma em que a olhava... Pareceu-me que aí havia
algo mais. E me perdoe por me colocar onde não me chamam, mas nunca a tinha visto tão radiante.
—Radiante? — se não fosse pelo mal que fazia, a frase teria sido engraçada — Se me vê radiante é
porque me deixa tão nervosa que lanço faíscas.
—Vê? É isso o que eu queria dizer —os olhos verdes de Frannie eram penetrantes — Ninguém te
provoca essas emoções a não ser que te importe muito. Conheci centenas de admiradores seus e não te vi
pestanejar quando partiram —sua voz se adoçou ao acrescentar — E se Dax partir, acredito que fará mais
que pestanejar.
—Já me deixou uma vez, há sete anos, um mês antes de nosso casamento — as palavras escaparam
de sua boca sem que pudesse detê-las. Como um recipiente muito cheio e fechado a pressão, seu coração
podia explodir a qualquer momento.

57
Houve um silêncio atônito por parte de Frannie. Logo se levantou e foi abraçar Jillian, pondo sua
cabeça contra seu corpo.
—OH, minha pobre menina, chora o quanto quiser.
—Não vou chorar — murmurou Jillian, esmagando uma lágrima contra a blusa de seu amiga.
Escutou uma risada rouca sobre sua cabeça.
—Você não, serio? —Frannie se afastou um pouco e a olhou com seus ardilosos olhos que sabiam
ler em seu interior como se sempre a tivesse conhecido. —: Diga-me o que aconteceu.
Jillian suspirou.
—Deus, não se dá por vencida. Jack não brinca quando diz que é pior que uma gota de água sobre
uma rocha.
Frannie deu um abraço em sua amiga e voltou para sua cadeira, sem deixar de olhá-la:
—Por que a abandonou?
Frannie não ia ser objetiva, estava claro, mas ela mesma se lançou em defesa da amiga em apuros,
sem perguntar quem tinha razão.
—Foi um mal-entendido estúpido — disse, suspirando — Ele acreditou que tinha encontrado seu
irmão Charles e a mim em uma situação comprometedora. Equivocou-se, está claro, mas não ficou para
averiguar.
—Partiu sem mais nem menos? —Frannie tentou não mostrar sua indignação, mas o tom era agudo
— Quanto tempo faz?
—Sete anos.
—E nunca retornou... até agora?
Jillian tragou o soluço que subia por sua garganta.
—E não teria retornado se Charles não tivesse morrido —encolheu os ombros — Sem dúvida foi
melhor assim. Se confiava tão pouco em mim, nosso matrimônio não teria dado certo.
—Sim, mas... Christine tem quase sete anos, não?
—Um acidente enquanto tentava me esquecer, ele diz.
Frannie estava movendo a cabeça, e tinha os olhos brilhantes de emoção. Jillian falou rapidamente:
—Não vai chorar. Eu sou uma profissional em conter as lágrimas e se você começar estragará meu
estilo.
—Se não tivesse me contado isto, teria começado a acreditar em seu estranho casamento —disse
sua amiga — Entre vocês há faíscas, mas também uma conexão profunda, acredito.
—É familiaridade, não carinho. Conhecemos-nos desde criança.
Mas enquanto forçava a conversa para outro rumo, Jillian sabia muito bem a que Frannie se referia.
Havia conexão, como não. Falar de reconciliação era muito para os frágeis fios que começavam a uni-los,
mas por debaixo de toda a humilhação e a dor, havia lugar para uma minúscula esperança que começava a
respirar.

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E o terno abraço da noite anterior tinha avivado à brasa da esperança que só necessitava de um
sopro de ar para queimar de novo suas fantásticas labaredas.

Foram à casa de Marinha na sexta-feira seguinte. A casa dos Bradford era de tijolo, com jardim, em
um bairro antigo da cidade. As últimas flores do verão ainda decoravam a entrada e uma grande árvore
centenária dava sombra a casa. Tudo respirava serenidade, como a própria Marinha, pensou Dax.
Mas ao entrar na casa, a imagem de paz se evaporou. Ali reinava o caos. Uma criatura disfarçada e
dançante os recebeu a quem Ben apresentou como Jenny. Um cão negro enorme e outro branco e pequeno
saltaram em cima deles, assustando Christine, que não estava acostumada a cães.
—Major, idiota, deixa à menina em paz — gritou Jillian afastando-o pela coleira — Marinha! Vêm
acalmar os seus cães.
Marinha apareceu na porta, rindo e com os olhos faiscantes. Trazia um bebê nos braços e este
chorava com toda a força de seus pequenos pulmões.
Marinha estendeu o menino a Ben e desapareceu imediatamente.
Os olhos de Christine estavam abertos de admiração:
—Uma família! —exclamou.
Jillian replicou:
—Amém.
Dax a olhou de esguelha e decidiu continuar olhando-a mais detalhadamente.
Jenny conversava com sua tia a toda velocidade enquanto Ben lhes indicava que passassem para a
sala de estar. Jillian tinha pegado o bebê nos braços e o estava acalmando enquanto escutava atentamente
Jenny, e para assombro de todos o bebê estava deixando de chorar. Quando se sentou no sofá, apertou à
criatura contra seu colo e fechou os olhos, saboreando o momento.
Era evidente que adorava os meninos, pensou Dax, vendo como apresentava Jenny a Christine, que
logo desapareceram por uma porta. Desde sua volta, Dax tinha se perguntado por que Jillian não tinha se
casado nem tinha tido filhos. Não seria por falta de oportunidades.
A idéia lhe incomodou e a afastou, concentrando-se na conversa. A noite foi inesperadamente
agradável. Marinha fez com que eles apreciassem bastante a noite. Inclusive Ben, que claramente se
considerava o irmão mais velho de Jillian e seu protetor, relaxou e conversou sobre diversos temas com ele.
Depois do jantar a pequena Jenny levou Christine para conhecer os cães e Dax comprovou com
assombro como sua filha se integrava tão bem com aqueles estranhos. Quando a irmã de Jillian lhe disse que
podia chamá-la de “tia Marinha” sentiu um sobressalto de alegria e temor.
—Então — disse Ben enquanto lhes servia café —, Jillian nos disse que há certos problemas nos
negócios de sua família.
Dax assentiu.
—É uma forma leve de dizer.
—O que fazem exatamente as indústrias Piersall?
—Produzimos aço. Antes nossos maiores compradores eram os fabricantes de navios, mas desde
que o setor está em crise, diversificamos o negócio.
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—Como? — Ben parecia muito interessado.
—Meu pai começou a fabricar aço para a construção. Vigas. Temos uma rede de distribuição
bastante boa em toda a costa e não perdemos o mercado naval — Dax suspirou — O mercado está em alta e
a companhia deveria ir bem.
—Mas não é assim — Jillian estendeu o bebê, que tinha dormido em seus braços para Marinha e se
sentou — Nos dois olhamos a contabilidade e as finanças. Não há nada estranho aparentemente, mas os
benefícios deixaram de descer nos últimos cinco anos.
—E como resultado, as ações também perdem valor — Dax vacilou, mas logo decidiu anunciar
suas suspeitas em voz alta — Pergunto-me se não tem uma pessoa comprando ações.
—Com que propósito? — Ben tinha o cenho franzido.
—Não serviria de nada a ninguém — assinalou Jillian. — Juntos, controlamos mais da metade das
ações.
—Eu sei —Dax estendeu as mãos com gesto ausente — Mas a idéia vem e vai da minha mente. Sei
que parece não ter sentido.
No silêncio, ouviu-se o ronco do bebê e todos riram por um momento.
Jillian ficou de pé.
—Obrigado pelo jantar, minha irmã. Iremos devolver-lhes o convite um dia destes, mas será melhor
que levemos Christine para casa.
Quando foram procurar às meninas, era evidente que Christine estava em seu ambiente. Dax nunca
tinha pensado que sua vida era solitária, mas ao ver a menina cuidando da menor, pensou que seria uma irmã
mais velha excelente.
Para que necessitaria irmãozinhos. Deu-se conta do que estava pensando. Acostumou-se a ter Jillian
em seu lar e em sua vida. E de repente estava pensando em ter filhos, com ela.
O que estava acontecendo com ele?
Assustou conhecer a resposta, que não era outra que Jillian Elizabeth Kerr. Ou melhor, Jillian
Piersall. Nunca voltaria a confiar completamente nela, nem voltaria a querê-la como a tinha querido, mas
poderia continuar com ela enquanto não lhe permitisse que dirigisse o seu desejo, como sem dúvida ela fazia
com outros homens.
Com ele, seria diferente.

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Capítulo Sete
O jantar de negócios de Dax estava previsto para a semana seguinte. Jillian e a senhora Bowley se
dedicaram à limpeza da casa, cujas dimensões convertiam sua manutenção em um árduo esforço.
Jillian comprovou o estado do bar e comprou mais algumas garrafas, lustrou a prata e os cristais,
tirou o pó dos móveis, encerou o chão. Falou com um especialista em comidas, idealizou o cardápio e
contratou dois garçons para o bar. Ajeitou a mesa e o faqueiro, os guardanapos artisticamente dobrados, as
flores e as velas. Por último arrumou suas unhas e foi ao cabeleireiro.
E no sábado pela manhã foi às compras.
—Vai jantar conosco esta noite? — perguntou a Christine enquanto tomavam o café da manhã.
A menina vacilou.
—Tudo bem para vocês?
—Claro que está tudo bem para nós. Além disso, assim aprenderá como se fazem estas coisas
quando for mais velha.
A menina era muito pequena para aprender algo, mas estava desejando assistir e Jillian queria que
se sentisse segura de ser bem recebida.
—Muito bem —disse Christine — Se acha isso, comerei com vocês.

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—Ótimo. Eu vou comprar para mim algumas roupas. Quer me acompanhar?
Christine a olhou com olhos enormes.
—Não tem nada o que vestir?
Jillian soube que a menina estava pensando no armário de cima, cheio de roupa. Pôs-se a rir.
—Sim, tenho de tudo, sei disso. Mas é uma desculpa para comprar um vestido novo. E você
também necessita de um.
Para seu pesar, os olhos de Christine se encheram de lágrimas.
—Mamãe fazia vestidos para mim antes de me mandar embora de casa. Eles ficaram pequenos.
—OH, querida — a pena infantil lhe chegou à alma e se levantou para pegar à menina nos braços e
embalá-la. A filha de Dax se agarrou a seu pescoço enquanto seu pequeno corpo era sacudido pelos soluços
e Jillian a abraçou até que se acalmou.
—Eu te faria um vestido — explicou Jillian tentando aliviar o ambiente —, mas pareceria uma
pobre pedinte. Não é a minha praia, creio.
Christine riu entre soluços.
—Poderia me vestir de plásticos — disse e Jillian aprovou entre risadas.
Pouco a pouco foi soltando seu abraço e logo desceu do colo de Jillian.
—Me perdoe por ter amassado sua saia.
—Não se preocupe. Todos necessitam chorar de vez em quando — inclusive ela, disse em silêncio.
Tinha afogado tantas lágrimas nas últimas semanas que lhe doíam os músculos da garganta. Ficou em pé e
começou a recolher a mesa.
—Sabe o que podemos fazer? —propôs à menina — Posso te ajudar a envolver seus vestidos de
uma forma especial para que não estraguem e sua filha possa usá-los um dia.
O rosto de Christine se iluminou:
—Sério?
—E assim terá lembranças preciosas de sua mãe para contar a seus filhos.
Christine riu, distraída de seu momento de pena.
—Falar de meus filhos soa muito estranho.
—Essa sou eu — disse Jillian fazendo uma careta cômica — A estranha e louca Jillian.
A menina riu de novo e logo ficou pensativa.
—Jill? — Christine tinha ouvido que Marinha a chamava assim, e tinha adotado o diminutivo.
Jillian se deu a volta para olhá-la.
—O que?
—Eu acreditava que ia odiar ter uma madrasta, mas eu gosto.
—Bem — teve que tragar um nó de emoção repentina — Eu acreditei que ia odiar ser uma
madrasta, mas eu gosto.

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Deu a volta e se dirigiu para a cozinha, a tempo de ver Dax na soleira da porta. Tinha um olhar
peculiar, entre irônico e satisfeito, e Jillian pensou com raiva que estava muito contente por sua decisão de
obrigá-la a casar-se com ele.
Teria gostado de lhe dar uma bofetada, mas conteve o impulso, limitando-se a dizer:
—Vamos às compras. Quer que lhe compremos algo? Observei que suas calças estão um pouco
estreitas na cintura.
Ele se pôs a rir e com grande rapidez juntou-se a ela. Pegou-a pela cintura, abraçou-a e afundou o
nariz em seu pescoço.
—Minha cintura está perfeita — disse lhe mordiscando o lóbulo da orelha.
— Dax — indignou-se Jillian, afetada pela repentina e envolvente excitação sexual — não faça
isso. Chrissy poderia entrar.
—E? — apoiou os lábios em seu pescoço e a beijou sob a gola da camisa, fazendo-a gemer
sobriamente.
Jillian se deu conta de que já não o repelia, mas sim tinha se pendurado em seu pescoço e se
agarrava a ele, enfeitiçada. A raiva a ajudou a separar-se.
—Não sou seu brinquedo — disse, e não lhe pareceu muito convincente dada à forma em que sua
pele estremecia ao tocá-lo.
Dax sorriu e se apoiou na pia, cruzando os braços sobre seu peito.
—Nunca disse que era.
—E não penso me deitar contigo.
O sorriso se ampliou.
—Tudo bem, o que você disser. Mas eu gostava tanto...
Seu tom de nostalgia despertou nela lembranças excitantes, vivas, e esteve a ponto de ceder até que
recordou por que não queria deitar-se com ele. Não queria deitar-se com um homem que pensava o que Dax
pensava dela.
De repente não lhe custou nada resistir.
—Pensou que me deitava com seu irmão.
As palavras saíram disparadas como balas e o sorriso de Dax se converteu em uma careta amarga.
—E você me disse que me equivoquei — com as sobrancelhas elevadas a desafiava que o provasse.
—Não importa o que eu diga. O que me importa é que você pensou que eu podia fazer algo assim
— retirou-se para a porta, consciente da luz de ódio acessa nos olhos do homem — Ajudarei você com seus
compromissos profissionais durante esses seis meses, e então adeus. Não posso viver na mesma cidade que
você — moveu a cabeça, cegamente — Não posso.
Depois destas palavras, saiu da cozinha e atravessou correndo o salão, ante o olhar atônito de
Christine. Enquanto subia as escadas, ouviu-a perguntar:
—O que você disse papai?
Custou-lhe um grande esforço acalmar-se, mas o obteve e voltou a descer para procurar Christine,
com as emoções sob controle. Apareceu no salão e anunciou:
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—O trem das compras está a ponto de sair. Viajantes subam no trem.

Dax se vestiu antes de descer para comprovar que tudo estava pronto. Odiava admitir, mas se sentia
muito nervoso. Seus convidados daquela noite representavam à possibilidade de salvar ou de afundar as
indústrias Piersall.
Tinha cortado custos, pressionado os clientes que lhes deviam dinheiro, renegociado as dívidas
pendentes, mas a menos que conseguisse assinar um grande contrato e conseguisse o respaldo financeiro de
um banco, não poderia tirar a companhia do buraco.
Certamente poderia vender sua outra empresa por um bom preço no dia seguinte. Sabia muito bem
porque, inclusive tinha ofertas. Mas não queria salvar a empresa familiar com seu próprio dinheiro.
Precisava compreender primeiro o que tinha ocorrido e obter o êxito com seus meios atuais.
Não gostava do fracasso. O fracasso sentimental de sua vida tinha lhe deixado um sabor amargo,
inesquecível. Não terminava de entender as reações furiosas de Jillian. Sendo ele o enganado e traído, por
que conseguiu com que ele parecesse o vilão da história?
Ou possivelmente era?
Pela primeira vez desde sua ida, uma fenda tinha aparecido no sólido muro de certeza em sua
memória. Seria possível que tivesse interpretado mal a cena daquela maldita noite? Cada vez lhe custava
mais combinar a imagem da mulher terna e brutalmente sincera que encontrou em sua volta com a mentirosa
que acreditava ter deixado anos atrás.
Olhou o relógio. Sete em ponto. Começou a passear, olhando as mesas nas que tudo estava
disposto. Graças a Jillian.
Voltou a olhar o relógio, sabendo que só tinha passado dois minutos. Seus convidados estavam a
ponto de chegar. Onde tinha se metido sua mulher? Foi até o pé das escadas e olhou. Nada. Christine
apareceu no alto das escadas.
—Oi, papai.
A menina usava um vestido novo, de veludo verde com uma saia ampla e o cabelo solto, mas
ordenado em suaves cachos. Parecia tão... amadurecida.
Não podia ser sua menina. Em que momento tinha desaparecido suas perninhas redondas? Em uma
fração de segundo, compreendeu o pouco que faltava para que sua filha se transformasse em outra coisa, e se
sentiu ainda mais angustiado.
—Você gosta de meu vestido? — perguntou Christine, saltando sobre os degraus e de repente ali
estava sua pequena.
—Está muito bonita, filha — disse de coração, beijando-a — Logo terei que te trancar em seu
quarto para que os meninos não venham.
—Papai! —a menina riu ante a tolice, mas estava feliz — Espere para ver o que Jillian comprou.
Um movimento captou sua atenção e elevou os olhos. Jillian não esperou sua opinião, parou no alto
da escada, e começou a descer os degraus, uma esbelta figura movendo-se com graça apesar dos saltos. O
coração de Dax se acelerou e desta vez não foi pela ansiedade. Surpreendeu-lhe pensar que Jillian era
totalmente consciente de seu aspecto e do efeito que causava em sua pressão sanguínea.

64
O vestido de Jillian era azul, como suas sandálias minúsculas. Envolvia suas curvas com suavidade
e intenção, e dava vontade de tocá-la, saboreá-la. Usava uma gargantilha de pérolas sobre o decote
pronunciado e redondo, tentador como as coxas entrevistas sob a fenda, convidando a pousar os lábios sobre
a pele dourada e sutilmente exposta.
Quando completou sua descida, Jillian lhe estendeu a mão e Dax não afastou a vista de seus olhos
azuis enquanto posava um beijo na sua testa.
—A anfitriã não deve deslumbrar aos convidados — murmurou ao esticar-se. Observou que ela
usava mais maquiagem do que normal, e embora gostasse de Jillian com a cara lavada, teve de reconhecer
que o tinha feito com gosto e o efeito era fabuloso: seus olhos pareciam ainda maiores, sua boca mais
sensual, sua pele mais resplandecente. E quanto a seu perfume, o instinto de qualquer homem era o de
aproximar-se mais e inundar-se nela.
Jillian elevou a retocada sobrancelha.
—Tudo o que me pediu está preparado — disse friamente e Dax recordou que estava zangada com
ele, e como.
—Sinto muito por hoje de manhã — desculpou-se sem soltar sua mão.
Jillian lhe dedicou um longo olhar.
—Aceito suas desculpas. Esqueçamos o que aconteceu.
—Será bom para você esquecer — disse Dax, provocador, sempre a olhando. Mas nesse momento
soou a campainha e ambos se separaram para sair a receber aos convidados.
Enquanto se dirigiam à porta, Jillian teve tempo de replicar:
—É a única forma de suportar.
Muito mais tarde, enquanto tomavam café e conhaque, Dax observou Jillian sentada ao fundo de
uma mesa com Christine a seu lado. Podia admitir que também houvesse se sentido inseguro com respeito a
sua atitude. Jillian podia ter arruinado a noite, e suas possibilidades de salvar a empresa, mas tinha sido
perfeita.
Tão perfeita, de fato, que seus companheiros de mesa já tinham aceitado avalizar um empréstimo
que tiraria a Indústrias Piersall dos apuros. Jillian tinha adulado o ego daqueles homens de negócios e tinha
escutado, com ar fascinado, um montão de aborrecidas histórias sobre suas vidas.
Mas o melhor era que o tinha feito sem perder a simpatia de suas esposas. Tinha falado com elas,
perguntado sobre filhos e netos, apresentado sua loja de brinquedos de maneira que todas as mulheres lhe
tinham prometido uma visita e participado com entusiasmo em uma larga discussão sobre ginecologistas.
Tinha seduzido os maridos, mas de uma maneira que obtinha que as esposas não se sentissem ofendidas nem
ameaçadas.
Aquele era seu encanto: se fazia de vampiresca, mas rindo de si mesma, e sua mensagem era que
ninguém devia lavá-la a sério. E não deixava de fazer o papel de orgulhosa mãe à perfeição, embora bem
visto, possivelmente não se tratasse de um papel.
Era evidente que tinha carinho por Christine. Manifestava-se na maneira em que a tinha arrumado
para o jantar, nos mil gestos de carinho, na forma em que a incluía nas conversas e lhe dedicava sorrisos e
piscadas para que estivesse à vontade.

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Muitos o tinham felicitado por sua mulher e sua filha e inclusive a esposa de um investidor tinha
comentado que a menina ia ser tão formosa como a mãe quando crescesse.
Um engano compreensível. Eram muito parecidas, realmente.
Na realidade, pensou, Christine teria que ter sido a filha de Jillian e sua verdadeira mãe não tinha
sido mais que uma substituta. E aquela era uma noite perfeita para obter muitas respostas sobre o período
mais triste de suas vidas.
Por fim, Jillian voltou-se quando Dax fechou a porta para os últimos convidados. Enquanto este
dava gorjetas aos garçons, foi à cozinha para comprovar que os restos estavam bem guardados na geladeira,
fazendo cálculos sobre a parte da fatura que Dax podia incluir como gasto de empresa.
Muito cansada, chegou às escadas e começou a subir. Estava desejando tirar aquelas horríveis
sandálias, que Christine tinha escolhido em um ataque de entusiasmo consumista.
A menina se deitou duas horas antes, quando Jillian tinha observado que lhe custava manter os
olhos abertos. Deus quisera se ela tivesse podido fazer o mesmo.
Entrou em seu quarto e tirou as sandálias com alívio. Depois se despiu e deixou cair o caro vestido
ao chão. Seguiram-lhe as meias transparentes e aquele incômodo sutiã que fazia milagres com os peitos
femininos.
Tudo foi parar ao chão e Jillian se esquivou mentalmente dos objetos e das coisas que as mulheres
fazem para agradar os homens. Ridículo, disse, entrando no banheiro.
Ali deixou a água quente correr sobre a pasta de dentes e escovou os dentes e tirou a maquiagem
enquanto enchia a banheira. Ia entrar na água, quando um movimento captou sua atenção e a paralisou.
Dax estava na porta e a olhava, sorrindo, mas o sorriso morreu ao encontrar seus olhos.
Jillian tentou cobrir seu corpo nu, a ponto de entrar na água, como uma virgem vitoriana.
O olhar de Dax desceu por seu corpo, devorando-o, enquanto uma cor vermelha ruborizava suas
maçãs do rosto e seu peito respirava fatigosamente.
—Vêm aqui — disse em um sussurro gutural. Jillian podia escolher. Sabia o que ele desejava dela.
Não havia amor em seu coração e aquilo seria meramente sexual.
Se avançasse para Dax pelo chão de ladrilhos, entregaria-se completamente a ele, sabendo o que ele
pensava. E de novo lhe daria seu amor não correspondido, mais imenso e é obvio oculto. Nunca tinha
deixado de amá-lo. Nunca. O reconhecimento a fez mover-se, avançar pelo banheiro, passo a passo, até
colocar-se ante ele. Estar nua ante um Dax completamente vestido era uma sensação tão erótica como
dolorosamente simbólica.
—Jillian —disse ele, sem fôlego — Desejo tanto você.
Lentamente, Jillian elevou os braços para ele e murmurou:
—Pois pode me ter.
Em um instante foi rodeada, abrangida por seus braços, invadida por suas carícias e seus beijos.
Acariciou seu cabelo e devolveu seus beijos selvagens e a paixão prometida e longamente postergada.
Dax beijou sua garganta exposta, seu pescoço, e desceu beijando-a até o peito e Jillian se retorceu e
gemeu ao sentir que tomava um mamilo com tanta força que seus joelhos tremeram e teve que deixar o peso
de seu magro corpo repousasse nos braços de Dax. O assalto dos sentidos foi tão feroz que Jillian teve que
gritar e imediatamente e os beijos de Dax se fizeram mais suaves. Murmurou:
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—Não quero te machucar.
—Não está me machucando. É que...
—Eu sei — sua voz era incrivelmente tenra, e as lágrimas encheram seus olhos. Aquele era o
homem que tinha amado uma vez. O homem que seu coração recordava.
Estava em todas as partes, chupando, acariciando, lambendo, com as mãos agarrando suas costas e
sua cintura com segurança e destreza. Jillian se arqueava sob suas mãos, pedindo mais, e as mãos de Dax
foram ficando mais ousadas, deslizando-se entre suas coxas para acariciar o centro de seu desejo. Os dedos
de Dax lhe pareceram violentos no princípio, raspando-a quase, mas em seguida foram suavizados pela
umidade que banhava suas coxas.
Dax gemeu ao explorá-la, e sentir a doçura molhada que parecia esperá-lo. Jillian apertou as coxas
sobre seus dedos e seus tenros protestos pontuaram um espiral de prazer. Dax pegou-a de repente pela
cintura e a apoiou contra a pia do banheiro, ficando entre suas pernas enquanto a beijava de uma forma que
expressava algo mais que o mero prazer dos sentidos.
Desejando a intimidade completa com Dax, Jillian deslizou a mão entre seus corpos para alcançar
sua excitação, fazendo-o gemer entre beijos enquanto sua palma o acariciava.
Sua respiração ressonava rápida e rouca, no silêncio do banheiro e Jillian pôde perceber a urgência
de sua paixão. Sem deixar de beijá-la, afastou sua mão e abaixou as calças e de repente, para sua surpresa,
Jillian o sentiu contra ela, quente, duro, pressionando-a.
Dax se afastou um instante, para situar-se e murmurando “preciso de você”, erguer-lhe os quadris e
entrou nela.
Jillian estava tão molhada que o homem penetrou até o fundo na primeira estocada. Jillian gritou e
se abraçou a ele, e Dax, sem lhe dar tempo para relaxar, a tomou em uma selvagem viagem de prazer que
esticou seu corpo até convertê-lo em um navio deliciosamente perdido em uma tormenta. Jillian gritou de
novo e Dax bebeu seus gemidos beijando-a, e logo se afastou para acelerar seu ritmo. Jillian pôs os lábios
contra o pescoço de Dax, e se deixou balançar pelas sensações que a agitavam e a levavam, cada vez mais
acima, em uma ascensão sem limites até que o prazer à fez precipitar-se em convulsões. Dax murmurou
algo, soltou um gemido de satisfação e continuou junto a ela, deixando-se ir com um grito de prazer.
Continuou dentro dela e ambos respiraram arfantes como depois de uma corrida, olhando um ao
outro e assombrados, tremendo. Sob sua pele sensível, Jillian sentiu que lhe tremiam as coxas e começou a
retirar-se, mas Dax a estreitou com força contra seu peito.
—Fique aqui — disse, e tomando-a pela cintura a levou até a cama. Ali girou e se deixou cair sobre
as costas, com Jillian sobre ele.
Esta beijou o pescoço aberto da camisa que não foi tirada e disse:
—Que gesto tão competente.
—Um — parecia tão satisfeito como um leão depois de jantar — Esse sou eu, competente para
tudo.
Sentindo que suas forças voltavam, Jillian se sentou sobre ele e começou a lhe desabotoar a camisa.
—Isto, fora — disse.
Dax se fixou na camisa e na mulher sentada sobre seu ventre, e sorriu.

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—Certamente — reconheceu e se separou dela, ficando de pé em um movimento ágil para terminar
de se despir, revelando-se à atenta observação de Jillian seu formoso corpo, o peito coberto de pêlos escuro
que se estreitava ao chegar a baixo, onde sua virilidade mostrava todo seu desejo.
Imediatamente foi para junto de Jillian, deitou na cama e apagou as luzes. Jillian suspirou por seu
prazer tanto tempo negado, quando seus corpos nus se encontraram pela primeira vez em sete longos anos e
Dax ficou sobre ela, procurando de novo seu lugar entre suas coxas.
Jillian o guiou até ela enquanto ele se inclinava a beijá-la, com doçura desta vez e uma ternura que
a fez tremer dos pés a cabeça. De repente Dax a olhou e disse:
—Por que é sempre tão perfeito contigo? Nunca deixei de pensar em você, até estando com outras.
Jillian afastou o rosto, repelindo a dor que a imagem lhe causava. Ela tinha tido dois amantes
durante todo o tempo de sua separação, e não tinha por que sentir-se tão ferida, mas assim era...
Dax a obrigou a olhá-lo e acariciando-a, disse:
—Nunca houve outra em minha vida. Só você. Tentei te esquecer, mas sempre sonhei que
voltaríamos a estar juntos.
As palavras eram como um bálsamo contra a dor e Jillian lhe acariciou o rosto antes de dizer,
movendo-se já sob seu corpo:
—Eu sei. Para mim foi igual.
Dormiu entre seus braços quando começava a amanhecer.
Que maravilha era tê-la entre seus braços. Arrependia-se de ter falado tão inoportunamente de
outras mulheres. A doce satisfação de seu olhar tinha dado lugar a uma dor que lhe tinha partido o coração.
Entendia-a muito bem, pois ele sentia o mesmo.
Por acaso havia dito aquilo para castigá-la? Não o tinha feito deliberadamente. Mas já não confiava
em si mesmo. Tinha tanta amargura durante tanto tempo, que possivelmente suas palavras supurassem
veneno.
Moveu a cabeça para beijá-la na bochecha. A carícia a fez esticar-se entre seus braços, e Dax girou
para abraçá-la mais estreitamente. Estava agarrada a seu tórax, com a cabeça repousando em seu ombro e a
perna cruzada sobre suas coxas. Assombrou-se ao comprovar que o contato o estava excitando de novo.
Nenhuma mulher o fazia reagir daquela forma. Tinha esquecido a insaciável paixão que sentia por
Jillian, a constante necessidade de inundar-se nela, de senti-la sua. O sexo com ela era outra coisa.
O que era?
Química, decidiu. Só química. Por algum motivo, ela punha em funcionamento todos os
mecanismos do prazer e sempre seria assim. E devia aceitá-lo: não queria passar o resto de sua vida sem sua
cálida e excitante presença junto a ele.
Ia ser assim daqui para frente.
Mas de repente, a imagem que tanto odiava, a que lhe tinha assaltado tantas vezes, a visão de Jillian
com seu irmão, ocupou completamente sua mente. Era sempre assim: aquela dor lhe dava vontade de
despertá-la e lhe gritar como ela tinha podido fazer aquilo com ele.
Quer que ela vá embora e não vê-la mais? Perguntou-se. Não terá sua alma, mas pode ter seu corpo.
Isso é o que quer.

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Era isso certo? Reprimiu a lembrança do tenro abraço da cozinha, um abraço que tinha falado de
emoções pouco sexuais.
Jillian se esticou de novo, afastou o cabelo revolto do rosto e elevou um pouco o olhar. Seus olhos
azuis eram os de um gato que se incomodou durante a sesta, mas moveu a mão para acariciar seu rosto.
—Não está com sono?
—Não —colocou-a sobre seu corpo e Jillian sorriu ao sentir sobre seu ventre a pressão de sua
virilidade — Acredito que necessito de algo mais.
—Nunca conheci um homem que necessite tanta ajuda para dormir — a voz de Jillian era sensual,
cochilada e feliz.
—Nunca me disse por que se deitou com o Charles.
Suas palavras saíram de sua boca por si só e o deixaram surpreso. O efeito sobre Jillian foi pior: seu
corpo ficou completamente rígido e se separou tão rápido dele que quase caiu da cama. Foi ao armário e
colocou uma bata com gestos violentos e se voltou para ele, olhando-o com olhos de gata furiosa.
—Pretendia me abrandar com isto para que te confessasse meus pecados? — gritou com raiva.
Dax, ignorando sua nudez, ergueu-se e falou devagar, sem mostrar suas emoções.
—Claro que não. Mas penso que mereço uma resposta. Sempre me perguntei por que aceitou se
casar comigo se queria a ele.
Lentamente, Jillian cruzou os braços sobre seu peito.
—Nunca te interessou escutar minha versão, Dax. Por que ia te importar agora?
—Sabe por que — sua voz se fez baixa e sedutora.
—Pelo sexo? —o tom de Jillian era neutro, vazio — Não acredito que mude nada.
Havia algo angustiante em suas palavras. Dax falou de novo:
— Para mim muda muito.
Não tinha pretendido abrir a caixa dos trovões, a não ser conformar-se com o que tinha. Mas algo
nele necessitava desesperadamente terminar com o passado.
Jillian elevou as sobrancelhas, mordeu o lábio e seus olhos se encheram de uma tristeza infinita,
embora seu rosto fosse uma máscara de indiferença.
—Houve um tempo em que lhe teria dito tudo isso, contado tudo. Um tempo em que esperei e
esperei e esperei que voltasse para lhe contar isso tudo. Mas não voltou Dax.
Dax pôde ver a dor devastadora que ainda transparecia sua fria e dura máscara.
—Nunca voltou — repetiu.
—Não podia —ofereceu a única desculpa que tinha — Estava tão furioso que pensava que mataria
os dois se voltasse. Demorei anos para me acalmar. Ainda continuo furioso.
Mas Jillian não o escutava.
—Isso não me convence. Nos dois sabemos que seu amor imortal por mim desapareceu em nosso
primeiro conflito. Não confiou em mim o suficiente para me escutar. E não voltou porque estava muito

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ocupado seduzindo outras mulheres e tendo um filho — sua voz se elevou e se deteve de repente, mordendo
o lábio.
A verdade tinha surgido como uma maré inevitável, varrendo todas as desculpas, todos os pretextos
aos que se segurou durante tantos anos. Dax soube que não podia suportar que pensasse isso dele.
—Não voltei — disse com lentidão — porque tinha quebrado o meu coração. Custou-me muito unir
os pedaços e ainda não funciona muito bem — ficou de pé e foi até Jullian tomá-la pela mão – Não podemos
mudar o passado, mas podemos esquecê-lo.
—Não podemos fazer isso, Dax. Temos que enfrentar-lo.
—Não, não devemos — tomou seu queixo com doçura, feliz por não ter sido repelido —
Comecemos de novo. Façamos como se tivéssemos nos conhecido ontem.
Jillian ficou em silêncio, com os olhos baixos, de maneira que Dax não pôde ler nada neles. De
repente se estremeceu dos pés a cabeça, como se estivesse expulsando o passado. Quando o olhou de novo
havia tristeza em seus olhos, mas também uma leve faísca de ironia.
Pôs a mão sobre seu peito e suspirou antes de dizer:
— Para serem duas pessoas que acabam de se encontrar, nos conhecemos terrivelmente bem.

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Capítulo Oito

A quinta-feira seguinte era o aniversário de Christine. Jillian tinha preparado um lanche para depois
do colégio e após colocar um enorme bolo sobre a mesa, olhou seu relógio.
—São quatro horas, Dax. Devem estar a ponto de chegar. Sobe pra o meu quarto e desce com
presentes, tudo bem?
Dax observou enquanto descia obedientemente da escada em que estava subido. Tinham
transformado o salão em um salão de festas cheio de balões coloridos, fitas e confetes.
Quando Dax saiu da sala, olhou suas costas com melancólica satisfação. Há cinco noites dormia
com ele e se estivesse procurando tão somente satisfação física, seria uma mulher delirantemente feliz.
Dax era um amante fabuloso, conhecedor de suas sensações e desejos como ninguém. Durante seus
anos de separação tinha adquirido mais controle sem perder a paixão e o resultado era que ambos
começavam a ter profundas olheiras fruto das noites sem sono.
Mas por mais incrível que fossem suas relações sexuais, continuava um vazio em seu coração que
se negava a desaparecer.
Tinham falado de centenas de coisas nos últimos dias, das férias de Christine, até uma renovação
completa da cozinha ou a forma de economizar gastos na empresa. Inclusive Dax lhe tinha pedido que
estivesse presente nas entrevistas que ia manter para contratar um novo contador que ajudasse o antigo com
as novas exigências.
Mas a única coisa do que não tinham falado era do que realmente lhe importava. E visto que aquela
zona seguia em silêncio, Jillian não se atrevia a pensar no futuro. Só podia esperar o dia a dia e não perder
de vista a precariedade de sua situação.
Dax não permitia que falassem do passado, pelo que tinha acontecido na noite em que ele a
abandonou. E apesar da ternura que Dax mostrava por ela, Jillian sabia que sua relação não tinha futuro sem
exorcizar o passado.
Pois ele continuava sem acreditar nela. Havia lhe dito que estava disposto a esquecer e a perdoar, e
Jillian havia sentido o impulso de partir para sempre. Mas seu amor por ele a tinha impedido.
Tinha vivido sem ele muito tempo e simplesmente não queria fazer isso de novo. Mas desta vez não
ia esperar nada. Aquela era sua desoladora defesa. Até sabendo que não a queria que ele não confiava nela,

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escolhia ficar. O importante era não esperar nada, repetia ela, não esperar que a amasse e que a
compreendesse. E acumular lembranças que lhe permitissem viver, quando se separassem de novo.
Ouviu-o descer as escadas e foi ajudá-lo.
—Me parece que você exagerou um pouco com os presentes —disse Dax olhando a pilha de
pacotes.
—Disse que fizesse o que achasse melhor — sorriu Jillian —, e sempre é perigoso me encarregar
desse tipo de missões. Tomo muito a sério as compras.
Dax riu e pegou-a pela mão, dizendo:
—Algumas coisas não mudam.
Jillian lhe permitiu que a abraçasse e a estreitasse contra ele, fechando os olhos ante as sensações
que invariavelmente seu contato provocava.
—Obrigado por organizar tudo isto — disse sobre sua cabeça — Eu não sabia por onde começar.
—Eu sei — confirmou Jillian beijando-o no pescoço e no queixo.
—O que está fazendo? —perguntou de brincadeira Dax.
—Jogando um pouco — tocá-lo a qualquer momento, quando lhe dava vontade, era um prazer que
não havia se cansado.
—Era o que eu temia — riu Dax.
—Você começou — recordou Jillian e nesse momento soou a campainha e ela se afastou, alisando
sua saia e ajeitando o cabelo enquanto ia abrir — Preparado para a festa?
—Como explicar que minha idéia de uma festa não é exatamente o que vai acontecer esta tarde? —
foi à retórica resposta de Dax.

Na sexta-feira, Jillian voltou cedo da loja e para sua surpresa, viu o carro de Dax estacionado frente
à porta.
Foi à cozinha e quando entrava, soou o telefone.
—Sim?
—Jillian?
—Sim.
—Oi, é Roger Wingerd.
—Oi, Roger — sua voz se fez mais cálida, pois Roger lhe era querido. Tinha sido leal a Charles e
Jillian se alegrou de saber que sua posição na empresa não corria risco.
—Jillian... você gostaria de tomar algo ou jantar comigo amanhã?
—Amanhã? Amanhã é sábado e desde que sou uma mulher casada, não me parece que...
—É um assunto de negócios — disse Roger – Apesar de não ter gostado nada de saber que se casou
com Dax, por puro egoísmo — e acrescentou rapidamente — Parabéns.
—Obrigado — a conversa a divertia. Imaginava o que o tranquilo Roger podia pensar das
mudanças que Dax fazia na companhia.
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—Mas preciso falar contigo. Já que é acionista.
—Está bem, este fim de semana é impossível, mas a semana que vem quando quiser. Dax tem mais
ações que eu. Tudo bem para você?
—Não, não está bem. Falarei com ele no escritório — e acrescentou suspirando com dramaticidade
— Me dê ao menos uma última hora a sós com a garota de meus sonhos.
Jillian pôs-se a rir.
—Certo, pode deixar — combinaram uma bebida, depois de desligar Jillian foi procurar a seu
marido.
Estava em seu estúdio e elevou a vista com ar de surpresa ao vê-la na porta.
—Que coincidência. É justamente a pessoa que queria ver.
—O que faz tão cedo em casa?
Dax assinalou os papéis que cobriam sua mesa.
—Trouxe informações para trabalhar em casa. Na realidade não queria que ninguém mais visse o
que estou vendo.
Jillian avançou até ele ficando a suas costas, reclinando-se sobre os papéis.
—Do que se trata?
—Isto é uma lista das vendas e compras de ações das últimas semanas. Tinha uma suspeita e isto a
confirma — afastou a cadeira e sentou Jillian sobre seus joelhos, lhe mostrando o papel — Verá, nas últimas
semanas, estava-se produzindo muitos movimentos de ações e eu pensei que era uma reação lógica à morte
de Charles e a minha presença.
Jillian se esticou ante a menção de Charles, mas Dax não se alterou. Perguntou em um instante:
—O que te faz pensar que é outra coisa?
—Aqui tenho o nome da empresa que adquiriu nove por cento das ações na semana passada.
Leu a linha impressa:
—Shallot.
—Isso, e agora olhe este — tirou outro papel e o estendeu — Este movimento foi no final de
setembro.
—Shalott; compraram sete por cento —Jillian elevou os olhos, assombrada — Não o entendo.
Nomes similares?
—Eu tampouco entendia nada, até que vi isto —estendeu—lhe uma terceira folha — É o registro de
transações desta semana.

Shalot, S.L. O nome saltou ante seus olhos, como uma brincadeira ou uma provocação. Cinco por
cento.
—Crê que uma única empresa está por trás destes nomes? —perguntou Jillian.
—Não tinha me dado conta até agora, porque cada nome tem um status empresarial diferente —
disse Dax em tom aborrecido.

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—E quem quer que seja, possui vinte e um por cento das ações.
—Pelo menos — recordou-lhe Dax — Poderia muito bem utilizar outros nomes.
Jillian tamborilou com as unhas sobre a mesa.
—Mas não vejo o problema. Nossa família segue tendo a maioria.
—Eu sei — encolheu os ombros, mas seu rosto seguia mostrando preocupação — Mas isto está se
realizando de uma forma pouco transparente. Alguém não queria que eu desse conta do que acontece.
—Será porque você arrumou para apavorar a todos que tiveram algo a ver com a gestão da empresa
nos últimos anos — brincou Jillian.
—Não teria entrado de forma tão brusca se ao chegar tivesse encontrado à empresa em boa posição
— defendeu-se Dax — E falando de boas posições...
Jillian o olhou e a expressão de seu rosto a fez ser consciente bruscamente do calor que irradiava de
suas coxas. Sentiu que seu corpo se derretia. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e se entregou ao abraço,
vendo como Dax entrecerrava os olhos pelo efeito. Sem uma palavra, Dax ficou de pé, pegou-a nos braços e
a levou até o quarto que agora compartilhavam. Era cedo e Christine não havia voltado do colégio.
Deteve-se na metade do quarto e Dax deixou que o corpo de Jillian se deslizasse até tocar o chão.
Depois começou a beijá-la, fazendo-a sentir a força de seu aquecimento.
Dax a acariciou murmurando:
—Isto me parece um sonho. Imaginei tantas vezes esta cena.
Jillian pôs a palma aberta sobre sua boca.
—Pois sou real — sussurrou e sossegou as centenas de sentimentos que se amontoavam e lutavam
em seu coração. Meigamente, substituiu a mão pelos lábios e o beijou devagar, sentindo como as mãos de
Dax foram se apoderando de sua pele.
Dax deixou a iniciativa para ela até que não pôde suportar mais suas carícias leves, e a beijou com
força, apertando-a e começando a despi-la.
Jillian tirou sua gravata e lhe abriu a camisa, saboreando a visão de seu peito, pondo os lábios sobre
os pêlos suaves, acariciando seu tórax que se retraíam ante suas mãos hábeis, colocando as palmas sobre seu
ventre plano e sensível. Enquanto abria o botão de suas calças, murmurou:
—Desejava que tivesse se tornado gordo e feio.
Dax riu e seus músculos se agitaram involuntariamente sob seus toques.
—Eu queria que estivesse gorda, também — disse lhe tirando a blusa — Mas estava tão formosa
quando te vi no funeral como se tivesse acesso privado à fonte da eterna juventude. Fiquei furioso.
—Não me dei conta — sorriu Jillian.
Dax continuou falando:
—Não parei de olhar suas pernas. Custou muito para não me inclinar e às tocar.
Jillian fez uma careta.
—Agradeça a todos esses horríveis tipos de aeróbica.
—Faço isso, querida, não duvide.

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Jillian riu, mas quando Dax tirou seu sutiã e o deslizou por seus ombros, tomando seus seios entre
as mãos, o sorriso morreu em seus lábios. Acariciou-lhe os mamilos, com as palmas calosas abertas sobre
sua pele, até que Jillian pegou seus pulsos em sinal de protesto.
—Espera — disse.
Baixou-lhe as calças e ante o olhar ardente de Dax e sua respiração contida, deslizou as mãos pela
cintura de sua cueca e as baixou, colocando as mãos firmemente sobre suas nádegas.
Dax deu um passo fora de suas calças e a ajudou a se despir de tudo, antes de tomar suas mãos e
separá-la de seu corpo.
—Quero te ver — disse com voz rouca – Quero te tocar e quero estar dentro de você.
Jillian estremeceu, excitada até a loucura pela franqueza das palavras e a evidência de seu desejo
nu.
Ajoelhou-se diante dela. Tomou suas coxas entre as mãos e as acariciou, olhando-a, descendo pelas
pernas até os tornozelos e de novo para cima.
—Devo estar obcecado por suas pernas — disse, com a voz tensa pelo autocontrole — Porque,
preciosa, não deixam de me excitar.
Depois de dizer isso, a fez levantar uma perna e a colocou sobre seu ombro, um gesto que a deixou
aberta, vulnerável e ruborizada. Mas quando ia protestar Dax a fez esquecer todo acanhamento, abrindo
delicadamente a carne oculta para suas carícias. Ofegou ao sentir os dedos de Dax descendo por seu ventre,
detendo-se nos pêlos loiros, acariciando a delicada pele de suas coxas. Inclinou-se para beijá-la e Jillian
tremeu ante a sensação íntima do fôlego de Dax contra sua carne.
Então, Dax liberou sua perna e a fez ajoelhar-se ante ele, abraçando-a, pressionando sua ereção
contra seu ventre. Pegou-a pela cintura e a beijou ardentemente, obrigando-a a procurar o equilíbrio
agarrando-se a seus ombros.
—Por favor — murmurou Jillian quando a deixou respirar.
—Por favor, o que? —sua voz era profunda e rouca. Deitou-a sobre o chão e ficou sobre ela em um
só movimento fluido que a fez gritar — Por favor, isto? — separou suas pernas e a acariciou, fazendo-a
gemer sem coerência — Ou, por favor, isto? — e lentamente, com firmeza, entrou nela.
—Ah, que bom — gemeu quando estava dentro — Você gosta disto?
Mas Jillian estava muito excitada para uma resposta coerente e se limitou a ofegar, enquanto Dax
empurrava com força e doçura, observando com paixão o gesto quase doloroso do gozo de Jillian. Suas
investidas foram se fazendo mais violentas e Jillian o seguiu elevando-se sobre os calcanhares, movendo-se
freneticamente entre gemidos afogados, até que ambos os corpos se entregaram ao prazer e os movimentos
foram se freando, enquanto ambos procuravam ar.
—Meu Deus — disse Dax quando pôde falar — Como pude viver sem você?
—Eu não vivi — Jillian sentia que o coração ia tranqüilizando-se, mas rodeou a cintura de Dax com
as pernas para impedir que se movesse — Limitei-me a sobreviver.
Dax gemeu ao senti-la de novo rodeando-o e disse:
—Agora começamos a viver.
Algum tempo depois, Dax se esticou e a tirou de um estado doce de sono.

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—Eu queria ser terno — disse contra seu ouvido.
Saíram do tapete, muito a gosto para passar à cama.
—Quando quiser ternura, irei lhe dizer isso — brincou Jillian — Mas se não gostou do anterior,
suponho que posso permitir que tente de novo.
Dax riu.
—OH, claro que eu gostei, não entenda errado. Mas quero que seja feliz.
As palavras a fizeram ficar incômoda. Tinha aceitado aquela relação sem futuro e não desejava
nada dele, nem sequer carinho, ou sofreria muito ao perdê-lo. Para mudar de tema, Jillian se elevou sobre o
cotovelo e olhou o relógio.
—Acaba de terminar o colégio de sua filha. Temos quinze minutos para parecer apresentáveis antes
que ela chegue.
—Quinze minutos? —Dax se moveu para ficar sobre ela de novo.
—Bem dez minutos. E, além disso, não comi e estou morrendo de fome — seu estômago respondeu
com um gemido que os fez rir.
Dax ficou em pé agilmente e lhe estendeu a mão.
—Está claro que não é dessas pessoas que podem viver só de amor.
—Claro que não — sentia-se cada vez mais incomodada, ante a inoportuna aparição da palavra
“amor” entre eles, embora soubesse que não era mais que um lugar comum.
Recolheu sua roupa dispersa e comentou:
—Vou tomar banho. Passei o dia fazendo inventário e estou cansada. Desço em dez minutos.
Depois da ducha foi para a cozinha. A senhora Bowley saia nas sextas-feiras, e estava colocando a
jaqueta quando Jillian entrou.
—Está fazendo uma omelete —disse a cozinheira piscando um olho para Jillian — Não deixe que
estrague minha cozinha.
—Eu não estrago cozinhas —disse Dax — Como tenho que limpá-la, estou acostumado a tomar
cuidado.
Houve um silêncio e logo a senhora Bowley disse:
—Sua mãe adoraria ouvir isso. Ela pensava que Jillian saberia colocar freios em você quando se
casassem, e suponho que finalmente aconteceu — foi para a porta e ao chegar se voltou com um sorriso –
Vejo vocês na segunda-feira. OH, quase me esqueci — assinalou um papel junto ao telefone — Ligou um
senhor chamado Sullivan que diz que se quer ir a uma partida com ele. Telefone — dirigia-se a Jillian.
—Obrigado — quando a mulher saiu, Jillian tomou a agenda — vou ligar antes que esqueça.
—Não vai a lugar nenhum com ele.
—Como disse? —olhou para Dax, surpreendida pela dureza de seu tom.
—Digo que não vai...
—Ouvi — sabia que sua própria voz mostrava a dor e a raiva — Quero saber por que disse isso.

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—É minha mulher —deixou o garfo com deliberada calma — Não sou dessa classe de maridos
tolerantes com as pequenas aventuras sentimentais de suas mulheres.
—Aventuras sentimentais? —Jillian cuspiu as palavras — Para sua informação, espécie de animal,
o convite do Ronan deve ser para os dois, com sua esposa. Sem dúvida um gesto de amizade instigado pela
Deirdre.
Houve um silêncio após suas palavras e o ar vibrou de tensão.
Por fim, Dax expulsou o ar.
—Suponho que devo me desculpar — disse com um tom inseguro que não era habitual nele.
—Pois bem — continuava zangada — Nunca saí com o Ronan. Sou amiga de Deirdre desde que
nos conhecemos em um curso faz seis anos e ela estava casada com seu primeiro marido. Depois de
conhecer Ronan se casaram em dois meses — voltou-se com raiva — Mas, por que te dou explicações?
—Sinto muito — as palavras mostravam um sincero pesar.
Surpreendida apesar de sua irritação, Jillian deu a volta e o rosto contrito, envergonhado, do Dax,
surpreendeu-a ainda mais. Perguntou com mais calma:
—Está com ciúmes?
Dax deixou os pratos na mesa e foi até ela, suspirando de alívio quando Jillian não repeliu seu
abraço.
—Odeio pensar nos outros homens de sua vida.
—Não foram muitos — disse Jillian com doçura — saí com alguns homens, mas não foram
importantes para mim.
—Bem — beijou-a e Jillian respondeu ao desespero de seu beijo, pois tinha os mesmos
sentimentos. Não podia deixar de pensar na mãe de Christine, embora começasse a adorar à pequena. Na
realidade, parecia que o grande projeto de Dax de enterrar o passado estava destinado irremediavelmente ao
fracasso.

O encontro foi muito mais agradável do que Dax tinha esperado. Tinha esperado hostilidade ou ao
menos receio por parte dos amigos de Jillian, mas pelo contrário, mostraram-se encantadores e relaxados.
Assim tinha se informado de que tinham dois filhos e uma filha, que os meninos eram os filhos do
primeiro matrimônio de Deirdre. O rosto moreno de Ronan se iluminava quando falava de seus enteados e
Dax não pôde evitar recordar o sorriso luminoso de Jillian quando tinha lhe mostrado as boas notas de
Christine no colégio.
A certeza de que Jillian tinha aberto seu coração para sua filha o fez sentir-se humilde ante sua
generosidade. Tomou sua mão e a apertou enquanto procuravam um lugar no estádio, e se sentiu
reconfortado por seu imediato sorriso.
Passeavam entre o público numeroso que se entretinha comprando todo tipo de lembranças,
cachecóis, gorros, trompetes, ou fazendo fila nos postos de comida, salsichas, batatas, refrescos, tudo
ordenado nos arredores do novo estádio de beisebol da cidade.
E também se sentia impressionado. Ronan tinha conseguido cadeiras nos melhores lugares, frente à
primeira base. Soltou um assobio de admiração e disse:

77
—Deixe que eu pague as entradas.
Mas Ronan se negou.
—Nem pensar, são as vantagens da fama. Aqui é onde trago os editores para que continuem me
pagando bem — sorriu.
Dax riu também e se concentrou no jogo. Surpreendeu-lhe tudo o que Jillian sabia da equipe local,
mas logo recordou que tinha participado ativamente da equipe do colégio onde Charles jogava.
Deirdre e Jillian saíram no intervalo e Ronan se inclinou para Dax, sorrindo, e depois de uns
comentários sobre o jogo, sentou-se junto a ele.
—Vejo que Jillian segue feliz depois de uns meses de matrimônio. Deve ter sido um bom menino.
Dax elevou uma sobrancelha.
—Talvez seja eu o perigo.
—Isso seria justiça poética — comentou Ronan com gesto ausente olhando o campo.
—Por quê? — a conversa estava se pondo interessante.
Ronan se encolheu de ombros e se voltou para ele, sorridente.
—Digamos que Jill não vacilaria em sair para matar sem pensar que alguém tem feito mal a uma de
suas amigas.
Dax olhou ao Ronan com curiosidade.
—Alguma vez ela tocou em você?
—Em uma ocasião memorável — o escritor fez uma careta — Depois de nos conhecer, Deirdre e
eu tivemos uma má época. Jillian teria me explicado as regras com mais violência se Frannie Ferris não
tivesse estado ali para mediar.
Dax se se pôs a rir.
—Muito próprio de Jillian.
—Mas, por outra parte —continuou Ronan —, uma vez que está a seu lado, é para sempre. E eu
estou na boa lista agora — seu sorriso satisfeito se fez grave ao olhar Dax — Foi uma surpresa que se
casasse assim, de repente.
Dax mordeu o lábio antes de admitir:
—Não foi tão surpreendente. Fomos noivos faz muito tempo. Tivemos uma briga, um grande mal-
entendido, e eu fui embora da cidade. Quando voltei — encolheu os ombros —...Nunca houve ninguém
como ela.
Ronan expressou seu assombro com um assobio.
—Certamente. Agora entendo por que mantinha a todos os homens a distância — sorriu — Embora
nunca entendi como conseguia que continuassem amigos depois de lhes dar o fora. É um argumento
interessante para uma novela.
—Sempre soube como lidar com os homens — disse Dax, que não queria pensar na legião de
admiradores que Jillian tinha tido em sua ausência.
—Salvo você — havia uma pergunta na afirmação do Ronan.

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—Salvo a mim — disse ele, sem querer oferecer mais informação.
—Deirdre esteve preocupada —contou o outro homem com um tom mais frio — Não soubemos
muito de Jillian desde que foi viver contigo.
—Está bem. Pode lhe perguntar.
—Farei isso —Ronan ficou em pé e voltou a seu lugar — esteve muito tempo sozinha. Eu gostaria
que estivesse com alguém que a queira como eu quero a minha mulher.
As mulheres retornaram aos assentos e a conversa terminou. Mas deixou Dax pensativo e
preocupado por suas insinuações.
Ele tinha adorado a Jillian. Mais do que Ronan podia imaginar.
E embora tivesse demorado a reconhecer, já não lhe importava o passado. Charles tinha morrido e
com ele aquela etapa desgraçada de suas vidas.
Queria passar o resto de sua vida com sua esposa, encontrar a felicidade que deveria ter começado
sete anos antes. Queria que as coisas voltassem a ser como eram antes de sua ida, e sentia que Jillian
desejava o mesmo.

Capítulo Nove
Naquela noite permaneceram deitados na cama depois de fazer o amor.

79
Dax abraçava Jillian e acariciava com gestos ausentes o braço enquanto olhava o teto.
—No que está pensando? —perguntou ela.
Dax encolheu os ombros em resposta e girou a cabeça para beijá-la brevemente.
—Pensava que não lembrava ter me sentido tão feliz em toda minha vida — girou-se para ela –
acontece o mesmo com você?
Jillian vacilou.
—Sim — reconheceu com cautela.
Sob seu corpo sentiu a risada rouca de Dax.
—Que entusiasmo.
Mas Jillian não riu. Não podia. E ao sentir seu silêncio grave, Dax se ergueu para olhar seu rosto à
luz do abajur que tinham deixado acesa.
—O que houve?
Jillian tomou ar.
—Pensei que isso me bastaria, mas não é assim.
—O que quer dizer com “isto”?
—Não posso ignorar o passado — Jillian pôs uma mão em sua bochecha — Não deixo de pensar
que não me deixou te explicar o que aconteceu aquela noite.
—OH, por favor — Dax voltou a deitar. — Disse que já não me importa. Não é suficiente?
—Não, para mim não é — falou com calma e decisão. Jillian não podia aceitar que preferia pensar
que o tinha traído. Aquilo fazia sua relação abominável.
Houve um silêncio pesado no quarto, carregado de ameaças.
—Se for tão importante para você, te escutarei — sua voz não tinha entonação.
Jillian tomou ar.
—O que viu, o que crê ter visto essa noite, não foi real. Ouviu que Charles me dizia que me queria,
mas tirou uma frase de contexto. Charles tinha efetivamente uma aventura, mas não comigo.
—Com quem?
—Com a esposa do governador.
—A esposa do governador? —Dax se ergueu a olhá-la — Espera que eu creia nisso?
—Espero que me escute — replicou Jillian sem perder os nervos — O governador os encontrou
juntos. Sua mãe ficou furiosa ao saber dos fatos, pois estava a ponto de convencê-lo de que se oferecesse
uma série de vantagens fiscais às indústrias locais como Piersall, e aquilo podia terminar com toda a
operação.
—Não me estranha, se for verdade.
“Se for verdade”. Não acreditava em nenhuma palavra que saísse de sua boca. Jillian colocou o
lençol sobre o peito, pois não se sentia a vontade nua ante Dax.

80
—Sua mãe tomou o controle da situação e se empenhou em que Charles se casasse com Alma
Bender, uma garota de uma família conhecida. Tinham saído juntos algumas vezes e ao que parecia, ela
estava louca por ele. Infelizmente, o idiota do seu irmão não tinha visto a jóia que era Alma.
—Até que você explicou claro — seu tom era sarcástico, mas Jillian o ignorou.
—Não exatamente. Charles veio contar para mim o dia em que o pegaram em flagrante, para me
contar toda a absurda história. Lembra como estávamos acostumados a falar de nossos amores?
—Lembro —murmurou Dax — que contavam tudo, absolutamente.
—Nem tudo — Jillian falou com humor, tentando aliviar o ambiente — Nunca lhe contei nada
íntimo de nós.
Dax não respondeu.
—O caso é que Charles veio para casa depois de falar com sua mãe. Eu sabia que ia passar para me
ver, e pensei que não lhe importaria falar com você sobre o assunto. Estava deitado em minha cama, como
sempre fazia.
—Com você em cima.
—Eu estava debaixo da manta e ele em cima e só nos abraçávamos, mas isso é uma tolice. Sabe de
sobra que sempre tivemos esse tipo de conversas noturnas, desde meninos. Esperava que eu o consolasse,
mas o que fiz foi lhe dizer que crescesse de uma vez e fosse responsável.
—E então ouvi você lhe dizer que o queria.
—Sim, foi assim. Eu gostava de seu irmão. Não como gostava de você, mas era meu melhor amigo.
Dax não disse nada. Jillian o olhou, mas seu rosto era um muro inexpressivo.
—Contou-me que gostava de Alma como uma amiga, como gostava de mim, e que não podia casar-
se com ela. Juro, Dax, que nunca senti algo que não fosse amizade pelo Charles. Por fim se casou com
Alma, e sei que chegou a apaixonar-se por ela e que a amou profundamente até o dia de sua morte.
Deteve-se. O que mais podia dizer? Dax não se moveu. Olhava a parede, mas Jillian sabia que não
a via. Os segundos se fizeram eternos e começou a sentir que seu coração se rompia uma vez mais pela
velha ferida que recentemente tinha começado a sarar.
Não acreditava. Jillian tinha estado louca ao pensar que bastaria ter lhe contando a verdade, para
que acreditasse. Suspirou, derrotada, e se deitou sobre a cama, esperando que apagasse a luz para sair. E
disposta a não chorar até encontrar-se só em seu quarto.
Sentiu que Dax se deitava também. E de repente sentiu todo seu peso e os braços fortes que a
rodeavam. A dor do abraço foi tão delicioso que Jillian se perguntou se podia morrer por um coração
quebrado.
—Preciosa...
—O que? — estava rígida.
—Sente-se melhor?
—Como? — girou-se entre seus braços para olhá-lo.
—Queria me contar isto durante muito tempo. Agora podemos começar de novo.
—Não acredita em mim.

81
Dax ficou em silêncio. Depois suspirou.
—Não sei. Juro que não sei. Mas não me importa. Faz muito tempo. Só quero que esqueçamos o
passado e gozemos do que temos agora. Quero-te mais do que quis a outra mulher. Isso não basta?
Era o mais próximo a uma declaração de amor que Jillian podia obter. Mas o orgulho era mais forte
que a emoção. Queria que acreditasse, queria reparar o passado e não só esquecê-lo.
Mas se queria ele, teria que aceitar que nunca acreditaria em tudo. Estava disposta a viver assim,
com aquela falha enorme em sua relação?
De repente, Dax tomou seu rosto com as mãos e murmurou:
—Por favor, não me deixe. Preciso de você.
E Jillian se sentiu perdida. Se o repelisse, passaria o resto de sua vida com a solidão dos últimos
anos. E por mais que seu coração tivesse uma fissura, Dax precisava dela. Tinha admitido, tinha lhe pedido
que ficasse com ele.
E o amava muito para abandoná-lo.

O outono começava a ser notado, e havia um sopro frio no ar quando Jillian entrou no bar que
combinou com o Roger na quarta-feira a tarde. Roger a esperava junto ao bar e quando Jillian se sentou em
um banco a seu lado, o homem se levantou para cumprimentá-la com um beijo na bochecha.
—Oi — cumprimentou Jillian — Como está, Roger?
—Não muito bem, para ser sincero.
O bom humor de Jillian deu lugar à preocupação.
—Sinto muito. Qual é o problema?
—Seu marido é o meu problema — respondeu Roger em voz baixa.
—Dax? —Jillian estava atônita. Não entendia o porquê, já que Dax tinha mantido seu posto — O
que quer dizer?
—Você já olhou os relatórios financeiros da empresa? —perguntou Roger — Bom, já sei que não
dizem nada para quem não é perito, mas é bastante claro para os que sabem decifrá-lo.
Era evidente que Roger ignorava até que ponto ela participava das decisões de Dax, mas considerou
que era prudente não desfazer o seu engano.
—O que é o que está claro?
Roger suspirou pesadamente.
—Oh, Jillian, odeio preocupar você com tudo isto. Se não me importasse com Piersall, esqueceria.
Ia estrangulá-lo se não começasse a dizer o que sabia. De maneira que manteve a pose frívola com
muita dificuldade.
—Vamos, Roger, sabe que nada me preocupa por muito tempo. Quer me contar de uma vez?
—Verá — tentou procurar as palavras, e suspirou outra vez —...Como acionista tem direito de
saber. Acredito que seu marido está tentando arruinar a companhia.

82
—Arruinar a companhia! — não teve que dissimular para parecer escandalizada — Como ele ia
fazer tal coisa?
—Quando alguém tem o controle em suas mãos, como acontece com Dax, é muito fácil que tome
decisões que não são boas para todos, não sei se estou me fazendo entender.
—Não está não, explique.
—Seu marido esteve minando sistematicamente todas as boas práticas comerciais que mantivemos
na Piersall durante anos. A empresa não pode seguir perdendo recursos desta maneira e claro, os preços das
ações estão caindo. Acredito que está fazendo um esforço para que a empresa se debilite e baixem os preços
e adquira assim o resto das ações.
Jillian teve que controlar uma onda de ira. Assim Roger era o traidor! Estava acusando Dax do que
tinha estado fazendo desde antes da morte de Charles. A raiva a sacudiu ao pensar que aquele homem tinha
traído o pobre Charles e agora tentava arruinar os esforços de Dax, o futuro de Christine, sua própria vida.
Conseguiu dizer em voz alta:
—Não entendo. Se a companhia ficar mal, as ações não servem de nada, não?
Roger sorriu com indulgência.
—A coisa é assim: se as ações não valerem nada, alguém pode se aproveitar disso. Logo a volta do
aumento nos preços das ações da empresa, posto que seus problemas não sejam reais, e multiplica seu
capital. Pode vender por um preço alto as ações e manter o controle.
—Não esta dizendo que ele está enriquecendo a custa dos outros?
Roger assentiu com ar contrito.
—Temo que seja isso. Mas não se preocupe, não acredito que isto a afete.
—E o que devo fazer? Fingir que não sei de nada?
Sua voz tinha subido e Roger se inclinou para ela e lhe apertou a mão.
—Odeio ser eu quem diz isto a você.
—Mas... há algo que eu possa fazer? Por isso me disse? Há alguma possibilidade de pará-lo? —
que pena não ter gravado essa conversa, pensou Jillian. Mas, quem teria imaginado?
Roger se inclinou de novo para dizer:
—Só há uma maneira, querida. Na reunião seguinte, terá que votar contra ele — fez uma pausa —
Compreendo que isto seja pedir muito, mas...
—Roger, Jillian, posso me unir a vocês? — Gerard Kelvey os cumprimentou cordialmente.
Roger se levantou e mostrou uma grande surpresa, mas seu alívio era tão patente que Jillian soube
logo que seu encontro não era casual. Gerard, o mais antigo dos acionistas, amigo do pai de Dax, tinha
estado trabalhando na sombra para arruiná-lo.
Gerard sentou junto deles e Roger o olhou nos olhos.
—Fico feliz que tenha aparecido precisamente agora. Estava contando a Jillian nossa preocupação
sobre as atividades de Dax.
—E?

83
Inclusive quando menina, Jillian nunca tinha gostado de Kelvey. Era o tipo de adultos que os
meninos detestam por instinto. E agora sabia por que. Era um ser desprezível e covarde, cheio de avareza.
—Estou assombrada — disse — Não posso acreditar nisso.
—Eu senti o mesmo — comentou Gerard com ar de pesar.
—E eu — Roger não pôde resistir à ocasião de unir-se ao coro.
—Não creio, —Jillian dedicou a cada um dos homens um sorriso deslumbrante — duvido que
estejamos assombrados pelo mesmo motivo.
Dois pares de olhos a olharam com desconfiança. Ela prosseguiu:
—Sou licenciada em contabilidade e auditoria. Dax me contou todas as coisas interessantes que
encontrou nos livros.
Os olhos de Roger se abriram pela surpresa. Gerard pestanejou várias vezes e tentou sorrir.
—Qual dos dois é Shallott, sociedade limitada? Ou esta semana o nome é outro? —perguntou sem
deixar de sorrir — Ou pensaram que Dax não era bastante preparado para descobrir? Sabíamos que alguém
estava comprando ações às escondidas, mas não nos preocupava muito porque nossa família continua
controlando a metade — levantou-se — Eu odeio perder o tempo de homens tão ocupados, assim serei
breve. Minha família vai continuar administrando as Indústrias Piersall e meus votos são de meu marido,
como os dele são meus.
Gerard olhou Roger com desprezo.
—Não disse que ela era manejável? Que estupidez! — sem mais, o homem mais velho deu a volta e
saiu do local.
O silêncio acompanhou a sua partida. Jillian olhou a cara pálida de Roger e procurou controlar a ira
que sentia.
—Gerard tem razão —disse com voz tensa — Isto foi uma estupidez, pois nunca trairia Dax. É o
único homem que amei em minha vida.
Como frase de despedida, essa tinha sido extraordinária. Uma pena que Jillian estivesse muito
agitada para apreciar sua ironia. Durante o trajeto a sua casa, esforçou-se em acalmar seus nervos e parecer
contente. Não havia razão para preocupar-se. Dentro de um tempo, contaria o acontecido a Dax e ambos
ririam.
Mas por outro lado, pensou, com o fatalismo que faz parte de seu caráter, Dax não tinha acreditado
no que ela disse sobre Charles. Por acaso ia acreditar nela agora? Possivelmente fosse melhor se calar e
esperar que tudo se acalmasse na empresa.

A semana lhe pareceu eterna. Na sexta-feira a tarde, enquanto se dirigia para quarto que
compartilhava com sua mulher, Dax pensava com preocupação que três dos acionistas tinham vendido suas
ações na última semana.
Um deles o tinha chamado para justificar que não tinha podido resistir a uma boa oferta. Dax tinha
feito alguns telefonemas e descobriu outras duas vendas. Naomi Stell o informou que ela mesma tinha tido
uma oferta muito interessante que tinha resistido. Não conhecia o comprador, pois só tinha falado com um
intermediário.

84
Dax calculou que o que estava por trás daquela manobra, devia controlar trinta e cinco por cento
dos votos.
Tecnicamente não devia preocupar-se, pois continuava mantendo o controle da junta.
Se ele e Jillian votassem juntos sempre.
Jillian não tinha lhe entregue seu voto, mas isso não lhe preocupava, pois era sua mulher e estavam
sempre de acordo em sua vontade de salvar a empresa.
E não queria deixá-la intranqüila de maneira nenhuma, tendo em conta o humor estranho, um pouco
calado, que tinha mostrado desde que tinha lhe contado, no domingo anterior, sua versão dos acontecimentos
do passado.
O que era que ela esperava dele? Não era suficiente que a tivesse perdoado?
Pois Dax queria acreditar nela. Desejava fazer isso, mas não se atrevia a confiar...
—Papai? —Christine saiu de seu quarto, vestindo o traje de baile que Jillian tinha lhe dado por seu
aniversário e levava nos braços uma boneca.
—Olá, anjo. Está se preparando para dançar diante de seus admiradores?
Christine riu, um som música para seus ouvidos. Dax se deu conta de que a menina agia cada vez
mais como era próprio de sua idade, e não como a temerosa adulta em miniatura que tinha sido nos últimos
anos.
—Papai, a tia Marinha telefonou para Jill faz um momento para ver se posso ir passar a noite com
eles —Christine parecia fora de si de emoção — Posso ir?
Dax simulou refletir.
—Bom, acredito que posso deixar. Se prometer não comer com as mãos nem dançar sobre a mesa.
A menina riu de novo.
—É um tolo, papai — com o rosto radiante, a menina se lançou escada abaixo — Vou para o jardim
brincar com Elizabeth.
Ia perguntar quem era Elizabeth quando compreendeu que falava da boneca. Enquanto decidia
procurar sua mulher, pensou que casar-se com ela tinha sido a decisão mais inteligente de sua vida.
Encontrou-a no quarto guardando roupas nas gavetas. Ficou na porta, em silêncio, observando-a
durante uns minutos, desfrutando de tê-la em sua casa.
E de repente a mulher se moveu, ainda sem vê-lo, e Dax pôde contemplar seu rosto no espelho.
Sentiu que o sangue lhe gelava nas veias.
Jillian parecia triste. Ou desolada, desesperançada, com um olhar vazio que tinha visto nela várias
vezes quando acreditava estar sozinha.
Um pensamento desagradável cruzou sua mente. Sentiria tanta falta de Charles?
E então, Jillian elevou os olhos e o descobriu na porta. No momento lhe dedicou um cálido sorriso
que iluminava seu rosto quando estavam juntos.
—Oi, lindo! — saudou.
Dax foi até ela para beijá-la e lhe tirou a roupa dos braços para poder abraçá-la com gosto.

85
—Oi, passo o dia todo esperando isto.
—Chrissy está em casa — advertiu Jillian com um sorriso — Assim terá que esperar um pouquinho
mais.
Dax não lhe devolveu o sorriso.
—Preciosa, você é feliz?
Ela ficou rígida entre seus braços.
—Não pareço feliz?
—Não sei — Dax a acariciou, consciente de não ter recebido uma resposta – É?
Jillian o abraçou e começou a beijar seu pescoço, ocultando assim os olhos.
—Sou feliz —disse — Cada manhã acordo e me belisco para estar segura de que isto é real.
—Pois vá se acostumando —disse Dax, esquecendo sua ansiedade ante a quebra de onda de paixão
— Vai ser real pelo resto de sua vida.
—Me basta o dia a dia — replicou Jillian.
A frase o desconcertou até que se deu conta de que nunca tinham falado do futuro. Mas Jillian
estava lhe mordiscando a orelha, e não pôde continuar pensando. Se sua vida era perfeita, por que
preocupar-se?
Separou-se dela um instante para fechar a porta.
—O que você acha se eu tentar te convencer de que sou real? —murmurou.
Duas horas mais tarde, Jillian levou uma agitada Christine à casa de Marinha para que passasse a
noite. Dax aproveitou a solidão, para trancar-se em seu estúdio e compreender algumas operações estranhas
descobertas na contabilidade.
Vinte minutos mais tarde, soou a campainha, interrompendo seus pensamentos. Para sua surpresa,
Gerard Kelvey estava em sua porta.
—Gerard, entre. O que posso fazer por você? —automaticamente estendeu a mão ao homem. Dax
nunca tinha gostado muito dele, mas era amigo de seu pai e mais velho. Não ignorava que a antipatia era
mútua: Gerard não gostava do estilo de Dax e tinha votado contra ele todo o tempo.
Gerard vacilou, simulando um acanhamento impróprio de seu caráter.
—Preciso falar com você, Dax. É sobre a empresa.
—Quer me acompanhar ao estúdio? — Dax lhe fez sentar e lhe serviu uma bebida antes de
perguntar – O que o preocupa?
Kelvey pigarreou.
—Já sabe que houve... bom, certos movimentos de capital nas últimas semanas. Foi isso que me
disseram.
Quem disse? Aquela informação não era pública. Em voz alta, Dax respondeu:
—Sim. É um dos compradores?
Kelvey assentiu.
—Era.
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Dax observou o uso do passado.
—Pergunto-me por que —disse — Afinal, não podem chegar a controlar a empresa. Quem mais
está nisto?
—Roger. Foi idéia dele — Gerard moveu a cabeça, como se estivesse aborrecido consigo mesmo
— Queria não ter lhe dado atenção. Seu pai... seu pai era meu amigo. Ofereceu-me a oportunidade de
investir na Piersall faz trinta anos e quebrei sua confiança — olhou Dax — Desculpe-me. Se quiser que eu
abandone a junta, farei.
Assim Roger Wingerd tinha sido o que tinha enganado Charles. O que não era difícil dada à
quantidade de poder que seu irmão tinha dado ao perito em finanças. Dax ficou em pé e estendeu a mão a
Kelvey.
—Obrigado por me contar. Não há dano feito. Sigo mantendo o controle da empresa.
—Wingerd teria podido obtê-lo, se Jillian tivesse aceitado votar com ele.
Dax ficou de pedra. Não era aquela sua preocupação desde o começo?
Perguntou-se se Jillian seria capaz de fazer algo assim. Mas soube que não, que nunca lhe trairia.
Jillian nunca tinha mentido para ele. Havia lhe dito que não se deitou com seu irmão e ficou do seu
lado embora ele não tinha sido capaz de reconhecer seu engano. Jillian o amava e nunca lhe tinha feito mal.
A enormidade de seu engano estalou em sua mente como uma granada, destruindo sua raiva a
tantos anos construída, seu ódio e ressentimento. Sempre havia lhe dito a verdade, desde o começo, e ele se
negou a acreditar nela e tinha destruído suas vidas.
O que tinha feito?
De repente ouviu uns passos na escada e saiu do estúdio. Jillian estava subindo e quando a chamou,
a mulher deu a volta e o olhou com tanta dor que lhe partiu o coração.
— Amor... — estendeu a mão.
—Pensou que eu podia fazer isso — seus lábios tremiam e estava mortalmente pálida — Vi sua
expressão quando Gerard mencionou meu nome. Pensou que eu podia formar parte dessa conspiração.
—Não... só um instante... — foi alcançá-la, mas Jillian correu escada acima sem lhe dar tempo de
segui-la.
Dax virtualmente mandou Kelvey embora, que se empenhou em lhe contar pelo caminho à reunião
que Roger tinha arrumado com sua mulher. Dax apenas o escutava: sabia no que Jillian estava pensando. E
sabia que tinha razão.

87
Capítulo Dez
Jillian fechou a porta de seu quarto com um chute e a trancou. Mas aquele não era seu quarto. Era o
quarto que tinha dormido quando chegou naquela casa. Durante uns instantes se apoiou na porta, reclinando
a frente sobre a madeira fresca e respirando pesada, dolorosamente.
Ao voltar para casa, tinha visto um carro desconhecido estacionado, e tinha escutado as palavras de
Gerard no preciso instante em que entrava no estúdio.
E logo tinha lido a dúvida nos olhos de seu marido.
—Jillian? — o trinco se moveu e Jillian se separou da porta como se lhe tivesse dado uma descarga
elétrica — Por favor, preciosa, me deixe entrar. Temos que conversar.
Jillian não respondeu. Não podia falar.
—Por favor, Jill, não me deixe fora. Deixe-me explicar.
“Deixe-me explicar”.
O que quereria lhe explicar? Jillian se sentia como se passasse toda sua vida tentando explicar-se
para Dax. E não tinha lhe servido de nada. Em todo caso, tinha obtido que confiasse menos nela e sempre
seria assim. Tinha chegado o momento de deixar de se enganar.

88
—Bom — Dax estava ali, do outro lado da porta —, posso ir procurar uma chave para abrir esta
porta, mas respeito sua intimidade. Conversaremos pela manhã.
Lentamente, Jillian cruzou o quarto e se deixou cair sobre a cama. Abraçou o travesseiro para que a
dor que sentia em seu peito não a fizesse quebrar em pedaços.
Pela manhã partiria. Teria que procurar outro aluguel para sua loja, visto que ia romper o acordo
pré-nupcial. Mas não podia continuar a seu lado. Enganou-se ao pensar que aquele matrimônio forçado e
nascido da raiva e do rancor podia chegar a funcionar.
Enganou-se ao acreditar que podia viver sem seu amor pelo resto de sua vida.

Ao amanhecer, a consciência de dormir sozinho despertou Dax. E junto com a terrível sensação de
não ter Jillian entre seus braços, nasceu um medo profundo. Olhou o relógio e comprovou que eram seis
horas. Sem dúvida, Jillian não tinha se levantado, mas por via das duvidas, levantou-se.
Não precisava se vestir porque tinha dormido com roupas, se por acaso tivesse que sair correndo
atrás de sua esposa.
No banheiro recordou que Christine não dormia em casa e que a senhora Bowley não vinha essa
manhã. Estavam sozinhos, o que lhe convinha.
Sempre soube que Jillian era uma mulher extraordinária. Nas horas que passou acordado na noite
anterior tinha repassado todo o mal que tinha lhe feito e compreendido que podia perdê-la para sempre.
Uma mão de gelo apertou seu coração ao pensar que Jillian já não o queria. Sua única esperança era
que uma vez mais, Jill fosse a mais generosa dos dois e o perdoasse, e aceitasse e o quisesse como tinha
aceitado sua filha.
Tomou ar. Estava muito assustado, agora que tinha entendido o quanto a tinha feito sofrer. Teria que
pôr todas suas forças para romper o muro que a mulher tinha construído a seu redor. Agora sabia e queria
tudo dela: não só a alegria, também as aflições, as lágrimas, tudo.
E se não podia tê-la, teria que sofrer dessa vez, mas não faria recriminações. Embora não pudesse
salvar o amor que houve uma vez entre eles, queria que Jillian voltasse a ser a borboleta com cores alegres,
cheia de vida, a que tinha conhecido e amado.
Atravessou o corredor com um sorriso nos lábios, animado com seu plano.
A porta já não estava fechada com chave e Jillian estava fazendo exatamente o que Dax tinha
imaginado: suas malas. Elevou a cabeça ao vê-lo, mas não disse nada e continuou guardando a roupa.
Aquela manhã não ia tão bem. De tudo o que tinha acontecido desde sua volta, àquilo era pior do
que podia agüentar: lentamente, mas de forma implacável, a mulher resplandecente que tinha conhecido ia
morrendo.
Tinha os ombros caídos enquanto andava do armário à mala aberta sobre a cama e seus gestos eram
esvaídos e sem vivacidade, como se o esforço fosse excessivo. E devia ser, porque de repente, deixou cair
uns objetos e disse:
—Amanhã mandarei alguém para buscar o resto — fez um gesto lânguido assinalando o armário e
tentou dar um sorriso. Mas Dax estava na metade do quarto, sem sorrir e bloqueando a porta e Jillian teve
que olhá-lo.

89
—Está fugindo de alguma coisa? — as palavras eram provocadoras, mas toda sua raiva era contra
si mesmo. Onde estava à mulher valente e forte que tinha conhecido? Como tinha podido afundá-la até esse
extremo?
—Não, só vou embora — disse Jillian com seu olhar perdido.
—Como eu disse, fugindo — Dax fez um esforço para não jogar a maldita mala pela janela.
—Ao contrário de você, eu não fujo de nada — Jillian escolheu as palavras com cuidado.
Dax elevou a sobrancelha, odiando lhe machucar, mas procurando o ponto de vitalidade e orgulho
que aninhava em Jillian sob as capas de sua indiferença.
—A mim parece que foge.
—Pois pode ser — deixou uns sapatos e o olhou — Afinal, você é o perito na arte de abandonar as
pessoas — franzia o cenho e tinha as bochechas rosadas de raiva. Ali estava por fim a raiva que esperava.
Perfeito.
Encantado, Dax procurou seu sorriso mais cínico para dizer:
—Tem uma boa desculpa, não é mesmo? Eu tenho a culpa de tudo o que não saiu bem na sua vida.
—Isso não é verdade — houve uma nota nervosa em sua voz.
—Oh, sim, é — deu um passo para ela, que não se moveu — Não se casou, nem teve filhos. E ficou
doente ao conhecer Christine, e ter que viver com a filha de outra mulher te enfurece.
—Admito que isso me tirou do sério, e eu queria ter odiado a sua filha. Mas não posso — sua voz
foi se elevando até quase gritar — Ela não é uma mistura de genes entre você e essa mulher que você tanto
gosta de me lembrar. É um ser humano que eu quero bem.
Acusou-o com um dedo estendido.
—Sabe o que não suporto? Vou te dizer. Não tem nada a ver com Christine — seus olhos lançavam
chamas — Eu acreditava que nos amávamos, Dax. Íamos nos casar porque havia amor entre nós. E na
primeira oportunidade, você se jogou nos braços de outra mulher. Isso me diz o quanto te importava meu
amor.
—Já expliquei isso — Dax queria discutir com Jillian, mas não se preparou para o estalo de fúria
que o esperava — E você está enganada. Você é mais importante para mim do que tudo no mundo.
—Digo o mesmo —replicou Jillian — Não só me deixou, mas também me substituiu em meses.
Teria lhe lembrado que ninguém podia substituí-la, mas ao ver a raiva e o orgulho em Jillian era
quase um alívio, comparado com a mulher desfeita que tinha temido encontrar.
—Eu esperei você como um cachorrinho patético, esperei seu perdão por algo que nunca fiz —
falou com amargura —, E ontem à noite, compreendi finalmente o que pensa de mim. Foi muito
esclarecedor, Dax, de verdade.
—Eu sabia que nunca votaria contra mim —disse Dax à defensiva — E tinha razão. Gerard me
contou tudo sobre seu encontro com o Roger — sua voz baixou — Disse que eu tinha sorte por ter uma
esposa que me quisesse tanto.
—Não quero mais você — replicou Jillian, gritando de novo — Nem que fosse o último homem
sobre a terra.
—Mentirosa — deu em direção a ela, disposto a acalmá-la.
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Mas Jillian agarrou um vaso chinês que havia sobre o aparador.
—Ei, espera — Dax só teve tempo de afastar a cabeça antes que o vaso se quebrasse em mil
pedaços contra a parede —...Preciosa, eu...
—Não volte a me chamar dessa forma estúpida! —um livro golpeou seu ombro e enquanto Jillian
procurava algum outro objeto pesado, Dax se lançou sobre ela em um salto e ambos caíram sobre a cama,
rodaram e foram dar no chão. Dax pôs as costas para amortecer o golpe, e não soltou sua presa.
—Não é um nome estúpido — gemeu, enquanto a colocava a seu lado. Como alguém de aspecto
tão frágil podia ser tão forte? Pegou seus pulsos para evitar que o arranhasse e teve que ficar sobre ela para
deter seu joelho dirigido letalmente contra suas partes mais delicadas.
—É — disse Jillian.
—Preciosa, preciosa, preciosa, preciosa, preciosa — por fim estava sobre ela, forçando-a a ficar
quieta com o seu peso.
—Para, Dax — continuava olhando-o com olhos que lançavam faíscas — E vá ficar em cima de
outra. Quero ir embora.
—Temos um trato — recordou-lhe Dax.
—É nulo de pleno de direito. Entrego a você minhas ações em troca.
—Sério? Que pena —comentou Dax — Porque não vou permitir que vá embora. Quer dizer algo
mais?
—Quero dizer que não te bastou me obrigando a me casar contigo e a viver com sua filha, tudo
resolve me forçando. Se não fosse pela força e pela sedução, teria te mandado passear faz muito tempo.
Dax pôs-se a rir.
—É isso o que te dá raiva? —baixou a cabeça até quase beijá-la — Está tão acostumada a controlar
os homens, que não pode suportar que não funcione comigo. Ambos estamos igualmente seduzidos. Antes
de voltar a me insultar, podia pensar por que não podemos nos separar.
—Sexo — pronunciou a palavra com fraqueza e raiva.
—É mais que isso —Dax falou com doçura — É muito mais. É a metade de minha alma. Uma vez
disse que separados só sobrevivemos.
—Prefiro sobreviver a estar meio morta.
A tristeza de suas palavras o acalmou ao momento.
—Me perdoe — disse.
—Por quê? Por existir?
—Por ser o imbecil imaturo que abandonou à única mulher no mundo a quem podia amar. Ontem à
noite compreendi, quando não me deixou explicar nada até que ponto confio em você. Sei que nunca houve
nada com o Charles. Eu tenho a culpa de todos os anos perdidos — baixou a cabeça e a beijou meigamente
na testa — E continuo te amando, Jillian. É a única mulher que amei.
Os olhos de Jillian se encheram de lágrimas. Dax sentiu como seu corpo relaxava e os soluços
enchiam sua garganta.

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—Sabe o quanto desejava escutar isso? Quantos anos eu esperei que voltasse e me dissesse que me
queria? Você... uma espécie de canalha...
A esperança e o alívio começaram a renascer no interior de Dax e tomou ar, forçando-se em
respirar:
—Me diga que não irá.
—Me dê uma boa razão pela qual deva ficar.
Dax duvidou e disse de deslocado:
—Não quero viver sem você. Se me afastar e for embora, estará cometendo um engano tão
monstruoso como o que eu cometi faz sete anos — soltou seus pulsos para lhe acariciar a bochecha.
Os olhos azuis como o céu, e tão úmidos como uma manhã de primavera, procuraram os seus para
ler sua alma.
—Queria acreditar que podemos...
—Se confiarmos, poderemos...
Jillian abraçou seu pescoço e suspirou.
—Não quero viver sem você, mas...
—Me deixe repetir isso. Eu me enganei. Não podemos esquecer o passado. Mas podemos aceitá-lo
e superá-lo — atreveu-se a sorrir — E sei que você gosta das provocações.
— Você me conhece muito bem. Me rendo — elevou a cabeça e o beijou com doçura.
Dax demorou um segundo em compreender que tinha ganhado. E de repente seu futuro lhe pareceu
de novo brilhante. Tão brilhante como os olhos da mulher que tinha em seus braços. Junto com a alegria,
renasceu seu desejo e a beijou com mais paixão que nunca.
— Quero você, Dax.
Dax se colocou sobre Jillian e a olhou, enquanto seu futuro se abria em mil possibilidades de
felicidade.
—Eu também te quero, preciosa. Nunca saberá até que ponto.
Brilharam-lhe os olhos e riu debaixo de seu corpo.
— Bom, suponho que vai tentar demonstrar.
Muito tempo depois, Jillian levantou a cabeça para olhá-lo.
—Começo a gostar de fazer sexo no chão.
Dax riu.
—Perfeito, porque esta casa está cheia de chãos.
—É obvio, quando estiver grávida, teremos que esquecer os chãos.
Dax não respondeu e quando Jillian girou de novo a cabeça, captou o brilho de lágrimas em seus
formosos olhos negros.
Falou, e tinha a voz rouca de emoção.

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—Quando estiver grávida, teremos muito cuidado. Desejo ter um filho com você mais do que tudo
no mundo. Excetuando seu amor.
“Meu amor”. Jillian o abraçou e soube que aquilo era real. Finalmente, Dax tinha voltado para casa.

Epílogo
De novo, o quente verão da costa, pensou Jillian. Só que tudo era diferente aquele setembro. Olhou
Dax levantar-se da espreguiçadeira, rindo e pensou que ele era irresistível.
Todos eram, pensou com amor, olhando aos quatro homens celebrarem entre gritos e saltos o
triunfo de sua equipe que a rádio acabava de anunciar.
Dax, Ronan e Ben se golpeavam as costas e faziam uma dança inventada para a ocasião enquanto
Jack golpeava o peito em uma cômica imitação de Tarzan.
Jack era um palhaço, mas a sua mulher era mais séria. Adorava tanto a Frannie que Jillian se
emocionava vê-lo junto a sua mulher e seus filhos.
Christine estava brincando com a pequena Brittany, fazendo-a rir, enquanto Frannie preparava um
sanduíche. Todos estavam no jardim de Jillian, desfrutando da piscina. Chrissy ia sentir falta dos meninos
quando começasse o colégio, pensou olhando como a entusiasta Maureen, a pequena Deirdre, agarrava a
suas pernas em um ataque de amor infantil.
Ronan pegou a sua filha de dois anos quando estava a ponto de subir sobre sua mãe e a pôs sobre
seus ombros.
“Querido Ronan”. Tinha curado o gravemente ferido coração de Deirdre e a tinha envolvido em
tanto amor que ninguém podia reprovar sua inicial imaturidade na relação. E quem era ela para falar de
imaturidade.
Além disso, apreciava Ronan sinceramente. O homem tinha aceitado seus enteados em seu coração
e se encarregou de tudo para aceitar esses dois — pensou Jillian com humor ao ver como se dispunham a
abrir uma lata de refrigerante contra as costas do Jack — ganhou o seu céu.
Ben advertiu a Jack da manobra dos dois selvagens e este se voltou e começou a perseguir os
meninos, que correram entre risadas pelo jardim. Ben os olhou rindo até que se deu conta de que o pequeno
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John Benjamim tinha tomado a lata e tentava descobrir como abri-la. Assim foi até ele com a graça inata que
Jillian tanto admirava, e levantou o pequeno dando voltas com ele apesar dos protestos de Marinha.
Marinha tinha tido sorte ao conhecer um homem como Ben pouco depois de enviuvar. Jillian tinha
pensado às vezes que era muito admirável e autoritário, mas fazia graça pensar no quanto se parecia com seu
moreno, bonito e autocrático marido. Às vezes, Dax e Ben pareciam irmãos.
Enquanto os adultos começavam a repartir sorvete entre os meninos, Dax deixou os outros e se
inclinou sobre ela.
—Como está? — perguntou, olhando-a com adoração a seu filho de dois meses que se alimentava
no peito de Jillian — E como está você? Cansada? Cuidarei de tudo se quiser ir deitar.
Jillian sorriu e negou com a cabeça, enquanto colocava ao pequeno Charlie em uma posição
melhor. Seu coração estava repleto de amor enquanto olhava a seu bebê e a seu marido.
Estendeu o menino para Dax, para que ele o segurasse enquanto ela fechava o vestido.
— Está tudo bem — comentou Sorrindo —... E eu estou muito bem e pronta para a festa.
—E quando não está? — riu Dax lhe oferecendo sua mão livre para que se levantasse. E enquanto
se reuniam com seus amigos, Jillian pensou no quão certo era, que nunca havia se sentido melhor.
Tinha fechado o círculo de sua vida. E embora sempre sentissem pesar pelos anos perdidos,
começavam a superá-lo. Depois de anos de recriminações, ao fim seu amor tinha triunfado e avançava para
um sorridente futuro.

Fim

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