Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Aprovada por:
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Elton Fernandes, Ph.D.
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.Roberto dos Santos Bartholo Jr.
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.Carlos Alberto Nunes Cosenza
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.João Manoel Cardoso de Mello
-----------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr.João Paulo de Almeida Magalhães
i
COSTA, DARC ANTONIO DA LUZ
Um Discurso de Estratégia Nacional: A Cooperação Sul-Americana como
Caminho para a Inserção Internacional do Brasil [Rio de Janeiro] 1999
XII,.222p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ. D.Sc.,
Engenharia de Produção, 1999)
Dissertação - Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPE
1. Estratégia Nacional
2. Brasil
3. MERCOSUL
4. Cooperação Sul-Americana
5. Mundialização
I COPPE II Título (série)
ii
Ao meu pai a quem muito devo e que me ensinou a amar o
Brasil;
À minha mãe pelo amor e carinho que sempre me dedicou;
A estes dois, que me deram uma família e me educaram,
minha eterna gratidão e respeito.
À minha mulher Beth companheira e amiga compreensiva e
dedicada de todas as horas.
Aos meus filhos Marcela, Flávia e Eduardo e ao meu genro
Jesper que sonham e sonhando realizam um aprendizado
contínuo de tudo que lhes cerca.
Ao Mateus e aos meus outros netos que virão e que farão do
sonho um mundo novo vindo do novo mundo nos trópicos.
iii
AGRADECIMENTOS
iv
SUMÁRIO
Lista de Figuras......................................................................................VIII
Lista de Quadros......................................................................................IX
Resumo......................................................................................................XI
Abstract...................................................................................................XII
v
3.2.2 - Componentes Geográficos..............................................75
3.2.3 - Componentes Econômicos..............................................80
3.3 - A Proposta de Estratégia Nacional.........................................82
vi
5.7.4 - A Ação na Marinha Mercante e no Sistema Portuário...164
5.7.5 - A Ação na Infra-Estrutura Hidroviária e na Irrigação....166
5.7.6 - A Ação no Semi-Árido do Nordeste do Brasil...............167
5.7.7 - Um Novo Canal ligando o Atlântico ao Pacífico..........168
5.7.8 - Canal Orinoco-Rio Negro.............................................168
5.7.9 - Ligação da Bacia do Amazonas com a Bacia do Prata...169
5.7.10 - Lago Mamoré-Guaporé e canal Guaporé-Paraguai......170
5.7.11 - Obras na Bacia do Prata..............................................170
5.7.12-- Canais do Brasil.........................................................171
5.7.13 - Transposição Hidráulica dos Andes............................172
5.8 - A Ação Mineral.....................................................................172
5.9 - A Ação Industrial .................................................................176
5.9.1 - Ação na Indústria Pesada..............................................179
5.9.2 - Ação em Bens de Capital..............................................179
5.10 - A Ação Energética...............................................................180
5.11 - A Ação nas Comunicações...................................................186
5.12 - Conclusões............................................................................187
MAPAS..........................................................................................189
BIBLIOGRAFIA...........................................................................210
vii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.-Mapa1 América Do Sul Densidade Demográfica 1985......190
Figura 2 -Mapa2 América Do Sul Densidade Demográfica 2020......191
Figura 3 -Mapa3 América Do Sul Áreas Agrícolas 2000-2020.........192
Figura 4 -Mapa4 América Do Sul Principais Ferrovias.....................193
Figura 5 -Mapa5 América Do Sul Rodovias Troncais......................194
Figura 6 -Mapa6 Brasil Extremo Oriente Rotas de Carga................195
Figura 7 -Mapa7 América Do Sul Principais Portos.........................196
Figura 8 -Mapa8 Integração das Bacias............................................197
Figura 9 -Mapa9 América Do Sul Grandes Projetos Hidráulicos......198
Figura 10 -Mapa10 Transposição de Águas no Nordeste Brasileiro .199
Figura 11 -Mapa11 Rotas para um Novo Canal Inter-Oceânico .......200
Figura 12 -Mapa12 Integração das Bacias do Orinoco e Amazonas.201
Figura 13 -Mapa13 Integração das Bacias do Amazonas e Prata......202
Figura 14 -Mapa14 Grandes Projetos Hidráulicos na Bacia do Prata203
Figura 15 -Mapa15 América Do Sul Minerais Metálicos..................204
Figura 16 -Mapa16 Projeto do Grande Carajás................................205
Figura 17 -Mapa17 América Do Sul Principais Centros Industriais..206
Figura 18 -Mapa18 América Do Sul Reservas Energéticas...............207
Figura 19 - Posição Mundial do Brasil.............................................208
Figura 20 - América Do Sul Mapa Político.......................................209
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Evolução do Comércio: Brasil e o MERCOSUL.............104
Quadro 2- Corrente de Comércio Intra MERCOSUL.......................105
Quadro 3- MERCOSUL nas Exportações Brasileiras.(%)...............105
Quadro 4-.MERCOSUL nas Importações Brasileiras.(%)................106
Quadro 5- Exportações Brasileiras para a Argentina........................106
Quadro 6- Importações Brasileiras da Argentina..............................107
Quadro 7- Exportações Brasileiras para o Uruguai...........................107
Quadro 8- Importações Brasileiras do Uruguai.................................108
Quadro 9- Exportações Brasileiras para o Paraguai..........................108
Quadro 10- Importações Brasileiras do Paraguai..............................109
Quadro 11- Exportações Brasileiras para o Chile.............................109
Quadro 12- Importações Brasileiras do Chile...................................110
Quadro 13- Exportações Brasileiras para a Bolívia..........................110
Quadro 14- Importações Brasileiras da Bolívia................................111
Quadro 15- Evolução do Comércio o Brasil e o MERCOSUL........111
Quadro 16- Corrente de Comércio Intra MERCOSUL.(Total).........112
Quadro 17- MERCOSUL nas Exportações Brasileiras.....................112
Quadro 18- Nível de Auto-Suficência da América do Sul.................127
Quadro 19- Densidade Demográfica na América do Sul...................133
Quadro 20- Demográfia Comparativa com a Coréia do Sul..............134
Quadro 21- Energia, PIB e Demografia............................................135
Quadro 22- Demografia na Europa, Eua e Japão..............................139
Quadro 23- Produto, Emprego e Produtividade................................141
Quadro 24- Parâmetros de Crescimento da América do Sul.............143
Quadro 25- Estudantes no Segundo Grau e Universidade.................145
Quadro 26- Ciências Naturais e Engenharia.....................................146
Quadro 27- Disponibilidade de Superfície e Água............................149
Quadro 28- Perfil da Agricultura......................................................150
Quadro 29- Disponibilidade Mundial de Superfície Agricola............151
Quadro 30- Comparativos de Custos de Transportes........................156
Quadro 31- Rede Ferroviária Sul-Americana....................................158
Quadro 32-.Projeção de Parâmetros Ferroviários.............................161
Quadro 33- Produção e reservas de Minerais Metálicos...................173
Quadro 34- Aplicações de Minerais Estratégicos.............................175
ix
Quadro 35- Produção de Máquinas Operatrizes...............................177
Quadro 36- Produção per Capita de Produtos Industriais.................179
Quadro 37- Custos de Investimentos em Energia Elétrica.................183
Quadro 38- Comparações de Fontes de Eletricidade........................185
Quadro 39-. Projeções de Mercados de Microcomputadores............186
x
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Doutor em Ciências (D.Sc)
Junho de 1999
Este trabalho desenvolve estudos sobre o que colocam como Nova (Des)Ordem
Mundial, rearticula antigos conceitos filosóficos e apresenta novos como a figura do
Megaestado e a Teoria do Retardo e os aplica a situação singular do Brasil- herdeiro
único e direto da mundialização, iniciada pelos portugueses há 500 anos-, para
fundamentar a tese que o caminho da Estratégia Nacional do Brasil é prosseguir e
aprofundar esta mundialização, algo que teve recentemente como seu primeiro passo
o MERCOSUL e que deverá ter como segundo a cooperação sul-americana.
xi
A NATIONAL STRATEGIC DISCOURSE:
The present thesis studies the so-called New World (Dis)Order in the light of some
traditional philosophical conceps connected to some new ones, such as Megastate and
the Theory of Tardiness. This theoretical framework in then applied to the unique
situation of Brazil - sole heir to the globalization effort set forth by the Portuguese
about 500 years ago. The aim is to pave the way for a National Strategy which may
foster and expand such globalization effort, should the first step taken in that
direction - the Mercosul - be followed by South American cooperation.
xii
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS PREAMBULARES
xiii
geográfico, antropológico ou econômico, mas, sim, considerado, objetivamente, também, em
termos de seus objetivos nacionais, de seus interesses, dos seus possíveis conflitos, das ações e
processos reflexivos de seus governantes e, em especial, da desejada e possível conscientização
nacional. Não se pretende, todavia, construir um discurso baseado na análise da situação atual do
país, dentro do contexto mundial. Pretende-se ir mais além e dar uma visão maior; construir uma
síntese mais complexa.
Este estudo fundamenta a visão, intuída por RIBEIRO(1995), de o povo brasileiro ter um
destino manifesto, o de construir uma nova civilização. Haverá o momento em que esta intuição far-
se-á realidade. Se trata de uma proposição. É uma premissa transfigurada numa assertiva, construída
como o resultado da reflexão. Algo, contudo, que necessita e necessitará, antes de tudo, da
maturação e de reconhecimento coletivo.
Este estudo, também, deverá se encontrar apoiada no espaço delimitado pelas relações que
cercam qualquer intervenção humana: o poder, a estratégia e a política, conceituando-as, dentro de
uma sistematização teórica nova, como um triângulo indissolúvel.
Esta tese não se propõe a estabelecer as diretrizes últimas e definitivas de nossa estratégia
nacional, pois, na verdade, elas nunca existirão como uma obra acabada, mas, sim, a criar os
elementos mínimos necessários para a construção das discussões que deverão balizar a montagem
de uma concepção estratégica para a sociedade brasileira. Ele se fundamenta, todavia, em uma
premissa, desde já configurada; de ser o Brasil o núcleo geográfico e histórico de um Megaestado
em formação na América do Sul.
A idéia da cooperação sul-americana não visa criar uma doutrina. Só será doutrina caso
converta-se em uma ação. Trata-se, também, de admitir e confessar uma aspiração. Mas é uma
daquelas aspirações que pode vir a ser realidade.
Neste caminho, o primeiro passo já foi dado: o MERCOSUL. O segundo, como
apresentaremos, adiante, deverá ser a cooperação sul-americana ou a ALCSA- Área de Livre
Comércio da América do Sul, ou, como outros já nomeiam, de AMERCOSUL.
A análise feita adiante demonstrará que a integração de Estados Nacionais, no caso da
América do Sul, não é um jogo de soma zero, onde uns tem de perder para outros ganharem. A
sinergia decorrente do processo de integração poderá acrescentar a todos os Estados Nacionais
participantes parcelas expressivas de poder e bem estar para todas as sociedades envolvidas
Contudo, o objetivo central desta tese é o de criar os elementos necessários para a
contestação de um discurso, esposado por parcela expressiva do pensamento nacional, de que há
uma impossibilidade na posição brasileira, a nível mundial, e que, apoiado na falsa idéia da
dependência, apresentada por CARDOSO e FALETTO(1969a), nos coloca como caudatários do
capitalismo mundial e impossibilitados de criar um espaço próprio de acumulação capitalista.
xiv
A tese, portanto, nos parece ter como contribuição marcante ao pensamento a possibilidade
de demonstrar que há um outro caminho para o destino do Brasil, que não o da dependência e da
manutenção de uma situação periférica. Com esta tese explica-se e justifica-se uma inserção
autônoma e soberana do Brasil e dos demais países da região no contexto mundial, fugindo, assim,
também, a tentativa da potência hegemônica da constituição de um único mercado na América, o
ALCA.
Tendo em vista que o tema a ser estudado diz respeito ao avanço brasileiro e sul-americano
dentro do processo civilizatório far-se-á algumas considerações, também ditas preambulares, que se
vinculam a uma visão dialética deste avanço, algo que conceituamos como a teoria do retardo e que
se opõe, filosoficamente, ao discurso da dependência.
Isto posto, cabe-nos explicar ao leitor o porquê da tese. O próprio título da tese apresenta
que se infere e que se buscará demonstrar que o melhor caminho, para a inserção do Brasil no
mundo do século XXI, é o da cooperação sul-americana.. Entretanto, necessita ter respaldo prático e
científico. Precisa ser racionalizado.
Mas, o fato é que esta tese se destina, também, a defender a idéia do planejamento governamental, em um
momento, em que se desencadeou sobre ele uma insidiosa campanha conduzida por HAYEK(1947a) e outros novos
liberais, que objetiva o seu progressivo desaparecimento., em prol de uma pseudo ordem supranacional. A
intransigência, já dizia COSTA(1996a), é tudo o que se opõe à ação criadora de ordem do homem. Ela se volta, no final
do século XX, diretamente, contra o planejamento governamental. Não recorre mais a subterfúgios. Esta tese, portanto,
também, destina-se a apresentar e justificar o planejamento governamental. Mas, principalmente, destina-se a resgatá-lo
como único instrumento com que conta um país como o Brasil para vencer a sua crise estrutural, o seu retardo.
Contrariando o discurso dominante, esta tese tem como finalidade reafirmar a solidariedade
nacional ao transcendê-la através da estruturação de um Megaestado, cuja definição será adiante
colocada, explicitando e explicando a importância da ação coletiva, traduzida sob a forma de uma
vontade e de um discurso de estratégia nacional, algo que, naturalmente, se transfigurará, ao final,
numa concepção estratégica nacional.
Ademais, este estudo destina-se, também, a motivar discussões em torno das questões
colocadas, para que, das sínteses encontradas, se aperfeiçoem as nossas concepções e convicções,
naquilo que se mostrar necessário à defesa dos interesses nacionais do Brasil.
Em síntese, o que defendemos é que, no momento adequado, o sonho- que levou a Ibéria a
combater os seus preceptores mouros e que a levou a buscar o desconhecido e a iniciar a
mundialização, como imaginada por BRAUDEL(1986a) se fará, de novo, presente, não só no
discurso dos estudiosos em estratégia, mas, no imaginário coletivo deste lado do Atlântico e buscará
então, terminar o que ni iciou, a mundialização, conduzindo, de novo, o fio da história, através dos
largos caminhos do Lácio.
xv
1.2- PORQUE MEGAESTADO?
Antes de discutirmos o que OHMAE(1995) coloca como globalização, cabe-nos abordar um
outro fenômeno: a regionalização. A regionalização, vista por BERRY(1969), no mundo de hoje, é
um processo com componentes bem mais marcantes do que aquilo que chamam de globalização.
Entretanto, ele não tem merecido uma análise tão acurada como o fenômeno dito da globalização.
Daremos aqui uma pequena contribuição ao tema, já que ele é muito importante nas nossas
considerações, apresentando um aspecto relevante da regionalização, aquele vinculado à perda da
soberania do Estado Nacional em prol de uma figura nova, uma conjunção de Estados, como a
União Européia, que, à falta de outro título, nomearemos de Megaestado. Não contestamos a
importância do Estado Nacional com a idéia do Megaestado. Pelo contrário, a reforçamos.
No passado, de acordo com HOBBES(1651a), a situação da humanidade era infinitamente pior do que as
circunstâncias atuais. O homem vivia, para este filósofo, no “estado natural”, concorrendo violentamente com os seus
semelhantes pelo poder e pela glória. Nessas condições, sua vida era inevitavelmente, segundo as palavras daquele
filósofo, solitária, pobre, desagradável, brutal e curta. Felizmente, ele não estava fadado a viver sempre assim, havia um
meio de tornar sua vida associativa, rica, agradável, civilizada e longa. Essa revolução humana foi a constituição
progressiva do Estado, algo que resultou de sucessivos e inúmeros pactos silenciosos entre os homens.
xvi
um documento que determina seus atos em todos os aspectos e em cada ponto. Entretanto, poderia
muito bem ocorrer que, embora em termos gerais um indivíduo ganhe assinando o contrato, em
particular e em algumas áreas poderia vir a lhe ser mais favorável adotar uma postura competitiva.
Ou ainda que o indivíduo, mesmo tendo assinado o contrato, ache, pessoalmente, ótimo, agir
desafiando os termos do contrato. Assim sendo, trazem a idéia de que alguns indivíduos podem agir
contrariamente a determinadas regras previstas no contrato e colocam, então, que o controle desses
indivíduos passa a ser o objetivo central da coletividade. Surge, portanto, a necessidade de se ir
mais além da visão pura de contrato (onde todos concordam, plena e implicitamente, com todas as
regras, porque isto facilita a consecução de seus próprios fins), já que vivemos um estado de coisas,
que em questões especificas, é possível que não prevaleça uma unanimidade e no qual o desrespeito
deliberado a estas regras pode existir. Chega-se, portanto, a um estágio em que não é possível o
aceite pleno de todas as regras, de todos os indivíduos, mas, sim, pode-se concordar pela maneira
que estas regras serão impostas. Este contrato que estabelece como estas regras serão impostas é
nomeado de Constituição e é a base onde se assenta a idéia de um contrato imposto.
Uma premissa presente nas abordagens já referenciadas é a natureza voluntária do contrato.
Exemplificando, na visão do contrato imposto o monopólio do poder é atribuído a quem decide
após a formação do Estado pela sua constituição.
Contudo, alguns, como MARX(1867b) e ENGELS(1884b), defendem que nem sempre foi, é
e será assim. Colocam que muitas vezes determinadas classes possuem o poder anteriormente à
constituição do Estado (imaginam desde o poder militar até o poder econômico). Neste caso a
Constituição resulta da outorga dos poderosos e temos o que conceituamos como a visão de
imposição contratual.
Estas abordagens nos permitem ter alguma idéia do que poderia ser um Estado. Definamos
assim: é uma associação de indivíduos, todos eles obedecendo regras definidas por alguém, que
toma as decisões sobre matérias de natureza coletiva e que obriga o seu cumprimento. Os membros
da associação têm acesso a um território definido nas formas especificadas de regras sociais.
Aqui cabe inserir um outro conceito fundamental, que é o conceito de soberania. A
obediência aos ditames de Estado pode ser voluntária ou resultante da coação. Contudo, para que
haja coação, a vontade de quem determina tem de ser soberana em relação a todas as demais
vontades, ou seja, a quem decide deve ser dado o monopólio do poder. Para que haja soberania é
necessário que quem decida tenha legitimado o monopólio do poder.
Contudo, para a natureza do nosso trabalho a definição ainda está incompleta. Os Estados
requerem alem de uma simples explicação, pois não há razão alguma para se supor que todo o
gênero humano se associe em um único Estado. Pelo contrário, o que se observa é que muitos
grupos de indivíduos se associam em Estados separados, e as relações entre esses Estados são
xvii
definidas como coloca BODIN(1576) e HITLER(1936) com referência ao poder soberano de quem
toma as decisões. Como o detentor do poder soberano não pode reconhecer nenhuma entidade
acima dela mesma- se o fizesse não seria soberana, fica claro que os Estados vivem em um “estado
natural” e que há uma anarquia internacional.
É óbvio, que o “estado natural” retratado por HOBBES(1651c) é um pouco diferente do
“estado natural” vivido entre os Estados Nacionais, embora as mesmas mediações (estratégias)
encontradas à disposição dos indivíduos estejam à disposição dos Estados Nacionais. Acresce-se a
isto, o fato de que os Estados podem competir uns com os outros e que suas disputas, em última
análise, solucionam-se pela violência.
A finalidade de cada Estado é maximizar o bem-estar de seus próprios cidadãos.
Constatando-se a pluralidade de Estados podemos verificar que este objetivo pode coincidir ou
entrar em conflito com o objetivo de outros Estados. Temos, portanto, de avaliar qual é o
relacionamento que um Estado deve adotar perante a existência de outros Estados, algo que diz
respeito diretamente a sua estratégia nacional. Deverá ser o Estado autônomo ou heterônomo?
Se existisse a hipótese de se revelar plenamente autônomo ou plenamente heterônomo nossa
pesquisa poderia não avançar, já que no primeiro caso, o Estado estabeleceria suas políticas, seus
fins, com total independência das políticas dos demais Estados, não apresentando qualquer
relacionamento externo e no segundo caso, não tendo vontade autônoma também não apresentaria
qualquer ação autônoma externa. No entanto, no mundo moderno não há espaço para
relacionamentos que estejam nas duas posturas puras acima questionadas, o que valida nossa
pesquisa. Contudo, entre estes extremos existe um enorme espaço onde um Estado pode buscar
colocar-se. Na busca desta posição todos os Estados formulam sua estratégia nacional e em certo
sentido sua posição é análoga a dos indivíduos que vagavam no “estado natural”.
As alternativas que se apresentam ao Estado são:
a)ou de buscar a cooperação em qualquer um dos seus três sucessivos graus com outros
Estados:
• o primeiro, a cooperação propriamente dita, no sentido de aproveitar-se das trocas econômicas e
de outras naturezas com outros Estados decorrentes desta postura;
• o segundo, a associação, onde além de aproveitar-se do sistema de trocas buscariam adotar
políticas comuns entre si e inacessíveis a outros Estados;
• o terceiro, ao se unir a uma federação, indo alem da associação, caso em que formalmente
deixaria de ser o Estado, como conhecemos, pois passaria a reconhecer uma autoridade mais alta,
a que COSTA(1996b) nomeia como Megaestado.
b)ou o Estado poderia buscar a competição, o que, naturalmente, leva ao conflito, que é a
busca não acordada com outros Estados dos mesmos fins ou objetivos.
xviii
Resumindo, o Estado se constituiu formalmente em decorrência de sucessivos pactos.
Embora o termo Estado tenha sido usado em traduções de textos escritos, em línguas díspares, em
épocas diversas, de teóricos importantes, como ARISTÓTELES(IV A.C.b), MAQUIAVEL(1513b)
E HEGEL(1837a), é evidente que as referências ao termo não tinham o mesmo significado.
Contudo, a referência que nos interessa é: primeiro com a formatação do que vamos nomear como
antigo Estado Nacional, aquele que se forma e estrutura no Renascimento e depois com o que
classificamos como moderno Estado Nacional, o resultado da Revolução Francesa.
Duas características, de acordo com WEBER(1918a), a moeda e o monopólio legítimo do
uso da força pelas forças armadas, estruturaram o Estado Nacional, que aqui nomeamos como
antigo Estado Nacional. O processo histórico conduzido pela Revolução Francesa agregaram, em
nossa opinião, duas outras novas características: a concepção estratégica do Estado e a vontade
nacional, completando as quatro características relevantes do que conceituamos como moderno
Estado Nacional.
Em tempo de regionalização, como demonstrado pela recém criada União Européia, surge
uma nova figura que se coloca acima do Estado Nacional, o Megaestado, que não o dispensa, mas
que obriga a sua concepção estratégica a se voltar para a solução federativa de forma a garantir sua
própria sobrevivência. Esta será a linha que mais adiante seguiremos ao propormos a cooperação
sul-americana.
xix
oponente da razão: a intransigência. Para melhor entendimento, cabe explicar que nós entendemos a
razão como o processo de cooptação da natureza pelo homem. A intransigência é tudo aquilo, que
vindo do homem, se opõe a esse processo. A intransigência é, portanto, tudo que se move contra a
conformação da natureza às exigências do homem.
O homem desde que racionalizou, se inconformou. E desde que se inconformou, se
defrontou com a intransigência. Muitas das vezes, a intransigência se reveste de uma exaltação à
natureza, como colocado nos Segundo e Terceiros Informe do Clube de Roma, como detalhado por
MESAROVIC e PESTEL(1975) e por TINBERGEN(1976), e pela COMISSÃO MUNDIAL
SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO(1991). Sob esta forma é capaz de
enredar a razão, pois coloca o devir como resultado único dos processos que se passam na natureza,
ou seja, sem a interferência determinante do homem. O futuro, então, passa a resultar da exclusiva
existência do passado e da ação da natureza, o que conduz a resignação, já que toda e qualquer ação
humana presente deixa, nessa forma de encarar o mundo, de ter sentido determinante. Como é
óbvio, defender esta tese ou teses correlatas é, sempre, tanto se opor à razão como tecer um
mecanismo de preservação da situação vigente e do “status-quo”.
É importante mencionar que usaremos, ao longo destas considerações preambulares, de
conceitos de dualidades em uma visão dialética, como as já colocadas de razão e intransigência,.
Acreditamos, como HEGEL(1837b), que são as concepções dialéticas, como periferia e centro,
como barbárie e cultura, que representam e materializam as verdadeiras situações, as que, sempre,
vigoraram entre as sociedades humanas no avanço da civilização, as que sempre se fizeram
presentes.
É também importante colocar, neste início, que contestamos a existência de sociedades
dependentes, como CARDOSO e FALETTO(1969b) tentaram e tentam ainda divulgar, mas
advogamos, sim, a existência de sociedades retardatárias.
O conceito fundamental que apresentamos é que existe o retardo. Duas alternativas se
apresentam ao retardatário: ser dependente ou ser contestador. Menção a isso é relevante, pois a
visão de dependência, que ainda conta com poderosos defensores na intelectualidade atual, cria a
ligação subordinada entre sociedades e a transpõe para os Estados Nacionais.
O Estado Nacional existe como o melhor instrumento, já concebido, para romper a distância
entre as sociedades. Ao minimizá-lo, numa situação de dependência, não se chega à verdade.
Todavia, é um expressivo erro, suficiente para constranger a ação das forças presentes nas
sociedades em estruturação; incapaz, contudo, como veremos, de destruir, na consciência nacional
de uma periferia dinâmica como a brasileira, a sua ação de estruturação. Aos que defendem a teoria
de dependência nada mais definitivo que reconheçam que os conceitos não se impõem por si
próprios. São os fatos que lhes dão vida.
xx
É esta ação de estruturação, próprio do bárbaro, próprio do periférico, que dinamiza o
processo de avanço da civilização. Sente-se, no Brasil do século XX, a ordem humana, a ser
imposta na desordem que aqui impera, assim como FICHTE(1807a) ou HEGEL(1837c) a sentiram
no espaço germânico, no início do século passado.
Entendemos que, neste final do século, no caso brasileiro, a nova montagem de um discurso
de estratégia nacional é de fundamental importância. Este discurso, o elemento central de ordenação
da atuação de um Estado Nacional, é que fundamentará o caminhar deste Estado para o centro e
para a cultura. Imaginamos, todavia, que o conceito de Estado Nacional é um conceito em
movimento. De Estado Nacional caminha-se para o Megaestado. O processo, em curso, de
formação da União Européia atesta, como vimos, esta assertiva.
A queda do Muro de Berlim modificou o mundo, a relação entre as sociedades, a
importância de temas, e principalmente, de conceitos, que pareciam haver se estratificados, de
acordo com RUFIN(1991). Portanto, para lidarmos com os novos desafios, não podemos contar
com todos os elementos formulados nos últimos sessenta anos. Alguns não estão mais vivos, não
mais nos pertencem. Outros nasceram, ou, terão de nascer. É necessário trazer para o presente o
nosso ideário, de forma a defender nossos interesses nacionais em um mundo em rápida mutação.
Para nós, assim como para PLATÃO(IV A.C.b) e HEGEL(1837d) a base de tudo é o
homem, a sua visão de mundo e a sociedade que cria. O homem e a sociedade humana permitem
explicar a civilização
Como coloca COSTA(1996d) há uma dualidade primitiva, que contrapõe o homem e a
natureza. A mediação entre ambos foi, até a época das luzes, o trabalho; hoje ela é, também, a
ciência e a informação. Todavia, as contradições permanecem intocadas. Nem o trabalho, nem a
ciência, nem a informação conseguiram desvelar o ignoto. As perguntas iniciais - Qual a origem de
todas as coisas?; Quem conduz o processo da existência humana?- permanecem sem respostas.
` Entretanto, ainda como afirma COSTA(1996e) é inegável que o homem se aproximou do
Absoluto, desde que se levantou sobre as patas posteriores e andou em alguma planície deste, na
época, para ele, imenso planeta. E se aproximar do Absoluto se tornou possível porque o homem
assumiu a postura de responsável pela posição de seu contraditório: a natureza - materialização
primeira do universo. As razões desta aproximação com o Absoluto são várias. Uma, no entanto, é
unânime, em todos os pensadores que discutem o progresso humano: a vida social e a sua
acompanhante permanente, a vida política. E estas têm, como sua última criatura, o Estado
Nacional.
A idéia de Estado Nacional é um pensamento muito elaborado. Seu entendimento pressupõe
o caminhar por uma linha ininterrupta de idéias, através do espaço e do tempo, que ligam as hordas
às grandes potências. O Estado Nacional constitui o resultado das soluções silenciosas e
xxi
progressivas das questões que surgiram da convivência humana. Entretanto, a forma dessas
soluções sempre foi a mesma: o pacto. Seja aquele resultante da imposição do mais poderoso e que,
portanto, decorre da racionalização de desvantagens; seja aquele que advém da composição de
vontades, e que, portanto, resulta da racionalização de vantagens.
O pacto é, antes de tudo, um produto da razão. A linha que liga as hordas à sociedade atual -
à civilização - é um contínuo de pactos, sendo, talvez, a mais visível expressão da razão. O Estado
Nacional é a mais recente estação dessa linha ininterrupta de acordos. Não a última, mas a última
conhecida. Não definitiva, mas a última largamente praticada. Conhecer o Estado Nacional é
conhecer a história da razão e de seus pactos.
O entendimento de que o Estado Nacional resulta da razão é importantíssimo. O homem em
sua inteireza se defronta, individualmente, com muitas dualidades. As mais importantes para a sua
existência, são: o não conformismo versus a resignação e a razão versus a emoção. A resignação e a
emoção conceituamos como formadores da intransigência, enquanto que consideramos como os
estimuladores da conquista, pelo gênero humano, do universo, o não conformismo e a razão.
Sintetizamos, assim. E esta síntese nos acompanhará, ao longo desta obra.
A idéia de Estado resulta, portanto, da posição de ordenação do homem. Entretanto, esta
posição de ordenação se processa através de ondas sucessivas. Acompanhando a história da
civilização, se verificará, empiricamente, a formulação proposta e que nomeamos como teoria do
retardo.
Há ações que desencadeiam a desordem e há ações que restabelecem uma nova ordem, em
um novo patamar. Ruptura e equilíbrio transitório, estes se alternam. Nada pode explicar melhor a
marcha do processo de avanço da civilização, do que o aceite da teoria do retardo e das rupturas que
nela estão consignadas e que resultam da ação de ordenação do homem, fruto de seu não
conformismo. Ruptura processada segue-se uma nova ordem. Esta nova ordem é início de uma nova
desordem. De certa forma, isto se expressa nas idéias contidas nos versos, apresentados por
COSTA(1996f), abaixo:
Pérsia era o centro, Grécia era a periferia.
Pérsia era culta, Grécia era bárbara. Veio o tempo;
Grécia era o centro, Roma era a periferia.
Grécia era culta, Roma era bárbara. Veio o tempo;
Roma era o centro, o Império Bizantino era a periferia.
Roma era culta, o Império Bizantino era bárbaro. Veio o tempo;
O Império Bizantino era o centro, os árabes estavam na periferia.
O Império Bizantino era culto, os árabes eram bárbaros. Veio o tempo;
Os árabes estavam no centro, a Península Ibérica era a periferia.
xxii
Os árabes eram cultos, a Península Ibérica era bárbara. Veio o tempo;
A Península Ibérica era o centro, a Inglaterra era a periferia.
A Península Ibérica era culta, a Inglaterra era bárbara. Veio o tempo;
A Inglaterra era o centro, a América era a periferia.
A Inglaterra era culta, a América era bárbara. Veio o tempo;
A América é o centro. .A América é culta. .O tempo virá...
Estes versos, além de mostrarem, de forma singela, o predomínio sempre transitório no
processo de avanço da civilização, mostram, de forma inequívoca, a ruptura e o estabelecimento de
uma nova ordem, sucessivas vezes, no decorrer deste processo.
A simplificação estabelecida permite ainda concluir como coloca COSTA(1996g) que a
dinâmica do processo de avanço da civilização, que aqui foi nomeado como teoria do retardo, pode
ser assim resumida:
` Toda periferia busca o centro e toda a barbárie busca a cultura.
O centro exerce sobre a periferia dois papéis: o de repulsor e o de articulador. O centro é
estático, não se desloca, não tem a dinâmica, que é atributo exclusivo da periferia. O centro deve ser
sempre visto como um castelo sitiado. Contudo, como o castelo sitiado pode vir a ser ocupado o
centro pode vir a ser deslocado.
O papel de repulsor do centro repousa na capacidade que desenvolve de repelir o que aqui
serão nomeadas de forças de atração ou de avanço, e que resultam da busca do centro pela periferia.
Dentre essas, podemos citar: a migração, o comércio, o fluxo de idéias, etc. Quanto mais bem
sucedido for o centro na repulsão dessas forças, na transformação delas em forças centrífugas,
maior sucesso poderá ter o centro em permanecer centro.
O papel de articulador do centro reside na capacidade, que desenvolve, de organizar as
forças caóticas que existem na periferia, no sentido de compô-las, objetivando minimizar sua
resultante, buscando uma soma zero, o que, em muito, pode, também, contribuir para seu papel de
repulsor.
Já a cultura, esta exerce, sobre a barbárie, dois outros papéis: o de atrator e o de
organizador.
A função de atrator da cultura, algo imanente, é o que movimenta as sociedades, provoca,
inexoravelmente, a atração da periferia para o centro. A função de organizador dá à cultura a
capacidade de conduzir a barbárie de acordo com seus interesses.
A ruptura se processa quando a barbárie atinge o centro com força suficiente para se impor.
Não se trata, portanto, de algo que resulte de um determinismo. Nem toda periferia está fadada a
chegar ao centro, nem toda a barbárie está vocacionada para chegar à cultura. Trata-se de um
fenômeno de natureza similar ao da fecundação. A busca não é a materialização. Assim como só o
xxiii
mais competente espermatozóide é que pode fecundar o óvulo, assim, também, só a mais
competente barbárie é que pode provocar a ruptura. Não é a periferia que rompe o centro, é a
barbárie mais competente. E o primeiro passo para ser competente é se inconformar e não se aceitar
dependente.
De certa forma, essas colocações recuperam a visão de HEGEL(1837e), em sua inteireza.
Como o filósofo apresentou, a evolução histórica resulta da solução da tensão entre opostos, que se
dá de forma repentina. Desaparecendo os opostos, desaparecia, na visão do filósofo, aquela tensão.
Poderia, então, ser a conclusão, de quem esteja trabalhando sob a ótica de HEGEL(1837f), ao tratar
da dualidade centro e periferia, ou da dualidade barbárie e cultura, que existiriam soluções na tensão
entre esses opostos. Ao se tratar dessas dualidades as duas partes são múltiplas, o que garante uma
permanente tensão e conseqüentemente a imortalidade da história. Síntese feita, antítese colocada.
Novo centro, nova periferia. Nova cultura, nova barbárie. Cumpre, pois, recuperar HEGEL(1821c).
O sonho, fruto do espírito, é o impulsionador da história. E este sonho é muito mais claro e muito
mais forte na periferia e na barbárie. O que HEGEL(1821d) colocava em sua filosofia, a exemplo
do que já havia sido colocado por HERÁCLITO(V A.C.), era a permanente dinâmica. Existe
também uma dinâmica social. E a origem desta dinâmica é o sonho coletivo. Sonho que resulta e se
processa no âmbito de uma sociedade. Diferentemente do que usualmente se tem colocado, o maior
choque é o que se processa entre sociedades e não aquele que se dá dentro de uma sociedade. O
maior dos choques como coloca COSTA(1996h) é o que se dá entre o sonho coletivo de uma
sociedade emergente e a intransigência, ou seja, tudo aquilo que se opõe à dinâmica social. Ou seja,
fica claro em COSTA(1996i), que a intransigência nada mais é do que a ação do centro contra a
periferia, da cultura contra a barbárie.
Outro ponto, muito importante, é o fato que o centro nem sempre é cultura, pois esta sempre
só consegue preencher, plenamente, suas funções atratora e organizadora no centro, ou, melhor
dizendo, quando a antiga periferia passa a ser um novo centro. Por isso que o começo de um novo
centro é sempre na barbárie. Por isso que a cultura do antigo centro sempre é absorvida pelo novo
centro.
Este choque entre periferia e centro, que é condição para o sucesso do processo de avanço da
civilização, exige, do lado da barbárie, uma ação contestadora para processar a ruptura. E essa ação
contestadora resulta dos pactos que se processam no âmbito das sociedades periféricas. Resulta,
hoje, dada a complexidade das questões postas, de acordos que só poderão se processar no âmbito
do moderno Estado Nacional. Resulta da articulação coletiva que se expressa numa concepção
estratégica nacional e na montagem de uma vontade nacional.. Em tempo de regionalização, é
viável que a concepção estratégica nacional possa ser o da formatação de um Megaestado. A
política externa passa, então, a ser o elemento de ordenação da concepção estratégica nacional.
xxiv
Como coloca COSTA(1996j), para nós brasileiros, que somos considerados bárbaros e
periféricos, é chegado a hora de assumirmos a dinâmica, que estes atributos nos impõem. E esta
dinâmica se estrutura com um projeto nacional, fruto de uma estratégia nacional. Poderemos ser ou
não ser. Mas teremos de tentar. Se o conseguirmos, daremos ao processo civilizatório um novo
espaço em ser. Espaço este onde ibéricos, negros, índios, holandeses, mais antigamente, e
japoneses, alemães, árabes e italianos, mais recentemente, se sentiram latinos e trouxeram de novo o
Lácio para o centro da história.
xxv
Francesa, a cidadania se coloca como um valor maior e o projeto nacional deixa de ser o projeto da
casa reinante e passa a ser o projeto da cidadania. A partir de então, o Estado só se legitima, se cada
cidadão vir no projeto de seu Estado Nacional, no projeto nacional, o seu próprio projeto.
Como COSTA(1998k) coloca, a periferia do processo civilizatório, ao final do século XVIII,
englobava toda a Europa Continental, excluída a França e os demais continentes. Como se
comportaram as nações que buscavam o centro?
Como se comportaram os antigos retardatários, aqueles que tinham, além dos meados do
século XIX, um amplo mercado interno e que buscavam viabilizar antigos Estados Nacionais
estruturados? Como se posicionaram o Império Austro-Húngaro, a Rússia, a Alemanha, o Império
Otomano, a Itália, os Estados Unidos e o Japão, que aqui nomearemos como os antigos
retardatários? Em primeiro lugar, estabeleceram como seus principais objetivos ter um Estado
Nacional moderno e criar uma sociedade industrial.
O entendimento do que vem a ser um Estado Nacional moderno e uma sociedade industrial é
de extrema importância para essa exposição.
Entendemos como Estado Nacional moderno aquele em que a sua vontade é coincidente
com a dos seus cidadãos e que tem como contraponto o antigo estado nacional, em que a vontade
resultava exclusivamente da sua casa reinante, ou de sua elite dirigente.
Entendemos como sociedade industrial não, exclusivamente, criar um sistema industrial
dentro das fronteiras de um território nacional, mas ir muito além disso, dando condições à
população, que habita aquele território, de participar dessa criação, usufruindo dos bens que vierem
a ser gerados nesse sistema.
Mas se os antigos Estados Nacionais estruturados buscavam como política criar um Estado
Nacional moderno e uma sociedade industrial, necessitavam dotar-se, para atingir esses objetivos,
de uma Estratégia Nacional, fruto de uma concepção estratégica de Estado e de uma vontade
nacional. A título de ilustração, analisemos o comportamento desses retardatários:
O Império Austro-Húngaro buscou uma concepção estratégica muito limitada. Talvez em
decorrência do seu processo de formação - que se deu pela assimilação, ao longo do século XVIII,
de diversas nacionalidades, no centro europeu, sob um predomínio germânico - a concepção
estratégica austro-húngara resumia-se a uma formulação européia. A síntese dessa concepção seria
o domínio dos Bálcãs e o acesso crescente ao Mar Mediterrâneo. A diplomacia austro-húngara, ao
final do século passado e ao início desse século, moveu-se claramente com esses objetivos.
Entretanto, a questão das nacionalidades minou todas as tentativas feitas pela ação diplomática. Não
se tornou possível criar-se uma única vontade nacional que respaldasse a ação diplomática. O
Estado Nacional moderno, sem um projeto nacional, mantido através de uma vontade nacional, não
existe. O Império Austro-Húngaro não conseguiu ser um Estado Nacional moderno. Também não
xxvi
conseguiu ser uma sociedade industrial. Ao iniciar-se a Primeira Grande Guerra, a produção
industrial do Império Austro-Húngaro era incipiente, se comparada com outros retardatários como a
Alemanha ou o Japão, e excessivamente concentrada em áreas germanizadas, como a Áustria e os
sudetos da Tchecoeslováquia. Sem ter sido um Estado Nacional moderno, sem ter sido uma
sociedade industrial, vitimado em decorrência de não ter conseguido impor uma vontade nacional às
suas nacionalidades, fruto, talvez, também, de sua limitada concepção estratégica, o Império
Austro-Húngaro fragmentou-se com sua derrota na Primeira Grande Guerra e, de retardatário,
passou a ser só parte de nossa história.
A Rússia contava com uma ampla visão estratégica. Buscava um domínio sobre a Europa e
Ásia e daí o predomínio mundial. Para tanto, desdobrava-se sobre os Bálcãs e expandia-se sobre o
Extremo Oriente. A Rússia de todos os retardatários teve a trajetória mais conturbada. A idéia da
criação de um Estado Nacional moderno nunca conquistou plenamente a elite dirigente russa no
século XIX. Presos ao estado absolutista, que lhe proporcionava tantas vantagens, a aristocracia
russa não via com bons olhos compartilhar seus ideais com o povo russo. A sociedade industrial
como concebemos não era desejada como objetivo final. A industrialização era vista como um meio
de instrumentalizar-se a concepção estratégica. Na época dos tzares, os meios eram os fins e os fins
eram meios. A revolução bolchevique, antes de ser uma validação às teses marxistas de lutas de
classes, é muito mais uma ruptura entre o povo russo e as suas elites dirigentes. É a resultante
explícita das forças anímicas presentes na nação russa, fruto de sua história, desde a formação do
Grão-Ducado de Moscou, assim como, também, o é o recente estilhaçar do Estado Soviético. Nada
é mais definitivo, na defesa dessa posição, do que o comportamento do Estado Soviético no
decorrer da Segunda Grande Guerra. Ao longo de todo o conflito, o que se defendia não era o
Estado Soviético, mas a velha Mãe Rússia. O Estado Soviético buscou criar uma sociedade
industrial. Buscou criar um Estado Nacional moderno. Entretanto, o sistema econômico que adotou
não lhe deu condições de dotar o povo russo de uma convincente vontade nacional. Sem vontade
nacional, a busca ao centro transforma-se numa viagem no labirinto. E é isso que ainda está
acontecendo, ainda hoje, com a sociedade russa.
A Alemanha, no início da segunda metade do século XIX, buscava, antes de tudo, se tornar
um Estado Nacional. Para isto, contava com a Prússia que, antes de ser um Estado que contava com
um exército, era um exército que contava com um Estado. A Prússia, após duas guerras, com a
Áustria e com a França, pode reunificar os alemães e criar um grande Estado no centro da Europa.
Este Estado, sob a égide de Bismarck, talvez tenha sido o que mais claramente tenha explicitado a
busca pela criação de um Estado nacional moderno e de uma sociedade industrial. Sua concepção
estratégica era clara: o domínio da Europa Continental, daí o domínio da Europa e Ásia e do
Mundo. A educação deveria ser o suporte para a criação de uma vontade nacional. A Alemanha, na
xxvii
sua busca ao centro, envolveu o Mundo em duas guerras mundiais. Foi perdedora em ambas. Perdeu
parcela de seu território em ambas. Mesmo assim, chegou ao centro, como veremos mais adiante.
Qual o seu segredo?
O Império Otomano nunca conseguiu ter uma concepção estratégica. Ao longo de todo o
século XIX, sofreu uma progressiva decadência. Sem ter estabelecido uma política que privilegiasse
a montagem de um Estado Nacional moderno e uma sociedade industrial, o Império Otomano
abdicou da busca do centro. Quando acordou, em 1908, era para ele muito tarde. A revolução dos
jovens turcos, que estabelecia como política a busca daqueles objetivos, veio tarde. Logo veio a
Primeira Guerra e, com ela, a partilha do Império Otomano. Sem política, sem ter, portanto,
concepção estratégica, sem vontade nacional, o Império Otomano deixava de existir.
A Itália, a exemplo da Alemanha, também buscava, no início da segunda metade do século
XIX, a sua constituição como nação. Conseguido esse objetivo, partiu a nação italiana para a busca
ao centro. Buscava, também, a criação de uma sociedade industrial e de um Estado Nacional
moderno. Muniu-se de concepção estratégica. Tendo sido sede do maior império da antigüidade, a
Itália procurou reviver, no espaço, algo que o tempo não permitia. Procurou recriar a concepção
estratégica de Roma. Dominar a Bacia do Mediterrâneo e, com esse domínio, dominar a Europa.
Contudo, essa estratégia era neste momento inadequada. A concepção estratégica, que há 2000 anos
era definitiva, não se adequava à conjuntura do século XX. Espaço e tempo serão sempre a razão de
tudo. A concepção estratégica italiana foi limitada. Sua vontade nacional não se explicitou e a Itália
chega ao centro como coadjuvante, assim como o centro antigo, a Inglaterra e a França, de um ator
maior, a Alemanha, na União Européia.
Os Estados Unidos tornam-se independentes no mesmo instante histórico em que se
processa o rompimento no modo de agir, a revolução industrial, e na maneira de pensar, a revolução
francesa. A busca desses novos paradigmas transformou-se no objetivo maior da sociedade
americana. Desde sua independência, os Estados Unidos formularam uma concepção estratégica
ampla. Esta concepção, exposta por FRIEDMAN e LEBARD(1991), pode ser assim resumida: o
domínio da massa territorial norte do hemisfério ocidental, ou seja, da América do Norte; não
permitir que um país ou coligação de países do hemisfério ocidental ameace seu predomínio nesse
continente; não permitir que um país conquiste a supremacia absoluta na Europa e Ásia; e,
finalmente, ter o controle do tráfego marítimo no Atlântico Norte e no Pacífico. Ao lado dessa
concepção, o Estado Nacional Americano tem procurado dotar a sociedade americana de vontade
nacional. Ao longo de todo esse século, utilizando-se de propaganda e dos novos meios de
comunicação, tem-se procurado incutir na sociedade americana valores que objetivam
exclusivamente fortalecer a vontade nacional. Pela heterogeneidade ética, racial e religiosa do povo
xxviii
americano, esses valores não emergiriam naturalmente. Ao término da Segunda Grande Guerra, os
Estados Unidos atingiram os seus objetivos e se estabeleceram no centro.
O Japão, quando foi forçado a romper o seu isolamento, a partir do início do século XIX,
defrontou-se com a necessidade de buscar o centro, pois a outra opção era a de ser mais um
território do contencioso colonial do centro e dos antigos retardatários. As elites japonesas
preferiram, entre a posição de colônia, que a Índia adquiria, e a posição de espaço a ser ocupado que
a China estava se tornando, buscar um lugar entre os antigos retardatários. E, para isto, resolveram
copiar o que de melhor havia no centro da época e nos seus possíveis companheiros de viagem. O
seu maior paradigma foi, sem dúvida, a Alemanha “bismarckiana”, como demonstra a constituição
que promulgaram em 1889. A busca da criação de uma sociedade industrial e de um Estado
Nacional moderno já eram princípios de ordenação na chamada Reforma Meiji, em 1867. O
isolamento a que foram submetidos deu aos japoneses um extremo impulso à criação de uma
vontade nacional. Contudo, sua concepção estratégica foi limitada e resumiu-se ao domínio das
margens da Bacia do Pacífico.
Passados dois séculos das rupturas, no final do século XX, três desses retardatários disputam
o centro: os Estados Unidos da América, a Alemanha e o Japão. Todos dotados de concepção
estratégica, todos dotados de vontade nacional. Todos os três adeptos da doutrina do
intervencionismo e do nacionalismo econômico. A economia, para eles, sempre foi vista como uma
ferramenta a ser utilizada pelo estado na busca de uma concepção estratégica, ou como um
elemento primordial para a formulação de sua política. Nunca foram liberais. O liberalismo
econômico, que hoje praticam, coaduna-se perfeitamente, com os postulados desta doutrina, como
está perfeitamente sintetizado no trecho abaixo, do livro “Sistema Nacional de Economia”, do
economista alemão LIST(1841):
“A história ensina que as nações ... podem e devem modificar seus sistemas de acordo com
o estágio de seu próprio progresso: no primeiro estágio, adotando o comércio com nações mais
adiantadas como meio de saírem de um estado de barbárie; no segundo estágio, promovendo o
crescimento das indústrias, pesca, navegação, adotando restrições ao comércio; e no último
estágio, após atingir o mais alto grau de riqueza e poder, retornando ao princípio de comércio
livre ... de maneira a que seus comerciantes e industriais possam ser preservados da benevolência e
estimulados a conservar a supremacia que adquiriram.”
Concepção estratégica e vontade nacional são os ingredientes primordiais, como a história
nos mostrou nos últimos 200 anos, capazes de conduzir um Estado Nação para o centro, capazes,
portanto, de preencher os reclames, ainda atuais, de uma nação ser uma sociedade industrial e um
Estado Nacional moderno.
xxix
De toda a análise, resulta claro que para se vencer o retardo é necessário: primeiro, ter claro
que a solução das questões sociais de uma sociedade passa, obrigatoriamente, pela sua solução
como sociedade industrial; segundo, que isto só é, modernamente, possível pela constituição dessa
sociedade como nação; terceiro, que nação se constrói com um Estado Nacional moderno e com
defesa dos interesses nacionais e que isto no campo econômico é protecionismo; e quarto, o que é
extremamente importante, que cabe a esse Estado prover essa sociedade de uma concepção
estratégica e de vontade nacional. Daí porque a relevância do tema.
Todavia, entre os dois últimos ingredientes, concepção estratégica e vontade nacional, a
serem providos pelo Estado, existe uma clara hierarquia. É da concepção estratégica do Estado que
se extrai parcela relevante dos dados capazes de criar e de manter uma vontade nacional. E
concepção estratégica decorre primordialmente da forma como um Estado Nacional olha o mundo e
nele busca se inserir.
O pressuposto a ser seguido nesta tese é que o melhor caminho que se afigura na inserção
internacional do Brasil, a razão atual de sua concepção estratégica, é a cooperação sul-americana.
Este é pois o tema desta proposta de tese e se insere plenamente na concepção estratégica do Brasil,
como está exposto na CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL(1988), no
parágrafo único, de seu artigo quarto:
A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e
cultural dos povos da América Latina visando à formação de uma comunidade latino-americana
de nações.
Cabe, entretanto, uma reflexão maior sobre este posicionamento novo da concepção
estratégica nacional. Do alinhamento automático ocidental, que mantivemos, ao longo de toda
guerra fria, das vantagens daí decorrentes, deparamo-nos com uma nova época, que é dita de
globalização, como coloca OHMAE(1991) onde tudo mudou. Uma coisa, entretanto, não mudou, a
globalização do século XX. é o imperialismo do século XIX e o mesmo colonialismo do século
XVIII.
Aliás sobre o século XX, é inteligível que o Ocidente, durante as décadas que vão de 50 a
80, portanto, em plena vigência de um sistema dual de poder, como coloca KISSINGER(1994a),
conforme a ordem mundial de então, os países componentes do G-7 (EUA, Canadá, Alemanha,
França, Itália, Reino Unido e Japão) promovessem, patrocinassem e estimulassem o
desenvolvimento das regiões sob suas influências, em consonância com a política “de fazer
prevalecer sua ideologia” Deste modo, neste final de século, após o fim da guerra fria, é natural que
mudassem o discurso em prol da nova roupagem do velho tema e acentuassem um novo discurso e
forjassem novas antigas políticas que viessem a ser planejadas e estabelecidas nos países mais
desenvolvidos, visando a manutenção de suas hegemonias; não deixando outro espaço a periferia,
xxx
senão, a uma nova colonização, a dita globalização . É o centro procurando exercer suas funções
articuladora e repulsora. É a cultura buscando exercer seu papel atrator e organizador.
Sob a lei natural o mercado repudia qualquer intervenção que busca à ordenação, pois há o
entendimento que o próprio choque de interesses, que ocorre em seu interior, o organiza. Há, de
acordo com esta visão, uma mão invisível que tudo ajusta, tudo coloca no seu devido lugar. A ação
individual na busca de sua máxima satisfação se encarrega por si só, ao chocar-se com outras ações
individuais, de, naturalmente, construir uma estrutura, que classificam como ordenada e nomeiam
de mercado. Não existe uma ordem coletiva humana estabelecida no mercado, existe sim, uma
organização que se processa com o deveio e não tem nenhum compromisso com o devir, senão o
que é natural. Sob a égide da lei natural, o mercado privilegia o consumidor e coloca como objetivo
final de todo o processo econômico o consumo.
Já, sob a ordem racional, a idéia de mercado é uma idéia estruturada. O mercado é algo que
se organiza, se estrutura. O mercado é, para os que advogam a necessidade de uma ordem racional,
xxxi
o dinâmico resultado de sucessivas intervenções. O espaço pode ser delimitado. O homem deve
intervir. As transações econômicas podem ser previstas. Há, de acordo com esta visão, a
possibilidade de se impor uma organização, uma utilização racional aos fatores de produção; de se
impor uma ordem racional pela adoção de progressivas intervenções. Sob a égide da ordem racional
o mercado tem de privilegiar a cidadania e deve colocar a produção como objetivo final de todo o
processo econômico.
Os Estados Nacionais modernos, por mais que possam vir a dizer o contrário, como bem
coloca REICH(1991), nunca abandonaram a possibilidade da estruturação. Nunca abandonaram a
idéia que o mercado é algo que se estrutura. Nunca abandonaram a intervenção.
A intervenção sempre se processa submetida aos determinantes últimos de todos os
processos humanos: ao espaço e ao tempo. Toda intervenção se estrutura em um determinado
espaço e a um dado tempo. Toda intervenção, é uma ação em busca de um fim a ser atingido. E para
o atingir temos de dispor de meios. Meios e fins são os instrumentos que estão presentes em toda
intervenção.
A intervenção se processa de duas formas: a que justapõe o homem com a natureza e teve
como mediação, primeiro o trabalho, depois, o trabalho e a ciência, e mais recentemente, o trabalho,
a ciência e a informação; e a que nos interessa mais diretamente, a que relaciona o homem com o
homem, que foi mediada pelo quer veio a se denominar modernamente como estratégia.
Estratégia pode ser, inicialmente, definida como a mediação que se processa entre os
homens, ou sociedades humanas, numa intervenção. Algo que se explicita dessa análise é que a
estratégia é o pressuposto racional de uma intervenção que envolve uma ação coletiva. A
intervenção sempre que envolveu uma ação coletiva sempre se processou seguindo uma das três
modalidades de contato:
Cooperação - quando dois ou mais homens ou sociedades se unem em busca do mesmo
objetivo;
Competição - quando dois ou mais homens ou sociedades buscam o mesmo objetivo,
preservando, nessa busca, algumas regras acordadas;
Conflito - quando dois ou mais homens ou sociedades buscam o mesmo objetivo, não se
prendendo a nenhuma regra previamente acordada.
Repetindo, a mediação que existe nas três modalidades de contato acima colocadas é a
estratégia. O nosso objetivo é propor uma estratégia de cooperação do Brasil com os demais países
sul-americanos.
Entretanto, no passado, como bem colocou RAPOSO(1992b), a estratégia só adquiria foro
próprio no conflito. Na antiga Grécia, era conceituada como a arte dos generais. Do Renascimento
xxxii
até o século passado, a estratégia era tida como a arte da guerra. Modernamente, a estratégia tem
uma definição muito mais elaborada e abrange as três modalidades de contato.
As razões dessa evolução encontram sua explicação na história. Nos meados do século XIX,
houve um considerável avanço no conhecimento da estratégia, principalmente, devido aos conceitos
do pensador alemão CLAUSEWITZ(1832a), que enfatizou, em sua análise sobre o tema, a ação de
fatores sociais no choque entre oponentes racionais e a subordinação da estratégia ao fator político.
Contudo, o conceito de estratégia só transcendeu o restrito campo militar, no presente século, com a
deflagração das duas guerras mundiais. A I Guerra Mundial, ao envolver populações civis em
operações militares, ensaiou o que se convencionou chamar de guerra total, e reformulou o
conceito, então existente, de estratégia. A estratégia teria de extrapolar, no conceito de guerra total,
seu escopo exclusivamente militar. Teria que açambarcar formulações que mobilizassem a
população, os meios de produção e os transportes. Impunha-se uma visão total da idéia de
estratégia, algo que veio se nomear como macro estratégia ou como mais se conhece como
estratégia nacional. Mas foi durante e após a II Grande Guerra, que se consolidou este novo
conceito de estratégia. Ademais, após este conflito, o novo conceito de estratégia havia ultrapassado
sua ligação primitiva com a sobrevivência, a segurança; sendo empregado, também, para fins de
desenvolvimento.
A transformação do primitivo conceito de estratégia, preso a uma visão exclusivamente
militar da vida humana, para outros espaços da existência, como o campo econômico, cultural,
político, técnico e científico, conduziu a outras adjetivações do termo estratégia. Contudo, o tronco
central, que se seguiu a raiz presa na visão militar do termo, deu origem ao que se convencionou
chamar de estratégia nacional.
Entretanto, a evolução do conceito de estratégia, se de um lado a estendeu através de
diversos campos da ação humana, de outro a colocou, definitivamente, ligada a dois outros
conceitos: o de política e o de poder. A estratégia é como se fosse um dos vértices de um triângulo
indissolúvel, que tem na política e no poder seus outros dois vértices. Não é demais ressaltar que a
estratégia também é aqui um conceito básico e fundamental muitas das vezes quase se isolando dos
dois outros conceitos a ela ligados, na origem e na finalidade: o poder e a política.
Estratégia, política e poder são formas novas de se analisar uma intervenção, são formas
novas de se organizar os meios e os fins, que, como vimos, são os instrumentos e objetivos últimos
de toda a intervenção.
A política, no triângulo indissolúvel, estabelece o que fazer, qual o fim procurado, o poder,
com o que fazer., com que meios se dispõe para se buscar o fim, e a estratégia, o como fazer, como
se dispor dos meios para se atingir o fim. Com estes três ingredientes unidos e ajustados , isto é,
com o triângulo indissolúvel processa-se a intervenção.
xxxiii
Numa armação mais definida do processo, assim se explicitam os três vértices do triângulo
indissolúvel, como coloca o MANUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA(1976a):
• Estratégia é a arte de preparar e aplicar os meios para se conquistar e manter os objetivos
pretendidos.
• Política é a arte de estabelecer objetivos ao se interpretar os interesses e aspirações, e de
orientar a conquista e a preservação daqueles objetivos.
• Poder é a expressão e a conjunção integrada dos meios de que se dispõe para conquistar e
manter os objetivos pretendidos.
Voltando-se à idéia da intervenção, pode-se afirmar que sempre ela tem o seu melhor
momento. Pode-se, muitas das vezes, se determinar este momento. Quando isto é possível, também
é possível modificar-se o triângulo indissolúvel, particularmente, o seu vértice poder. Esta alteração
pode ser conseguida pela transformação, ao longo do tempo, de algo fora do triângulo, mas
acessível, tido e chamado como potencial, em poder, ou seja, utilizando-se do tempo para apropriar-
se de novos meios.
Toda intervenção se processa, portanto, sobre um espaço e num dado tempo.
Na lógica da ordem racional a intervenção tem de ser planejada. Toda a intervenção em
decorrência de ser uma ação consciente e racional tem de ser uma ação planejada, devendo resultar,
portanto, de vontade e de conhecimento. Devendo resultar, portanto, de fé e de razão. Deste fato
decorre a assertiva que planejar é uma atividade exclusivamente humana, já que, de todos os seres,
os homens são os únicos dotados de fé e de razão.
O triângulo indissolúvel sempre se posiciona, também, no plano nacional articulando a
política nacional, a estratégia nacional e o poder nacional. Neste plano, a política prende-se,
sobretudo, nos fins a alcançar para o Estado Nacional; cuidando de interpretar aspirações e
transformá-las em objetivos nacionais. Ela sempre tem de ir além, organizando o poder nacional,
criando meios e os desenvolvendo, sempre, em benefício da comunidade nacional. A política
nacional, ao interpretar as aspirações e interesses e ao transformá-los em objetivos nacionais, para a
consecução ou manutenção, em determinado prazo, o faz mediante uma concepção política, que dita
os rumos de uma concepção estratégica.
Já a estratégia, como vimos, preocupa-se, principalmente, com os meios que disporá para
atingir os objetivos fixados pela política. Na dimensão nacional a estratégia preocupa-se,
primordialmente, com os meios que disporá, para a consecução dos objetivos nacionais traçados
pela política. Na verdade, a estratégia nacional cria a forma de traduzir a vontade política ao mesmo
tempo que a busca impor. A estratégia nacional prepara o poder nacional, define opções, propõe a
linha de ação mais favorável a ser seguida, considerando, para tanto, os recursos disponíveis, os
xxxiv
esforços a serem realizados, as prioridades a serem adotadas e os riscos a correr, pelo Estado, na
implementação da decisão tomada.
A estratégia nacional vincula-se a política nacional pelos objetivos que esta estabelece e
pelos riscos para atingi-los ou mantê-los.
Todo estudo de estratégia nacional passa, obrigatoriamente, pelo estabelecimento de
objetivos nacionais e por uma avaliação do potencial nacional e de sua possibilidade temporal de
transformar-se em poder nacional. Houve, portanto, a partir das rupturas do final do século XVIII,
uma colocação no plano nacional do fenômeno estratégico, uma extensão de seu conceito até a
categoria, como colocado, de mediação, já que a estratégia, de uma postura exclusivamente militar,
passou a envolver outras variáveis e começaram a se esboçar os limites entre a política e a estratégia
e as relações entre elas e o poder.
Esta transformação conduz a configuração hodierna da política, cujos estudos abrangem os
níveis teórico (filosófico e científico) e prático (técnica e arte) - ela, como “práxis” é entendida
como arte de organizar e governar um estado e de dirigir suas ações, interna e externamente. A arte
do estadista, o político realizado, como diz RAPOSO( 1992c) é a mais complexa de todas as artes,
definindo objetivos e orientando os destinos de um Estado Nacional, interna e externamente.
A política, como posta na visão “bismarckiana” da arte do possível, preocupa-se com os fins
(objetivos), define os meios para buscá-los, promovendo a consecução ou a manutenção dos
objetivos. A política nacional deve preocupar-se decisivamente com o bem comum da sociedade
nacional e a sobrevivência do Estado Nacional, cuidando do poder e do seu fortalecimento.
A política nacional se incumbe, portanto, de interpretar a cidadania, seus interesses e suas
aspirações, traduzindo-os em objetivos a serem conquistados ou mantidos por determinado prazo.
Envolve, pois, um complexo de atividades que se traduz por uma concepção política, que se coloca
pelos objetivos a serem perseguidos. Para o Estado Nacional, a política nacional cuida dos
seus negócios, interpreta e formula os seus objetivos e organiza o poder nacional, criando meios e
os desenvolvendo em benefício da comunidade nacional.
Há, contudo, uma faixa de indefinição, entre estratégia nacional e política nacional. Melhor
dizendo, a política nacional e a estratégia nacional de vértices do triângulo, avançam e se articulam
no lado do triângulo que os une, quando a política, a arte do estadista, assume-se estrategista, ao
assinalar rumos, direção geral do esforço e metas, assim como a estratégia, arte do estrategista,
assume-se estadista, quando aplica o poder.
Poder nacional é, na maioria das vezes, sempre, ligado a capacidade militar, o que é até
explicável pelo fato da guerra ser sempre a última e definitiva aplicação do poder. Apesar de
vivermos em um mundo ameaçado pelo suicídio coletivo, decorrente da existência de artefatos
nucleares, esta visão é cada vez mais desfocada. Poder nacional é o resultado de uma integração
xxxv
multidimensional de poderes. Um Estado Nacional pode parecer poderoso porque possui muitos
ativos militares. Entretanto, esses ativos podem ser inadequados contra os inimigos potenciais ou
podem não ser apropriados para a natureza do conflito, como bem coloca SCHWEIZER(1994).
Repetindo, a questão ainda é a mesma: Poder em relação a quem? E com respeito a que?
O poder nacional decorre, mais, hoje, de outros fatores, que já se faziam presentes, do que o
poder militar. Nenhum poder nacional foi fruto exclusivo, no passado, de sua componente militar. E
muito menos o será no futuro. Nenhum elemento sozinho é definidor de poder. Para exemplificar
podemos citar que o tamanho do Brasil, a população da Índia, a indústria da Suécia, o exército da
Suíça não dão a estes Estados Nacionais uma posição de primeiro plano na pirâmide mundial do
poder. A idéia do poder nacional baseado em um único fator é sempre uma idéia errada.
Só para fins didáticos é que se consegue separar os elementos determinantes do poder
nacional. Conjugados, eles constituem os meios que se dispõem para se atingir os objetivos
nacionais pretendidos.
Poder nacional é algo relativo, não é absoluto. Nenhuma nação teve, tem ou terá poder
absoluto. O poder é algo relativo e sempre correlacionado aos outros atores presentes na arena
internacional. Dizer que os Estados Unidos são a nação mais poderosa da Terra é algo só possível
de ser dito, porque está precedido de uma comparação de seu poder, com os demais poderes
existentes.
Assim, como não se pode confundir potencial com poder, não se deve confundir potencial
nacional com poder nacional. A capacidade de uma nação converter seu potencial nacional em
poder nacional é algo, muitas das vezes, próximo do intangível e deve ser imaginado, em várias
considerações, pelo menos nas relativas a capacidade de condução do governo e as de unidade de
propósitos da sociedade nacional. Na verdade, também, o poder nacional só pode ser avaliado no
meio que lhe cerca.
Todo triângulo que conjugue poder, política e estratégia deve se explicitar, sob a ordem
racional, em um planejamento. Assim, também, o triângulo deve se explicitar, em um plano
nacional, em um planejamento nacional. A estratégia preocupa-se sempre com os meios. Ao
apresentar, através da sistemática do planejamento, o que veremos na metodologia, a relação meios
–obstáculos - fins estará sempre voltada para a ação decorrente da intervenção. Caberá, portanto,
apresentar, ao tratarmos da metodologia, a concepção que fundamenta a atividade do planejamento,
o instrumento de trabalho que deu base a tese.
O Estado Nacional, ainda, é o mais importante ator no cenário internacional. Deve-se
reconhecer, contudo, que, em décadas recentes, forças e tendências tem produzido uma série
multicentrada de atores transnacionais, que se têm feito cada vez mais presentes no mundo
xxxvi
tradicional dos estados soberanos. Tem-se processado, portanto, deve-se reconhecer, em anos
recentes, uma alteração no poder nacional
Cabe aqui, outra reflexão que se vincula ao tema da proposta de tese e diz respeito ao
conceito de poder nacional. Para finalizar, lembramos que o poder é uno e indivisível, sendo
perseguido, tanto pelos países desenvolvidos como, também, por todos aqueles países que
acreditam na sua soberania e no seu desenvolvimento. Compartilhá-lo não lhe retira a unidade, nem
o divide, só o fortalece.
Todo este esforço de apresentação do triângulo indissolúvel tem sentido, pois, ele estabelece
no imaginário o sistema de idéias, que sustenta a intervenção, ou seja, em nosso caso, a cooperação
sul-americana, e a forma racional de executá-la.
xxxvii
O poder tem sempre um desígnio. Este é o seu verificador. O poder está sempre associado ao
seu objeto. Poder só tem sentido quando referenciado a quem e com respeito a que.
O poder se materializa através de um desejo imediato, logo, é um produto da vontade e é,
sempre, exclusivamente, um meio para se atingir um determinado fim. Aqui está uma questão
central para os cratólogos, os estudiosos do poder. O poder é algo totalmente diferente do
potencial..
Poder não é a capacidade de se fazer alguma coisa. Isto é potencial. Entretanto, a palavra
poder é muito empregada para dar este sentido. Poder é o exercício do potencial. A capacidade, o
potencial, não deve ser nunca confundido com o exercício da capacidade, o poder. O potencial
necessita do sopro da vontade para ter vida e ser poder. Entre eles existe o elo fundamental que
caracteriza o poder: a vontade. Poder tem vida e esta vida está na vontade.
Poder, como sabemos, é fazer acontecer. A utilização do poder visa defender ou alcançar
objetivos traçados pela política.. Poder se manifesta nas intervenções. Como já vimos, as
intervenções se processam de duas formas: as que justapõem o homem com a natureza e as que se
processam do homem com o homem.
O poder se expressa na relação do homem com os demais seres racionais pela sua
capacidade de influenciar no comportamento deles. Neste caso, o poder interage com a estratégia.
Contudo, o poder sempre resulta, em última instância, da apropriação da natureza pelo homem, já
que, o poder sempre resulta como foi dito do domínio relativo das variáveis últimas da natureza: o
espaço e o tempo. O poder se expressa nas relações com a natureza pela capacidade do homem
alterá-la para os seus desígnios. Neste caso, o poder decorre do trabalho, e/ou da ciência, e/ou da
informação.
Existe, também, a visão do poder como um fim, como um objetivo, quando se busca manter,
balancear ou aumentar o próprio poder. Neste caso, se poderia, erroneamente, afirmar que o poder
resulta da razão. Na verdade, a busca ao poder é, exclusivamente, o objetivo de uma política.
Portanto, é um fim buscado e como todo fim, buscado pela razão. Mas, ainda, neste caso, o poder
também resulta da vontade, pois a sua materialização é fruto da vontade.
O poder é algo que se mede só quando é empregado. Entretanto, o crédito, de sua existência
e de sua mensuração, é algo fundamental, pois também, gera poder. O que se acredita em termos de
poder é algo muito importante.
Assim, também, se processa com o poder nacional. Entretanto, a meta aqui é de dar a este
poder a característica de suporte à estratégia nacional.
Cabe-nos, finalmente, relembrar que o poder nacional de um estado A, em relação a um
outro estado B, é a capacidade que A tem de influenciar B, de acordo com os seus interesses, a fazer
algo, a continuar a fazer ou a não fazer algo. Os estados usam o poder nacional para alcançar seus
xxxviii
objetivos nacionais. Um ponto extremamente importante na visão de poder nacional é a idéia do
poder de dissuasão, ou seja a capacidade que o estado A tem de influenciar o estado B a não fazer
algo. A capacidade de A influenciar B a não fazer algo, resulta do fato de que B percebe, não só,
que A é capaz de preveni-lo neste sentido, como, também, é capaz de fazer ocorrer a prevenção
colocada.
xxxix
alternativas e prever resultados; decidir sucessivamente em diversas fases; e escolher ações a
realizar em termos de tempo, espaço e meios.
O tempo é de fundamental importância em todo processo de planejamento. Ele se desdobra
em um conceito que difere as soluções pelo curto, mais próximo no tempo, e pelo longo prazo. O
tempo é um agente de ruptura da ordem conhecida. Pode vir a ser um agente de ruptura da ordem
desejada. A tendência é muito mais um elemento do curto prazo, pois o pressuposto é de que o
tempo faz crescer exponencialmente a possibilidade de ruptura, Assim como é um elemento que
pode conspirar contra uma ordem projetada, o tempo também pode ser visto como um instrumento
que facilita a construção de uma nova ordem pela capacidade que possui de articular processos.
O espaço também é extremamente relevante para o planejamento. É dele a determinação do
problema e a sua delimitação. O espaço inclui algo que é primordial para o planejamento, ou seja, a
determinação clara e precisa do com que se defronta, ou do que se pretende, ou do que se precisa e
onde se fará exercer o seu esforço.
Espaço e tempo são utilizados quando se definem a amplitude do planejamento.
Genericamente, planejamento em amplo espaço e de longo tempo é considerado estratégico,
planejamento em espaço limitado de longo prazo ou de amplo espaço e de curto prazo é
considerado tático, enquanto que, planejamento localizado de curto prazo é tido como operacional.
A questão do espaço se faz também presente quando se processa a cooperação entre diversos
órgãos ou entidades para participar em um planejamento. Caso exista entre estes órgãos ou
entidades uma interdependência, além da coordenação do planejamento, far-se-á necessário a
integração das ações planejadas, isto é, o planejamento mediante ações integradas. A efetivação do
planejamento, mediante ações integradas, deve ser encarada sobre dois aspectos:
i) a integração horizontal, quando o planejamento se processa entre órgãos ou
entidades de mesmo nível, onde se faz necessário permanentemente a adoção ao longo de todo
processo de decisões de acomodação; e
ii) a integração vertical, quando o planejamento se processa entre órgãos de
diferente níveis, onde se faz necessário uma harmônica hierarquização encadeada do planejamento,
e que conduz a sucessiva criação de pontos de referência, que sem cercear a iniciativa do órgão de
nível inferior o obrigue a desenvolver suas atividades dentro dos limites impostos no quadro geral
das decisões dos níveis superiores.
Alguns princípios gerais que orientam uma atividade de planejamento merecem ser
destacados. Quais sejam:
Universalidade -- O planejamento deve abordar todos os aspectos do problema e
prever, até onde seja possível, todas as suas conseqüências;
xl
Unidade -- Todas as partes de um planejamento devem, reunidas, formar um único
conjunto integrado;
Objetividade -- Todo o planejamento deve desenvolver-se sem perder de vista o
objetivo que lhe deu origem e a realidade que o cerca;
Economia de meios -- Todo o planejamento deve perseguir além da eficácia a
eficiência, isto é, deve preocupar-se em conseguir o máximo rendimento, através do emprego
eficiente, racional e judicioso dos meios necessários e disponíveis;
Segurança -- Todo planejamento deve buscar a maior segurança possível pela
utilização de informações objetivas que proporcionem o acompanhamento das condições internas e
externas do que está sendo planejado;
Coordenação -- Todo planejamento objetiva a integração de todos que estão a ele
vinculados;
Disciplina intelectual -- Todo o planejamento deve ser realizado em obediência à
orientação e outras prescrições contidas em diretrizes superiores, assegurando fidelidade de
propósito ao que está sendo planejado;
Flexibilidade -- Todo planejamento deve ser conduzido de forma a assegurar a
flexibilidade necessária para atender às contingências.
A seguir faremos uma descrição pormenorizada das fases do planejamento.
Como o planejamento é um processo integrado, só didaticamente resolvemos descrevê-lo em
termos de fases sucessivas de desdobramento. As fases mais características do método do
planejamento são: - Exame da Situação, - Decisão, - Elaboração de Planos, - Desencadeamento da
Ação Planejada, e - Supervisão e Controle da Ação Planejada
Procedamos uma descrição de cada uma dessas fases:
Exame da Situação: O Exame de Situação envolve, necessariamente, uma análise e uma
síntese. Este processamento baseia-se no pressuposto presente na assertiva da ordem racional de que
o espírito humano, na sua análise para a solução de um problema caminha de uma síntese para outra
ou seja trafega entre duas sínteses. A síntese original ou inicial está implícita ou contida nos
propósitos políticos ou administrativos que motivaram o planejamento, seja no contexto de uma
diretriz, seja nos termos de uma missão ou tarefa. A análise pressupõe a aplicação sobre esta síntese
inicial do método analítico de DESCARTES(1637c) já sinteticamente apresentado. Ou seja, a
análise permitirá ao planejador:
- Configurar a situação; e a
- Caracterizar e definir, em termos precisos e objetivos, a problemática no contexto
de uma realidade;
xli
Ao término do método analítico deve-se elaborar uma nova síntese com a escolha das
alternativas, segundo seu próprio juízo, isto é, deve-se fazer predominar a capacidade de integrar. A
análise pressupõe-se um desintegrar, uma visão pormenorizada do conjunto fragmentado de
conhecimentos, de informações e de pontos de vista. A síntese cria e integra num todo essa visão e
estabelece as linhas de ação, bem como procede as análises das conseqüências de suas
implementações. Portanto, pertence a síntese duas ações:
- Criar e formular alternativas para a solução do(s) problema(s);
- Examinar as repercussões de cada uma das alternativas.
De posse da síntese formula-se um quadro sintético, onde se apresenta o resultado da criação
e formulação de alternativas, ou linhas de ação, que solucionam o(s) problema(s). Estas linhas de
ação devem responder as questões objeto do planejamento, quais sejam: O que fazer, para que fazer,
como fazer, quando fazer, onde fazer, com que meios fazer. A formulação e a criação de
alternativas exige o projeto no tempo, para o futuro, de processos, o que requer o estabelecimento,
a partir do presente, das etapas principais a serem atingidas e das seqüências de ações a serem
exercidas, para se alcançar os resultados desejados, em determinados prazos. As fontes mais usuais
de linhas de ação são a experiência passada baseado no conhecido pressuposto da tentativa e erro.
Entretanto, é no inusitado da primeira tentativa que muitas das vezes se encontra a solução.
Estabelecido o quadro sintético que contem as linhas de ação que solucionam o(s)
problema(s), procede-se a análise de cada uma delas, a fim de que se tenha uma visão das suas
vantagens e desvantagens. Esta análise requer a fixação de critérios que homogeneamente sejam
aplicados em todas as alternativas. Estes critérios se vinculam a cada problemática, embora,
geralmente, englobem utilização de recursos, prazos e efeitos. A análise dos efeitos é de extrema
importância para o processo de planejamento, pois toda linha de ação implica em resultados outros,
que não os vinculados a solução do(s) problema(s). Na fase da análise das alternativas, o ideal seria
submeter cada alternativa a uma verificação prática, algo, na maioria das vezes, impraticável; o que
leva a que se exercite testes ou verificações teóricas, na busca dos resultados de cada alternativa, no
caso dela vir a ser adotada. O teste ou a verificação objetiva estudar as conseqüências e sempre leva
a formulação de perguntas específicas, sobre os possíveis efeitos da ação. Aqui e só aqui pode vir a
caber técnicas prospectivas de cenários. Ainda resta, após o estabelecimento desses efeitos, a
necessidade de se apontar a relevância desses efeitos. A relevância é que estabelece a sua
capacidade de influenciar na etapa que se segue, que é a seleção da linha de ação. Em síntese, o que
importa no curso da análise das linhas de ação é avaliar, antecipadamente, os resultados prováveis
de cada uma delas, caso venham a ser implementadas, de modo a que se tenha consciência, antes,
das conseqüências e dos custos de cada alternativa.
xlii
Uma vez concluído a análise das alternativas deve-se proceder a escolha de uma delas. Esta
é a finalidade de todo o estudo de situação. A escolha resulta, essencialmente, da comparação
racional da linha de ação com os fins visados. Para isto muito influenciará as vantagens e as
desvantagens de cada linha de ação alinhadas na análise, o que ressalta a importância dos critérios e
dos elementos de julgamento estabelecidos, para se proceder esta análise. A tarefa de comparação
entre linhas de ação muitas das vezes foge a critérios objetivos, como os quantitativos, ficando em
plano subjetivo. Tem havido, recentemente, um grande esforço no sentido de se avançar
teoricamente neste campo utilizando-se teorias matemáticas conhecidas como teoria dos jogos,
cenários e simulações.
Apesar dos cuidados seguidos no processo, nunca haverá escolha, a “priori”, perfeita.
Sempre existirão fatores restritivos que tolherão a certeza dessa perfeição. Entre eles podemos citar:
Sociais - mudanças nos hábitos e costumes da sociedade;
Climáticos - manifestações da natureza ( chuvas, terremotos, etc);
Oposição racional - competição e conflito com outros interessados;
Decisão: É a escolha em definitivo da linha de ação a ser seguida para que se possa dar
prosseguimento ao processo de planejamento. A decisão envolve sempre a definição de uma
responsabilidade funcional intransferível por todo o processo de planejamento.
Elaboração de Planos: Após a decisão deve-se desdobrar a alternativa escolhida elaborando
esquemas completos de ação em todos os seus pormenores possíveis. É importante colocar que nem
sempre será possível prever de forma pormenorizada todo o processo de desenrolar da ação. Em
muitos casos só se poderá ir em pormenor apenas as fases iniciais da ação e as fases finais estarão
balizadas, exclusivamente, pelo fim desejado e meros pontos de referência. Neste caso, conhecido
como busca e perseguição, o plano resultante para as fases finais tomará as características de um
esboço de plano, um plano apresentado em suas linhas mais gerais e que será progressivamente
completado.
Ao longo da elaboração do plano novos problemas podem surgir. Cada detalhamento pode
vir a exigir uma nova atividade de planejamento. Muitas das vezes se requererá a opinião de outros
especialistas que não estavam envolvidos originalmente naquele planejamento. Caso isto ocorra ter-
se-á necessidade de se tomar decisões complementares.
Um plano deve ser entendido como um conjunto sistematicamente ordenado de disposições
e empreendimentos a que chegaram os planejadores como resultado de sua tentativa de alcançar os
objetivos de um planejamento.
Um plano deve conter:
Caracterização de seu objetivo;
Caracterização da situação;
xliii
Enunciação dos elementos decisórios que orientaram a elaboração do plano;
Indicação das disposições, dos empreendimentos e das operações componentes;
Determinação dos responsáveis pelas diversas disposições e pela execução dos
diferentes empreendimentos e operações componentes;
Indicação dos recursos disponíveis;
Listagem das medidas de acompanhamento das operações e das ações corretivas;
Prescrição quanto a segurança, prazos, medidas de coordenação, etc.
Desencadeamento da Ação Planejada : A implementação do plano será provocada em um
primeiro momento pela expedição de documentos com força executiva para os órgãos destinados a
executar as ações previstas no planejamento. Muitas das vezes a decisão pode levar a que o texto do
próprio plano tenha a força de documento de execução.
Supervisão da Ação Planejada : Toda a ação planejada após ser desencadeada requer
supervisão e controle. Como já foi dito nenhum planejamento é capaz de prever com certeza
absoluta todos os eventos possíveis de ocorrer durante a execução. Além da existência em nosso
atual nível de civilização de fatores fora de nosso controle, soma-se como elemento perturbador da
ordem buscada no plano original, erros decorrentes de má avaliação de fatos ou circunstâncias,
falhas, de apreciação ou julgamento, inerentes a nossa situação humana. A supervisão e o controle
da ação planejada é o acompanhamento de todo o plano, a determinação de desvios de rumos e a
sua correção. Portanto, esta fase do planejamento também deve ser prevista devendo constar do
plano com os dados necessários para a verificação dos resultados previstos.
Estes elementos já freqüentam o conhecimento sistematizado do meio universitário e serão
os limites primeiros para a elaboração da tese proposta.
A utilização destes instrumentos para a discussão de quais são as melhores alternativas para
a inserção do Brasil no mundo do século XXI é algo que abre um campo novo na discussão do que
será o Brasil e funda no meio acadêmico brasileiro um espaço para a criação de conhecimento
vinculado aos conceitos genéricos de poder nacional, de estratégia nacional, de política nacional e
de planejamento nacional.
Repetimos, a exemplo do exposto no modelo teórico acima, que existe um triângulo
indissolúvel que liga o poder nacional à estratégia nacional e à política nacional. O planejamento
nacional segue os mesmos caminhos do planejamento e não deve ser confundido com o
planejamento governamental, na medida que este necessariamente tem de estar subordinado aquele.
Assim, também, o planejamento meganacional, o planejamento de um Megaestado, não deve ser
confundido com um planejamento nacional.
xliv
A tese, além do seu caráter inovador de trazer para o meio acadêmico uma discussão que se
processa a nível de Estado e de governo, inova, também, ao agregar os conceitos do triângulo
indissolúvel à execução de uma intervenção mediada através de um planejamento meganacional.
Pretendeu-se estruturar a tese seguindo a metodologia acima descrita sendo que o exame da
situação envolveu:
1) no segundo capítulo, uma avaliação dos fenômenos designados como globalização,
mundialização e regionalização, o que conduziu a que a conclusão efetiva desta tese, que o destino
manifesto do Brasil é o de construir a mundialização, se fizesse clara e contundente neste capítulo e
não no final do texto como é usual;
2) no terceiro capítulo, primeiro a uma avaliação do mundo atual, onde deu-se ênfase a
estratégia da potência hegemônica, depois a uma avaliação do Brasil de hoje e das questões que
podem interferir no processo desejado. mais adiante numa descrição do continente sul-americano,
de seu potencial e de seus espaços imediatos de interesse, terminando pela outra conclusão desta
tese que é a apresentação de uma concepção estratégica para o Brasil; e
3) no quarto capítulo, a avaliação do MERCOSUL como concepção e como resultado até
hoje;
4) no quinto capítulo, após a avaliação do contexto, na elaboração das linhas de ação de
estruturação física do subcontinente, resultado de uma decisão, que foi a da cooperação sul-
americana, já que esta, em estudos preliminares, demonstrou-se a mais adequada, mas, que poderia
ir, desde uma total apatia aos processos de integração, até a pretendida, pela potência hegemônica,
os EUA, Área de Livre Comércio das Américas- ALCA. No quinto capítulo avança-se na
elaboração de planos, pelo estabelecimento de projetos para a integração física e econômica do
subcontinente sul-americano.
xlv
Conjuntura a curto prazo: Pretendeu-se conhecer e apresentar os últimos desenvolvimentos
da conjuntura sul-americana, para poder formular, precisar ou adaptar, as políticas de cooperação.
Para tanto, foi necessário a utilização de critérios comparativos no tempo. Isto pode ser feito no
interior ou no exterior do subcontinente sul-americano. Os decálogos entre conjunturas foram
interessantes de serem observados e aplicados para uso das políticas de harmonização pretendidas
para a região. A análise da conjuntura de curto prazo teve, necessariamente, outro interesse. Ela
caracterizou a estrutura. Foi conhecendo-a que se pode classificar a estrutura correspondente. O
conhecimento das estruturas foi indispensável para a solução dos problemas decorrentes da proposta
de cooperação. Ao analisar a conjuntura nos deparamos, obrigatoriamente, com questões
decorrentes das diferenças existentes, entre o nível de desenvolvimento econômico, a origem
antropológica, o quadro geográfico e outros fatores, dos países da América do Sul. Contudo,
interpretar a dinâmica histórica em muito nos ajudou para a divisão analítica, abaixo colocada.
Conjuntura de longo prazo: Teve-se que observar, também, o que os historiadores
econômicos chamam de “trend”, a tendência maior, dos movimentos quase seculares, dos
movimentos de longa duração colocados por KONTRADIEFF(1925), sobre o longo prazo e o curto
período. É evidente, que teve-se que, implicitamente, operar com as curvas dos meios móveis, de
quadros menores, ou de outros ajustamentos. O sistema de flutuações a longo prazo- o
comportamento conjuntural- de cada país sul-americano teve de ser construído, mesmo não se
explicitando na tese, de modo a permitir dois tipos de comparações:
a) Comparações entre países sul-americanos: As comparações a longo prazo, mais
profundamente ainda do que entre as comparações de curto prazo, permitem avaliar a capacitação,
de cada pais sul-americano, para a pretendida cooperação. O estudo do longo período permitirá
apresentar a dinâmica das estruturas na sua transformação pela cooperação pretendida e encontrar
as etapas do crescimento e do desenvolvimento que nós detivemos em examinar; e
b) Comparações entre a América do Sul e o restante do mundo: Estas já seriam interessantes
e reveladoras em uma conjuntura de curto prazo. Contudo, tornam-se primordiais para o longo
prazo. De um lado, elas melhor permitem precisar a natureza do nível de vida e das economias sul-
americanas, em oposição ao modo de vida e as economias européias, ou norte-americanas, mais
desenvolvidas, ou, mesmo, de regiões menos desenvolvidas, como parcelas da Ásia e a África.
Estrutura: Só para explicitar a exposição é bom lembrar que a ação humana pode,
teoricamente, ser decomposta em mecanismos simples, que são passíveis de serem encontrados em
qualquer lugar, em todos os tempos. Estes elementos, ditos elementares, podem se combinar entre
si, em montante e de acordo com combinações dispares, formando elementos tão complexos, que
apresentam certa permanência e que chamamos de estruturas. Um conjunto de estruturas, em um
quadro geográfico e social delimitado, forma um sistema. Em um certo contexto, este sistema pode
xlvi
se transfigurar em um regime. Regimes, sistemas e estruturas evoluem de forma imperceptível,
movem-se vagarosamente sob o efeito de flutuações de curto período, de modo a conduzir a novas
estruturas, e a novos sistemas, levando a que se processe ao final do movimento uma grande
ruptura, que leve a um novo regime. Na tese estudou-se as estruturas sul-americanas segundo um
critério dinâmico, traçando no interior do quadros geográficos, antropológicos e sociais nacionais
um modelo dinâmico que não foi no corpo da tese explicitado, pois se deu mais ênfase ao
movimento maior da estratégia nacional brasileira em detrimento do movimento menor de seu
primeiro passo a cooperação sul-americana. Procurou-se usar o modelo dinâmico geral proposto por
ROSTOW(1960), sabendo de todas as suas limitações, adaptando-o, no que for possível, à realidade
sul-americana. É evidente ser muito mais fácil a cooperação entre países com o mesmo nível de
desenvolvimento, do que operar com países com diferenciais muito grande em termos de realização
econômica. A menos, como é a proposição central da discussão proposta, que o Brasil esteja
disposto a tomar ao seu encargo o desenvolvimento de outros países menos desenvolvidos a
cooperação pretendida não poderia avançar.
Contudo, todas estas contribuições de conjuntura ou de estrutura atribuem o método a algo
conhecido. A grande contribuição da proposta de tese, ao nosso ver, está na elaboração de uma
estratégia que começa pela criação de uma visão nova na montagem de um mercado comum,
montada em economia física, algo que foge, totalmente, a visão ortodoxa de comparações com
outras áreas já construídas, como a União Européia. Isso torna-se necessário, na medida que a
situação da América do Sul difere claramente da situação européia, a curto e longo prazo, tendo a
Europa atravessado fenômenos de natureza muitas das vezes simétricas aos da América do Sul,
desde o início da revolução industrial, ou mesmo do capitalismo comercial.
CAPÍTULO II
NOSSO DESTINO MANIFESTO:
SER A MUNDIALIZAÇÃO
xlvii
decorrência das suas posições estratégicas, extensões geográficas e de seus enormes poderes militares.
xlviii
processo competitivo, que estavam envolvidos, de ceder espaço na participação do produto
mundial, para outros países do bloco ocidental. De uma participação de mais de 50% no produto
mundial, ao término da II Grande Guerra, restava, aos EUA, pouco mais de 20%, ao fim da “Guerra
Fria”. Os maiores beneficiados deste processo de competição foram as potências perdedoras da II
Guerra Mundial: a Alemanha e o Japão. Em síntese, os EUA perderam poder, sob o ponto de vista
econômico, em relação ao Japão e a Alemanha, seus antigos inimigos, ao longo dos anos da Guerra
Fria.
Ademais, a reunificação da Alemanha, a sua transformação em centro de gravidade da
União Européia, a busca que desde então encetou de aprofundamento de laços comerciais e
econômicos com os países do leste europeu, está possibilitando um novo ordenamento estratégico,
de grande magnitude, daquele centro desenvolvido. Esta reunificação foi resultante direta da ruptura
do paradigma marxista e caracteriza a formação de um grande pólo de progresso que, tendo seu
centro de gravitação na Alemanha, aspirará posições hegemônicas no contexto mundial.
A esse pólo somam-se outros dois, liderados pelo Japão e EUA, respectivamente. O
primeiro pólo resulta da expansão econômica, sem precedentes na história, observada no Extremo
Oriente, nos últimos trinta anos. O segundo, resultante, ainda, da ampla vitória militar e estratégica
dos EUA, na última guerra mundial. A vitória, naquele conflito, legou aos EUA o papel de principal
ator na cena econômica mundial. Este papel foi recentemente reforçado pela derrocada do
paradigma marxista, fato que conduziu, também, a profundas modificações nas diretrizes da ação
tática norte-americana no contexto mundial
A posição econômica e estratégica extraordinariamente favorável em que se encontravam os
Estados Unidos, ao término da conflagração mundial, conferindo-lhe a liderança indiscutível do
mundo capitalista, proporcionou-lhe os meios e as condições para empreender a implantação de
uma ordem econômica no Ocidente condizente com a visão, então, predominante na sua elite. Esta
visão procurava abjurar, naquele momento histórico, circunstâncias que configuraram a crise global
dos anos 30: as desigualdades econômicas, a especulação financeira desacompanhada de
investimentos produtivos, a inexistência de uma ação governamental voltada para o progresso, etc.
O resultado imediato dessa crise, na opinião majoritária da elite norte-americana pós-guerra, havia
sido a fome, a miséria e o desemprego generalizado. De acordo com essa opinião, era
imprescindível arregimentar esforços no sentido de melhor organizar os recursos mundiais, através
de uma atuação voltada para o desenvolvimento, capaz de reequilibrar a economia das diferentes
nações, de criar condições para aumentar o poder aquisitivo de forma sustentada e de elevar o
padrão de bem-estar da população mundial.
Surgiram, como instrumentos de consolidação dessa visão, acordos instituindo organismos
de compensação e de controle das relações econômicas internacionais. Na listagem dos mais
xlix
importantes figuram, a Organização das Nações Unidas e seus órgãos setoriais: Fundo Monetário
Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Acordo
Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT) e outros. Foi sob a égide dessas instituições que surgiram
iniciativas de envergadura, como o "Plano Marshall". Conquanto, tais organismos contribuíssem
para modificar as relações internacionais e impulsionar aquele mundo destruído pelas armas da II
Grande Guerra em direção ao progresso, usando a via da cooperação multinacional e do comércio
mundial, diversas etapas no campo teórico e ideológico tiveram que ser ultrapassadas, para que se
chegasse ao mosaico mundial que caracterizou o decorrer da Guerra Fria.
Entretanto, com o término da Guerra Fria houve uma clara regressão desta cooperação. A
retirada do termo desenvolvimento, tão caro aos países do Terceiro Mundo, da agenda
internacional, não é algo recente. Já na década de 70, como resultado da posição, que classificamos
"neo-malthusiana", colocada nos Segundo e Terceiros Informe do Clube de Roma, como detalhado
por MESAROVIC e PESTEL(1975b) e por TINBERGEN(1976b), e consagrada anos depois pela
COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO(1991b),
cristalizou-se, nos países mais avançados ou industrializados, a idéia de que não era possível dar às
populações com desenvolvimento retardado o padrão de vida registrado nos países ricos, já que o
planeta Terra possuía recursos naturais limitados. Assim sendo, os organismos internacionais não
deveriam fomentar o crescimento periférico. Posicionamentos dessa espécie contaminaram boa
parte dos ideólogos do crescimento e tornaram-se quase dominantes com a volta do "laissez-faire",
no trato das questões econômicas, em especial, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Percebeu-se
então que agências, anteriormente, voltadas, exclusivamente, para o desenvolvimento, como alguns
organismos das Nações Unidas, a exemplo o Banco Mundial e o BID, arrefeceram o entusiasmo
dedicado ao crescimento e passaram a dirigir recursos vultosos para cuidados com o meio ambiente
e, de certa forma, a erradicação da miséria entre países intermediários
O retorno do liberalismo enfatizou estes posicionamentos. A ascensão de governos no
Reino Unido e nos EUA, no início da década de oitenta desse século, vinculados ao discurso de
HAYEK(1948c), podem ser colocados como marcos iniciais desse movimento. A volta da velha
doutrina liberal seria explicada, como colocado por GONÇALVES(1994a), em primeiro lugar, pela
difusão da crença de que o Estado, com sua "excessiva" preocupação com o social, não detinha
elementos necessários para resolver a estagflação - mistura de estagnação e inflação - que atingiu,
na década de 70, os países mais desenvolvidos. Em segundo lugar, pelo fato de que o ideário liberal
sempre foi de interesse direto das elites dos países anglo-saxãos. O novo liberalismo defende a tese
de que ser liberal é o mesmo que diminuir m
i postos, principalmente, os diretos, algo que é de alto
interesse dos grupos de mais alta renda. Ser liberal é buscar a privatização e a não regulamentação,
l
instrumentos que propiciam maior acumulação em mãos privadas, o que os torna de alto interesse
para os detentores de alta renda.
Nos países de desenvolvimento tardio e, em especial, nas economias da América Latina,
contando com forte apoio dos meios de comunicação, o novo liberalismo vem sendo apresentado
capeando um conjunto de propostas, conhecida como “Consenso de Washington”, imaginadas
como a única saída para a crise econômica, política e social, que esses países atravessam, desde a
primeira crise do petróleo. Esse novo liberalismo privilegia o livre comércio, as livres forças de
mercado, a liberdade de escolha, o capital estrangeiro e a privatização, forças que romperiam o
quadro de estagnação observado. Nos EUA e na Europa, a partir de 1995, o novo liberalismo tem
sido progressivamente derrotado como pode ser visto acompanhando o resultado das eleições nos
Estados Unidos e em diversos países europeus.
Contudo, este novo discurso se contrapunha, portanto, de certa forma, à história das décadas
de sessenta e setenta, que foram décadas, razoavelmente, bem sucedidas, particularmente, no Brasil.
Esta foi uma época caracterizada no Brasil pelo protecionismo, pelo planejamento governamental,
pela regulamentação, pela nacionalização e pela ação estatal na economia. Neste período, seguiu-se
um modelo de inspiração dito “estruturalista”, que, infelizmente, foi colocado como esgotado e sem
possibilidades de reedição, algo que não resistiria à modernidade, à vista de fenômenos, como uma
dita globalização, que impunha a não regulamentação de algumas atividades desempenhadas pelo
setor público e conseqüente maior abertura para o exterior.
Contudo, passados mais de dez anos de amplo predomínio das teses liberais, na América
Latina, observa-se que existem muitos pontos discutíveis no que tange a resultados. Em muitos
casos, agravaram-se problemas como a miséria, a pobreza, o desemprego, a desigualdade social e a
deterioração do meio ambiente. Essa observação, mais visível no mundo subdesenvolvido, apesar
de seu caráter mitigado quando expresso nas economias centrais, demonstram a imperiosa
necessidade de países periféricos e atrasados no processo de desenvolvimento de empregarem toda
sua energia e criatividade disponível na engenharia de modelos peculiares à singularidade de suas
estruturas de recursos. Um novo comportamento, atento às conquistas e aos condicionamentos das
tradicionais linhas do pensamento econômico, poderá dar surgimento a esses novos modelos, aptos
a atender às necessidades próprias dos países em desenvolvimento, consideradas as suas crônicas
deficiências estruturais de recursos, minimizando os ônus, das assimetrias criadas por idéias liberais
radicalizadas. A idéia de pólos concentradores da atividade econômica mundial torna-se evidente
quando se analisa, com um pouco mais de profundidade, o comércio internacional.
Dois movimentos se fizeram claros, nos anos recentes. Como coloca GONÇALVES(1994b),
em primeiro lugar, está havendo crescente concentração dos fluxos comerciais. Em segundo,
percebe-se acentuada tendência de mudança na antiga divisão internacional do trabalho, onde
li
pontificavam os países centrais como exportadores de manufaturados e as nações periféricas
encarregando-se da exportação de insumos básicos.
Contudo, observando-se outros aspectos, que não o econômico, é indubitável que os Estados
Unidos detêm um poder imperial, após a ruptura do marxismo. Em termos militares os Estados
Unidos são muito superiores aos outros competidores. Alem disso os Estados Unidos detêm a
moeda de curso forçado universal: o dólar. Controlam um amplo sistema de alianças que engloba os
outros pólos. São de maneira incontrastável, o único pólo detentor de poder efetivo no mundo de
hoje. Entretanto, tudo evolui e esta situação também evoluirá.
Com o fim do sistema dual, há dois processos em andamento:
Primeiro, é que voltou-se a estabelecer como parte central e determinante da equação
política as questões econômicas internacionais. A segregação destas questões ou a subordinação
delas ao campo ideológico deixou de existir, assim como desapareceu a estranha urdidura que as
colocavam como praticamente inexistentes. Os homens lutaram por questões econômicas no
passado e tudo indica que voltarão a lutar por essas questões no futuro. Como dizem os
WONNACOTT(1994):
“A economia é o estudo de como os homens ganham a vida, adquirem alimentos, casa,
roupa e outros bens, sejam eles necessários ou de luxo.”
Estas podem ser questões de vida ou morte, tanto quando podem ser questões políticas. Isto
explica porque a importância que mais adiante será concedida às questões econômicas no mundo
atual.
Segundo, junto com esse movimento de valorização da economia, está se processando a
formação de blocos regionais ou o que conceituamos como subpólos. Algo que decorre da formação
de blocos, é o crescimento significativo observado no comércio dentro do pólos. A título de
exemplo, o somatório do comércio exclusivamente dentro da América do Norte, dentro da União
Européia e dentro de países emergentes da Ásia entre si e com o Japão, subiu na década de oitenta
de 37,6% para 56,4% do total do comércio mundial,.no limiar do século XXI. A situação atual da
Argentina na pauta comercial brasileira e o intercâmbio no âmbito do MERCOSUL reforçam esta
tese.
Na Ásia, ainda, não se configura explicitamente o pólo, que aqui nomeamos de Complexo
Asiático. Porém, a presença econômica do Japão, o ressurgimento econômico da China, os
chamados Tigres, além do impulso de crescimento da Índia, dão à área asiática, implicitamente,
condições de vir a polarizar, fortemente, ampla parcela do comércio internacional. A polarização,
até aqui observada, está sendo acompanhada de crescente competição comercial.
Existe hoje um consenso, passados quase dez anos do fim da Guerra Fria, como já colocado,
que os Estados Unidos são, no momento, a única superpotência. E isto decorre fundamentalmente
lii
da posição econômica e militar dos EUA. Contudo, é bom observar que esta posição privilegiada
econômica resulta, em muito, das vantagens que lhe proporciona o sistema mundial de livre
comércio, que por sua vez, se apóia, fortemente, no sistema de alianças norte-americano. Não é
difícil se imaginar que a lógica deste sistema de alianças tende a enfraquecer e, com ela, a lógica do
livre comércio. As nações perdedoras das guerras comerciais não tardarão em ver os inúmeros
benefícios políticos que poderão auferir ao sair de relações comerciais desvantajosas. Isto sem falar
em outro movimento que conspira contra os ideal do livre comércio, que é a emergência de blocos
de comércio regionais , como a União Européia, e que traz consigo a regionalização da vida
econômica. Algo que decorre desta regionalização da vida econômica é a emergência de potências
políticas regionais, ou blocos de países que se estruturam como o que havíamos conceituados como
Megaestados, ou pólos ascendentes, que como forças independentes, crescentemente, se
posicionarão contra a posição de poder dos Estados Unidos.
liii
chamada globalização financeira e na crescentemente conturbada tentativa da chamada globalização
econômica.
Cabe-nos, ao abordar a interação filosófica, de novo filosofar e apresentar algumas breves
considerações sobre a questão que cercam as idéias. Desde que homem existe, para ele se colocou a
necessidade de realizar a cooptação da natureza, para a sua sobrevivência. A forma original com
que o homem realizou, primitivamente, esta cooptação, foi o trabalho, ou seja, o resultado da
interação física do corpo humano com a natureza e que é a primeira mediação.
Desde que o homem se libertou, por alguns momentos, da sua luta implacável pela
própria sobrevivência, do trabalho necessário para continuar vivendo, ou seja, desde que pode fugir
a primeira mediação, questões centrais de sua existência, digamos primeiras, a ele se colocaram:
Qual a origem de tudo e de sua existência? Quem conduz o processo, o homem ou a natureza?
Questões que ainda permanecem, e que permanecendo, mantêm aberto aos homens o caminho da
filosofia. Desde o início deste questionamento, a primeira destas questões teve no Absoluto uma
explicação dogmática, o que fortalecia a segunda destas questões, pois transferia para o homem ou
para a natureza, para um ou para o outro, a representação desse Absoluto. A partir de então, duas
correntes se formaram: a dos que viam nos homens, ou no homem, o representante do Absoluto na
condução do processo e a outra, daqueles que viam a natureza com esta função.
Ainda é pelo Absoluto que se dá a primeira tentativa de interação filosófica que é a idéia
trazida pela visão cristã de mundo, da igualdade de todos os homens perante a Deus. Antes da vinda
de Cristo, os homens eram, irremediavelmente, divididos. Exemplos claros deste posicionamento
eram as atitudes tanto dos hebreus, que se colocavam como povo eleito, como dos gregos, que não
viam nos estrangeiros senão bárbaros, melhor dizendo, não homens, e que na “pólis” grega só
poderiam ter lugar subjugados, como escravos. A visão cristã de mundo criava a unidade horizontal
dos homens, ao colocar a igualdade de todos os homens vivos, perante ao Absoluto.
O Renascimento, a época dos descobrimentos, do início da mundialização, trouxe consigo
várias modificações na estruturação das questões primitivas e também alterou o modo de mediar,
admitindo a ciência como uma nova forma de mediação e, portanto, de cooptação pelo homem da
natureza. Sofisticava-se, também, no Renascimento a dualidade posta entre o homem e a natureza,
colocando-a, naquela época, como uma questão transfigurada: a dos que creditavam à ordem
racional a condução do processo, como vimos anteriormente, e a daqueles que a creditavam à el i
natural.
A ordem racional resultava da elaboração construtiva do que aqui nomeamos de
matemáticos filósofos, indivíduos que lidando com a ordem na sua forma mais lógica, a ordem
numérica, verificaram que o Universo, a natureza, era uma desordem, onde o homem, conduzindo a
marcha do processo civilizatório, impunha, progressivamente, a sua ordem. Destes, alguns merecem
liv
destaque. O primeiro que destacamos é DESCARTES(1637c), que foi o primeiro pensador a
organizar explicitamente a razão e a demonstrar que a linguagem numérica era uma forma de dar a
natureza uma descrição naturalmente satisfatória. Outro muito importante foi LEIBNITZ(1685).
Mas menção especial concedemos a PASCAL(1649), que além de explicitar claramente um novo
antropocentrismo- ele colocava o homem, de novo, no centro dos processos-, apresentou a unidade
vertical do gênero humano, ao colocar que todos os homens, ao longo de todos os séculos, são o
mesmo homem que subsiste e aprende sempre. Se fazia, portanto, a integração vertical de todos os
homens, os mortos, os vivos e os a viver. A base da interação filosófica que inexoravelmente
avança na mundialização se apóia nas idéias simples das unidades horizontal e vertical dos homens.
A ciência utilizada como instrumento que demonstrava a supremacia do homem na
condução do processo, sofreu várias contestações no campo das idéias, que fugiam a simples visão
da já referida lei natural, mas que de certa forma a apoiavam, dentre as quais destacamos as de
KANT(1788). Este filósofo buscava suplantar numa única posição tanto o materialismo de
DESCARTES(1637c) e como o idealismo integral de BERKELEY(1733) na explicação do
conhecimento humano e concluía que as ciências só atingiam a superfície das coisas: os fenômenos,
já a realidade, ou seja a própria essência das coisas, escapava-lhes. Para ele, o pensamento humano
era impotente para conhecer a coisa em si. Entretanto, o maior filósofo dos tempos modernos,.
recusou-se a ficar por aí. HEGEL(1837i) estabeleceu que para ultrapassar a visão kantiana da
impotência é necessário entender e aceitar que o pensamento humano é capaz de ultrapassar as
contradições que lhe são apresentadas pelas ciências exatas e pelo simples bom senso. Para tanto,
fazia-se mister não considerar o principio da contradição como princípio supremo da lógica.
Precisava-se ir além e para ultrapassá-lo devia-se ter a certeza da idéia de que o mundo é na
realidade e em essência uma unidade entre contrários. Acompanhando a idéia desta unidade entre
contrários, traz HEGEL(1817a) outra, que é a da permanente existência, em todos os processos,
inclusive naqueles em que está o homem, de um contraditório, que se expressa através de uma tese
e de uma antítese, posições estas que se digladiam em um equilíbrio instável, até que se processa
uma ruptura, dando origem a uma síntese, que será uma nova tese e que buscará sua antítese...
A colocação que HEGEL(1817b) faz, traz presente uma permanente dinâmica em todos os
processos, coloca a existência de uma permanente evolução em todos os processos, e conduz a
certeza, que se apresenta, que cada dia traz em si um período novo. Estas visões ganham curso
universal e seu sistema de pensar estrutura as bases da interação filosófica. A filosofia ocidental
com HEGEL(1817c) se articula em um sistema e se impõem dominante e definitivamente a outras
formas de ver o mundo..
É verdade que o desdobrar da industrialização trouxe, ao final do século XX, a inserção de uma
nova mediação. Esta é a razão central da justificativa de ser a nossa época uma momento de
lv
mudanças. Não há mudanças nos paradigmas, como afirmamos antes. Mas há mudança pela
anexação de uma nova mediação. Na medida em que a produção material imediata se mecanizava, o
trabalho vivo se distanciou da produção direta; o conhecimento objetivado naquele trabalho
incorporou-se na produção direta como trabalho morto, congelado nas formas e movimentos dos
sistemas de maquinaria. Surgiu então, em decorrência, uma nova mediação entre o homem e a
natureza. E esta nova mediação, portanto, uma nova forma de cooptar a natureza, a informação,
tornou-se o objeto imediato de trabalho de grande parte dos indivíduos. Quando surgiu no início
deste século, a indústria da informação distinguiu-se em três grandes ramos, pouco relacionados
entre si: o de comunicações, o cultural propriamente dito (no qual predominam o cinema e o disco)
e o quase sempre pouco observado segmento das máquinas de escritório (este, em si, uma indústria
metal-mecânica) e que, ultimamente, com a digitalização tende a coordenar todo o processo. A
mudança na mediação transfigura-se na mal nomeada terceira revolução industrial, algo que
repousa na digitalização da informação, que começa a partir do transistor e de outros inventos
posteriores que exploram o princípio digital. Com a digitalização se tornou possível reduzir todo
tipo de informação a uma seqüência indiferenciada de zeros e uns. Textos, sons e imagens viraram
bits. As diferentes estruturas de rede de transmissão de dados, cada qual adaptada a um uso
específico (telefonia para voz, radiodifusão para sons e imagens, telégrafo para texto, etc), tendem a
dar lugar a redes que integram diversas formas de comunicação em uma mesma tecnologia digital
básica. Aqui cabe a lembrança de que toda a história tecnológica da informação está intimamente
ligada aos interesses políticos, militares e econômicos dos Estados Nacionais. a origem do
semicondutor, neste aspecto, é paradigmática. Em seu desenvolvimento recente, o capitalismo
transformou o processo da produção cultural. a produção cultural tornou-se, crescentemente, não
distinta da produção industrial, e as indústrias culturais tornaram-se local de grande expansão e alta
lucratividade. Hoje, está claro estamos diante de uma terceira mediação. A mediação, hoje, se dá
pelo trabalho pela ciência e pela informação. A informação e a ciência são, no momento em que
vivemos, os principais instrumentos, nesta ordem, com que conta o centro para exercer sua
dominação na periferia. E isto compõe na essência as bases atuais, da mundialização, no campo das
idéias.
A cultura posta sob sua visão antropológica, ou seja tudo que o homem faz, estabelece o espaço que
separa o centro da periferia. Isto resulta da própria essência do contraditório do avanço da
civilização que opõe a barbárie à cultura. Toda tentativa de imposição cultural é frustrada. Existe
uma reação de dimensões, se não idênticas, maiores do que a ação coercitiva. Assiste-se, a toda
tentativa de imposição cultural, um recrudescer do que classificam de fundamentalismo, ou seja, de
volta radical às raízes culturais primitivas. Daí se explica todo o fracasso da interação cultural.
Cabe-nos, abordar, também, aspectos da chamada globalização no campo dos mercados, a recém
lvi
mal sucedida globalização financeira e a tentativa de globalização econômica.
A chamada globalização financeira foi o resultado do rompimento unilateral, pelos Estados Unidos
da América, das amarras do câmbio fixo estabelecidas em Bretton Woods e a posterior inundação
pelo dólar do mercado mundial, rompendo toda a ligação possível entre riqueza física e riqueza
financeira. As conseqüências desta ruptura são várias, desde a imposição de um regime de flutuação
entre o dólar, o iene, e o marco, o que conduziu e uma grande volatilidade nas correlações reais e
nominais entre as moedas, até a perda de regulamentação das taxas de juros e a um novo
agrupamento dos mercados financeiros, rompendo com sua antiga segmentação, uma ruptura
radical em relação ao capitalismo imaginado em Bretton Woods.
Não há a pretendida globalização econômica, mas existe sim uma frustrada globalização financeira.
A frustração decorre do fato de que a globalização financeira foi acompanhada de uma maior
volatilidade e de uma maior fragilidade do mercado financeiro internacional, o que acabou
conduzindo a crise atual. Na opinião de todos os analistas, a emissão sem lastro do dólar e a criação
de mercados financeiros supranacionais aumentou em muito a incerteza e o risco sistêmico. Disto
resultaram grandes variações, nos últimos anos, tanto nos mercados de ativos reais e câmbio, como
nas taxas de juros, que, inexoravelmente, conduziu-nos à crise atual que ameaça romper, não só
com o padrão dólar, mas com a própria ordem econômica mundial, que havia se estabelecido com
Bretton Woods.
Cabe aqui relembrar que a doutrina do nacionalismo econômico prega que, uma vez atingido o
centro, deve-se ser liberal. Isto também explica o porque do liberalismo atual. Acontece que
encontramo-nos diante de um novo fenômeno. Encontramo-nos diante de um centro compartilhado,
mais que compartilhado, crescentemente disputado. Diferentemente do que nos está sendo vendido,
do que vem sendo permanentemente propagandeado nos órgãos de informação, ao invés de estar
ocorrendo uma globalização econômica, o que se verifica é uma crescente polarização econômica
em torno dos três pólos já citados: Estados Unidos da América, Alemanha e Japão. Polarização que
é comercial, que é produtiva, que é tecnológica. Como os três pólos continuam praticando a
doutrina do nacionalismo econômico, o seu liberalismo resulta, não de convicção, mas,
exclusivamente, do estágio de desenvolvimento que atingiram.
Isto é facilmente comprovado verificando-se qualquer lista que hoje apresente as 500
maiores empresas do mundo. Destas 220 são norte-americanas, 120 são japonesas e 80 são alemães.
São quase todas transnacionais, mas que não perderam suas características nacionais. O
desenvolvimento da tecnologia e a pesquisa das empresas transnacionais têm sido realizadas através
de uma estratégia comum e deliberada de privilegiar os países centrais, de preferência suas
localizações de origem. O domínio da tecnologia é visto como a garantia do comando do negócio e
encontra-se, portanto, sempre junto, fisicamente, das administrações centrais dessas empresas nos
lvii
seus países de origem. Acresce-se a essa tendência de polarização tecnológica a implementação da
nova estratégia militar dos Estados Unidos da América. Os EUA detêm, no momento, a
unipolaridade militar, o que tem acirrado a já natural polarização ou centralização no domínio das
tecnologias nos pólos já relacionados, pois os países desenvolvidos, capitaneados pelos EUA,
exercem rigoroso controle sobre a disseminação de informações sobre novas tecnologias, que
nomeiam como “sensíveis”. Os EUA argumentam que elas podem vir a subsidiar intenções
belicosas em países do terceiro mundo. Esse “apartheid tecnológico” tem inibido em muito o
crescimento econômico e produtivo dos países da periferia.
Visto o fato da mundialização, vamos ao discurso da globalização, que é, explicitamente,
como já foi dito, um discurso de dominação e objetiva, exclusivamente, apresentar o espaço como
algo único e passível de uniformização. Assim sendo, o discurso da globalização, busca
simplesmente dominar os mercados e as culturas, pela idéia do espaço único e não mais busca-se
ligar diferentes espaços, como era o objetivo da mundialização, em busca da integração de
mercados e de culturas. O que se vê hoje é, portanto, uma ideologia, a chamada globalização,
revestida num único discurso. A atenção é toda dada ao espaço, como se a outra variável
determinante no processo de avanço da civilização, o tempo, perdesse todo seu sentido. Este fato
ainda é uma resultante da concepção filosófica trazida ao pensamento dominante, pela ruptura da
quebra do conceito de simultaneidade, provocada pela teoria da relatividade. Como a velocidade
tem um limite o espaço é superior e delimitador do tempo. Para a dominação se exercer de forma
plena basta o domínio do espaço, até mesmo o espaço da civilização como pretende o discurso da
globalização. Parecem esquecer que o tempo é a variável última da desordem natural; esquecer a
luta eterna do homem pelo controle do tempo. E é aí que a globalização falha e falhará.
Entretanto, o discurso da globalização vale-se da mediação da informação e a informação a
serviço do centro tornou-se claramente um instrumento do discurso da globalização, portanto, de
dominação. É assaz ingênuo insistir em que as antigas relações de dominação desapareceram. Elas
apenas assumiram outras formas mais programadas e sofisticadas, mas se explicitam, claramente,
no discurso da globalização.
Atrás deste discurso da globalização caminha uma ação que coloca que a produção tem que
ser imediatamente consumo e o consumo tem que ser imediatamente produção. Uma ação que se
vale claramente dos meios de comunicação para organizar a sociedade, tanto para produzir quanto
para consumir bens materiais cada vez mais distanciados das necessidades humanas básicas (comer,
dormir, vestir-se) e cada vez mais carregados de valores simbólicos, transformados em necessidades
indispensáveis à vida social dita moderna. Este tem sido o espírito último da dita sociedade da
informação companheira permanente do discurso da globalização.
lviii
Dentro do discurso da globalização aumenta a divisão entre os ricos, informados e os
pobres, não informados- nacional e internacionalmente. Subinformação: este pode ser o novo nome
para o subdesenvolvimento, nesta nova etapa histórica da evolução da humanidade. Informação é
poder. Informação econômica é poder econômico. Informação tem valor econômico, e a habilidade
para estocar e processar certos tipos de dados pode dar a um país vantagens econômicas e políticas
sobre outros países. A circulação da informação no mundo faz-se em sentido único, como uma
corrente de notícias, dados, mensagens, programas e produtos culturais que vai quase que
exclusivamente dos países grandes para os pequenos, dos que detêm o poder e os meios
tecnológicos para os que estão privados deles, dos países desenvolvidos para os países em
desenvolvimento e no plano nacional, do centro do poder para baixo.
O discurso de globalização acompanha o fluxo de dados e de informação em sentido único,
o que vem potencializando em dimensões extraordinárias os processos de desqualificação dos povos
periféricos, com a tentativa de supressão de suas expressões culturais.
Cabe explicar como se dá a dominação no discurso da globalização A ação se dá no sentido
de caracterizar a prevalência do consumidor sobre o cidadão. Um sistema político democrático não
é o mesmo que um sistema econômico orientado pelo mercado. Um consumidor não é o mesmo que
um cidadão. O objetivo do discurso da globalização é a criação do consumidor ideal
Busca-se, em paralelo, o conjunto ideal de símbolos, de temas, de mitos, e de estilos que
formarão os arquétipos e os estereótipos que ditarão a moda. Há uma clara tentativa de transferir
costumes dos dominantes para os dominados Novos valores , novos símbolos, novos mitos, novos
heróis. Dinossauros, tartarugas-ninjas e cavaleiros do apocalipse tem de ter curso universal. É
fundamental substituir o sonho da periferia pelas imagens do fantástico. O discurso ao criar imagens
alavanca, contudo, uma falsa mundialização.
As transnacionais apóiam o discurso e financiam a propaganda e publicidade, alimentando
os recursos para a dominação da mídia. Desejam a destruição do contraditório. Impõem pelo capital
a ditadura de opinião e o que é mais grave, coonestam a falta de espaço para a criação cultural
alternativa no espaço dominado. Formulam a pesquisa de opinião como um instrumento de ética e
justiça. Transformam a opinião média como padrão de cultura. Desejam o mundo diferente desde
que seja igual e passível de dar escala máxima a sua produção uniformizada.
O discurso da globalização realiza, a exemplo do centro, o maior dos esforços no espaço
universitário. No fundo de tudo, dentro do discurso da globalização se busca criar uma relação entre
o papel de uma cultura., a norte-americana e a posição particular de poder que a nação a que
pertence essa cultura ocupa no cenário mundial. Há um perigo enorme nesse discurso da
globalização. É o perigo do que nomeamos de monotonia cultural. A total predominância de um
tipo de viver a vida, que é o norte-americano, ou de uniformização do mundo, segundo um padrão,
lix
também, norte-americano, parece repetir, em escala muito maior, o nefasto excesso de império
praticado, há um século, pelos ingleses e de tão tristes conseqüências. É, portanto, extremamente
relevante não só impor o contraditório no meio universitário mas o controle do processo de
informação para se fugir ao discurso da globalização.
Ainda hoje a identidade nacional conta com um passado comum como forma de criar
solidariedade, a identidade global não tem quaisquer lembranças para convocar a consciência
formadora de um grupo. Não existe identidade global. Para se romper com esta questão e com
outras que lhe cercam, para realizar a verdadeira mundialização se faz necessário qualificações
especiais, que só o Brasil possui, como veremos adiante, talvez, pela posição impar de herdeiro
direto daqueles que a iniciaram.
Desta análise, resulta que:
i)- O discurso de globalização é um discurso de dominação;
ii)- No campo filosófico e cultural se faz sentir recentemente a importância de uma nova
mediação na cooptação da natureza pelo homem: a informação. Esta nova forma de mediar assim
como outra forma mais antiga, a ciência, têm sido cada vez mais utilizadas como instrumentos de
dominação;
iii)- A mundialização não afetou relações primitivas. As relações centro e periferia
continuam existindo e não houve mudanças nos paradigmas. Como vimos antes, no capítulo
anterior, a solução das questões sociais passa pela sociedade industrial e para isto necessita-se da
solidariedade nacional e do conceito de nação, algo que se representa sob a forma de um Estado
Nacional moderno; e mais ainda, que cabe a esse Estado prover essa sociedade de uma concepção
estratégica e de vontade nacional; e
iv)- Existe uma polarização econômica transfigurada de regionalização. O centro, hoje,
exige escala e países pequenos, ou se unem em mercados maiores, em Megaestados, como é o caso
da União Européia, ou estão fadados a se tornarem ou permanecerem periféricos;
lx
A mágica da antropofagia é a propriedade que possuímos no Brasil de apropriarmo-nos,
transformando, de qualquer manifestação cultural exógena. Poder-se-ia iniciar a
explicação desta capacidade que detemos, como o resultado da arte que desenvolvemos
de adaptar valores e técnicas européias aos trópicos, em geral. Contudo, esta seria uma
explicação muito pobre. A nossa antropofagia, que é uma característica ímpar, já que
nenhum outro povo a detém, pelo menos em tal grau tem sua origem na gênese da nossa
cultura dominante: a cultura portuguesa. Essa se constituiu na paciente e progressiva
assimilação dos iberos, dos ligúrios, dos celtas, dos fenícios, dos gregos, dos
cartagineses, dos romanos, dos suevos, dos godos, dos judeus, dos mouros e dos
cruzados franceses e ingleses. Este progressivo amalgama dotou os portugueses dos
elementos necessários a processar o diferente e torná-lo o igual, quando não o comum.
Foi assim na constituição da cultura brasileira. A assimilação de outras culturas mais
puras, como as diversas culturas africanas e ameríndias, foi algo fácil para a experiente
cultura portuguesa que se transfigurava em brasileira. A capacidade de deglutir, de
adaptar, de transformar de forma criativa e criadora o que lhe é apresentado, ou lhe é
imposto, constitui-se no maior patrimônio do povo brasileiro. Tudo se faz sem perder, o
espírito empreendedor e mercantilista do fenício, do cartaginês e do judeu, da cultura dos
gregos, das instituições e da linguagem dos romanos, da cultura material dos mouros, da
aptidão manual do africano, do contato com a natureza do ameríndio. No Brasil, nada se
perde, tudo se transforma em algo que se utiliza. No futuro ser mundializado é ser
antropofágico.
lxi
de civilização. Mais do que isto, fez-se a constatação que toda a trama da história resulta de um
processo de fusão e que o Brasil é em si o próprio espírito divino da fusão criadora. O Brasil se
constituiu em seus primórdios de europeus principalmente portugueses e holandeses, ameríndios e
negros. Mais recentemente, de portugueses, italianos, espanhóis, alemães e outros europeus e de
japoneses, formando em seu território, de início, vários grupos étnicos. Dos europeus, os de maior
influência e número foram os portugueses, que não traziam a mística da pureza da raça. Todos estes
grupos, desde seu estabelecimento, vem se interpenetrando, como resultado de um fenômeno novo,
em escala mundial, que é o elevado grau de mobilidade social da sociedade brasileira, quer
mobilidade vertical quer mobilidade horizontal. Tudo isto favorece um aparecimento, nesta parte da
América, de uma democracia plena, no sentido real da palavra, onde não se estabelecem
preconceitos, onde o mérito pessoal supera não só possíveis colocações de natureza étnica, como as
de classe, e, onde, se maximiza a afirmação dos talentos e se potencializa a utilização das diversas
possibilidades. Esta forma de ver o mundo é o simétrico do que se coloca no centro, já que para nós
a miscigenação é regra e a discriminação é exceção. Para o centro, sejam norte-americanos ou
europeus, nestes excluídos os ibéricos, em especial, os portugueses, se dá o contrário, a
discriminação é regra e a miscigenação é exceção. A sociedade brasileira é cada vez mais
miscigenada caminhando para ser homogênea. Isto por que seus vários grupos raciais tendem a
pertencer a mesma civilização e a ter o mesmo imaginário e a mesmas idéias fundadoras e
fundamentais, independente de sua pigmentação ou da forma de seu rosto ou de seu nariz. Esta
mágica da mestiçagem é como foi afirmado um valioso atributo pois nos permite inserir a todos em
nosso contexto e todos podem se sentir partícipes na elaboração do novo contexto da
mundialização. A mágica da mestiçagem transforma hoje o Brasil e amanhã transformará o mundo
no espaço de todas as raças.
A mágica do sincretismo é a completa permissividade religiosa, algo que no mundo não tem
a dimensão que adquire no Brasil. Este é ainda o maior país católico do mundo, mas não é um país
dominado pela mística católica, nem pela santidade. Não tem santo. O catolicismo se expressa no
Brasil muito mais pelas sua manifestações externas, do correr de um calendário de permanente
procissões e de festas populares, do atuar da Igreja na vida política, apoiando os governos, ou,
conspirando contra eles, quando não os faz de forma concomitante. A este catolicismo caminham
juntos o espiritismo, o candomblé, a quimbanda e mais recentemente os ritos evangélicos
protestantes. Tudo isto se mistura num caudal de fé e de credos por onde trafega a mais plena
tolerância religiosa e o mais claro sincretismo religioso. A maioria dos brasileiros esposa no
decorrer de sua vida mais de uma fé. Este sincretismo aceita, se não incentiva, outras formas de
haver místicos, ou de entender a origem e o destino dos homens, que se conceituam como
esoterismos, formas pretensamente premonitórias de futuro, tais como a astrologia, o tarô e os
lxii
búzios. Tudo isto convive. Tudo isto se aceita e se incentiva. Como prova recente deste sincretismo
podemos colocar a forte e não combatida penetração de um neo-evangelismo, que nada mais é do
que um aspecto sempre presente da religião no Brasil e decorrente de uma influência ameríndia, a
religiosidade terapêutica, capaz de curar bicho e gente, transfigurada por um rigor moral radical.
Ainda, aqui, existem outras formas de religiosidade, porem, mais enclausuradas nos seus círculos
etnológicos e incapazes de trafegar tão desenvoltas, como o judaísmo, o islamismo e o budismo.
Contudo, estas outras formas muitas das vezes compõem fontes, que alimentam o já extenso caudal
da religiosidade. Nós detemos no Brasil a fé universal, esta é a mágica. A mágica de ter aquilo que
todos em todas as partes sempre acreditaram e sempre acreditarão.
A mágica dos trópicos reside na construção de uma civilização pela cooptação daquilo que a
natureza tem de mais pujante e agressivo: os trópicos. Nisto, papel importante tem as três raças
constitutivas do povo brasileiro. Em primeiro lugar, os portugueses que, diferentemente dos demais
europeus, ao se defrontarem com os trópicos, não o fizeram com espírito de superioridade. Sempre
buscaram adaptar seus valores e técnicas ao novo espaço de cooptação. Nunca buscaram impor sua
cultura. Ela se impôs pelo seu valor não por coação. Os portugueses, diferentemente dos demais
europeus nos trópicos, bem como seus descendentes no Brasil, muitas vezes repudiaram as soluções
européias, adotando outras tropicais. Em segundo lugar, o ameríndio que nos trópicos americanos é
um ser agreste, que formulou uma cultura primitiva, porém, própria e apropriada a sua terra de
origem, seu “habitat”, seja ela cultura de floresta ou cultura de agreste. Em terceiro lugar, mas,
talvez, até mais importante do que as precederam, o negro africano e seus descendentes, muito mais
habilitados, por séculos de adaptação aos rigores climáticos dos trópicos e pela permanente
contestação que exerceram à natureza nas selvas, nas savanas e nos desertos africanos. Quem
dominar o trópico dominará o mundo, mundializará.
A mágica da tolerância pode ser colocada como cordialidade, como subserviência, como
humildade, e até mesmo como impotência, mas é exclusivamente tolerância com o diferente, com o
estranho, com o incomum, com o inusitado. Acima da visão de homem cordial que
HOLANDA(1936) coloca existe é a tolerância. Tolerância que se coloca no dia a dia de nossa
existência e de que tanto se beneficiam os que disso sabem. Tolerância compatível com a existente
na Arca de Noé. Sim, pois sendo o leito de diferentes berços, o Brasil é uma grande Arca de Noé e
tem como sua maior mágica a tolerância.
A mágica da transcendência que é a de pairar sobre todas as outras mágicas, unificando-as
em uma só, criando delas um idealismo para além do subjetivo, que transpõe a alteridade posta na
dialética de FICHTE(1807b) e sendo um aceite a tudo e a todos. A civilização que está se
constituindo no Brasil se caracteriza pela sua transcendência. Há uma transcendência na unidade
que se organiza dentro da dualidade posta pelos europeus de ver a civilização brasileira ora como
lxiii
inferno, ora como paraíso. Há uma transcendência por ser uma civilização mais direta e mais
participativa. Há uma transcendência. por incorporar novos valores, por ser alem do que européia ,
por ser ameríndia e por ser africana. Há uma transcendência por sabermos sermos periféricos, mas
não vermos isto como problema,. mas, sim, sempre como sonho, como aventura.
Devemos nos orgulhar e glorificar nossos valores, nossa tolerância, a brandura de nossos
costumes, nosso eclético venerar, o acolhimento afável que concedemos ao que é estrangeiro, a
nossa tropicalidade, a alegria simples que nosso povo tem mesmo na miséria, e um certo “savoir
vivre” que jamais perdemos nas piores circunstâncias e cuja visão e conhecimento deixam
perplexos e atônitos a qualquer estrangeiro. Do Brasil se tem uma mensagem única de esperança: o
sinal que a inteligência humana é capaz de saltar por cima das adversidades e se integrar na
compreensão do universo total. Somos diferentes e somos especiais. Nós fomos, somos e seremos a
mundialização. Este é o nosso destino manifesto.
CAPÍTULO III
CONSTRUINDO A ESTRATÉGIA NACIONAL
Fixado nosso destino, o nosso objetivo maior transforma-se.na materialização deste destino
A política nacional, ou seja, o que fazer, portanto, é buscar o nosso destino. A nossa política
nacional será construir a mundialização. Contudo, estratégia nacional é buscar o melhor caminho
para se chegar a este objetivo mas, também, é buscar fazer o parto da história. Entender isto,
todavia, ainda não é suficiente para elaborarmos a estratégia nacional, isto é, como fazer?. É
necessário analisar a conjuntura em que vivemos, conhecer as visões estratégicas prevalecentes no
centro e nas periferias, para podermos impor, no futuro, nosso destino: a mundialização. Ë
necessário, também, conhecer a nossa estrutura, nossas restrições, bem como a nossa situação sob
os pontos de vista econômico, antropológico e geográfico. E, ainda, é necessário, avançar nos meios
que dispomos, avançar no estudo e na aplicação de nosso potencial, para transformá-lo, em poder.
E, finalmente, de posse destes elementos, traçar a nossa estratégia nacional.
lxiv
deterem a moeda internacional, o dólar e uma posição competitiva favorável. Como os estrategistas
dos Estados Unidos olham o futuro?
Existe quase um consenso, ao final do século XX, no pensamento estratégico dos EUA, de
que a sua situação hegemônica indiscutível é uma situação passageira e que em quinze, trinta, ou,
no máximo, em cinqüenta anos, a estrutura de poder mundial voltará a um clássico modelo
multipolar. É quase consenso, entre os maiores pensadores em estratégia norte-americanos, de que
haverá, no futuro, uma perda progressiva de poder dos Estados Unidos, na arena mundial. Estes
maiores pensadores, diferem, contudo, profundamente, no modo pelo qual os americanos se
defrontarão com o novo contexto. Três são as correntes que tratam deste reposicionamento, melhor
dizendo, do trato dessa futura decadência:
A primeira, que nomearemos como a dos fatalistas, que colocam que nada poderá ou deverá
ser feito e encontra a sua formulação mais forte na obra de KENNEDY(1987). Partindo de uma
visão, que se apóia em uma análise pretérita histórica, os fatalistas colocam que a própria posição
hegemônica norte-americana conduz a imensos gastos para a manutenção desta situação, em
especial, gastos militares, e isto, progressivamente, comprometerá as finanças públicas americanas e
conduzirá a perda crescente de poder dos Estados Unidos no panorama mundial.
A segunda, que nomearemos como a dos ativistas, que colocam que algo poderá ser feito e
encontra sua melhor versão em KISSINGER(1994a), que afirma ser possível uma postura ativa, que
aceitando a inexorabilidade da queda a postula como passível de ser controlada, com ações de curto
prazo, algo que melhor seria traduzido como participar quando puder e do melhor jeito que puder.
A terceira, que nomearemos dos articulistas, que defendem que muito poderá ser feito e que
tem seu melhor texto na obra de BRZEZINSKI(1993a), antigo membro do Governo Carter, e que
afirma que dado a não possibilidade de evitar a queda, os Estados Unidos precisam fazer uma
retirada estratégica, procurando organizar o mundo, para uma era pós “pax americana”, que teria
como seu grande legado um sistema global de equilíbrio geopolítico auto-sustentável.
É verdade que a primeira destas visões está muito mais próxima, que as demais, da idéia da
guerra como o ato final da ruptura. Sua própria característica pressupõe um progressivo
esvaziamento de poder decorrente do esforço econômico; todavia, o próprio final, a ruptura, resulta
como a análise histórica pretérita procedida demonstra, de um esforço de guerra.
As outras visões repõem de forma nova a clássica dicotomia presente na visão americana de
mundo, em que se opõem, há cem anos, os intervencionistas aos isolacionistas. Seria muito
primitivo atribuir-se a KISSINGER(1994b) uma visão intervencionista no modelo do “walk softly
and carry a big stick“ ( caminhe suavemente e carregue um grande porrete), mas, é indubitável, a
sua inteira subordinação ideológica ao que os alemães chamam de real politik, ou seja, a idéia que
os Estados Unidos tem de ser fortes e atuantes e que sua política deverá ser global e pautada pelo
lxv
interesse nacional. Assim, também, poderia parecer despropositado vincular-se
BRZEZINSKI(1993b) àqueles que defendem a tese que a política externa norte-americana deve ser
exclusivamente baseada em princípios morais. Entretanto, é óbvio, no texto deste autor, que é do
exemplo, que a democracia americana tira sua principal força.
Contudo, essas visões são análises próprias, de nossa época, das duas correntes que dividem
o modo de ver o mundo dos estadunidenses e que apesar de se apoiarem em premissas diferentes,
não afastam a hipótese de guerra e justificam a necessidade de generosas despesas militares no
orçamento dos Estados Unidos. Aliás, é bom lembrar que os Estados Unidos mergulhados, no
passado, nos ditames de uma ou de outra corrente, caminharam, diversas vezes, inexoravelmente,
para situações de guerra.
Contudo uma das análises publicadas, a posta no texto de HUNTINGTON(1996a), que teve
ampla divulgação nos círculos intelectuais norte-americanos e que rompe com o quase consenso da
inexorabilidade da decadência, ao apresentar a possibilidade da manutenção da hegemonia norte-
americana como o centro de um esquema de poder dominante, composto basicamente pelos Estados
Unidos e União Européia. Nesta visão prospectiva, o conceito da guerra encontra-se, também,
claramente presente e opõe o que o autor conceitua como efetivamente civilizado, os europeus e os
norte-americanos, a uma ou a várias barbáries, que se estruturam como outras formas de civilização.
Apesar de destoar da visão da maioria dos pensadores, a proposta de HUNTINGTON(1996b), pela
sua posição otimista para os norte-americanos, é a que merece o maior apreço e destaque da mídia e
da opinião pública norte-americana.
Encontramo-nos, portanto, e aí existe um total consenso de todas as correntes formadoras da
estratégia dos Estados Unidos, muito longe das visões irreais de inação do Estado Nacional postas,
por KANT(1801) em Paz Perpétua ou por MARX(1862) em Withering Away of State. O conceito
da guerra entre Estados Nacionais é uma constante na visão da geopolítica, do trato do poder e da
estratégia norte-americana.
Posto a inevitabilidade do conflito armado, cabe-nos questionar quais seriam os interesses
vitais dos Estados Unidos que o mobilizariam a ponto de se defrontarem, militarmente, com
competidores, cujo tempo, inexoravelmente, fará aumentar em número e em poder. Serão vitais o
controle das principais passagens marítimas do mundo? Será fundamental o suprimento de
petróleo? O controle do mercado asiático é uma questão de prioridade estratégica?
Para responder estas perguntas cabe observar quais os desdobramentos passados da bem
sucedida estratégia nacional dos Estados Unidos, pois eles configuram o círculo de interesses que
arquitetou a sua hegemonia atual. Qualquer estudioso verifica que a estratégia perseguida pelos
norte-americanos foi a tão brilhantemente sintetizada na obra The Coming War with Japan,
lxvi
FRIEDMAN e LEBARD(1991), que estabeleceu como os seguintes os patamares estratégicos
perseguidos pelos norte-americanos desde a sua independência:
“1. Que o poder e o exército dos EUA domine de forma completa a América do Norte;
2. Que não exista nenhuma potência ou grupo de potências no hemisfério ocidental capaz de
contestar a hegemonia dos EUA;
3. Que a marinha dos EUA seja capaz de manter as potências do hemisfério oriental fora do
hemisfério ocidental, através do controle do Atlântico Norte e do Pacífico Leste;
4 Que nenhum poder do hemisfério oriental possa desafiar o domínio norte-americano dos
oceanos, desviando suas energias para ameaças terrestres”
Esta macroestratégia tão bem resumida e explicitada é totalmente respaldada na leitura da
obras centrais da formulação da ação norte-americana, ao longo da II Grande Guerra,
SPYKMAN(1942) e LIPPMANN(1943). Conforme se depreende da leitura desta obra, o desafio
estratégico norte-americano esteve e está posto a nível global.
Assim sendo aonde estarão os possíveis contestadores? Qual serão suas ações? Qual é a ação
preventiva dos EUA e quais suas possíveis reações?
Comecemos respondendo a última destas questões. Os EUA, hoje, prioritariamente colocam
como objetivo central de sua ação política internacional manter seu atual sistema de alianças e o
regime de livre comércio como sistema permanente de controle internacional. Isto poderá vir a ser
feito, até mesmo, através da transformação de seu sistema de alianças em um sistema imperialista,
usando seu poderio atual, inclusive o militar, para manter sua hegemonia tanto no seu sistema de
alianças, como no antigo bloco soviético e, também, no antigo terceiro mundo.
Entretanto, os EUA poderiam ter, amanhã, outro posicionamento e vir a dar prioridade a um
isolamento de seu hemisfério, criando um bloco político e econômico no hemisfério ocidental,
utilizando a sua marinha para manter o domínio dos oceanos, evitando intervenções francas no
hemisfério oriental, a menos que uma única potência ameace esta hegemonia, e usando o seu
controle dos oceanos para manipular o comércio marítimo mundial, de forma a evitar que tal
potência venha a surgir. Ambas possibilidades devem ser merecedoras de total atenção para os
formuladores da estratégia nacional.
Contudo, um ponto nos parece óbvio e tem figurado, explicitamente, nas análises dos
interessados em prever o comportamento futuro dos Estados Unidos é o fato dos EUA não se
imaginar contestado no próprio continente americano. Aqui está um ponto central para a estratégia
nacional que adiante formulamos. Todos os seus possíveis contestadores sempre são vistos no
hemisfério oriental. Para os norte-americanos, a sua hegemonia incontestável no continente
americano é algo fundamental, acima de todos os demais interesses, como já o foi no passado (que
os digam as suas diversas intervenções militares no continente americano, neste século) e é e será,
lxvii
certamente, o mais forte motivo para um novo engajamento militar em uma nova guerra, por parte
dos Estados Unidos. Repetimos, esta é uma questão presente ao se tratar de forma estratégica o
destino do Brasil.
Dado o peso dos Estados Unidos no comércio mundial, é interessante, também fazermos
algumas considerações quanto à sua política comercial, cujas diretrizes estão claramente expressas
na sua Lei de Comércio e Tarifas de outubro de 1984. Essa lei procura ser abrangente, já que tenta
integrar objetivos diversos, relacionados ao comércio de bens, serviços, investimentos externos e
transferências de tecnologia. Envolve processos de negociação, bilateral e multilateral, consultas e
retaliações. Cabe ressaltar que um dos objetivos da lei é dar, ao presidente dos EUA, poderes para
impor restrições de acesso ao mercado norte-americano de bens, mesmo que a questão que tenha
gerado contencioso, diga respeito a investimento, tecnologia e serviços. Neste campo, também, a
estratégia do governo norte-americano tem sido de buscar a liberalização completa nas transações
onde sua economia aparentemente tenha vantagens comparativas. Seu posicionamento, em diversos
foros e em particular na Rodada Uruguai do GATT, e agora na Organização Mundial do Comércio,
consubstancia essa formulação, decorrente da filosofia econômica que adota. Está claro, que mesmo
antes daquela rodada de negociações, os EUA passaram a exigir mais esforços dos países em
desenvolvimento, que tiveram perda significativa do tratamento especial de que se beneficiavam.
Tal ação se faz sentir com maior reflexo sobre a América Latina, que tem procurado tibiamente, em
conseqüência, adequar suas políticas econômicas à nova realidade do comércio internacional.
No campo político, estratégico e militar, os EUA buscam consolidar sua área de poder, para
influírem em soluções condizentes com seus interesses nos conflitos que se deflagram no mundo.
Buscam, ademais, ações diretas para evitar o acesso a terceiros das chamadas armas de extermínio
de massa. Este é em resumo a estratégia do país dominante no centro atual .
3.1.2. CONSIDERAÇÕES QUANTO AOS DEMAIS CENTROS
Vários analistas admitem a ausência, no momento atual, de predomínio dos Estados Unidos
no campo econômico e preferem ver a existência de uma multipolaridade econômica competitiva,
que envolveria os Estados Unidos, a Alemanha e o Japão. Como afirmamos antes, o que é claro é a
existência de um processo de polarização econômica, tecnológica e financeira, que envolveria estes
três países, essa “tríade”, ou como chegam a colocar a trilateral.
Todavia, tanto a Alemanha como o Japão não possuem a estatura política condizente com
seu atual estágio econômico. Militarmente, tanto a Alemanha como o Japão encontram-se ainda
ocupados por tropas norte-americanas, passados mais de 50 anos do término da II Grande Guerra e
10 anos do término da Guerra Fria. Politicamente, ambos os países continuam fora do condomínio
político exercido pelos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas
lxviii
Os objetivos centrais da ação estratégica nacional destes dois países é o de recolocarem as
suas estaturas políticas na verdadeira grandeza de suas estaturas econômicas. Seguem, estratégias
diversas, mantendo, todavia, ambos os países, um sistema de poder nacional, em que enfatizam o
relacionamento entre o grande capital privado, o Estado Nacional, o desenvolvimento de tecnologia,
as forças armadas e a sociedade civil. Tanto um como outro não alteraram sua concepção
estratégica básica, que se formatou no século passado.
A concepção estratégica da Alemanha era e é clara: o domínio da Europa Continental, daí o
domínio da Europa e Ásia e do Mundo. O que mudou em sua estratégia foram os meios a serem
utilizados, que de militares tornaram-se econômicos. Foi economicamente que a Alemanha
conseguiu a reunificação e foi economicamente que a Alemanha tem buscado, com sucesso, o
domínio da Europa. A União Européia é, antes de tudo, um projeto alemão. Ë , ainda,
economicamente, que a Alemanha buscará dar seu maior passo estratégico, o euro, a contestação do
dólar.
As prioridades alemãs em termos de política externa encontram-se na Eurásia, em especial,
na Europa Oriental. Os estrategistas europeus, especialmente os alemães, advogam uma maior
proximidade operativa com a Rússia, algo que só poderá avançar com a consolidação da União
Européia. Existe no imaginário alemão, no espaço europeu, uma outra figura, e esta figura tem
assento permanente no condomínio político: a Rússia.
Já o Japão, possui uma concepção estratégica limitada, que se resume ao domínio das
margens da Bacia do Pacífico. A derrota militar da II Grande Guerra marcou profundamente a
sociedade japonesa que agora busca exercer este domínio, também, por meios econômicos. Os dois
movimentos externos dominantes na política externa japonesa, a chamada política dos gansos
voadores, ou seja, a conquista dos mercados do Leste Asiático, tanto pela implantação de indústrias
tradicionais neste espaço como a reserva destes mercados para os produtos japoneses e a chamada
política do tubarão amarelo, para a costa do Pacífico do Hemisfério Ocidental, que busca aumentar
a presença econômica japonesa na costa oeste dos Estados Unidos, no México, no Peru e no Chile,
reforçam esta colocação. Aqui, também, existe uma outra figura. Os estrategistas japoneses,
entendem que o Japão só efetivamente avançará na busca de seu objetivo se o fizer uma maior
aproximação com a China, outro membro do condomínio político do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
Daí por que é importante, para as duas diplomacias, tanto a japonesa como a alemã, a
reforma do Conselho de Segurança, que antes de permitir o seu ingresso no ambicionado
condomínio político é a demonstração cabal das composições da Alemanha com a Rússia e do
Japão com a China, composições estas.necessárias, na visão de seus estrategistas, para repor
estatura política aos dois países.
lxix
Há, em ambas as visões, a clara percepção que, enquanto, não solucionada a questão da
estatura política, a melhor conduta no campo econômico, político e militar é de procurar não
contestar, objetivamente, os desígnios dos norte-americanos. Daí, o porque do apoio às iniciativas
norte-americanas, no âmbito das organizações internacionais. O apoio a estas iniciativas tem se
materializado nos foros como a OCDE e a OMC, na elaboração de normas, no aprovo ao
mecanismo de “condicionalidades” imposto pelo FMI e Banco Mundial aos países endividados e
em crise e até nas sanções impostas pela ONU ao Iraque.
Pode parecer, contudo, que subjacente a tudo isto, existe uma certa concordância ao antigo
esquema do geopolítico alemão Haushofer de divisão do mundo, em que uma tríade assumiria
oligopolisticamente o controle do poder mundial, dividindo claramente seus mercados, algo que não
tem mais tanto respaldo e perdeu conteúdo, nesta virada do século XX, para o século XXI. Esta
concordância não existe, nem por parte dos americanos, nem por parte dos alemães, nem por parte
dos japoneses. Todos têm uma visão própria de mercado mundial.
3.1.3. CONSIDERAÇÕES QUANTO À PERIFERIA
A periferia é tudo que não pertence ao centro e se constitui de Estados que, para simplificar,
podem seguir duas possíveis classificações: quanto ao potencial e quanto ao comportamento.
Na classificação quanto ao potencial os Estados se dividem em polarizadores e polarizados.
Os Estados polarizadores são aqueles que, por terem grande população, são capazes de constituir
mercados dinâmicos, permitindo processos que levam à economia de escala, em especial, nas
chamadas áreas de tecnologia de ponta. Os Estados polarizados são aqueles desprovidos daquele
atributo e destinados a comporem, em decorrência de sua posição geográfica, com outros Estados,
e/ou com algum Estado polarizador dentro de um processo mundial de crescente regionalização um
Megaestado. Os Estados polarizadores mais evidentes são a China, a Rússia, a Índia, a Indonésia e o
Brasil.
Na classificação quanto ao comportamento os Estados se dividem em Estados perturbadores
e Estados subordinados Os Estados perturbadores são aqueles que insubordinam-se contra os
ditames do centro e os Estados subordinados são aqueles que seguem os ditames políticos do
centro. Há diferentes graus de perturbação, mas, como perturbadores radicais podemos citar a
Coréia do Norte, o Iraque e o Afeganistão. Toda periferia tem em si algum grau de contestação que
se explicita em perturbação, mas, é inegável que, atualmente, a Áustria ou o México são Estados
subordinados.
A história universal nos mostra que para um Estado periférico chegar ao centro ele tem de
ser perturbador. Hoje, para se chegar ao centro, também, tem-se de ser polarizador. Estas duas
condições criam a possibilidade de um Estado periférico vir a ser centro.
lxx
Na periferia, os Estados polarizadores com maior grau de liberdade econômica são nessa
ordem : a China, a Índia e a Rússia.
Na periferia, os Estados polarizadores que geograficamente possuem maiores graus de
liberdade são o Brasil, a Indonésia e a Índia, pois são os que estão mais espacialmente afastados dos
atuais pólos do centro. Destes, a Índia é que possui atualmente o maior grau de contestação.
Contudo, a Índia como a Indonésia tem restrições geográficas ao papel de polarizador . A Índia, por
se situar num pedaço restrito de um continente, a península indiana e a Indonésia, por se situar num
arquipélago, têm sérias dificuldades na sua função de polarizador, ou seja, a constituição de um
espaço geográfico único com demais Estados para a constituição de um Megaestado. Este não é
caso do Brasil, que detém condições geográficas excepcionais de polarizar, por ser um Estado
dotado de fronteiras com diversos outros Estados, num subcontinente periférico, a América do Sul.
Cabe-nos apresentar aqui e de forma rápida a concepção estratégica dos Estados mais
relevantes da periferia. A China tem como objetivo central de sua concepção estratégica restaurar
seu território nacional pela unificação com a China insular: Taiwan. A concepção estratégica
chinesa é muito limitada, mas vem sendo transformada, nos últimos anos. Já a Rússia tem uma
elaborada e complexa concepção estratégica que pressupõe como estabelecido pelo seu formulador
Pedro, o Grande, o domínio da Eurásia. Contudo, a Rússia de Yeltsin não é contestadora. É
subordinada e apaziguadora como se pode ver pelo seu comportamento nas questões relativas aos
Bálcãs. Sua estratégia tem sido a de procurar uma aliança com a China, pois se sente ameaçada pela
conjunção de interesses entre os EUA e a União Européia. Contudo, caso se conclua pacificamente
a questão balcânica, dado a posição geográfica da Rússia e a concepção estratégica da Alemanha, é
uma questão de tempo a prevalência de um pensamento pró-europeu na Rússia.
Deve sempre estar presente, na formulação da estratégia nacional, na periferia, o fato de que
a montagem de alianças estratégicas de Estados polarizadores entre si, ou com os centros não
hegemônicos, é o melhor caminho a ser seguido para o exercício da função perturbadora à ordem
internacional no caminhar de um Estado para o centro.
3.1.4. CONSIDERAÇÕES DA NOSSA ALTERIDADE
O centro hegemônico, os EUA, tem consciência de que nos inserimos na sua mais
importante área estratégica: a América. Tem consciência que é fundamental para sua hegemonia a
sua dominação sobre o espaço americano. Pode-se resumir, que no momento, a ação do centro
hegemônico é, no campo político, de garantir que os Governos Brasileiros mantenham uma posição
não contestatória aos seus desígnios para o Hemisfério. Já no campo econômico sua ação é de
buscar nos inserir, mediante a criação da Área de Livre Comércio para as Américas.(ALCA), de
forma plena e definitiva em seu espaço de dominação. Com isto o centro hegemônico pretende:
lxxi
a) A permanência, no Brasil e nos demais países das Américas, de regimes políticos que
melhor assegurem a defesa dos seus interesses;
b) Garantir a imposição de sua cultura sobre a cultura dos demais povos do Hemisfério
Ocidental;
c) Promover sua visão de mercado através de um sistema que articule suas universidades
como centros fornecedores de treinamento profissional para prováveis integrantes das futuras elites
dos demais países das Américas, em especial, o Brasil.
d) Implantar um sistema econômico nas Américas, cujas normas garantam uma mais livre
circulação dos seus fatores de prevalência: o capital, bens e serviços, mas que excluam o fator
trabalho;
e) Dar maior capacidade de proteção a setores da economia norte-americana ameaçados de
competição dentro e fora do continente, pela adição de mercados dos outros países das Américas ou
mediante a criação de barreiras de defesa de seu mercado;
f) Induzir os demais Estados nas Américas a adotarem procedimentos jurídicos, normas de
atividade, instituições e políticas econômicas condizentes e semelhantes às norte-americanas;
g) Garantir o acesso americano direto às fontes de matéria prima existentes no continente
imprescindíveis ao desenvolvimento da economia norte-americana, em especial de bens
energéticos.
h) Inibir o aparecimento no continente de pólos de tecnologia, fora do seu controle, de modo
a impedir o surgimento de competidores efetivos nos mercados de ponta mais lucrativos.
O objetivo central do centro hegemônico para o Brasil, como para os demais países da
América, é conhecido como “Consenso de Washington” e tem como principal objetivo manter os
mercados destes países abertos para as suas exportações através da defesa infatigável das teorias
econômicas liberais, em especial das vantagens comparativas, de especialização primária agrícola e
mineral, e do livre comércio.
Os centros não hegemônicos, Alemanha e seus parceiros da União Européia e o Japão tem
uma estratégia diferente do centro hegemônico para o Brasil e os demais países da América. Apesar
de nos foros internacionais fazerem coro ao discurso para a região dos EUA, buscam, em paralelo,
construir na região uma base industrial, com filiais de suas empresas transnacionais, ou com seus
capitais, capazes de garantir mercado para seus produtos ou sua tecnologia. O MERCOSUL, e
dentro deste o Brasil, é, neste esforço, o objetivo central da União Européia. Entendem que, nessa
região, podem vir a desestabilizar o predomínio econômico norte-americano, pois aí estariam
interferindo no espaço de maior polarização dos EUA. Para ambos centros não hegemônicos, o
Brasil tem extrema importância nas relações que eles podem vir a ter com os EUA e tem um
enorme potencial.
lxxii
A periferia nos vê como um polarizador submisso. Contudo, como a China e a Rússia
colocam nos seus centros de pensamento estratégico, uma possível contestação nos daria as
condições para rapidamente vir a ser centro. Daí, porque tanto interesse, em especial dos chineses,
na montagem com o Brasil de parcerias ou alianças estratégicas.
lxxiii
contrato. Neste processo, Portugal pendulou, mesmo contra a sua vontade, primeiro unindo-se a
Espanha, e depois, submetendo-se aos ingleses.
Não se necessitava ter ido tão longe. Poder-se-ia começar a análise, desta dialética, na
América liberta, justapondo-se o discurso doutrinário, imposto pelo federalismo dos EUA, à
diversidade administrativa , decorrente da desagregação política da Hispano-América. Contudo,
esta prática na América Espanhola poderia ter sido obstada, caso, a exemplo do predomínio da
visão de Monroe, para os estadunidenses, como citado por MONIZ BANDEIRA(1973), houvesse
prevalecido o sonho unitário de Bolívar, como referenciado por ZÉA(1995).
Colocá-los, juntos, Bolívar e Monroe é, de certa forma, trazer para hoje as doutrinas
políticas que prevaleceram ao início do século XIX. Ambas de um paralelismo indiscutível. Uma, a
tese do Presidente norte-americano, expressa em 1823, vitoriosa de forma definitiva, quase cem
anos após, em Versalhes. Outra recolhida ao sonho de um imaginário criativo esperando o curso da
história para renascer.
Ambas, imaginando a América para os americanos. A anglo-saxã, unilateral,
intervencionista, estabelecendo um possível poder de tutela sobre os demais estados. A hispânica,
participativa, não-intervencionista, calcada na cooperação, como disposta nas palavras do
libertador: “ Ningún Estado será más débil que otro, ninguno más fuerte. Un equilibrio perfecto si
establecerá por este pacto social”.(Conforme citado por MALAGRIDA(1919), a respeito de
correspondência remetida por Bolívar a Canning, solicitando o apoio dos ingleses, publicada por C.
Villanueva em La Monarquia en América, tomo IV, página 144).
No final do século passado, ante ao seu isolamento perante o mundo hispano-americano e,
principalmente, ao avanço do processo de colonização européia na Äsia e na África, a diplomacia
brasileira fez uma opção por afinar-se com a doutrina Monroe. No final deste século é chegado o
momento de rever esta posição. A atual situação prevalecente, em todos os contextos, dos EUA,
infelizmente, retirou da doutrina Monroe todo o seu vigor, transformando-a, agora, para nós, em
uma exclusiva ação de dominação. Em paralelo, recolocam-se as posições de Bolívar, como o
espaço de sustentação de uma articulação defensiva. Para quem pode se deslocar pelos dois lados de
uma moeda, pendular é obrigatório, a cara tem de se fazer coroa e a coroa tem de se fazer cara, por
mais forte que seja a coroa e por mais fraca que seja a cara.
Este movimento, para se fazer completo, tem de dar ao Brasil a liderança do processo e fazê-
lo se deslocar da posição de terceiro interessado, que sempre teve como América Portuguesa, na
disputa entre o Pan-americanismo, criatura dos saxões e o Hispanamericanismo, criatura espanhola,
para a condução de um movimento novo, o Sulamericanismo, que deve ter seu início na cooperação
sul-americana. Antropologicamente, este reposicionamento tem características facilitadoras, já que
lxxiv
é inegável a maior proximidade cultural da América Portuguesa à América Espanhola em relação à
América Anglo-Saxã.
Na verdade, o Brasil foi, é e será um terceiro interessado posto na América. Esta posição
tem de ser entendida e aproveitada, devendo ser a base de suporte da nossa estratégia nacional.
3.2.2. COMPONENTES GEOGRÁFICOS
O Brasil é um reflexo menor do subcontinente que lhe abriga a América do Sul, projetado em
seu oeste e voltado para um dos dois oceanos que cercam o subcontinente: o Oceano Atlântico.
Daremos atenção ao subcontinente nesta análise. Esta atenção decorre da apontada
capacidade de polarização no subcontinente que o Brasil detém. A América do Sul tem mais de
10.000 anos de história, contudo, a mudança que os ibéricos trouxeram, reduziram seu período de
análise histórica para só 500 anos. Nestes cinco séculos, a América do Sul foi um espaço geográfico
que se constitui na periferia da construção do capitalismo. Bem mais caracterizada como ibérica do
que latina, como coloca CASTRO(1992), contrastando com o setor anglo-saxônico da parte norte
do continente, cortada pelo equador e trópico de capricórnio, a posição geográfica da América do
Sul lhe confere, a grosso modo, a categoria de continente do hemisfério sul.
Tendo a forma triangular, o setor mais largo do continente se concentra na zona equatorial
terrestre; estreitando-se ao atingir a faixa temperada para afunilar-se no vértice meridional
defrontando-se com o continente que abriga o pólo sul: a Antártica. Advindo desta posição
geográfica encontrarem-se nos dois extremos do continente áreas menos favoráveis ao
estabelecimento humano: o norte quente e chuvoso e o sul frio e estéril. Contraste que se equilibra
no setor das baixas latitudes, onde a população para evitar as temperaturas mais quentes,
notadamente dos países banhados pelo Oceano Pacífico deu preferência às zonas de maior altitude
da Cordilheira dos Andes. Em contrapartida, os países banhados pelo Oceano Atlântico que
contacta o subcontinente com as massas terrestres da América do Norte, da Europa e da África têm
seus principais centros demográficos no litoral, fazendo do Brasil, o mais populoso centro do
conjunto. Tal fato resultou da oposição entre as duas vertentes oceânicas do subcontinente, que só
uma intervenção ampla de infra-estruturação do continente poderá vencer. Estas vertentes são:
• a do Pacífico, “mar solitário”, de navegação extensiva, com feixes de circulação bem mais
regional;
• a do Atlântico de navegação intensiva com feixe de circulação intercontinental.
Pela oposição das duas vertentes oceânicas implantaram-se áreas geopolíticas neutras que por
sua posição no interior do subcontinente predispuseram os países sul-americanos a uma dissociação
econômica e psicossocial, vivendo de costas uns para os outros. Romper com essa dissociação é o
nosso primeiro objetivo estratégico.
lxxv
Sabe-se que as massas continentais se distribuem no Hemisfério Norte formando um
grupamento em semi-círculo centrado no Pólo Norte, a América do Sul se posiciona no Hemisfério
Meridional no qual a Antártica se constitui no território mais considerável da metade inferior do
Planeta. O Brasil e a América do Sul encontram-se perifericamente posicionados na geografia
mundial.
A América do Norte se orienta mais para o quadrante oeste, enquanto a América do Sul
oferece exemplo típico de desvio continental para o leste; assim, o meridiano de Lima, cidade na
esfera do Pacífico-Sul passa por Washington na dependência do Atlântico-Norte. Esse entorse
continental caracteriza a América do Sul também como América do Leste criando a zona de
estrangulamento do Atlântico, levando Recife a distar somente 18 graus de longitude de Dakar e 10
graus de Cabo Verde, a terra mais ocidental da África.
Considerando-se o meridiano de zero graus de Greenwich toda a massa continental americana
se concentra no Hemisfério Ocidental entre os 36 graus do Cabo Branco no nordeste brasileiro aos
160 graus do Cabo Príncipe de Gales na Alaska. Nesse posicionamento observa-se que a América
do Sul está bem mais isolada pelo Oceano Pacífico encontrando-se a grande distância da Austrália,
que com ela se defronta numa linha leste-oeste, no setor do chamado Crescente Externo Insular.
Toda esta análise geográfica convalida a observação de que o subcontinente da América do Sul
encontra-se geograficamente afastado dos grandes fluxos de comércio internacionais que se
processam nas massas continentais do semicírculo que se articula ao redor do Pólo Norte.
Envolvendo-se em duas vertentes oceânicas, o continente sul-americano caracteriza-se por
duas zonas longitudinais:
• a primeira é formada pelos Andes cadeia de montanha prolongando-se de norte para sul por
mais de 7.000 km, formando verdadeira barreira ao longo do Oceano Pacífico levando a América
do Sul a voltar-se bem mais para o Atlântico em seu espaço civilizatório.
• a segunda é constituída por três planaltos, Guianas, Central ou Brasileiro e Patagônia e por
três planícies, Orenoco, Amazônica e Platina e que se intercalam e são estruturalmente articulados
ao Atlântico.
Nos Andes, o sistema de ligação entre as duas vertentes oceânicas é precário e se encontra nos
passos e nós. Os passos, passagens naturais, nos colos das montanhas, possibilitam o contacto entre
as duas vertentes. Esses acidentes geográficos andinos mais importantes estão no sul: o de Upasllata
entre a Argentina/Chile é aproveitado pela única transcontinental do continente entre Buenos
Aires/Valparaíso; o de Santa Rosa leva o sistema ferroviário boliviano até Árica no Chile. Enquanto
Upasllata une as duas vertentes oceânicas, o de Santa Rosa só o fará quando se complementar como
veremos adiante, o trecho Santa Cruz de la Sierra já conectada com Santos no Atlântico e
Cochabamba. Os nós ou “nudos” apresentam-se sob a forma de planaltos circundando um alto pico;
lxxvi
enfeixando várias ramificações andinas são centro de dispersão de águas em linhas de menor
resistência do terreno, acima dos 3.000 metros de altitude entre 5º e 15º de latitude sul. A
importância funcional desses acidentes geográficos relacionados ao Atlântico se concentra na
posição que ocupam no anfiteatro amazônico. O nó de Pasto na Colômbia e o de Loja no Equador
se direcionam para os vales do Putumáio e Marañon respectivamente aguardando vias hidrográficas
de acesso ao Atlântico ainda por se desenvolverem. Já o nó de Cerro Pasco no Peru se divide entre
os vales amazônicos do Marañon e Purus; enquanto que o de Vilcanota ou de Cuzco prolonga o de
Pasco na direção do Madeira.
As planícies Amazônica, do Orenoco e Platina são servidas por redes hidrográficas que levam
a América do Sul a se voltarem para o Atlântico do qual são tributárias. Buscam também o
Atlântico, declinando para ele, os planaltos das Guianas e da Patagônia. A Bacia Amazônica se
constitui numa sub-região de conexão entre duas áreas de importância geoestratégica - a do Caribe e
a do altiplano boliviano, considerando este último uma espécie de “heartland” do continente. Em
conseqüência, quando melhor aproveitada a Bacia Amazônica, com a integração destes dois
espaços, melhor a possibilidade de incorporação daquele amplo espaço ao processo civilizatório.
Já o Planalto Brasileiro pende para o interior, buscando ainda o norte e o sul. Por sua
disposição esse planalto demonstra vocação continental de enlace entre as bacias Amazônica e
Platina. Por sua posição e configuração, envolvendo o centro geográfico do continente, o Planalto
Brasileiro favoreceu a penetração para o oeste, permitindo que os portugueses, detentores de núcleo
geohistórico a beira do Atlântico, conquistassem vasto “hinterland” da América do Sul.
Conclui-se, desta análise que a unidade andina contribuiu, de início, para a implantação de
um único estabelecimento colonial - o espanhol, estendendo-se de norte para o sul, na vertente
isolada do Pacífico. Ainda, no Pacífico, sem nenhuma grande bacia hidrográfica, com litoral pobre
em opções, em grande parte desvinculado do interior, é pelos nós e passos que projeta-se o processo
de ocupação na sua caminhada para uma associação com o Atlântico. Esta vocação geopolítica de
atração do Atlântico se atesta pela presença de importantes bacias hidrográficas, associadas às
articulações litorâneas onde o relevo mais baixo favorece intensa vinculação com o “hinterland”. A
variedade na vertente mais disputada do Atlântico favoreceu a implantação de vários
estabelecimentos coloniais - o espanhol, o português, o inglês, o holandês e o francês e dentre estes,
prevaleceu pelo seu tamanho o português: o Brasil;
Esta análise indica, também, a existência primitiva de um dualismo sul-americano e não uma
dualidade de opostos. Há uma atração natural. Este dualismo se dá entre espanhóis e portugueses.
Contribuiu também para o dualismo geopolítico sul-americano o Tratado de Tordesilhas (1494)
seccionando, como fronteira esboçada as duas grandes vias de penetração continental:
lxxvii
• entregando a foz do Prata aos espanhóis, proporcionou-lhes maiores oportunidades para a
expansão pelos Pampas e Chaco.
• concedendo a embocadura do Amazonas aos portugueses, coincidentemente o seu setor sul,
o melhor braço para a navegação, permitiu que os lusos se apossassem daquela planície setentrional.
Facilitada a penetração espanhola ao sul e a portuguesa ao norte, o continente sul-americano
foi induzido, embora indiretamente, a uma bipartição aproximada: 8.500.000 km2 para os
portugueses ( o Brasil) e 9.300.000 km2 para os espanhóis. Caberia aos Andes e federalismo
castelhano impor o cantonalismo geopolítico a América Espanhola gerando-lhe vários núcleos
geohistóricos dividindo-a, posteriormente em várias repúblicas. Por outro lado o relevo mais baixo
e centralização do Reino Português confirmariam o unilateralismo do Brasil com um único núcleo
geohistórico. O fator fisiopolítico justifica, a superioridade territorial do Brasil no conjunto sul-
americano, já que a Argentina que o segue em área, atinge apenas a terça parte da superfície
brasileira.
O espaço português posicionado em longa faixa atlântica, mais próxima da África e Europa
contou com a vantagem dentro do contexto econômico, colocando o Brasil em maior contacto com
Portugal; dentro do enfoque geoestratégico iria se caracterizar como centro de assaltos e tentativas
de fixação por parte de elementos estrangeiros. Do outro lado, no setor do Pacífico, embora
contando com a desvantagem geoeconômica da distância para com a metrópole, face ao isolamento,
ficavam os espanhóis menos expostos aos invasores.
A conquista desordenada e tendência a continentalidade exporia mais a metrópole espanhola
com vasta área de disputa na América com outros vizinhos colonizadores, em especial os anglo-
saxões. Assim a zona de disputa entre os dois iria se estender desde a América do Norte até a
América do Sul.
O Brasil é como foi dito a América Portuguesa. Ocupando quase a metade do espaço
territorial sul-americano - 47.3%, posiciona-se o Brasil na larga porção oriental do Atlântico Sul. O
nosso total de fronteiras (23.086 km) se reparte entre os 15.719 km de limites terrestres e 7.367 km
de litoral. O Brasil detém, portanto, uma continentalidade e uma maritimidade. No conjunto
brasileiro 18% da extensão territorial são formados pela faixa de 250 km que acompanha o litoral,
42% se encontram entre os 250 km e 1.000 km da orla litorânea, enquanto os restantes 40% estão
além dos 1.000 km. Tais porcentagens comprovam ser o Brasil país do tipo marítimo, associando-o
ainda ao tipo continental pela presença no continente sul americano, caracterizando-o como
múltiplo vetor. Articula-se o Brasil, grosso modo, com os Andes, de onde recebe o empuxo das
forças continentais, bem como com as duas grandes bacias fluviais - a Amazônia e a Platina-
tributárias do Atlântico e eixos viários de penetração no hinterland.
3.2.3 COMPONENTES ECONÔMICOS
lxxviii
Em termos econômicos, antes de tudo, há uma constatação, a visão liberal sempre nos
vulnerabilizou, tanto o Brasil, como a América do Sul, dado as relações assimétricas de poder, que
esta visão maximiza, com a América anglo-saxã. O aceite da antiga idéia das vantagens
comparativas, ou de sua forma moderna: a integração competitiva no mercado mundial, nos
colocará, sempre, caudatariamente, na dinâmica da economia mundial.
É bem verdade que houve, a partir da segunda década do século XX, a formatação, no
subcontinente sul-americano, de um discurso para o seu desenvolvimento. A base deste discurso se
fundava, na década de 20, na contestação da dominação européia e anglo-saxã e teve diferentes
matizes, desde o tenentismo, no Brasil, até o pensamento de Haya de la Torre, no Peru. Com o
passar do tempo, esta contestação transformou-se num desejo de mudanças, articulado pelas idéias
de SOMBART(1928) , MANOILESCU(1931) e PERROUX(1933) e transfigurou-se no discurso
estruturalista da CEPAL, de PREBISCH(1948) e de FURTADO(1950). Contudo, de 30 anos para
cá, articulou-se submissamente na teoria da dependência e submeteu-se ao neoliberalismo e ao
domínio de uma postura que abjura os movimentos sociais.
Tudo isto conduziu a que diferentemente, do que se tem dito, a economia brasileira, assim
como toda a sul-americana se tornasse vastamente internacionalizada, ou seja, o Brasil e os demais
países da América do Sul são economias abertas ao mundo.
O Brasil, por exemplo, é um país relativamente importante como receptor de capital
estrangeiro. O Estado brasileiro sempre apresentou atitude favorável ao capital estrangeiro, o que,
aliado ao tamanho do mercado doméstico, tem contribuído para a grande penetração do capital
estrangeiro. Isto se magnificou com a política de abertura da década de 90. Estima-se que, 45% da
indústria no Brasil seja, hoje, de propriedade do capital estrangeiro, notadamente de empresas
transnacionais.
Ao longo da década de 80, o Brasil diminuiu a capacidade atrativa sobre investimentos
externos diretos, quando comparada à de outros países, em especial, os países desenvolvidos. A
principal razão desta queda estava na deterioração da situação econômica do país e não nas
restrições, como afirmaram, que o capital estrangeiro teria sofrido, notadamente na última
Constituição Brasileira. Mas, a diferenciação que existia entre empresas de capital brasileiro e
empresa de capital estrangeiro, desagradou psicologicamente aos investidores externos e foi
removida o que provocou com a estabilização inicial do real um fluxo representativo de
investimentos externos no Brasil, majoritariamente, na compra de ativos, entre 1994 e 1998. Com a
deterioração das condições macroeconômicas estrangulou-se este fluxo externo, o que vem a
corroborar a tese que o ingresso de capital estrangeiro no Brasil decorre muito mais do acerto de
políticas econômicas do que as condições que são impostas a esses capitais. É fácil ver a
determinante alocativa do processo quando lembramos que, enquanto na década de 70 o PIB “per
lxxix
capita” do Brasil crescia à taxa média anual de 5,7% a.a. (2,5 vezes superior à taxa média do
conjunto dos países desenvolvidos), na década de 80, o PIB “per capita” do Brasil estagnou,
enquanto países desenvolvidos apresentavam taxas crescentes. O capital externo, como é sabido, só
se desloca no sentido de economias que caminham bem. Por isso, de novo, ao final da década de 90,
surge os sinais de nova debandada de capitais externos, não só os chamados voláteis, como o
Governo Brasileiro quis e quer fazer crer, mas, também, o de investimentos de longo prazo, em
decorrência de mau desempenho dos indicadores econômicos.
O ingresso havido de capital estrangeiro em investimentos, entre 1994 e 1998, é, hoje, uma
séria ameaça, dado o seu montante, ao bom desempenho futuro da economia brasileira, na medida
que esta está submetida a mais um constrangimento: terá de repatriar os ganhos crescentes auferidos
pelos capitais estrangeiros.
É interessante observar que as empresas dos países componentes da União Européia
realizaram, no Brasil, e nos países do MERCOSUL, investimentos externos diretos em montantes
superiores aos das empresas norte-americanas. Nos demais países da América do Sul os países da
União Européia não detêm o mesmo predomínio.
Outro fato marcador de reflexão é o discurso corrente e dominante de que a economia
brasileira precisa abrir-se à competição internacional. Este discurso se apóia no que afirmam ser um
baixo grau de abertura da economia brasileira. É evidente que, não será com Singapura (país de
diminuta extensão territorial) ou com a Birmânia (país com razoável território, contudo, periférico)
que se pode comparar o Brasil quanto ao grau de abertura ao exterior. Comparação, só, faz sentido,
entre coisas comparáveis. A comparação, entre países, requer a aplicação de conceitos geopolíticos,
avaliação das relações reais e fictícias de dominação e exige também conhecimentos sobre
configuração produtiva, recursos naturais, proximidade geográfica dos fluxos de comércio, nível
cultural da população, preferências, e etc
Cabe registrar que o Brasil, desde 1985, tem sido incapaz de fazer uma reorientação que
favoreça seu comércio exterior fora do espaço da América do Sul. A causa reside nos sucessivos e
fracassados planos de estabilização macroeconômica e , em muito, de sua posição vulnerabilizada
nas relações de troca, decorrente de um esforço para honrar débitos impagáveis, nas condições que
se põem para o Brasil. O mesmo se aplica para todos os demais países da América do Sul
Após o real a sobrevalorização desta moeda tem impedido maiores avanços no campo
externo. Esses fracassos e a recente sobrevalorização impossibilitaram a realização dos
investimentos que conduziriam à maior produtividade e à aceleração do progresso tecnológico.
Mas, reside, também, numa relação cambial, sucessivas vezes, distorcida. Está evidente que, como
conseqüência de tudo isto, aumentou o diferencial de produtividade e o "gap" tecnológico que o
Brasil já ostentava, em 1980. em relação aos competidores, no mercado internacional.. Tudo isto
lxxx
coonesta a afirmativa de que o Brasil deve fugir aos ditames de uma política econômica liberal.
Tudo isto defende uma presença clara do Estado na economia.
CAPÍTULO IV
lxxxi
O PRIMEIRO PASSO DA ESTRATÉGIA NACIONAL:
O MERCOSUL
O MERCOSUL é o início do aproveitamento da continentalidade, mediante a formatação de
um processo de cooperação, na parte sul do América do Sul. Foi, portanto, o primeiro passo da
estratégia nacional. Neste capítulo busca-se apresentar o MERCOSUL, sua repercussão no quadro
econômico mundial, seus desdobramentos, sua importância na concepção estratégica dos países
sócios, seus resultados e seus efeitos.
O texto, que se segue, apresenta as linhas gerais do processo de integração no MERCOSUL.
Inicialmente, são apresentados os antecedentes do Tratado de Assunção e, em seguida, os objetivos,
mecanismos e instituições voltadas para o projeto integracionista. Posteriormente, faz-se um breve
contraponto entre o MERCOSUL, o Nafta e a União Européia.
Mais adiante, discutem-se os principais balizadores do funcionamento do bloco - tarifa
externa comum, regras de origem, institucionalidade, etc. e as questões existentes para a formação
do mercado comum.
Analisa-se, em seguida, a evolução de intercâmbio entre os países do MERCOSUL, em
especial, as conseqüências recentes das medidas restritivas ao comércio tomadas pelo Brasil e
Argentina.
Está claro que o MERCOSUL, no médio prazo, transformar-se-á em instrumento de
alavancagem crescente dos mercados existentes no Cone Sul do continente sul-americano, servindo,
inclusive, para dar mais transparência e rigidez às transações econômicas que ali se processam.
lxxxii
Integração (ALADI). Este foro criou a base institucional para a ampliação do comércio entre os
países membros, apesar de enfrentar inúmeros problemas, fruto não só da inexperiência dos
processos de integração, mas, principalmente, de divergências comerciais.
A ALALC apresentou um grande dinamismo até a década de setenta. O desagravamento
tarifário dos produtos tradicionalmente comercializados pelos países da região permitiu uma rápida
expansão do comércio regional. Entre 1961 e 1978, o comércio entre os países latino-americanos
passou de US$ 250 milhões para US$ 3,3 bilhões, o que demonstra o relativo sucesso das teses que
levaram à criação da ALALC.
Entretanto, à medida que iam se abrindo novas concessões para outros produtos com menor grau de
complementaridade econômica, as negociações foram se tornando mais difíceis, restringindo o
processo pretendido de integração.
Com o sucesso da experiência do processo de integração do Mercado Comum Europeu,
criavam-se novas vias de desenvolvimento intra-regional e, dentro deste novo contexto, surgiu a
idéia de reestruturação do foro regional. No âmbito dessa idéia, passou-se a dar um enfoque mais
pragmático à integração, observando-se, particularmente, as disparidades existentes entre os países
membros. Em 1980, foi, então, criada a ALADI, formada pelos seguintes países: Argentina, Brasil,
Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Esta relação de países é
importante, pois este é o espaço natural para a evolução do processo de integração.
A partir da criação da ALADI, o processo de integração econômica tornou-se mais flexível.
A meta passou a ser estabelecer, de forma gradual e progressiva, um mercado comum para a região,
não mais a partir da criação de uma zona de livre comércio com base na cláusula de nação mais
favorecida, mas por meio de acordos bilaterais, que não eram extensivos automaticamente aos
demais países-membros. A partir desses acordos bilaterais montar-se-iam acordos regionais mais
complexos, que, finalmente, levariam à formação de um mercado comum latino-americano.
Os passos iniciais para a integração do Cone Sul seguiram essa idéia e foram dados pelos
Presidentes Sarney e Alfonsin que, com a Declaração de Iguaçu, de 1985, criaram uma Comissão
Mista para estudar modalidades de integração econômica entre Brasil e Argentina. Os trabalhos
dessa Comissão conduziram à primeira fase de instrumentalização, com a assinatura, em 1986, da
Ata para a Integração Argentino-Brasileira, que instituiu o Programa de Integração e Cooperação
Econômica (PICE). O objetivo do PICE foi propiciar um espaço econômico comum, mediante a
abertura seletiva e o estímulo à complementação de setores da economia dos dois países. Nessa
fase, foram assinados 24 protocolos em áreas diversas (bens de capital, trigo, biotecnologia,
cooperação nuclear, siderurgia, indústria automotiva, etc.).
Os resultados iniciais superaram as expectativas e serviram para quebrar os argumentos, do
lado argentino, que o acordo viria a atender somente interesses brasileiros. Enquanto o intercâmbio
lxxxiii
total entre o Brasil e a Argentina estava em uma média anual de 9% da pauta, entre 1980 e 1985, no
qüinqüênio seguinte, entre 1986 e 1990, essa média havia subido para 15%.
Se, na prática, os protocolos firmados em 1986, entre Argentina e Brasil, não foram
suficientes para harmonizar suas políticas econômicas, serviram, ao menos, para gerar uma nova
realidade política, que passou a marcar a relação entre os dois países a partir de então. A antiga
rivalidade foi substituída por um ambiente de harmonia e cooperação.
A segunda fase do processo ocorreu em 1988, quando ambos os países, Brasil e Argentina,
manifestaram desejo de remover, num prazo máximo de dez anos, todos os obstáculos tarifários,
através do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento que firmaram. Este tratado
objetivava retirar os obstáculos existentes, de caráter tarifário e não-tarifário, que existiam no
comércio de ambos os países, no prazo de até dez anos, mediante a negociação de protocolos
adicionais ao Acordo de Alcance Parcial de Renegociação das Preferências, outorgado no período
1962 a 1980 (AAP-1). Paralelamente, se procederia a uma gradual harmonização de políticas
internas (aduaneira, comercial, de transportes, de energia, de comunicações, científica e
tecnológica, etc.) necessárias para a formação de um mercado comum. O processo de integração
viria a sofrer novo impulso em 1989 e 1990. A integração foi ampliada e acelerada, tendo sofrido
uma alteração significativa em sua forma de governo, nos dois países, que mais receptivos ao
chamado ideário neo-liberal, tomaram a decisão, mais ou menos simultânea, de promover uma
maior abertura das duas economias. Em 1990, foi assinada a Ata de Buenos Aires, que estabelecia a
formação de um mercado comum (e não mais uma simples zona de livre comércio) até 31.12.94 e
substituía a integração seletiva e setorial, baseada em negociações produto a produto, por um
processo de redução linear, generalizada e automática das tarifas alfandegárias, a cada seis meses.
Instituía também um sistema de eliminação progressiva das listas de produtos que ficariam de fora
da liberalização e dava prioridade à harmonização de políticas macroeconômicas. No mesmo ano,
foi criado o Grupo Mercado Comum e assinado o Tratado para o Estabelecimento de um Estatuto
das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas.
Em 1991, o Uruguai e o Paraguai incorporaram-se às negociações, sendo assinado o Tratado
de Assunção, através do qual os quatro países firmaram o compromisso de constituir o Mercado
Comum do Sul, o MERCOSUL, no mesmo prazo fixado pelo programa bilateral Brasil-Argentina.
Naquela época, o Chile, que também discutia a sua participação no acordo, resolveu retirar-se das
negociações por considerar que, antes da integração, os outros países deveriam reduzir as suas
tarifas aos níveis que ele praticava e por achar necessária uma harmonização prévia das políticas
econômicas.
Em 1º de janeiro de 1995, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai deram um passo decisivo
em seu processo de integração econômica, no âmbito do MERCOSUL, com a formação de uma
lxxxiv
zona de livre comércio e de uma união aduaneira parcial. ( Chama-se de zona de livre comércio o
espaço econômico formado por dois ou mais países, em que são eliminados direitos alfandegários e
outras restrições comerciais em relação às importações originárias de parceiros do acordo. Em uma
união aduaneira, os países membros adotam adicionalmente políticas comerciais comuns para os
produtos provenientes de terceiros países. O mercado comum, por sua vez, pressupõe as duas
formas de integração anteriores mais a livre movimentação de serviços e fatores produtivos- capital
e trabalho -. No caso do MERCOSUL, inicialmente, a união aduaneira será parcial, já que alguns
produtos ficarão provisoriamente fora da Tarifa Externa Comum- TEC-.)
lxxxv
Foram constituídos 11 subgrupos técnicos (SGT), subordinados ao GMC. Esses subgrupos,
a seguir listados, tiveram sua agenda de trabalho fixada pelo cronograma de Las Leñas, de junho de
1992:
SGT- 1= Assuntos Comerciais
SGT- 2= Assuntos Aduaneiros
SGT- 3= Normas Técnicas
SGT- 4= Política Fiscal e Monetária
SGT- 5= Transporte Terrestre
SGT- 6= Transporte Marítimo
SGT- 7= Política Industrial e Tecnológica
SGT- 8= Política Agrícola
SGT- 9= Política Energética
SGT-10= Coordenação de Políticas Macroeconômicas
SGT-11= Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social
Além dessas atividades, estabeleceu-se que questões vinculadas a aspectos culturais e sociais
do processo de integração mereceriam reuniões ministeriais específicas e reuniões especializadas.
Estabeleceu-se, também, a participação conjunta e combinada, no âmbito do MERCOSUL, em
reuniões que visassem a cooperação técnica com organismos intragovernamentais extra-zona e
multilaterais.
lxxxvi
Estruturalmente, o MERCOSUL está muito mais próximo da formulação do projeto da
União Européia - que segue linhas com tendências integracionistas, bem próximas do conceito de
"Zollverein" - do que da visão livre-cambista expressamente exposta no programa do NAFTA.
Existe, contudo, um distanciamento histórico entre a criação da Comunidade Econômica
Européia (CEE), origem da União Européia, que se explicitou na segunda metade dos anos 50, e a
criação do MERCOSUL. Este distanciamento histórico conduziu a conjunturas diversas no
nascedouro da União Européia e do MERCOSUL. Esta última comunidade de nações está surgindo
em uma ambiência onde predomina a ótica neo-liberal no trato das questões econômicas,
conduzindo a uma crescente abertura comercial das economias envolvidas e a alterações
significativas nas regras multilaterais de comércio.
Há uma diferença central entre o NAFTA e a União Européia. O NAFTA é simplesmente
um espaço de "comércio administrado", que será construído no âmbito dos Estados Unidos, do
Canadá e do México, em 15 anos. O NAFTA não estabelece a unificação alfandegária, a
coordenação de políticas macroeconômicas ou a constituição de entidades comunitárias. O NAFTA
se restringe a estabelecer regras para liberação comercial, normatiza gestões como investimento,
serviços, propriedade intelectual e funcionamento do mercado de trabalho. Já a União Européia
constitui o mais profundo projeto de integração do mundo e estabelece que, além da livre
movimentação de bens, serviços, capital e trabalho, deverá haver, entre os Estados-membros, uma
harmonização em suas políticas macroeconômicas e setoriais e a adoção de uma moeda comum, até
o final do século XX. Na União Européia, restringe-se a soberania dos países-membros em prol de
instituições comunitárias, sendo a principal delas a Comissão Européia - órgão executivo
supranacional.
O MERCOSUL encontra-se bem próximo ao estabelecido nos primórdios da União
Européia, antes da assinatura do Tratado de Roma, em 1957. O Tratado de Assunção não prevê
nenhum procedimento de caráter comunitário, nem a constituição de nenhuma organização
supranacional dotada de personalidade jurídica própria. Algo que também não está explicado é a
unificação monetária, embora as reformas econômicas, que instituíram o austral na Argentina e o
real no Brasil, pareciam indicar a busca de uma paridade entre as moedas dos dois países líderes do
MERCOSUL e uma possível unificação monetária.
Fica, portanto, claro que os atos que geraram e gerenciam o MERCOSUL constituem atos
das partes-contratantes e não instrumentos de uma comunidade. Como conseqüência, as decisões
tomadas no âmbito do MERCOSUL não são auto-aplicáveis, como hoje ocorre com a União
Européia, necessitando de legislação interna para serem cumpridas por parte dos signatários. Ainda
assim, há exceções a este conceito, como o programa de liberalização comercial, estabelecido em
1991, que levou os quatro países do MERCOSUL a perderem parcela de sua soberania ao se
lxxxvii
integrarem, sendo reduzida a discricionariedade e, conseqüentemente, a capacidade destes de
proteger a produção doméstica.
Outro aspecto que merece destaque na comparação entre os três blocos considerados diz
respeito à maior ou menor heterogeneidade social, econômica e demográfica entre os países
associados. Nesse aspecto, o MERCOSUL está mais próximo do NAFTA, primeiro projeto de
integração a envolver, desde o seu início, países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os Estados
Unidos e o Canadá possuem uma renda per capita média de US$ 22 mil e um custo salarial médio
entre de US$ 20 e US$ 22 a hora; o México possui um produto por habitante inferior a US$ 4 mil e
um custo de mão-de-obra que não alcança US$ 2,5 a hora. Além disso, os Estados Unidos sozinhos
respondem por 87% do produto global do bloco, estimado em US$ 8,3 trilhões em 1998, e por 68%
da população, de aproximadamente 377 milhões de pessoas.
A União Européia, por sua vez, alcançou um produto global de US$ 7,7 trilhões e uma
população de 364 milhões de pessoas em 1998, ano em que o PNB da Alemanha, o maior Estado -
parte do bloco, respondeu por 27% do produto total do bloco. Ainda que atualmente a UE possa ser
dividida em dois grupos de países - de um lado, países ricos e relativamente homogêneos e, de
outro, países pobres, como Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal - na época da criação da
Comunidade Econômica Européia, o grau de desenvolvimento dos países-membros era similar.
Já o MERCOSUL é um mercado formado por mais de 200 milhões de pessoas, com um
produto global de aproximadamente US$ 1,1 trilhão a preços correntes (estimativas para 1998).
Enquanto o Brasil responde por mais de 75% do PIB do bloco, a participação do Paraguai é inferior
a 1,5%. O primeiro possui uma estrutura produtiva complexa e diversificada, ao passo que o
segundo é um país eminentemente rural, onde a agricultura contribui com mais de 30% do produto.
lxxxviii
preferência (desconto) de 47%. A preferência foi aumentando semestralmente até atingir os 100%
em janeiro de 1995.
Os Estados-partes poderão dispensar um tratamento alfandegário especial para um número
reduzido de produtos, denominado de regime de adequação final à união aduaneira. Somente
poderão gozar desta proteção produtos integrantes das listas de exceções ou submetidos a
salvaguarda. No primeiro caso, o benefício terminará ao final de 1998 para Brasil e Argentina, e em
1999 para Paraguai e Uruguai. Quanto aos produtos submetidos a salvaguardas, a desgravação
linear automática terá como duração quatro anos (Atualmente, apenas a Argentina possui produtos
em regime de salvaguarda. Esse país poderá manter as cotas de importação, agora em vigor, mas
com isenção de tarifas alfandegárias. Os seus produtos da lista de exceções continuam passíveis da
cobrança das taxa de estatística). Da lista brasileira, fazem parte produtos como vinhos, artigos de
lã, derivados de borracha e pêssego em calda.
4.4.2 UNIÃO ADUANEIRA.
As decisões fundamentais quanto à formação de uma união aduaneira foram tomadas em
reuniões realizadas pelo CMC e pelo GMC, no segundo semestre de 1994, quando foram definidas
questões como: a tarifa externa comum (TEC), as regras de origem, o tratamento a ser dado às
zonas francas e a institucionalidade do MERCOSUL.
Na fase decisiva das negociações sobre a união aduaneira (reunião em Buenos Aires, em agosto de
1994), o Uruguai ameaçou se retirar das mesmas. Os uruguaios reivindicavam a manutenção dos
acordos preferenciais que já mantinham com o Brasil (Programa de Expansão Econômica - PEC) e
com a Argentina (Convênio Argentino-Uruguaio de Complementação Econômica - Cauce), que
lhes permitia exportar inúmeros produtos com isenção das tarifas alfandegárias e com um índice de
nacionalização de 50%, além de uma proteção especial para os seus produtos agrícolas. Algumas
concessões decrescentes no tempo foram concedidas, em prol da manutenção do cronograma de
integração. Os principais pontos da união aduaneira são apresentados a seguir.
- TARIFA EXTERNA COMUM - A TEC situa-se entre zero e 20% para aproximadamente
90% do universo tarifário. Para os 10% restantes, produtos integrantes de listas de exceções, os
signatários do Tratado de Assunção aplicarão, inicialmente, tarifas diferentes, mas estas deverão
convergir para uma tarifa externa comum, até os anos de 2001 ou 2006. Dentre estes produtos,
grandes foram as divergências quanto às tarifas a serem adotadas futuramente para bens de capital e
produtos de informática, em razão de as alíquotas brasileiras serem bastante superiores às de seus
parceiros. Para os bens de capital, as tarifas nacionais convergirão linear e automaticamente para
14% até o 2001, podendo ser acordadas posições com níveis inferiores. Para os produtos desse setor
que o Brasil tiver pouco interesse em produzir, as tarifas serão zeradas até aquela data. No caso do
Uruguai e do Paraguai, a convergência se dará até o ano 2006. A maior parte dos bens de
lxxxix
informática e de telecomunicações terá tarifas entre 0 e 12%. Vinte e quatro produtos considerados
mais sensíveis, como microcomputadores, centrais telefônicas e impressoras, estarão sujeitos à
tarifa máxima de 16%, a partir de 2006.
LISTAS DE EXCEÇÕES - As listas de exceções não devem ultrapassar 300 posições
tarifárias da Nomenclatura Comum do MERCOSUL para Brasil, Uruguai e Argentina, incluindo-se
os bens de capital, de informática e de telecomunicações. A lista do Paraguai contará com 399 itens
tarifários, exclusive os bens citados e os produtos com regime de origem de 50%, até 2001 (vide
item a seguir). A data final para a entrega das listas de exceção foi prorrogada até 30 de abril de
1995. Em novembro de 1994, os quatro países divulgaram apenas listas parciais, sendo que a lista
brasileira contava com 233 itens, em sua maior parte produtos alimentícios, químicos,
petroquímicos, petróleo e derivados, madeira e borracha. Com exceção do leite, dos combustíveis e
da borracha, os produtos da lista nacional possuem tarifas inferiores (em torno de 2%) à TEC (cerca
de 10%). Isto se deu porque, em agosto de 1994, o governo brasileiro decidiu antecipar a cobrança
da TEC para vários produtos, em duas etapas. Inicialmente, foram atingidos quase todos os
produtos com alíquotas superiores a 20%, ou seja, aqueles integrantes da lista de exceções nacional,
para os quais a convergência à TEC ocorreria apenas em 2001. Foram excluídos da antecipação
alguns bens de informática e laticínios, esses últimos submetidos a uma tarifa temporária de 35%
para compensar os subsídios concedidos pela União Européia até a avaliação da questão pelo
GATT.
Nessa primeira fase, foram reduzidas as tarifas de 4.455 itens, de setores como brinquedos,
bens de capital, produtos eletrônicos e automóveis. Numa segunda etapa, foram reduzidas as tarifas
de bens cuja convergência à TEC ocorreria já em janeiro de 1995, caso dos produtos fora da lista de
exceções. Com antecipação da TEC, procurou-se garantir o abastecimento doméstico, aumentar a
demanda por dólares, estimular a concorrência e forçar a redução dos preços das mercadorias
produzidas internamente.
Bens com tarifas superiores à TEC que entrariam na lista de exceções brasileira, como brinquedos,
produtos de informática e eletrônicos, e que tiveram as suas alíquotas rebaixadas ao nível da TEC
no segundo semestre de 94, podem vir a ser incluídos na lista de exceções definitiva, se até lá for
constado que a indústria doméstica ainda não tem condições de conviver com as tarifas mais baixas.
Os produtos considerados mais sensíveis podem ter as suas tarifas elevadas para os mesmos níveis
prevalecentes antes de agosto-setembro de 1994. Este é o caso dos automóveis, cujas tarifas,
reduzidas para 20%, foram elevadas novamente para 35% em fevereiro de 1995.
REGRAS DE ORIGEM - Como a união aduaneira não será plena (pelo menos por
enquanto), foram negociadas regras de origem, estabelecendo que os produtos comercializados
entre os quatro países somente gozarão da isenção das tarifas alfandegárias se, pelo menos, 60% de
xc
seus insumos, forem produzidos no bloco. O Brasil defendeu, desde o início, a adoção de regras de
origem rígidas, de modo a defender o seu parque produtivo de maquilagens e triangulações,
propondo originalmente um índice de conteúdo regional de 70% do preço FOB de exportação do
produto final. A Argentina, por sua vez, pleiteava um índice de 50% e o Paraguai, de apenas 30%.
As regras de origem serão aplicadas para os produtos que ficarem de fora da TEC, para bens
sujeitos a regimes especiais de importação e para mercadorias submetidas a salvaguardas ou direitos
“antidumping”. Para os bens de capital, o índice será de 80% até o ano 2001 e, para alguns produtos
paraguaios e uruguaios, de apenas 50% até a mesma data. Foram mantidos os acordos bilaterais do
Uruguai com a Argentina e com o Brasil, que estabelecem condições privilegiadas para as
exportações uruguaias de 288 produtos para o primeiro país e de 1500 para o segundo. Ademais, o
Uruguai poderá isentar das tarifas aduaneiras as importações de insumos utilizados na fabricação
desses produtos. Os dois programas serão extintos gradualmente até o ano 2001. Alguns itens da
lista de exceções paraguaia também estarão submetidos a um índice de nacionalização de apenas
50%, até o mesmo ano. Ressalta-se que os certificados de origem poderão sofrer auditoria externa
em caso de dúvidas quanto à sua veracidade. Alguns setores e produtos gozam de tratamento
especial por serem considerados mais sensíveis. Dentre eles, destacam-se o automobilístico, o
açucareiro e o trigo:
Em relação ao setor automobilístico, os argentinos reivindicavam a manutenção do comércio
administrado, com a preservação do sistema de quotas e do comércio equilibrado com o Brasil, até
1999. Além disso, como as autoridades argentinas vêem o setor automobilístico como uma das
forças motrizes de sua recuperação industrial, pleiteava-se que 60% dos componentes fossem
produzidos internamente. Foi acertado que as autopeças originárias do Brasil serão consideradas
pelos argentinos como de fabricação nacional. As importações, no entanto, continuarão controladas
até 1999, dado que a isenção tarifária será mantida apenas para as importações que tiverem como
contrapartida exportações em valor equivalente. Ou seja, para cada US$ 1 exportado, pode-se
importar US$ 1, com o pagamento de uma tarifa aduaneira de 2%. No caso do Brasil, houve uma
alteração neste sistema de compensação. Quando as exportações tiverem como destino o mercado
brasileiro, as montadoras poderão importar US$ 1,2 para cada dólar exportado. Sendo ultrapassada
qualquer uma dessas proporções, as importações excedentes serão sobretaxadas em 20%. Em
contrapartida às concessões argentinas, o Brasil dispensou, para os veículos populares (até 1.000
cilindradas) argentinos, o mesmo tratamento fiscal que dispensa aos nacionais. Essa concessão, no
entanto, não foi utilizada pela Argentina, dado que lá não são produzidos veículos até 1.000
cilindradas e também o benefício fiscal conferido a tais veículos, no Brasil, terminou em dezembro
de 1996.
xci
Em relação ao setor açucareiro uma comissão definiu que, até janeiro de 2001, os quatro
países adotarão tarifas aduaneiras diferenciadas. A Argentina continuou adotando o sistema de
cotas. O Brasil parece concordar com a manutenção de uma proteção argentina para o seu açúcar
depois de 2001. A solução técnica se daria pela inclusão do açúcar argentino em um regime de
adequação as regras de livre comércio do MERCOSUL, o que levará a se ter um cronograma de
redução gradual da tarifa de importação aplicada pela Argentina sobre o açúcar proveniente de
outros sócios do MERCOSUL.
Em relação ao trigo a Argentina reivindicava a imposição de uma sobretaxa variável para o
trigo proveniente de terceiros países, sempre que o preço desses fosse inferior ao dos países do
MERCOSUL (leia-se ao do trigo argentino), sob a alegação que os outros exportadores do produto
(Canadá, Estados Unidos, etc.) concedem amplos subsídios aos mesmos. Após intensas
negociações, foi estabelecida a cobrança de uma sobretaxa de 10% para o produto de terceiros
países, apenas até abril de 1995 (além da tarifa vigente de 10%), quando já deve estar definido o
tratamento comum a ser dado para práticas desleais de comércio.
ZONAS FRANCAS - Os produtos provenientes das zonas francas comerciais, zonas francas
industriais, zonas de processamento de exportações e áreas aduaneiras especiais estão sujeitas à
TEC ou, no caso de integrarem as listas de exceções, à tarifa nacional vigente. Poderão ser adotadas
salvaguardas, de acordo com as normas do GATT, se o aumento das importações dos referidos
produtos causar dano ou ameaça de dano ao país importador. As zonas francas de Manaus, no
Brasil, e da Tierra del Fuego, na Argentina, constituirão uma exceção, podendo intercambiar
produtos sem a cobrança de tarifas até o ano 2013, graças a um acordo bilateral previamente
firmado entre os dois países. Contudo, os acordos acertados encontram-se tumultuados pela
possibilidade do governo paraguaio implementar a chamada Lei da Maquilagem. Esta lei
transformaria o Paraguai numa grande zona franca.
INCENTIVOS ÀS EXPORTAÇÕES - Com a instituição da união aduaneira em 1º de
janeiro de 1995, os quatro países não podem mais promover alterações unilaterais em suas políticas
comerciais. Assim, a criação de novos incentivos às exportações ou qualquer modificação nas
tarifas de importação com relação a terceiros países, que impliquem em alterações nas TEC
acertadas, têm que contar com a anuência dos quatro sócios. Os países poderão, no máximo,
antecipar a convergência à TEC dos produtos de sua lista de exceções. Os incentivos às exportações
deverão respeitar as regras do GATT e, salvo exceções, não serão aplicáveis ao comércio
intrazonal. Em caso de concessão de incentivos fiscais não-autorizados pelo GATT, o sócio que se
sentir prejudicado poderá lançar mão de medidas de salvaguarda. Além disso, o CMC estabeleceu
que:
1) os incentivos à exportação intrazonal devem limitar-se:
xcii
a) ao financiamento de longo prazo para as exportações de bens de capital, de acordo
com as regras