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PRATICA DE ENSINO E ESTAGIO SUPERVISIONADO NA FORMACAO DE PROFESSORES Jane Soares de Almeida Faculdade de Ciéncia e Letras - UNESP (Araraquara) RESUMO A formagao de protessores para as séries inicials do 1° grau, feita atuaimente pela Habiltagao Especifica para o Magistéio (curso que velo substtuir a antiga Escola Normal), passa ne- cessariamente pelo cumprimento de atividades praticas — vin culadas as disciplinas Pratica do Ensino 0 Estigio Supervsio nado —, enfatizadas como momento culminanta dessa forma: to. © presente estudo procurou caractorizar esse componente cur Ficular através de tras niveis: 0 da legislagao, 0 taérico © o da realidade das escolas, que muitas vezes nao concordam entra 851 8 assumem contoinos confitantes. Tal andlise possiilta re Ponsar a Prética de Ensino e o Estigio Supervsionado @ sua eetiva relevancia nos cursos atuais, ao mesmo tempo em que levanta questonamentos a respeito da situacdo atual da forma: Ho de professores no Estado de Sao Paulo, FORMAGAO DE PROFESSORES — CURRICULO — 1° GRAU 22 ABSTRACT TEACHING PRACTICE AND SUPERVISED TRAINING STAGE IN THE EDUCATION OF TEACHERS, The education of teachers {or the beginning grades of primary school, currently performed by tho "Habiltagso Espectica para o Magjstério” (Speciic Teaching Qualification Course), the course replacing the old Escola Normal’ (normal teachers’ college), must include the practical activities related to the "Teaching Practice” and "Supervised internship disciplines", the culminating moments of teacher education This study seeks to characterize this curriculum component in thre levels: the logslation on, the theory, and the realty of the schools, which often run counter to each other, forcing change in their contours. Such analyses make it possible to rethink “Teaching Practice” and "“Superised Residency’ and their relevance to present courses, at a time when queries are being faised with respect to the current situation in the training of, teachers in the state of Sao Paulo Cad, Pesq,, Sao Paulo, 1.93, p.22-31, maio 1995 Torna-se dificil caracterizar a Prética de Ensino e 0 Estgio Supervisionado nia Habilitagéo Especitica para © Magistério — HEM (antigo Curso Normal), tendo em Vista os varios aspectos que envolvem esses compo- entes curriculares. De um lado, existe toda uma le- gislagao que dita normas e regras a serem seguidas, de outro, ha a situagao concreta dos alunos da HEM @ do 1? grau, dos professores, das escolas e de todo © sistema escolar — salas de aula, corpo técnico-ad- ministrativo, curriculos e programas. A mediago entre esses dois lados ¢ feita por uma base tedrica que nao contrapée teoria e pratica, pois considera essa rela- {¢40 Unica e indissociavel, procurando envidar esforgos, Ro sentido de acomodar a situagao real ¢ legal & con- tribuigao dos estudiosos, educadores e todos aqueles ‘que se preocupam com a educacao, tanto no passado ‘como no presente. A esses trés aspectos — legislacdo, realidade e teoria — soma-se uma concepgao muito difundida en- tte professores e alunos do curso sobre a relagao teo- ria e pratica, baseada mais no senso comum do que ‘numa. proposta cientifica, em que “teoria” confunde-se com 0 contetido técnico-pedagégico das disciplinas do curriculo, esperando-se que tais conteudos, ministra- dos durante as aulas, sejam posteriormente “aplica- dos" no trabalho cotidiano do futuro professor. Dessa forma, garantir-se-ia um ensino eficiente e estabele- cer-se-ia a relagao “teoria (dada no curso) e “pratica” (trabalho docente). Assim, instala-se 0 equivoco dessa ratica e uma das principais distorgdes da Pratica de Ensino e do proprio curso. Acrescente-se a essa pluralidade de enfoques so- bre a formagao dos professores uma supervalorizagéo dos métodes e técnicas que atribuem a formacao pe- dagégica 0 cardter de treinamento, reflexo do. tecni cismo reinante na sociedade. Tem-se assim uma for- ‘Mago ideologizada e contraditéria que dara seus ro- sultados nos bancos escolares, junto as camadas de baixa renda, com evasio e fracasso escolar, aspectos, esses que, dentre outros, séo também decorrentes do desempenho do professor em sala de aula. Para que melhor se caracterizem as disciplinas Pratica de Ensino e Estagio Supervisionado dentro do curso de formagao de professores para as séries ini- iais do 1° grau, de forma a abranger os seus mlti- plos aspectos, optou-se por analisé-las em trés niveis distintos mas intrinsecamente ligados entre si: 1*) 0 nivel da legislacdo, mediante o estudo do aspecto le- gal proposto pelas leis que regem a Pratica de Ensino € 0s Estagios Supervisionados nos cursos; 2°) o nivel te6rico, representado pela andlise da disciplina em re- lagao as concepgdes pedagdgicas de dois educadores, classicos que produziram literatura sobre 0 assunto 3) o nivel da realidade, representado pela realizacao conereta dos componentes por professores ¢ alunos no cotidiano da escola e sala de aula. A LEGISLAGAO A analise da legislago que norteou os procedimentos relatives ao desenvolvimento da Pratica de Ensino Cad. Pesq. 1.93, maio 1995 do Estagio Supervisionado na HEM, nos anos seguin- tes & Lei 5692/71, e culminou com a Resolugao 30/87, possibilitou chegar a algumas conclusées que nos ermitem tragar um paralelo entre os trés niveis pro- ostos para estudo desses componentes curriculares' Existe na legislagéo que orienta a Pratica de En- sino @ 0 Estdgio Supervisionado um enfoque ideols- {gico @ um enfoque técnico, ambos representativos das Tepercussées da Lei 5692/71 sobre o ensino no es- tado e no pais e que perduram ainda nesta década. A legislagao pressupde uma organizacao ideal dessas atividades, nao levando em consideracao as condigdes, existentes nas escolas, pouco adequadas a sua efe- tiva realizagao. ‘A énfase no planejamento das atividades e na ob- sservago como forma de apreensao da realidade, com claras raizes no método intuitive da percepgao sensi- vel, esta clara na legislagao. Assim surge a idéia do Professor-Modelo, Aula-Modelo, Escola-Modelo, a par- tir da qual o futuro professor procurara construir sua prépria pratica, baseado no pressuposto de que “ob- servando fazer, se aprende a fazer’ ‘Ao tentar promover a interdisciplinaridade, a legis- lagao esbarra no préprio cotidiano caracteristico das escolas, com professores envolvidos com suas disci- plinas e com um ritmo pouco propicio para viabilzar lum trabalho conjunto, 0 que acaba tornando pratica- mente invidvels os artigos da lei. O professor de Di- datica e/ou Metodologia que assume a coordenagao dos estégios acaba planejando, organizando, coorde- nando e supervisionando as atividades isoladamente. Assim, Didatica, Metodologia, Pratica de Ensino © Es- tagio passam a ser um s6 bloco, miscigenando-se em ontetidos, atividades ¢ aulas. Outra etapa de realizagdo dos estagios, a parti cipagao, restringe-se a determinados momentos em sala de aula, mais no nivel de trabalho pratico do que de atividade de formagao. Os estagiérios ficam corr- gindo provas, mimeografando textos, verificando ca- demos ou encapando-os, num fazer mecanico e de- sorientado, isso quando os professores da classe 0 permitem A docéncia supervisionada, ou régéncia de aulas, considerada 0 momento culminante da formagao do professor, é feita em situacao artificial: com planos de aula e material didético previamente preparados e nu- mero insuficiente de aulas ministradas pelos alunos- mestres, situagao decorrente do préprio cotidiano das escolas e do curso. Os instrumentos de registro limi- tam-se a fichas ou cademos de anotagées, onde os estagiarios transcrevem suas observacdes que, pos- teriormente, poderao ser objeto de discussao durante avaliagdo das atividades. 1. Para um melhor aprofundamento na Legislagdo que orienta a realizacdo da Pratica de Ensino © do Estdgio Supervisio- nado na Habiltagso Especitica para o Magietério, consular Almeida (1991). 23 Observa-se no estudo da legislago que, embora esta considere a grande importancia de Pratica de En- sino e Estégio Supervisionado na formago do futuro professor, as inovagées feitas desde a Lei 5692/71 até hoje teferem-se mais a forma de operacionaliza- 40 do que ao conteiido. Os acréscimos concentram- 2 no numero de horas, no pressuposto de que 0 au- mento quantitative hé de necessariamente melhorar 0 qualitativo, fato que na pratica revela-se irreal Conclui-se, pois, que entre o que a legislagao re- comenda fazer, o que se deveria fazer @ 0 que é real- mente feito, existe uma grande distancia. A TEORIA Para uma melhor compreensao das disciplinas Pratica de Ensino e Estagio Supervisionado é necessério ob- servar a concepeao pedagégica que possivelmente esteve implicita ao se formar professores e “treind-los” por meio de atividades praticas. No Brasil, sempre foi fato notério a importncia atribuida aos pensadores de outros paises e & adocao de seus ensinamentos, sem que se questionasse sua adequago ao nosso meio social. Castano de Cam- pos, na reforma que implantou em 1890 na Escola Normal em Sao Paulo, considerava a pratica de en- sino indispensavel, posi¢ao que se detecta em alguns de seus escritos: “O novo horizonte que se dilatou pe- rante os normalistas, iniciados nas praticas do ensino intuitivo, fé-los aproveitar uma aptidéo de que eles mesmos se admiravam. Com este foco de verdadeiro ensino 0 sucesso ficou de tal modo garantido que jul- go indispensavel alargar ainda mais a prética escolar, proporcionando seu beneficio aos alunos do 2° ano” (in Relatério, apud Moacyr, 1942. p.80). No livro A Educagao @ a iluséo liberal, Casimiro dos Reis Filho também aponta para essa perspectiva a0 se referir a Caetano de Campos como “tivre-pen- sador, convencido das idéias liberais da sua época, [que] ‘refiete as inimeras influéncias que as varias correntes do pensamento europe do Século XIX di- fundiram no Brasil (..). Seu pensamento 6 fruto da vvulgarizagao das obras dos naturalistas, historiadores @ filésofos que no fim do Século XIX europeu, util- Zaram os conhecimentos cientificos para combater a metafisica. Mas, esse cientiicismo, em Caetano de Campos, & usado pragmaticamente para justifcar a implantagao de um amplo conjunto de instituigdes de ensino popular, do qual a educagao norte-americana 6 0 modelo ideal que inspira” (1981. p50) (© mesmo autor transcreve trecho da carta de 30, de marco de 1890 que Caetano de Campos escreve a0 redator de O Estado de S. Paulo, na qual se refere explicitamente a Pestalozzi, de quem era grande ad- mirador: “Os da nossa geragao tiveram a felcidade de vir depois de Pestalozzi. O que fez este sublime re- formador do ensino, ajudado pelo mesmo vigoroso es- pirito, pela mesma luminosa clarividéncia, é obra to grandiosa, que para dar-ihe a medida basta dizer que 24 todas as nages cultas deixaram-se seduzir por ele” (p.55). © posicionamento tedrico de Caetano de Campos demonstra a influéncia de Pestalozzi na reforma im- plantada na Escola Normal em 1890 e que, no caso da Pratica de Ensino, perdura até hoje. Pestalozzi, por sua vez, inspirava-se no mestre tcheco Coménio, 0 qual por meio de sua maior obra, A Didética Magna, velo a superar as dificuldades do ensino tradicional, ‘encaminhando-se para um tipo de educagao que le- vasse em conta a realidade e 0 meio do educando, As idéias levantadas por Coménio © Pestalozzi os seus escritos pedagégicos harmonizam-se perfei- tamente com o ideal da formagao pratica, questo que certamente merece estudos mais aprofundados. JOAO AMOS COMENIO (1592-1671) {A principal e mais importante obra de Coménio, a Di- ditica Magna, compée-se de quatro partes essenciais jadas entre si. A primeira parte, de cardter teols gico-flosdfico, faz a exaltagao do homem, ser perfeito, uj vida terrena & antecipagao e preparacao para a vida divina. Na segunda parte, aparece alguns prin- Cipios de Didética Geral associados a necessidade de educagdo do homem. A terceira parte aborda ques- t6es da Didética Especial e do método. Finalmente, a quarta parte € composta de um Plano Organico de Estudos, com exortagao aos governantes para que, juntamente com a ajuda divina, se empenhem em educar as geragdes futuras. Ha na obra de Coménio muitas referencias a questo da atividade pratica. E notavel que os seus escritos ainda hoje possuam tantas caracteristicas de atualidade, podendo-se aplicar seus principios ao en- sino vigente em nossas escolas. Retirando-se a ex- tremada exaltagdo mistica e 0 forte teor religioso, a Didética Magna pode equiparar-se a muitos escritos de nossos dias. Portanto, é possivel trabalhar com al- gumas concepcdes comenianas, procurando identifi car dentro de seus pressupostos a relagao dessa base tedrica © suas aplicages praticas. Segundo Eby (1970. p.166), 0 mestre tcheco “concordava com Aristételes e com a moderna opiniao pragmatista’, ao afirmar que: “O que deve ser feito deve ser aprendido pela prética. Os artesos nao atrasam seus aprendizes com teorias, mas poem-nos a fazer trabalho prético num periodo inicial, assim aprendem a forjar, forjando; a entalhar, entalhando; a pintar, pintando, ¢ a dangar, dangando. Nas escolas, pois delxai os estudantes aprender a escrever, escre- vendo; a falar, falando; a cantar, cantando e a racio- cinar, raciocinando”. 2 Essa reforma de Castano de Campos, feita na Escola Nor ‘mal de 1890, assim como 0 resgate do seu pensamento p ‘dagogico, encontram-se no livro de Casimiro dos Reis Filho, A Educazdo @ a ilusdo liberal. Prética de ensino. Esse “aprender pela pratica’, numa época na qual © ensino memoristico, com base na repeticao, era nor- ma vigente e aceita por todos adeptos do tradiciona- lismo escolar, constituia inegavelmente uma inovago em termos pedagégicos. ‘Ao dizer que os homens nao devem buscar 0 co- Ahecimento nos livros, mas, sim, na natureza, Comé- rnio enuncia a lei de “nada ensinar apenas com argu- Mentos de autoridade, mas ensinar tudo por meio de demonstragao sensivel ¢ racional. (...) € necessario que, a0 mesmo tempo que se ensina a entender as coisas, se ensine também a dizé-las e a fazé-las, ou seja, a pé-las em pratica: e vice-versa” (p.260). Pode-se concluir que, fundamentalmente, Comé- nio aliou aos estudos tedricos uma concep¢ao de en- sino @ aprendizagem baseada na atividade pratica. O carater inovador de sua obra propiciou que a educa- go tomasse rumos novos, ainda que o reconhe mento de seu trabalho tenha somente aparecido sé- culos apés sua morte. Através do seu trabalho como professor e estudioso, Coménio deu maior transparén- cla a0 ato de ensinar/aprender, atribuindo a pratica 0 melhor caminho para atingir esse objetivo, tendo tam- bém sistematizado uma proposta especifica de apli- cagao do método como meio seguro para chegar a um fim — no caso, 0 ensinar tudo a todos, com ra- pidez © economia de tempo e esforgo. Isso repre- sentou considerdvel avango sobre o pensamento pe- dagégico da época em que viveu, tendo suas idéias certamente iniciado 0s primeiros movimentos em di- regdo a ruptura da estagnacao do campo educacional derivada do ensino académico e humanista, embora tais formulagdes nao tivessem tido efeito imediato, JOAO HENRIQUE PESTALOZZI (1746-1827) © pedagogo suico Pestalozzi atribuiu grande impor- tancia a preparagao de protessores, os quais, segun- do ele, deveriam ser os principais veiculadores do mé- todo intuitivo por ele criado, que se apdia nas impres- ‘ses sensoriais como base de todo 0 conhecimento. Assim como Coménio, Pestalozzi deu especial énfase ao preparo pratico, no qual a repeticao e 0 treinamento ocupavam papel de destaque. Para o mestre suigo, a técnica oferecida aos futuros profes- sores durante a preparagao profissional era insuficien- te para um bom desempenho docente, sendo princi palmente necessaria a pratica. Para entender claramente a influéncia da concep- ¢40 pedagégica de Pestalozzi e do seu método intui- tivo na formagao de professores na Escola Normal Paulista através de atividades praticas, faz-se neces- ‘sario um breve resumo da trajetéria histérica da difu- ‘sio de suas idéias pelo mundo, e da maneira pela qual estas interferiram no pensamento educacional dos que promoveram mudangas ¢ reformas nessa es- cola. Enquanto as concepgdes comenianas permanece- Fam inicialmente no obscurantismo, vindo a ser res- Cad. Pesq. 7.93, maio 1995 gatadas séculos depois, Pestalozzi influenciou enor- memente 0 pensamento ilustrado brasileiro no final do séoulo passado. Tal influéncia deu-se mediante 0 pro- ess0 historico do “transplante cultural’, representado pela pratica difundida, na época, de se adotar mode- los importados que “haviam dado certo" no exterior, principalmente se estes vinham da Europa e Estados Unidos. Com a difusdo do método pestalozziano na Eu- ropa, varios paises enviaram seus representantes para conhecer sua pedagogia e as experiéncias da ‘educagao renovada pregada por ele. © movimento na Inglaterra repercutiu dirotamente nos Estados Unidos, dada sua situagdo de ex-col6nia, O interesse dos edu- cadores norte-americanos, somado a toda literatura educacional veiculada a ‘respeito do mestre suigo, causou durante o século XIX grande entusiasmo € cu- riosidade sobre 0 método intuitivo, na nagao america- ra, avida por novas idéias. Esse interesse veio a in- fluenciar notadamente seu sistema educacional, atra- vés da renovacdo dos métodos de ensino, e dentre esses os que se ligavam diretamente a formagao dos professores ¢ a seu preparo pratico pelos “Teacher's, Colleges’. Por volta de 1879, as Escolas Americanas de confissdo protestante introduziram as orientagdes do ‘método intuitivo no Brasil no eixo Rio-Séo Paulo e em Porto Alegre. Destinadas inicialmente a educacao dos fithos de norte-americanos radicados no pais, desper- taram admirago e grande aceitacao dos educadores brasileiros, entre os quais Rangel Pestana, um de seus mais fervorosos adeptos. Na Provincia de Séo Paulo, essas escolas apareceram como “simbolos de uma atuacdo pedagégica renovada’ (Barbanti, 1977. .68), influenciando notavelmente um sistema educa- ional pauperizado e fragmentado por orientagoes ‘educacionais desencontradas e inconsistentes, que, através de uma Escola Normal que nao conseguia alicergar-se no aparelho escolar da época, tentava encontrar um caminho para formar seus professo- res. Num momento histérico em que as idéias repu- blicanas positvistas agitavam as vanguardas inte- lectuais paulistas, escreve Barbanti a respeito das Es- colas Americanas: “o éxito social e pedagégico des- ‘sas escolas foi indiscutivel. Hé inequivocas evidéncias de que elas, em Sao Paulo, receberam protecdo apoio dos setores progressistas, que nao apenas thes garantiram clientela, como acolheram suas praticas Pedagdgicas a ponto de tomé-las como modelos das reformas efetuadas na rede oficial de ensino a partir de 1890" (p.68). ‘Ao ser indicado por Rangel Pestana® para coman- dar a reforma da Escola Normal em 1890, Caetano de Campos também assimilou as premissas basicas do método intuitive como modelo para a formagdo de 2. Maiores detaihes sobre a atuagao de Rangel Pestana no Sis- tema do Ensino Paulista encontram-se na tese de doutorado ddo Maria Licia S. Hilsdort, Francisco Rangel Pestana — jor. nalista, police © educador. 25 professores. O método era ja entao largamente difun- dido nas Escolas Americanas na Provincia de Séo Paulo, e Rangel Pestana era um dos professores des- sas escolas. Sabe-se também que, concordando com as teses sobre educacdo de Rangel Pestana, Castano de ‘Campos considerava 0 modelo norte-americano ideal para 0 atendimento dos anseios democraticos de uma educagao republicana. Esse modelo, por sua vez, possuia fortes correspondéncias com 0 pensamento Pestalozziano, principalmente a respeito da formacao de protessores. ensino pelo método intuitive consagrou em de- finitivo a proposta de dar formagao pratica aos pro- fessores, fato que até entdo vinha se desenvolvendo de forma bastante insuficiente e descontinua nos cur- sos da época. ‘A REALIDADE Nesta parte pretende-se tentar mostrar a realidade vi- venciada na pratica. Uma realidade lentamente assi- milada no cotidiano profissional e encontrada a cada ovo ano letivo com novos grupos de alunos. E uma analise que tem muita subjetividade, mas que pode ser, ao mesmo tempo, objetiva, porque par- te do conhecimento sobre o real. Para essa andlise © descrigdo, recorreu-se a quatro fontes principais de referéncia, que também interagem como parte de um todo: 1) a minha prépria pratica docente, como pro- fessora-supervisora de estgios, tanto na’ HEM como no curso de Pedagogia; pratica essa que subsidiou constantemente o referencial de andlise e faz parte intrinseca da realidade; 2) informagées e dados acu- mulados ao longo dessa experiéncia como professo- ra-supervisora, provenientes do convivio com todos os envolvidos no processo da formagao prética dos pro- fessores: alunos @ professores da HEM, do 1? grau @ do Curso de Pedagogia. Os relatos dos alunos es- tagidrios © sua postura perante os estagios so pre- ciosas fontes de referéncia, que ajudaram a completar as lacunas existentes, resultado de uma participagao individual, com a viséo proporcionada por uma plura- lidade de’ olhos ao longo desses anos todos; 3) como terceira fonte de referéncia conta-se com as pesqui- sas feitas na area por estudiosos comprometidos com a formagao do magistério de 1° grau, que em algum momento de seus estudos abordaram a questéo da Pratica de Ensino; 4) a andlise de documentos, como Planos Escolares e Grades Curriculares, assim como da legislacao orientadora, possibilitou tragar um pano- rama mais completo sobre tudo que se refere & Prd- tica de Ensino e Estagio Supervisionado na formagao de professores das séries iniciais do 1? grau. Pode-se considerar que atuamos © tempo todo como sujeitos de um processo, fazendo parte ativa na ‘construgdo de um conhecimento nascido da pratica e dda experiéncia, num intercdmbio constante com alu- nos @ professores, na busca de um referencial de 26 anélise e de fatos concretos que sirvam de sustenté- culo para as reflexdes. Utilizando-nos de nossa pratica cotidiana, de suas mazelas @ dificuldades, foi-se “construindo” lentamen- te uma visio critica e uma base tedrica. Diversas ve- zes tomamos distancia dessa pratica para examind-la mais detalhadamente sob um prisma teérico ou para confronté-la com outra experiéncia direta. Mas sempre a ola retornamos, buscando aperteigod-la com 0s co- nhecimentos adquiridos por meio das reflexdes. Tal rocesso nunca se dé por acabado. Renova-se sem- pre a cada dia, a cada ano, com novas turmas de alunos, novos modos de pensar. Nao se pode assegurar cientiicamente que o de- senvolvimento da Pratica de Ensino e Estégio Super- Visionado processe-se de forma igual om todas as es- colas de formacao de protessores do Estado. Reco- nhece-se que a simples observacao de fatos isolados ou atipicos nao 6 representativa da totalidade dos ca- 808, j& que esta no pode simplesmente substituir a critica @ a reflexdo. Como afirma Giroux (1986. p.37), “comeca-se com uma cbservacdo, mas com um qua- dro de referéncia teérica que situa a observacao den- tro de regras @ convengdes que the dao significado, enquanto que simultaneamente se reconhecem as li- mitagées de tal perspectiva ou quadro de referéncia’ Portanto, parte-se de principios norteadores tais, ‘como curriculos, programas ¢ legislagao, que S40 co- muns a todos 0s cursos de formagao de professores. ‘As variagées decorrem de posturas personalistas © da formagao académica de cada envolvido no proces: so e de sua pratica pedagégica individual. Atualmente, a Prética de Ensino aparece no cur- riculo da HEM vinculada & Didética, nao sendo con- siderada disciplina auténoma; o Estégio Supervisiona- do 6 representado por atividades e é mencionado nos curriculos apenas em relagdo a carga horéria deter- minada para cada série. Assim, ambos terminam por diluir-se num sO componente, ‘sendo inclusive apre- sentados como sindnimos. Ao indicar que 0s estagios somente devem ser supervisionados pelo professor de Diditica e/ou Me- todologia, a legislag4o promove algumas distorcées na realidade dos cursos, j4 que 0 professor dessas disciplinas acaba por utilizar seus hordrios de aula para dar instrugdes e fazer avaliagao sobre estagios, prejudicando muitas vezes o desenvolvimento dos contetidos das citadas disciplinas. Verificou-se, inclu- sive, que 0s professores de Didética e Metodologia atribuem conceitos a essas disciplinas, originados no desempenho dos alunos durante os estagios, Outro dado interessante 6 que, embora a legisla- 40 recomende com veeméncia um trabalho interdis- Ciplinar — indicando a Pratica de Ensino como “ponto de convergéncia’ das demais disciplinas do curriculo —, na realidade tal fato nao se efetiva. Nao ha en- volvimento dos professores dos demais componentes do curriculo com os estagios dos alunos, que acabam ficando sob a responsabilidade exclusiva do professor de Didatica ou Metodologia. Nao existe “professor de Pratica de ensino... Pratica de Ensino", mas sim “professor de Didatica ou Metodologia, supervisor de estagios’. Existe uma viséo equivocada da relacdo teoria e pratica. Pretende-se que os conteiidos desenvolvidos, nas disciptinas do curriculo, ‘aplicados" no cotidiano das atividades de estdgio, estabelegam essa relagao. Assim, © aluno aprende um determinado contetdo para em seguida ‘aplicar” na pratica, seja nas ativi- dades de regéncia de aula, como é mais comumente feito, seja no trato com os’ alunos das classes do 1° grau AA legislaco recomenda que sejam cumpridas in- tegralmente de 300 a 360 horas de estagio pelos alu- N08, que sao iniciadas geralmente a partir do 2? ano do curso. Ao mesmo tempo verifica-se que muitas ve- zes no ha como adequar 0 horério do 1° grau ao hordtio dos alunos da HEM. Também em relagéo ao horétio, existe um sério problema no que se refere aos estdgios no curso no- tumo do magistério. Atualmente esses cursos aten- dem uma clientela predominantemente trabalhadora, representada por alunos de menor poder aquisitivo que tém empregos durante 0 periodo diumo, muitas vezes com horétios apertadissimos. Sendo assim, os fencargos de cumprir horas de estagio no periodo diur- no em que funciona o 1? grau representam um énus extra — como trabalhar durante 0 dia e estagiar no mesmo periodo? Perante essa situago sto tomadas algumas ini- ciativas, nenhuma delas, entretanto, significativa para 08 objetivos da Prética de Ensino. Sao elas: + 0 professorisupervisor “dé um jeito” e passa aos alunos algumas tarefas “valendo’ horas de estagio: + 08 alunos tiram férias do emprego para fazer estégio em regime intensivo, até o total cumprimento da carga hordir * 08 alunos faltam aos empregos pelo mesmo mo- tivo, ou tentam fazer acordos com 0 empregador © 0 supervisor de estagio; * 08 alunos a duras penas cumprem a carga ho- ratia exigida para os estgios, encarando tal atividade como uma norma burocrdtica que os sacrifica no cur- ‘50 e no como momento importante para sua forma- G40, 0 que leva ao desvirtuamento dos objetivos for- mativos; + as escolas condicionam a matricula no curso a uma declaragao do empregador de que o aluno sera dispensado para fazer estégio — 0 que raras vezes, acontece —, garantindo-se assim o cumprimento da legislagao, mas nao assegurando a permanéncia do aluno na escola; * 08 alunos desistem do curso. E importante acrescentar que os problemas apon- tados nao se referem apenas ao periodo notumo, nem esgotam 0 rol de dificuldades encontradas pelos alu- ‘nos para fazer estagio. Existem ainda diversos fatores de ordem pessoal e organizativa que também interfe- fem na sua realizagao e que variam conforme a es- cola, a clientela, os professores e a diregao do esta- belecimento de ensino Cad. Pesq. 17.93, maio 1995 A escola-campo de estagio, aquela que recebe os estagidrios nas séries iniciais do 1° grau e que serd ‘seu futuro campo de trabalho, é muitas vezes mais, um problema a ser contornado. Com a extingdo das Escolas-Modeto por volta de 1920 e dos Colégios de Aplicagao um pouco mais tar- de, 0 estagio em Pratica de Ensino passou a ser feito nas escolas da comunidade, tanto oficials como par- ticulares, dependendo de entendimentos entre a Dire- G0 da escola e 0 Supervisor de Estagio. ‘As escolas particulares tém uma realidade que rndo 6 encontrada nas escolas da rede publica, notéria pela escassez de recursos e composta por alunos dos Segments populares na sua maior parte. Além disso, muitas vezes, as escolas particulares néo demons- tram disponibilidade para receber estagiarios. Sendo assim, os alunos da HEM pertencentes & esfera pt: blica sao geralmente enviados as escolas oficiais para estagiar, Esses estagios sdo feitos nas quatro séries ini- ciais do 1° grau e na pré-escola, cursos que $6 fun- cionam no periodo diuro. Durante cada ano letivo, os alunos da HEM devem cumprir uma determinada car- {ga horéria, contabilizada no total das horas recomen- dadas pela legislagao para o estagio, ‘A escola que recebe os estagiérios, na maioria das vezes, no inclui um plano de estagio no seu plano escolar. Além disso, frequentemente, professo- res das classes do 1° grau nao assumem uma postura compromissada com a formagao pratica dos alunos do magistério, sentindo-se mais. propriamente incomo- dados com a presenca destes. Alegam, até com certa razo, que 0s estagidrios atrapalham a rotina da clas- se, alteram o comportamento das criangas e inibem ‘ou incomodam 0 professor. Estudos feitos por Gatti et al. (1977. p.28) sobre a relagio dos estagiérios com os professores do 1? ‘grau confirmam que apesar de, um modo geral, essa relagao ser satisfatéria, aparecem termos tais como: “normalistas fiscais dos professores”; “o estagiario per- turba a aula"; “o estagiario considerado empregadinho do professor’; ou “os pals das criangas da escola ane- xa nao gostam da intromissdo dos estagiérios’, que ‘nos permitem detectar alguns problemas nessa area. Encontramos inclusive professores das classes do 1° grau que se recusam terminantemente a aceitar es- tagidrios. Hé também, devemos ressaltar, professores interessados que procuram auxiliar os estudantes. A falta de espaco fisico é também uma realidade: muitas vezes os estagidrios s4o obrigados a ficar uma manha ou tarde inteira nas classes do 1° grau, de pé, por falta de acomodagGes para todos. Esse problema também existe para o supervisor de estagio que nao ‘tem um lugar apropriado para atender os alunos, dan- do-lhes instrugSes durante 0 recreio, nos corredores, sala dos professores e mais comumente nas salas de aula durante as horas reservadas para as disciplinas Didatica ou Metodologia. Quando as turmas sao gran- des, 0 que geralmente ocorre, tais obstéculos tornam- se mais complicados ainda, dado que o atendimento 7 0 estagiario geralmente assume contornos individua- lizados. Outro problema que se apresenta em relagao ao professor-supervisor é que este, muitas vezes, nunca {rabalhou no 1? grau, nao tendo assim uma visao pré- tica desse grau de ensino, o que Ihe dificulta um bom desempenho nesse campo para com os estagiarios. De acordo com a legislagéo em vigor (Delibera- 0 CEE 21/76 e Resolugao SE 274/82), os estagios curriculares dever ser desenvolvidos em trés etapas: Observacao, Participagdo e Regéncia de Aulas. Para cada etapa, dependendo sempre do supervisor, estipulado um ‘ntimero de horas de estagio © sao dadas instrugdes especiticas. Na fase da Observagao, o aluno 6 colocado em contato direto com as classes de 1? grau, a fim de se familiarizar com 0 trabalho executado nesse grau de ensino. O procedimento normalmente adotado é 0 estagiario observar a aula do professor da classe, anotando num caderno préprio ou em fichas o desen- rolar da aula, e obedecendo a um roteiro previamente elaborado pelo professor-supervisor ou retirado dos muitos “manuais de estagio" existentes. Para a etapa da Observagao, 0 professor é es- colhido aleatoriamente para servir de modelo ou pa- rao profissional para 0 aluno. O critétio utlizado é que ele aceite estagidrios ou que esteja disponivel para recebé-los. Convenhamos, entretanto, que uma ‘escolha feita segundo critérios baseados no mérito ou desempenho eficiente criaria uma situagéo constran- gedora para os nao escolhidos, propiciando disputas indesejaveis, 0 que, obviamente, deve ser evitado. Sendo assim, nessa etapa, o aluno vé-se confron- tado com situagdes antagonicas ou modelos impré- pros, levando-o a confusdes e até a sentimentos de revolta. Por outro lado, também pode aprender muita coisa uti, dependendo do professor da classe. Na tealidade das escolas, a Observagio, de- pendendo de como concretamente se efetua, é pre- judicada pela falta de condigdes adequadas quanto ao ‘espaco fisico, preparo do professor de 1° grau e do supervisor de estagio, preparo do aluno da HEM e oucO envolvimento dos professores das outras disci- plinas do curso. As “Instrugdes para Estégio Supervisionado", pu- blicadas pela SE/CENP em 1979 (Sao Paulo, 1979), apresentam predominio de normas técnicas, idealiza- das segundo 0 pressuposto de um fazer em série, que nao atenta para a realidade das escolas, profes: sores @ alunos. Caracterizam-se principalmente por serem excessivamente minuciosas e claramente ino- perantes e inadequadas ao atual funcionamento dos Cursos, principaimente no perfodo notumo. Quanto & Participagao, esta fica invariavelmente dependendo da boa vontade do professor da classe ou diretor da escola. Traduz-se no cotidiano de sala de aula por: corrigir cademos e provas, mimeogratar trabathos, dar ou receber recados, organizar festas, escolares @ cuidar do recreio, s6 para citar as ativi- dades mais comuns — isso quando ha solicitagdo. Na 28 maioria das vezes, a participagao simplesmente nao existe. ‘A Regéncia de Aulas, como terceira etapa, seria © coroamento das atividades de estagio. Devidamente instruidos pelo professor de Didatica ou Metodologia que thes fomece o "modelo", os alunos organizam um “plano de aula” sobre determinado assunto referente programacao das séries iniciais do 12 grau. Esse “plano de aula’ seré executado como uma atividade docente nas classes onde o aluno faz estagio. E con- siderado o momento culminante da Pratica de Ensino, sendo do curso. Geralmente essa aula assim plane- jada 6 assistida pelo professor-supervisor, professor da classe e colegas do curso, que, mediante um ro- teiro, fazem as criticas ao desenvolvimento © desem- penho do aluno-mestre. Quando as classes da HEM so numerosas, a ati- vidade de regéncia muitas vezes vé-se reduzida a uma ou duas aulas anuais, ndo abrangendo, conse- giientomente, todas as areas de conhecimento do 1° grau. Alguns autores apontam para 0 artificialismo dessa atividade @ 0 pouco tempo dos alunos do curso notuno para reger classes, os quais tém “pouca ou enhuma oportunidade de praticar pelo menos uma aula” (Gatti et al., p.28). Segundo Gatti, os professo- res do curso primério também mostram resisténcia &s inovagdes metodolégicas trazidas pelos estagiarios durante a regéncia de aula. Outro dado a ser levado em consideracéo a res- peito dos Estagios Supervisionados e das trés etapas, de realizago & que tais atividades vém-se desenvol- vendo ao fongo dos anos de maneira uniforme e res- trita, apoiadas numa legisla¢ao que introduz aumento da carga horéria visando methoria da qualidade, mas Comite explicitagdes que poderiam levar a uma eficdcia, condizente com 0 aumento qualitatvo. CONCLUSAO, A caracterizagao da Pratica de Ensino e Estagio Su- pervisionado na HEM, feita mediante 0 estudo da le- Gislagao em vigor, das concepgdes tedricas dos edu- cadores Coménio e Pestalozzi e da andlise da real dade das escolas atuais, permitiu a composigao de um quadro geral no qual’ o confront’ entre os niveis & constante e evidente. Pode-se perceber que hd um enquadramento en- tre a concepeao de educadores clissicos e a concep- ‘¢40 de pratica de ensino que se desenvolve entre 1nés. NAo obstante, a realidade atual dos cursos da HEM caracteriza-se pelo tradicionalismo arraigado, inadequado para uma sociedade em mudanga, sendo parte do cotidiano de uma escola que incentiva, por meio de sua estrutura organizativa, a estagnagdo, 0 atraso € 0 conservadorismo. AA legislagao em vigor apresenta uma proposta de base tecnicista, sistematizada com a elaboracdo e execugéo da Lei 5692/71. O objetivo da Pratica de Ensino feita sob a forma de Estagio Supervisionado Prtica de ensino. relaciona-se com a formacao de um professor que do- mine métodos e técnicas, pressupondo-se que esse conhecimento seja suficiente para a qualiicago do ensino numa escola ausente de comprometimento po- Itico e social. A postura tecnicista coloca o foco central da for- magao pratica no numero de horas de estagio que de- vem ser cumpridas pelos alunos, enfatizando o aspec- to de treinamento assumido por essa formagao. A én- fase colocada no aspecto quantitative em detrimento de uma orientagao eficaz, para tonar relevante qua- ltativamente essa atividade, poe a descoberto uma le- gislacao falna ¢ inadequada em suas bases tebricas. Falha por pressupor que o simples aumento de horas de estagio garantiria uma formacao pratica mais efi- ciente, ¢ inadequada por nao levar em consideragao ‘0s dados da realidade atual que apontam para uma clientela da HEM composta por alunos pertencentes também a classe trabalhadora. Para esses alunos as horas a serem despendidas com os estagios signifi cam uma sobrecarga de trabalho, fato que os leva, muitas vezes, até a desistir do curso, Caracterizamos assim uma contradigao nas nor- mas legais: buscando melhorar 0 nivel da formacao do professor meramente pelo aspecto quantitativo, acaba por promover a exclusao @ a seletividade nos A legislagao também se omite em relago & rea- lidade, a0 nao levar em consideragao a inadequacdo de horarios das séries iniciais do 1° grau com 0 curso do magistério noturno. Se nao sao dadas as minimas condigdes para 0 aluno desenvolver um bom trabalho lo curso @ aproveitar essa escolaridade, entao por que permitir seu funcionamento noite nos mesmos moldes do diurno? A realidade atual do nosso sistema escolar, dada a crescente desvalorizagao que vem sofrendo nas di timas décadas, exige 0 repensar da escola e a recu- eracao da qualidade do ensino. A escola que temos nao mais atende a demanda por educacao reclamada pelos segmentos populares. Nao atende principalmen- te por ter mudado seu papel como instituigao social que nao mais apenas transmite conhecimentos, mas assume inclusive contornos sociais definidos, como a responsabilidade pela satide, alimentacao, educagao, atengao, antes do Ambito da familia do aluno. A escola mudou, mas continua insuficiente para as ofescentes necessidades sociais, exigindo profes- sores mais bem formados, para levar a efeito um en- sino de qualidade. Ademais, sabemos que essa es- cola somente atendera bem a populacdo se a socie- dade também mudar sua estrutura. Enquanto tal nao acontece, h4 que se tentar melhorar aquilo que ai esta, dentro desse quadro existente. A formagao pro- fissional dos professores feita segundo essa dtica re- veste-se, portanto, de significado especial. Entretanto, pelo que relatamos até agora, essa formacao tem-se revelado insatistatéria, principalmen- Cad. Pesq. 1.93, maio 1995 te em relagao ao preparo pratico, fator relevante para um bom futuro desempenho profissional. Um professor formado nos moldes de uma Pratica de Ensino que se manteve inalterada nos tiltimos em anos, a no ser por aumentos de carga horaria @ al- ‘gumas timidas intervengdes dos érgaos oficiais em re- lagao aos seus niveis de realizagao, ndo poder seqientemente, adaptar-se aos ditames da nova clientela da escola publica atual. Ando ser que, trans- cendendo suas deficiéncias formativas, se posicione no sentido de encaminhar-se rumo ao aprimoramento individual — tendo em vista sua atuagao no coletivo — aprendendo, pesquisando, aperfeigoando-se tanto ‘no cotidiano do seu trabalho docente como na fonte de referéncia proporcionada pela reflexdo tedrica. Tal ato pressupde assim um reaprender politizado na pré- tica concreta ra, 8 0 professor acaba por aprender, intuitiva- mente ou néo, no seu proprio trabalho cotidiano em sala de aula, por que fazer estigio durante 0 curso? Nesse caso, se eliminarmos da HEM a Pratica de En- sino sob a forma de Estégio Supervisionado, seria al- terada a formagao dos alunos? Mesmo podendo in- correr no isco de uma anélise muito rigida, acredita- ‘se que a pratica cotidiana do futuro professor nao se- ria objeto de significativas alteragbes. A realidade tem nos revelado isso. A Pratica de Ensino, sob a forma de Estagio Su- pervisionado, ao reduzir o conhecimento a apropria- 40 de técnicas e a docéncia ao treinamento, revela- Se ineficaz sob 0 ponto de vista da pratica pedago- gica. Se essa atividade fosse retirada do curso repre- sentaria 0 fim de um fazer rotineiro e obrigatério, ne- cessario para cumprir normas relativas a obtengao do diploma de professor. Mas também significaria o fim da Unica via de acesso a aproximacao com a reali- dade do trabalho docente oferecida pela HEM. Seria retirar dos futuros professores a oportunidade de co- nhecer e refletir sobre seu campo de trabalho a partir de uma situagao concreta, Entretanto, se pensarmos em Pratica de Ensino com atividades de Estdgio Supervisionado, como meio eficiente de formar professores comprometidos com o papel da escola — que tem em si o embrido de mu- dangas sociais —, estaremos promovendo alterages basicas na sua estrutura de sustentagdo e desenvol- vimento, Defendemos a premissa de se pensar e realizar estagios que atinjam primeiramente objetivos amplos, cuja meta ¢ formar uma consciéncia politica no pro- fessor que ira trabalhar na escola publica. Uma cons- ciéncia politica que Ihe permita desenvolver, dentro e fora da escola, uma pratica voltada para atender as necessidades das classes populares ¢ de sua propria categoria profissional enquanto reduto de organizagao @ resistencia. Os objetivos particulares seriam repre- sentados pela apropriago de moios e de criatividade prdprios, para levar seu trabalho a bom termo, por meio tanto da competéncia ao desenvalvé-lo como dos resultados obtidos. 29 Nesse sentido, os estagios curriculares, realiza- dos nessas bases, seriam imprescindiveis para uma formagao profissional relevante. Tanto os objetivos amplos como os particulares sobrepor-se-iam a0 as- ecto puramente burocratico, podendo, inclusive, dele rescindir durante sua execugdo. Um trabalho pollti- camente engajado nao precisa necessariamente con- tabiizar horas ou limitar-se a tarefas rotineiras e preestabelecidas para realizar-se positivamente. O simples cumprimento de tarefas @ até a carga horéria assariam para um segundo plano, mais para atender a exigéncias administrativas, cedendo a prioridade & formago e avaliagao do aluno sob um ponto de vista qualitativo. Tal avaliagao deixaria de se centrar predominan- temente na carga horéria a ser cumprida e nas ativi- dades predeterminadas, © se deslocaria para 0 de- ‘sempenho ¢ aproveitamento do aluno com énfase no desenvolvimento da postura critica, o que evidente- mente nao significa ‘passar receitas’. Nao queremos dizer que os estagios por si sés possam cumprir esse papel. E importante reiterarmos que 0s contetides das disciplinas curriculares teriam de também alterar-se para acompanhar eficazmente ‘essa nova concepeao de formar professores, 0 que Pressupée uma reformulagdo nos curriculos @ progra- mas da HEM (© que nao se pode perder de vista dentro dessa concepeao de formacao pratica de professores é a di- retriz basica do seu comprometimento com a proble- matica da aprendizagem das criangas das camadas populares e a melhoria do nivel de ensino na escola Plblica. Esses dois aspectos, por si sds relevantes, devem estar intrinsecamente ligados com as propos- tas para reformulagao do curso do Magistério. Sem ‘esse objetivo, a Habilitagso continuaré apenas mais um curso de 2° grau profissionalizante @ os estagios ‘somente uma atividade de treinamento, esvaziados de um real comprometimento politico de transformagao social REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, J. S. de. Formagdo de professores do 1° grau: a Pré- ‘ica de Ensino em questo. Sdo Carlos, 1991. Diss, (mest.) UFSCAr BARBANTI, M. L. S. H. Escolas americanas de contisséo pro- testante na Provincia de Sao Paulo: um estudo de suas of ‘gens. Sao Paulo, 1977. Diss. (mestr.) Faculdade da Educa. ga0/USP COMENIO, J. A. Didéctica magna. Lisboa: Fundago Calouste Guibenkian, 1957, EBY, F. Histéria da educapo modema. Porto Alegre: Globo, 1970. GATTI, B. A. As Pesquisas sobre formagdo de professores. Edu ‘capa0 Municipal, So Paulo, m2, p.67-72, 1988, —____. 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