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ARTIGOS LIVRES

Entre Comunicação e
Semiótica, a interação
No Brasil como em outras partes do mundo, na
Eric Landowski França ou na Itália por exemplo, a vizinhança entre
Pesquisador (Paris, CNRS-Sciences Po), diretor da Comunicação e Semiótica dá lugar a confronta-
revista Actes Sémiotiques, co-diretor do Centro de ções tensas, para não dizer conflituosas, em muitos
Pesquisas Sociossemióticas (PUC-SP). Programas de Pós-graduação e nas agências de ava-
liação. Longe de formas de cooperação entre esses

Resumo empreendimentos que poder-se-ia imaginar com-


plementares, o espetáculo oferecido relembra o de
Não há por um lado a Comunicação e, por outro, a Semi-
ótica. Fora dos organogramas oficiais, não há tais unidades dois times afrontando-se no estádio. Todavia, se o
que falariam, cada uma, com uma só voz. Do mesmo modo terreno de encontro, a mídia, apresenta-se, empirica-
que se distinguem várias abordagens comunicacionais da mente, como o mesmo para ambos os concorrentes
comunicação, coexistem modos distintos de abordá-la se- — mesmos jornais, mesma televisão, mesma inter-
mioticamente. Por dentro de cada disciplina confrontam- net —, a Comunicação, por um lado, e a Semiótica,
-se correntes distintas, umas mais tradicionais, outras mais
por outro, concebem-no, epistemologicamente, e o
inovadoras. Alguns anos atrás, Muniz Sodré, fundador
constroem, metodologicamente, enquanto objeto de
207 de uma das correntes mais inovadoras da Comunicação,
esboçava, na introdução de seu livro,  As Estratégias sen- estudo, com perspectivas e ferramentas tão diferentes
síveis, uma discussão com o promotor de uma das linhas que é de se perguntar se, apesar de serem institucio-
mais atuais da Semiótica, a “sociossemiótica”. É esse dialo- nalmente irmãs, elas não se colocam de entrada em
go que o presente texto pretende prolongar. níveis teóricos suficientemente afastados para excluir
Palavras-chave: Comunicação; Semiótica; interação. todo risco, ou qualquer chance, de se encontrarem
  no plano intelectual. A rivalidade não seria, nessas
condições, tanto (ou mais) de ordem institucional e
Abstract política, quanto propriamente científica?
There does not exist on the one hand “Communication”
as a perfectly homogeneous discipline, and on the other Seja como for, a bem olhar, a confrontação não
hand “Semiotics” as a unified block. Such entities only obedece a um esquema binário simples, como no
appear on paper, in official documents. In reality, various futebol. Ela aproxima-se mais da competição polí-
approaches to communication, some more traditionalist, tica, onde as lutas, antes de se darem entre parti-

[ ]
others more innovative cohabit and oppose each other in- dos, têm lugar dentro deles. Não há por um lado a

Artigos
side both disciplines. A few years ago, in the introduc-
Comunicação e, por outro, a Semiótica. Fora dos
tion to his book  As Estratégias sensíveis, Muniz Sodré,
organogramas oficiais, não há tais unidades que
the initiator of one of the most avant-garde trends in
Livres Communication, started a discussion with the leading
figure of French Sociosemiotics. The purpose of the
falariam, cada uma, com uma só voz. Do mesmo
modo que se distinguem várias abordagens comu-
present article is to prolong this dialogue. nicacionais da comunicação, coexistem e rivalizam
Keywords: Communication; Semiotics; Interaction. modos distintos de abordá-la semioticamente. A
briga, portanto, desdobra-se. Os lugares de con-
O presente artigo é a versão reescrita por inteiro, em 2015, de um texto fronto proliferam por dentro de cada disciplina
inicialmente publicado sob uma forma errada, devido a acidentes téc- entre correntes opostas e, dentro destas, entre ten-
nicos, in A. Primo e A.C. de Oliveira (orgs.), Comunicação e interações,
Porto Alegre, Sulina-Compós, 2008, pp. 43-70. dências mais tradicionais ou mais inovadoras. Isso

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significa que as relações entre os dois campos princi- radicais com a abordagem interacional que propõe pura e simplesmente ao “entendimento comum” (SE, cos ligados à opção semiótica obedecem a princípios
pais dependem do equilíbrio instável que se estabe- a Semiótica tal como a concebemos. Encontramos 16). — A definição do comunicacional é mais árdua. diferentes daqueles que regem a perspectiva “ comu-
lece entre as orientações competindo dentro de cada ao contrário vários pontos de convergência. O pri- Não sendo este um conceito dado pelo bom senso, nicativa ”. Eis um primeiro passo importante! Mas
um deles. meiro se refere ao tema mesmo da obra: o estatuto tem-se que construí-lo. Para tanto, é preciso intro- depois, será possível outro, mais decisivo? No dizer
e as estratégias do sensível na mídia e na política. duzir a ideia de “midiatização”. de Sodré, está claro que não! Que a Semiótica, ao
Outro fator contribui também para animar a
Outro decorre da postura epistemológica original que lado da Antropologia, possa ajudar os estudiosos da
controvérsia. É sua dimensão internacional, devida Por midiatização, entenda-se, […], não a veicu-
o autor adota no quadro dos estudos da comunica- comunicação a distanciar-se do modelo informacio-
em particular à vitalidade das relações entre Brasil lação de acontecimentos por meios de comunicação
ção, ou, talvez seja mais exato dizer, à margem mais nal, que ela permita criticá-lo ou sofisticá-lo, tudo
e França. Para nós, é boa a notícia de que um (como se primeiro se desse o fato social temporali-
avançada deles. isso acaba somente, conclui ele, em “ refinar teorica-
número apreciável de especialistas franceses, tanto zado e depois o midiático, transtemporal, de algum
mente ”, sem, por enquanto, “ sair do solo ontológico
da Semiótica quanto da Comunicação, estão entre O reconhecimento de tais convergências supõe, modo), e sim o funcionamento articulado das tradi-
trilhado pelo entendimento comum do que possa ser
os autores estrangeiros mais citados nos programas todavia, como em qualquer controvérsia intelectual, cionais instituições sociais com a mídia. A midiatiza-
comunicação” (SE, 16).
de Comunicação brasileiros1. Reciprocamente, sem- um pacto conversacional. Para se entender, neces- ção não nos diz o que é a comunicação e, no entanto,
pre houve pesquisadores franceses, próximos ou da sita-se no mínimo que não se confundam dois tipos ela é o objeto por excelência de um pensamento da Com certeza, afastar-se de um sistema teórico
Semiótica (como, outrora, Michel de Certeau) ou da de desacordos eventuais. Uns podem ser de ordem comunicação social na contemporaneidade, preci- dado não é entrar ipso facto na lógica do sistema
Comunicação (por exemplo, hoje, Michel Maffesoli) propriamente teórica. Identificá-los necessita uma samente por sustentar a hipótese de uma mutação oposto. A sintaxe do quadrado semiótico permite
cujo pensamento foi fortemente estimulado por seus leitura atenta e um cotejo nítido das produções res- centrada no funcionamento atual das tecnologias da entender isso... Admitindo que o comunicativo e
encontros com a cultura e os estudiosos brasileiros. pectivas. Outros, mais frequentes embora fictícios comunicação. (SE, 17) o comunicacional constituem dois universos con-
Essa tradição de intercâmbios continua. Assim, há (mas não, por isso, menos persistentes), provêm, no trários, é perfeitamente possível emancipar-se do
É essa mutação, o “surgimento de uma “outra
alguns anos, Muniz Sodré, na introdução de seu livro oposto, da não escuta mútua, cada interlocutor jul- primeiro e ficar fora do segundo, na posição tran-
cultura”, vertebrada pelas tecnologias da informa-
bem conhecido, As Estratégias sensíveis, esboçava gando que o discurso do outro, desde que se origina sitória do que, no nosso jargão, chama-se de sub-
ção”, que torna obsoleta a perspectiva precedente e
uma discussão com um semioticista de língua fran- no campo adverso, pode somente repetir erros já contrário. Será o destino da Semiótica manter-se
urgente a passagem à epistemologia comunicacional
cesa, o autor dessas linhas2. A esse gesto de abertura conhecidos — o resultado sendo a vão reiteração de assim, parada no meio do caminho, no purgatório
(ES, 14). Face ao que o autor descreve como um bios
208 gostaríamos de responder aqui. preconceitos e mal-entendidos herdados do passado. do não-comunicativo, incapaz de se erguer à altura 209
inédito, “ o bios virtual ”, “ nova esfera existencial em
Queríamos evitá-los. do comunicacional ou de propor outra forma de epis-
Nossa resposta, entretanto, não será a da que estamos todos sensorialmente imersos ” (ES, 16),
temologia que possa ser considerada equivalente,
Semiótica (francesa) à Comunicação (brasileira). Isso dito, a ideia diretriz que norteia o autor ao impõe-se a necessidade de ultrapassar os limites das
embora formulada com outra terminologia concei-
Já sublinhamos, tais unidades monolíticas não exis- longo do livro, e que ulteriormente ele sistematizou ciências sociais e humanas tradicionais e de promo-
tual? Previamente à discussão deste ponto, convém
tem. Evitaremos, portanto, de considerar nosso num artigo sobre a “episteme comunicacional”, con- ver outra forma de conhecimento, da ordem da com-
notar que essa desconfiança manifestada a respeito
colega como o representante da Comunicação no siste em propor um importante reajuste na concep- preensão (ES, 15), “ ao modo daquilo que Deleuze e
da aptidão da Semiótica para efetuar o salto quali-
seu país; e do mesmo modo, rechaçaremos toda tualização da “comunicação ”3. Partindo do “comu- Guattari chamariam de “ciência nômade”, isto é uma
tativo decisivo não nos parece resultar de um exame
pretensão de falar em nome da Semiótica no nosso. nicativo”, trata-se de passar ao “comunicacional”. problematização de fluxos, de contingências, sem
documentado e atualizado do modo como os semio-
Esperamo-lo, talvez possa o interesse da discus- Salvo erro, essas noções fazem sentido em três níveis. teoremas e constantes ” (SE, 23).
ticistas, na sua diversidade, trabalham hoje. Parece,
são decorrer precisamente do fato de que, no caso, Ao mesmo tempo que se referem a processos midiáti-
Neste contexto, onde fica “ a Semiótica” ? O inte- antes, decorrer do fato que nosso colega satisfaz-se
os interlocutores, longe de expressarem qualquer cos distintos enquanto objetos de estudo, reenviam a
ressante é a posição intermediária que o autor lhe com um cliché relativo ao que é “ ser semioticista” :
ortodoxia, nem mesmo a posição mainstream nas procedimentos analíticos e, consequentemente, a pos-
atribui. Se, como se adivinha, ele não a coloca do como se diz, e como repete o autor, é ser estrutura-
suas respectivas áreas, sejam, cada um a seu modo, turas epistemológicas diferentes. Na ótica do comu-
lado prometedor das ciências “ nômades ”, nem tam- lista4. — Por certo, mas é preciso entender-se sobre o
marginais dentro da própria tribo — veremos daqui nicativo (que, sublinha o autor, domina os estudos
pouco ele chega a confundi-la com, digamos, as mais valor dessa palavra.
a pouco em que sentido. correntes), a comunicação reduz-se a um “processo
trivialmente sedentárias. Ele a situa entre os dois
transferencial de informações”. Realizado por um ou Em termos de prática da pesquisa no dia a dia, a
O livro de Muniz Sodré situa a reflexão sobre um polos, junto com a Antropologia (quer dizer, em boa
outro “instrumento” midiático (jornal, rádio, televi- opção estrutural corresponde, para nós, a um traba-
plano teórico no qual não surgem incompatibilidades companhia). Optar “ em favor de caminhos semióti-
são, internet), tal processo presta-se a análises con- lho sem fim de crítica e reelaboração dos conceitos,
cos ou antropológicos, escreve Sodré, é abandon[ar]
duzidas com procedimentos descritivos cujo caráter de aprofundamento de suas implicações, de con-
a perspectiva funcionalista da maioria dos trabalhos
1  Cf. Raúl Fuentes Navarro, “Fontes bibliográficas da pesquisa aca- empírico reflete a postura epistemológica subjacente frontação com o material empírico, de consolidação,
dêmica nos cursos de pós-graduação em comunicação no Brasil e no sociológicos de origem norte-americana  ” (SE, 16).
à concepção funcionalista da mídia, a qual obedece
México”, MATRIZes, 1, 2007. Vale dizer que tanto a concepção dos processos reti-
2  Muniz Sodré, As Estratégias Sensíveis. Afeto, mídia e política, Rio de dos como objetos de estudo, quanto a definição da 4  Trata-se, evidentemente, dos semioticistas da família de Saussure,
Janeiro, Vozes, 2006 (Introdução, pp. 9-16). (Mas adiante no texto, ES 3  M. Sodré, «  Sobre a Episteme comunicacional  », MATRIZes, 1, postura epistemológica e dos procedimentos analíti- Mauss, Hjelmslev, Benveniste, Greimas, Barthes, Lévi-Strauss, o que
e número de página.) 2007, pp. 15-26. (Mas adiante, SE e página.) deixa de lado, em particular, os da linha peirciana.

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complementação ou complexificação de modelos fosse a forma acabada de uma “ciência” à qual dora- da Ciência. E se abstemo-nos de falar em ruptura, mas de interação articulam questões de ordem teó-
com valor hipotético e, por definição, provisórios. vante seria criminal mudar ou acrescentar qualquer não é porque um resto de nostalgia nos impediria rica, relativas às condições de produção e de apreen-
No oposto, tal como nosso interlocutor a apresenta, coisa. de separar-nos da problemática clássica, de cuja são do sentido, com os problemas de interpretação
ela constitui uma escolha metafísica, com carácter elaboração participamos durante muitos anos. É que tangem ao modo como o desenvolvimento das
Encontra-se na outra face uma abordagem mais
global e definitivo. Daí a substituição do adjetivo porque a coupure epistemológica não se deu após a novas tecnologias transforma essas condições. Sobre
livre e mais compreensiva, disposta para explorações
“ estrutural ”, rótulo cômodo para designar um con- “ morte do pai ” (1992), entre a teoria que Greimas esses pontos, as posições de Muniz Sodré nos textos
arriscadas: uma semiótica um tanto transgressiva, e
junto de princípios heurísticos e um método opera- construiu e a versão alargada que desenvolvamos nas já citados são, em boa parte, comparáveis às nossas.
por isso marginalizada, que, liberada da mística do
cional, pelo substantivo “ estruturalista ”, termo com duas últimas décadas. Ela ocorreu já na década de Ressaltar primeiro as semelhanças nos permitirá,
texto, se atreve, em particular, a pretender dar conta
valor de estigma aplicado a supostos crentes em dog- 50, quando a Semiótica estrutural nascente, opon- depois, apontar as divergências e, possivelmente,
da apreensão, pelos sujeitos, do sentido oriundo de
mas intangíveis. O fato de a Semiótica originar-se no do-se à Semiologia de então (variante européia da sugerir modos de ultrapassá-las.
sua presença imediata e sensível ao mundo, ao outro,
estruturalismo condenaria, portanto, todo semioti- problemática funcional cuja outra versão, de ori-
a sí mesmo. Entretanto, afrontar o holismo da expe- Retomando uma distinção familiar aos semioti-
cista a enxergar o mundo com o mesmo olhar que os gem norte-americana, foi rechaçada mais tarde por
riência, as ambivalências do vivido, as modulações cistas, Sodré opõe o nível do enunciado, em que cir-
fundadores do século passado. Na época, dadas as Sodré), recusou uma vez por todas a noção de signo
do sensível não implica desistir da busca de inteligi- cula a “  informação  ”, e o da enunciação, “  relação
regularidades descobertas na linguagem, nos mitos, enquanto unidade relevante, abandonou a proble-
bilidade para cair no impressionismo. Considerando entre duas subjetividades  ”, na qual, escreve ele em
no parentesco, “ o “homem” cedia lugar às estrutu- mática do código e constituiu-se como teoria geral
que o sentir e o entender são dimensões indissocia- termos que poderiam ser literalmente os nossos, “ o
ras — linguísticas, literárias, psicanalíticas, antro- da significação8.
velmente envolvidas em nossas relações com o Outro sentido troca a lógica da circulação de valores pela
pológicas, econômicas — na explicação do social  ”
em geral (inclusive o ambiente — o “ bios ”), trata- O paralelo entre o corte proposto por Sodré e o co-presença somática e sensorial dos actantes  ”10.
(SE, 23). Seria, consequentemente, uma necessidade
-se de dar conta, semioticamente, da inteligibilidade nosso é, portanto, um pouco mais complexo do que Em função das circunstâncias da interlocução, ora
que, também sob nosso olhar semiótico de hoje, “ o
do sensível, tanto quanto de abordar sensivelmente o parece. O que está homologável ao comunicativo um ora outro desses níveis pode ser privilegiado,
sujeito falante ced[a] lugar ao “código”, isto é, a uma
inteligível6. Por oposição à unilateralidade da con- não é a Semiótica greimasiana estândar, é a teoria do dando lugar a estratégias discursivas diferenciadas,
estrutura independente do sujeito e precedente à
ceição da significação enquanto objeto da Semiótica signo e do código de G. Mounin e L. Prieto, ou seja, a umas mais “ conceituais ”, outras mais da ordem do
mensagem ” (ibid.).
textual estândar, esta segunda face enfatiza a plu- Semiologia dos anos 50. E o desdobramento homo- “ sentir ”, explica o autor. Por nosso lado, distingui-
210 Naturalmente, vamos mostrar que não é assim! ralidade dos regimes de produção do sentido7. Tal logável à perspectiva comunicacional é a teoria alar- mos um regime de produção da significância no qual 211
Será justo, porém, reconhecer que, ao menos para esforço de refundação assemelha-se, nos parece, à gada que estamos construindo sob a denominação tem-se processos de “ leitura ” que desembocam no
os que veem a Semiótica de longe, existem razões de maneira como Sodré, mediante a problematização de Sociossemiótica9. A Semiótica estândar apresen- reconhecimento de significações, e outro, no qual a
ter essa impressão de imutabilidade. Lógico, quem do comunicacional, visa à ultrapassagem da aborda- ta-se, neste quadro, como uma construção de transi- emergência do sentido pressupõe o que chamamos
melhor a alimenta, são os porta-vozes institucional- gem que, no domínio dele, ainda “ domina os estu- ção. Se ela se situou desde o início além do funciona- de processos estésicos de “  apreensão  ” (saisie)11.
mente mais imóveis da disciplina! Mas a Semiótica dos correntes ” embora seus limites estejam, aí tam- lismo semiológico, e se, agora, ela parece aquém da Combinando as formulações de Sodré (entre aspas
estrutural, como a lua, tem duas faces. A que se mos- bém, cada vez mais óbvios. Estrategicamente, nossos idéia de uma Semiótica “ nômade ”, é não obstante a no que segue) com nossas, pode-se dizer que, por um
tra a todo mundo leva o rótulo lastimável de “Escola” projetos são paralelos. partir dela, alicerçando-se nos seus princípios episte- lado, a significação “ se interpreta semanticamente ”
(de Paris5) e oferece a imagem de uma disciplina mológicos e mediante uma crítica metódica de seus (enquanto efeito das estratégias enuncivas que regem
Mas ao passo que Sodré apresenta sua proposta
deliberadamente fechada sobre si mesma, pronta a pressupostos, que se tornou possível a refundação a leitura dos enunciados), e que, por outro, o sen-
como uma substituição de paradigmas, como uma
encaixar qualquer objeto nos seus esquemas “canô- que propomos. tido, apreendido (saisi) “ nas experiências de contato
ruptura epistemológica radical, nossa visada é mais
nicos”. No entanto, o que bloqueou assim a reflexão direto ” (colocadas sob a dependência de estratégias
dialética. Não proclamamos o fim de uma Semiótica, Hoje, após essa longa evolução por ambos os
não foi a teoria em si mesma, mas a maneira como enunciativas), “  se vive  ”, mobilizando “  o afeto e a
à qual deveria suceder outra, diferente por completo. lados, as reflexões mais avançadas parecem conver-
parte das gerações formadas nos anos 70-80, perí- tatilidade ”, quer dizer, “ o sensível ” (ES, 13). Daí o
Trata-se, quando muito, de relativizar o alcance da gir rumo a um mesmo tema, o da interação. Não
odo de sistematização da Semiótica greimasiana, título : As estratégias sensíveis.
teoria dominante, de explicitar seus pressupostos por acaso, mas porque tendências gerais da episteme
tornou-se, uma vez instalada na carreira acadêmica,
antropológicos e filosóficos e de complementá-la na guiam os esforços inovadores em direções comuns. Admitindo que pode “ parecer uma contradição
a teimosa guardiã do “  adquirido  ”, transformando
intenção de dar resposta a preocupações novas. A Aplicadas à mídia, as pesquisas atuais acerca das for- em termos aplicar a idéia de cálculo [estratégico] a
o hipotético e o problemático em ortodoxia estan-
Semiótica a favor da qual lidamos é, em suma, a face uma dimensão pré-representacional ” tal como a do
dardizada, como se a conceptualização elaborada
escondida da mesma lua, não um astro novo no céu “ sensível ”, o autor dedica a Introdução do livro à jus-
na bela época para resolver problemas do momento 8  A ruptura com a problemática do signo foi delineada pela pri-
meira vez em A.J. Greimas, « L’actualité du saussurisme », Le Français
6  Cf. « Para uma semiótica sensível », Educação & Realidade, XXX, Moderne, 3, 1956. Cf. E. Landowski, « Aquém dos signos e dos códi-
2, 2005. gos » (em « O olhar comprometido »), Galáxia, 2, 2001. 10  ES, 10. Acham-se formulações quase idênticas em « Para
5  Cf. « Le Cercle sémiotique greimassien », CASA, XIII, 1, 2015 (http:// uma semiótica sensível », art. cit., ou em « Possédants et possé-
seer.fclar.unesp.br/casa/issue/ view/529) ; tr. ingl., « The Greimassian 7  Cf. «  Unità del senso, pluralità di regimi  », in G. Marrone et al. 9  Cf. «  Sociossemiótica  : uma teoria geral do sentido  », Galá- dés », Passions sans nom, Paris, PUF, 2004, pp. 73-76.
Semiotic Circle », in Marina Grishakova et al., Theoretical Schools and (orgs.), Narrazione ed esperienza. Intorno a una semiotica della vita xia, XIII, 27, 2014 (http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/
Circles in the Twentieth Century Humanities, Londres, Routledge, 2015. quotidiana, Roma, Meltemi, 2007. view/19609). 11  « Para uma semiótica sensível », art. cit.

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tificação de tal oxímoro : “ “Estratégias”, por quê ? ”. Não se esperaria que seja o teórico da comunica- dade a despeito da categorização, estamos, no fundo, tégias de manipulação16. Isto não invalida o modelo,
A argumentação consiste em mostrar que, no campo ção mais favorável, por princípio epistemológico, à de acordo com Muniz Sodré  : é bem de relações pois o que o justifica não é a pretensão, nem sequer a
das “ operações singulares ”, a “ estratégia ” configu- “  problematização de fluxos, de contingências, sem flutuantes, de “ fluxos ” e de interações “ contingen- espera que cada processo, cada situação ou cada ator
ra-se “  como eustochia, a clássica designação grega teoremas e constantes  ” — e não o semioticista (o tes ” — e, muitas vezes, até mesmo aleatórias — que encaixe-se univocamente nesta ou naquela possibi-
para a mirada justa sobre uma situação problemá- estruturalista) — quem alicerça seu raciocínio em temos de dar conta. O problema é, como ? Por nossa lidade teoricamente delineada. Os regimes não são
tica, convocada pela potência sensível do sujeito ou categorias surprendentemente estanques! Contudo, parte, acreditamos que é necessário um modelo rigo- caixas, cada uma com seu rótulo, à maneira das gave-
do objeto ” (ES, 11). No nosso próprio modelo, é a desde o “ comunicacional ” contraposto ao “ comu- rosíssimo na interdefinição dos elementos em jogo, tas de um colecionador que teria decidido que tudo
um oxímoro da mesma feição e, à primeira vista, não nicativo ” no plano epistemológico, até os “ otimis- se quisermos dispor de um aparelho conceitual o o que puder encontrar entrará necessariamente em
menos esquísito — o de inteligência sensível —, que tas ” opostos aos “ pessimistas ” no plano político13, bastante potente e, ao mesmo tempo, flexível para alguma delas, conformando-se à classificação prees-
recorremos para caracterizar o regime interacional passando pelas dicotomias ja encontradas (sensorial permitir analisar um espaço no qual tipos distintos tabelecida. Ao contrário, é a regra com os objetos
do ajustamento. A expressão foi forjada pelos antro- versus conceitual, afeto versus razão), descobrimos de estratégias ou, num plano mais geral, distintos das ciências sociais: eles jamais se conformam, nem
pólogos Pierre Detienne e Jean-Pierre Vernant, ao uma visão de mundo globalmente articulada sob a regimes de interação e de sentido, longe de se exclu- a categorias estanques, nem a tipos unívocos.
analisar outra noção grega, a de mètis, vinda da sabe- forma de oposições categóricas superpostas e final- írem mutuamente, interagem, eles mesmos, uns com
Ora, quanto mais um objeto se revela irredutível
doria prática12. Como as estratégias às quais Sodré mente homologáveis, como se, em todos os níveis, se outros.
a uma só das fórmulas hipotetizadas por uma teo-
se interessa e como o ajustamento, a mètis, enquanto tratasse da mesma luta do Bem contra o Mal : para
Já evocamos dois destes regimes: os da manipula- ria, quanto mais parece tipologicamente “ impuro ”,
forma de inteligência, associa sincreticamente o sen- amanhã, a promessa da salvação na “  comunidade
ção e do ajustamento. Embora o primeiro seja mais tanto mais nitidamente interdefinidos e, portanto,
tir com o entender, o contato com o cálculo, neu- afetiva ” versus a hegemonia secular da “ razão ins-
afim com a ideia de cálculo racional e o segundo com distintivos devem ser os instrumentos analíticos dis-
tralizando a oposição entre somático-patêmico e trumental ” (ES, 12-13, 17, 66 e passim).
as de corporeidade e de sensibilidade, não podemos poníveis, se quiser desintricar as combinações e as
cognitivo.
Surpreendente também poderá parecer, no sen- reduzir sua definição a esse tipo de caracterização. dosagens que entram na sua composição e lhe dão
Apesar disso, em razão das vantagens que se tem tido inverso, o fato de que, a pesar de ficar norteada Seria limitar o quadro das análises pela imposição de sua complexidade estrutural ao mesmo tempo que
em respeitar na medida do possível o sentido usual pela busca de constantes (senão de teoremas), a pers- uma categoria de ordem substancial, inconveniente sua “ riqueza ” enquanto fenômeno social. Por essa
das palavras, mesmo ao empregá-las enquanto ter- pectiva estrutural que adotamos nos conduza rumo que só o emprego de conceitos relacionais permite razão, o bom uso de um modelo como o dos regi-
212 mos metalingüísticos, evitamos, salvo exceção, o a uma forma de modelização cujo objetivo é, antes evitar. Por isso, interdefinimos nossos regimes com mes de interação consiste em tomá-lo não como uma 213
termo “ estratégia ” nos contextos nos quais Sodré o de mais nada, dar conta da complexidade inerente a critérios relativos às formas do agir dos actantes em grade de classificação dos objetos mas à maneira de
emprega, reservando-o para outro regime de intera- nossos objetos, das ambivalências das motivações, relação uns com os outros, quer dizer a sintaxes inte- um instrumento de ótica que ajude a distinguir arti-
ção, repertoriado de longa data na Semiótica narra- da instabilidade das situações e das reviravoltas dos racionais distintas. Quando estiver em jogo uma culações pertinentes na profusão do que se dá a ver,
tiva sob o nome de manipulação — regime em que processos. Tratando-se, por exemplo, da relação forma qualquer de adaptação entre parceiros (cada quer dizer, que permita, ao estruturar o real, capturar
intervêm efetivamente “  cálculos estratégicos  ” sob entre afeto e cálculo, não é o paradigma enquanto um deles sendo movido por uma intencionalidade a pluralidade de seus efeitos de sentido.
a forma de montagens persuasivas, intercâmbios tal que nos parece mais relevante, mas as sintagmá- calculadora), falamos de “ manipulação ”. Ao con-
Essa forma de conceptualização permite, ade-
argumentativos, avaliações dos interesses recípro- ticas e as dinâmicas que decorrem do co-atuar entre trário, nos casos nos quais o processo interacional se
mais, admitir configurações de aparência para-
cos e negociações entre as partes. E quando se tratar seus termos: não “  o afeto  ” versus “  o cálculo  ”, e desenvolve na base da descoberta, no ato, de alguma
doxal, que transgridam a lógica do senso comum
de interações no plano sensível (ou, como dizemos, sim os cálculos do afeto, ou, no outro sentido, os forma de sintonia mútua (entre as respectivas sensibi-
subjacente às categorizações substanciais que, mais
“ estésico ”), em vez de estratégias, falamos em ajus- afetos do cálculo, ou seja a paixão, a obsessão, a lou- lidades), reconhecemos figuras de “ ajustamento ”15.
acima, rechaçamos enquanto articulações no plano
tamentos entre actantes. Mas o que importa não são cura manipulatória14. Pois, ao observar as práticas,
Está previsível que, no plano empírico, nunca epistemológico. As estratégias sensíveis de Sodré
os nomes, e sim o fato de que, sob rótulos diferentes, constatamos que na maior parte dos casos os pólos
encontraremos casos que correspondam pura- são o melhor exemplo de tais configurações não
tratamos de um só e mesmo regime de interação e de das categorias deste gênero, em vez de mutuamente
mente a uma dessas definições e para nada à outra. convencionais. Outro, comparável embora inverso,
sentido, no qual dominam as relações entre sensibili- se excluir como se fossem essências inimigas, impli-
Encontraremos configurações que, apesar de corres- encontra-se com certas formas de ajustamento, que,
dades. Uma vez assim reconhecida, por cada lado, a cam-se reciprocamente, superpondo ou combinan-
ponderem principalmente, segundo certo ponto de à diferença das intuitivamente mais óbvias, que pri-
relevância da dimensão sensível, as divergências apa- do-se de mil maneiras.
vista, seja à primeira, seja à segunda, dependerão ao vilegiam o plano sensorial (como a dança), se desen-
recem em outros níveis, relativos às formas gerais de
Ao projetar assim, sobre a cena social e em parti- mesmo tempo, em parte, ou sob outro ângulo, ou rolam aquém do somático. É o que acontece por
teorização e a certas opções interpretativas globais.
cular midiática, um olhar que privilegia a complexi- num outro patamar, da outra. Por exemplo — com- exemplo quando, no fio — no fogo — da conversa,
E aí, dadas as imagens mais difundidas das discipli-
binação frequente na propaganda política e na publi- os interlocutores conseguem reciprocamente “ sen-
nas em pauta, surge um paradoxo.
cidade — veremos funcionar ajustamentos locais
13  Por um lado, Toni Negri, André Gorz, Gianni Vattimo, por outro,
Jean Baudrillard (ES, 60-63). que, enxergados mais globalmente, entram em estra-
12  P. Detienne e J.-P. Vernant, Les ruses de l’intelligence. La mètis des 16  « La politique spectacle revisitée : manipuler par contagion », in
Grecs, Paris, Flammarion, 1974. Cf. Interações arriscadas, São Paulo, 14  A proposito das paixões atadas à manipulação, tanto quanto a A.M. Lorusso et al. (orgs.), Versus, 107 (Lo spazio della politica. Uno
Estação das Letras e Cores, 2014, p. 47. outros regimes de interação, cf. Interações arriscadas, op. cit., p. 104. 15  Cf. Interações arriscadas, op. cit., pp. 48-51. sguardo semiotico), 2008.

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tir ” — intuir e antecipar — o pensamento do outro, para baixo ” valores a serem interiorizados por um das estratégias stricto sensu (e de sua tematização que organiza as relações entre os regimes que a com-
dando então à relação dialogal, por cognitiva que ela público relegado na posição de receptor passivo, em termos de manipulação), mas além também das põem deixa aberta, entre cada um deles e todos os
fique, a forma, a graça, até mesmo, quiçá, a volúpia difundiu-se inclusive entre semioticistas a ideia, não estratégias sensíveis (e de sua análise em termos de outros, a possibilidade de idas e voltas, de passagens
duma dança não entre corpos mas entre intelectos17. alheia à de “ midiatização ” defendida por Sodré, de co-presença, ajustamento ou contágio), a interação gradativas ou de bruscas metamorfoses, de transfor-
O que, desde logo, não exclui dinâmicas de ajusta- que os processos em pauta têm o poder de gerar um midiática estrutura-se igualmente no quadro de dois mações, superposições ou inclusões da maior diver-
mento mistas, que envolvam os sujeitos “  corpo e espaço em si mesmo interacional, dentro do qual outros regimes interacionais que seria um erro igno- sidade. Isso permite análises finas das mais contin-
alma  ”. Mas, na realidade, não constituiriam estas efeitos de sentido “ contingentes ” criam-se em situ- rar. Curiosamente, apesar de serem intuitivamente gentes ocorrências mas tende a excluir, da parte do
o caso mais geral, tornando decidi­damente permeá- ação19. Esse olhar guia também estudos focalizados não menos familiares que os precedentes, e direta- semioticista, interpretações globais com carácter
veis as fronteiras entre o “ corporal ”, o “ afetivo ” e o sobre o encontro midiático enquanto experiência mente relevantes para uma crítica política da mídia, unívoco e definitivo.
“ cognitivo”? vivida, alicerçada na co-presença em ato, ao vivo poucos, até hoje, prestaram-lhes a atenção requerida.
Perto de nós, uns fazem a aposta que estamos dei-
(ainda que “  mediatizada  ”), dos actantes da enun-
Contudo, na sua maioria, os estudos semióticos Daí que fique por investigar, primeiro, os papeis xando o triste reino das regularidades e da raciona-
ciação20. Outro questionamento concerne a emer-
sobre mídia ainda seguem privilegiando a dimen- do regime interacional da programação no conjunto lidade estratégica característica da “ modernidade ”
gência de formas de sentido configuradas pelo que
são manipulatória. Partindo do postulado banal das mídias. Da mesma forma que os precedentes (o que chamamos de constelação da Prudência
chamamos de interação “ por contágio ”21. Para ope-
que a comunicação jornalística, televisual, política, regimes estavam sustentados, respectivamente, pelos — programações e manipulações) e que, ao risco
racionalizar a abordagem dessa vertente dos proces-
publicitária propaga valores e inventa o que puder princípios de intencionalidade e de sensibilidade, o da (assumido ?) do acidente, estamos desde já entrando
sos comunicacionais, existem, além das ferramentas
para fazer crer nelas e, afinal, “  fazer fazer  ” (fazer programação alicerça-se na regularidade. Definimos na esfera feliz da Aventura (ajustamentos e assenti-
proporcionadas pela tradicional gramática narrativa
votar, comprar, agir, etc.), o empenho dos analistas essa noção como a constância das relações entre inte- mento) : visão otimista do bios da experiência sensí-
e discursiva, outros instrumentos descritivos  : os
tem sido sobretudo desmontar os dispositivos arru- ractantes, baseada seja em leis de causalidade, seja vel que, graças às tecnologias mais avançadas (quer
da Semiótica plástica atada à exploração do dimen-
mados com esses fins pelas instâncias produtoras. A (o que mais nos interessa) em constrangimentos de dizer, derivadas, pela maior parte, da pesquisa mili-
são estésica das relações que o sujeito entretem com
Semiótica, como metodologia, oferece instrumentos ordem sociocultural que podem apesentar-se como tar norte-americana), supostamente nós espera. É
seu ambiente22. As novas tecnologias tendo criado
eficazes para trabalhar neste sentido, uns “  narrati- regras, hábitos, rituais ou outros estereótipos com- necessário ser pessimista para fazer a aposta inversa ?
espaços nos quais se confirma, sob outras formas, a
vos  ”, decorrendo da gramática actancial e modal, portamentais. Conforme esse princípio, base de toda — Independentemente das convicções pessoais,
relevância dessa dimensão “  presencial  ” da mídia,
214 outros “ discursivos ”, concebidos para dar conta das
só podemos concordar com a insistência de Muniz
previsão, o regime da programação é o da rotina, da seria difícil justificar semioticamente tanto uma 215
estratégias enunciativas. A crítica evidente que se maior segurança nos relacionamentos com outrem e quanto outra opção, tão indissociavelmente conec-
Sodré sobre a necessidade de aprofundar seu estudo.
pode fazer é que semelhante problemática restringe com o ambiente, mas, ao mesmo tempo, potencial- tados são os fatores em jogo. O que é, por exemplo,
a concepção da comunicação a formas de imposição Todavia, quer se trate de abordagens semióti- mente, o do maior controle sobre os indivíduos e os um acidente, senão uma mistura de regularidades (as
unilateral mais ou menos habilmente escondidas, cas, quer das problemáticas desenvolvidas do lado coletivos. Além das ilusões suscitadas pelas promes- de ordem social que guiam o pedestre apressado na
razão pela qual analisá-las naquela perspectiva equi- da Comunicação, pretender dar conta das práticas sas da “ interatividade ”, a mídia contemporânea leva calçada) e de aleatoriedade (a que, no teto, determina
vale a desmistificar, a não ser que seja a denunciar: midiáticas recém aparecidas somente com o tipo de essa ameaça também, já mais que esboçada. o momento e o trajeto da caída da telha) ? No cho-
“ Atrás dos semblantes de transparência, de diálogo, instrumentos que acabamos de evocar seria deixar que entre os dois, os regimes mais opostos — rotinas
Tampouco podemos ignorar o último regime.
de ajustamento, veja a manipulação ! ” de lado outros aspectos essenciais do objeto. Além e acaso — se entendem como cúmplices. De modo
Diametralmente oposto ao da regularidade progra-
mais geral, na rede interacional, o que podemos jul-
Mudando a perspectiva, deixando de lado a figura mática, pois fundado no princípio da aleatoriedade, é
gar o melhor sempre pressupõe ou implica, possibi-
do grande Manipulador omnipresente, um pequeno 19  Cf. J. Ciaco, A inovação em discursos publicitários : comunicação, o regime do assentimento, resignado ou entusiasta, ao
semiótica e marketing, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2013  ; lita ou mascara seu contrário, deixando a forma do
número de pioneiros abriu, todavia, outras pistas teó- L. Pessôa, Narrativas da segurança no discurso publicitário, São Paulo, evento acidental, imotivado, imprevisto e imprevisível
devir essencialmente problemática.
ricas, antecipando a noção de ajustamento com seu Editora Mackenzie, 2013 ; J.-P. Petitimbert, « Entre l’ordre et le chaos : num mundo visto como dramaticamente caótico ou
la précarité comme stratégie d’entreprise
  », Actes Sémiotiques, 116,
caráter constitutivamente mútuo18. Paralelamente, 2013 (http://epublications.unilim.fr/revues/as/1437).
puramente lúdico, mas, em todo caso, sem constantes Então, se no fluxo da vida tiver ao menos uma
a respeito da mídia, partindo da constatação de que que permitam o controlar, nem simplesmente fixar a constante, qual poderia ser, a não ser a complexi-
20  Cf. Y. Fechine, Televisão e presença. Uma abordagem semiótica
“  comunicar  ” não se limita a transmitir “  do alto dos gêneros informativos, São Paulo, Estação das Letras e Cores, 2008 ; própria identidade e a posição dentro dele enquanto dade? Não seria o estudo dela, afinal, o verdadeiro
A.C. de Oliveira, « As interações discursivas na comunicação midiá- “ esfera existencial ”. Dadas as formas de encontro, os terreno comum para uma interação produtiva entre
tica : estesia e experiência », Revista Latinoamericana de Ciencias de la
Comunicación, 1, 2009. modos de relacionamento, os estilos de vida que favo- nossas disciplinas?
17  Cf. « Le temps partagé de la danse », Passions sans nom, op. cit., recem ou impõem os desenvolvimentos da mídia con-
pp. 171-177 ; « L’épreuve de l’autre », Sign Systems Studies, 34, 2, 2008. 21  «  Além ou aquém das estratégias, a presença contagiosa  », São
Paulo, CPS Editora, 2005 ; « Diana, in vivo », Galáxia, 2, 2001 ; A.C. de temporânea, esse regime parece-nos também impreg- Referências
18  Cf. A.J. Greimas, «  Semiótica figurativa e semiótica plástica  », in Oliveira, « O Jornal como experiência sensível », Revista da ANPOLL,
A.C. de Oliveira (org.), Semiótica plástica, São Paulo, Hacker, 2004 ; id.,
nar fortemente nosso bios globalizado.
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tico », in Semiótica plástica, op. cit. ; J.-M. Floch, Lecture de Tintin au 22  Cf. A.C. de Oliveira (org.), Semiótica plástica, São Paulo, Hacker, Temos assim uma rede de configurações interco-
Tibet, Paris, PUF, 1997 ; E. Landowski, « Viagem às nascentes do sen- 2004 ; E. Landowski, R. Dorra, A.C. de Oliveira (orgs.), Semiótica, este- nectadas, uma sintaxe geral da interação. A lógica Paulo, Edunesp, 1996
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