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Resumo
Em texto preparado para o Congresso Mundial de Psicologia (Beijing, China, 2004), a International Union of Psychological Science
informou que havia aproximadamente meio milhão de psicólogos no mundo. Atuando em diversos contextos, vão longe os tempos em
que a sua atuação, nos países desenvolvidos, se limitava às áreas clínica, educacional e organizacional. Nas últimas décadas os
conhecimentos expandiram-se vertiginosamente, demandando contínua atualização. No Brasil, que hoje tem mais de uma centena de
cursos, nos quais se formam mais de cinco mil psicólogos anualmente, é preocupante constatar que o que se ensina, aprende e pratica não
parece refletir os altos padrões de qualidade, o estado atual da arte e a multiplicidade dos progressos ocorridos nas últimas décadas. Serão
destacados alguns indicadores das limitações da Psicologia entre nós e algumas providências que precisam ser tomadas, para que os
atuais e futuros psicólogos brasileiros tenham domínio dos conhecimentos e habilidades de que necessitam.
Abstract
In a paper prepared for The World Congress of Psychology (Beijing, China, 2004), The International Union of Psychological Science
informed that there were approximately half a million psychologists in the world. Working in various contexts, it was gone the time in
which their field of expertise, in developed countries, was limited to clinical, educational and organizational Psychology. In the last
decades knowledge has greatly expanded which demanded constant actualization. In Brazil, where there are more than a hundred
Psychology courses, that graduate more than five thousand psychologists a year, it is worrying to verify that what is taught, learned and
practiced does not reflect the high standard, the state of the art and the multiplicity of progress that has been gained in the last decades.
Some indicators of the Psychology limitations among us will be highlighted and the measures that have to be taken for the current and
future Brazilian.
*
Doutor; Instituto de Psicologia da USP; Academia Paulista de Psicologia.
Contato: pna@pna.com.br
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Brasil, com não poucos desafios, perplexidades e latino-americanos, do mundo inteiro, enfim.
motivos de preocupação com a nossa área do Inacreditável. Pior ainda, isto para mim esconde
conhecimento humano e a nossa profissão. É um vezo totalitário, fascistóide, primário e
penoso e pasmoso o contraste entre o estado de arrogante em pleno século 21. Isso não está
coisas existente em nosso país e o que se constata acontecendo em Cuba, nem na Rússia, nem na
lá fora, notadamente nos países mais China continental.
desenvolvidos. Há dois anos, estimava-se em mais Em palestra recente referi-me às sete
ou menos meio milhão o numero de psicólogos pragas que, tal como na história bíblica, assolam a
existentes no mundo. Há dez anos, tínhamos cerca Psicologia, no Brasil. Falei também do
de cem mil psicólogos no Brasil. Estima-se que por Efebepeapá, o festival de besteiras psicológicas
volta de 2010 teremos algo em torno de 230 a 250 que assolam o país, parodiando a famosa frase de
mil psicólogos, se forem mantidos os atuais “Estanislau Pontepreta”, o saudoso humorista
números de cursos e conclusões de curso de Sérgio Porto. Praga ou besteira, a primeira delas é
Psicologia em funcionamento no país. Para uma indubitavelmente essa nossa recusa em aceitar,
população projetada de 196 milhões de brasileiros como profissionais ou pesquisadores, que a
no ano de 2010, teremos um ou dois psicólogos Psicologia é ciência por excelência, e a ciência por
para cada mil habitantes. É bom não esquecer, definição é universal, não pertence a nenhum país
todavia, que uma parte expressiva dos 250 mil em particular.
psicólogos previstos para 2010 não atuarão em Mas há um punhado de outros problemas.
atendimento de pessoas que necessitem de serviços Como me referi às sete pragas, limitar-me-ei às
de natureza psicológica, mas como professores e outras, seis, embora sejam em maior número. A
pesquisadores, como colaboradores em múltiplas segunda é o descompasso que se observa entre o
outras áreas de atividades, ou que, tal como se que está sendo ensinado e aprendido em grande
observa atualmente, dedicar-se-ão a outros campos número de cursos de Psicologia e o que
de atuação, como administradores, no serviço corresponde ao atual estado da arte. Causa espanto
público, nos negócios etc. Numerosos psicólogos ao observador estrangeiro ver como o que se ensina
que conheço não fazem nem ensinam Psicologia. e se aprende entre nós, em muitas escolas, de
Ainda assim, o contingente de psicólogos nenhum modo reflete a Psicologia de hoje em dia,
existentes no país agora e em futuro próximo é no que respeita aos conteúdos, às práticas, à
inegavelmente um dos maiores do mundo. Nas fundamentação séria e contemporânea nos
Américas, perdemos apenas para os Estados resultados de milhares de pesquisas. Conquanto a
Unidos. Causa, portanto, profunda estranheza a generalização deva sempre lembrar que felizmente
constatação de que o Brasil não pertence à única há exceções à regra, basta correr os olhos pela
associação que integra os psicólogos do mundo literatura em língua portuguesa para constatar
inteiro, a IUPsyS, International Union of como estamos longe de corresponder ao que
Psychological Science, de que fazem parte setenta mencionei antes, ao estado atual da arte no
países, tanto os países mais desenvolvidos como os contexto internacional. Preocupa constatar que
países emergentes e algumas nações pobres. Há parte considerável do que se ensina e se aprende é
psicólogos de dez países latino-americanos na na verdade história de Psicologia. Apenas uns
IUPsyS, como Argentina, Chile, Colômbia, Cuba, poucos exemplos. É como se Freud fosse nosso
República Dominicana, Peru etc., mas nós contemporâneo, e não o estudioso que nasceu em
brasileiros não estamos lá. No Congresso Nacional 1851 e viveu até as primeiras décadas do século
da IUPsyS realizado em 2003 na China passado, como se um Piaget ou um Vygotsky não
Continental, a ausência do Brasil surpreendeu e foi fossem igualmente cidadãos do século 19, e assim
estranhada por muita gente. Em 2008 teremos em por diante. Por mais respeitáveis que tenham sido
julho o 29º. Congresso Internacional de Psicologia as contribuições desses personagens da história da
promovido pela IUPsyS em Berlim, na Alemanha, Psicologia, não tem cabimento agarrarmo-nos
mas, tanto quanto estou informado, até agora não teimosamente a esse passado distante e fecharmos
consta a participação do Brasil. Lamentável. os olhos, os ouvidos e a inteligência ao
Lamentável e vergonhoso. Como o avestruz da monumental acervo de resultados de pesquisas e
fábula, que esconde a cabeça na areia para não ver teorizações a estas ligadas que data dos últimos
o que está se passando, a Psicologia brasileira cinqüenta anos. Não me entendam mal, por favor.
continua com sua cabeça mergulhada na areia, Longe de mim deixar de reconhecer a importância
como se o conhecimento, o ensino e a prática de de uma sólida fundamentação histórica para nós
Psicologia não existissem lá fora e como se não todos. Autor que sou de livros e estudos dessa
tivessem nenhum interesse para nós as natureza, como o recente História da Psicologia no
contribuições originadas da América do Norte, da Brasil, obra que fiz em co-autoria e editada por
Austrália, da Europa, do Oriente, dos demais países Antunes (Eduerj & CFP, 2004), ser-me-ia
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uns poucos, os mais afortunados da sociedade. Que estimulada pelos professores; fingimos não saber
precisamos ter, no mínimo, um psicólogo em cada que noventa por cento dos textos relevantes e
escola, do berçário, do maternal e do jardim à pós- atuais são publicados em inglês; são complicados
graduação. Que deve obrigatoriamente haver um ou difíceis o acesso à internet e a cópia de textos;
ou mais de um; muitos psicólogos em cada unidade faltam obras de referência essenciais etc. Está na
ligada à área de saúde; em cada posto, em cada hora de mudar este estado de coisas, que redunda
hospital. Que a presença e atuação do psicólogo em desinformação e despreparo de futuros
deve ser obrigatória em estabelecimento de profissionais.
atendimento à terceira idade. Que todas as Sétima praga: a imagem pública da
empresas com uma centena ou mais de empregados Psicologia deixa muito a desejar. Pouco ou nada
precisam contar com o psicólogo. Que o psicólogo tem sido feito no sentido de vulgarizar junto à
é imprescindível no aparelho jurídico e correcional, população, por meio de impressos simples,
nos clubes e centros de lazer, esportes, recreação e material audiovisual, palestras etc., informações
atividades físicas. E assim por diante. Obviamente confiáveis sobre o que é Psicologia e o que são os
isto demanda uma corajosa, demorada e séria, psicólogos, textos de caráter preventivo quanto a
drástica, revisão de currículo, disciplinas, transtornos mentais, orientação para pais e assim
programas e atividades nos cursos de Psicologia, por diante, ao contrário do que se constata em
coerente, é bom repisar, com o melhor estado da outros países.
arte, em sintonia com o que de melhor se faz lá Há alguns anos, em palestra que fiz,
fora nesse sentido. referi-me ao que denominei “rumo a 2010: por uma
Eis, pois, a nossa terceira praga. Psicologia mais psicológica”. Creio que continuam
Esbravejamos, criticamos, reclamamos, atuais as recomendações que fiz naquela ocasião:
politicamo-nos, ideologizamo-nos, com pouca ou Investir rigorosamente no conhecimento
nenhuma preocupação com a ampliação das nossas científico e nas práticas apoiadas em validação
áreas de atuação, com o nosso mercado de empírica [EST, “Empirically Supported
trabalho. Treatments”, na área clínica].
Restam quatro pragas. Como me estendi Proporcionar aos estudantes uma visão
sobre as três primeiras, farei um breve aceno sobre atual abrangente e rigorosa (“estado de arte”) da
estas outras, embora certamente merecessem um pesquisa e da teorização científicas.
extenso tratamento, impossível de ser feito aqui e Superar o quadro preocupante de penúria
agora. A praga número quatro, talvez a mais grave e primarismo metodológico dominante no país,
de todas, é a perda de identidade. Psicólogo não é quanto à criação de novos conhecimentos:
assistente social. Não é político. Não é sociólogo, laboratórios, equipamentos, testes e outros
nem antropólogo. Não é médico. É pura e instrumentos de medição psicológica, livros
simplesmente Psicólogo. Pior ainda: não é farsante importados, “journals”; utilizar intensamente e
que ilude incautos e basbaques com pseudociência, extensamente os computadores e as facilidades
tarô, florais de Bach, pseudoterapias de vidas oferecidas pela internet e pela mídia em geral.
passadas, prescrições de medicamentos, mensagens Buscar sintonia com o panorama atual da
do além, sortilégios e orientalismos e espertos. Psicologia no mundo.
Uma rosa é uma rosa, e psicólogo é psicólogo. Se Disseminar intensa e extensamente
não tomarmos cuidado, mergulharemos numa crise informações psicológicas destinadas aos cidadãos
de identidade profissional que não tem tamanho. em geral, como antídoto para pseudociência,
Quinta praga: superficialidade, tolices, charlatanismo, crendices e superstições
primarismo, abuso de jargão, de clichês, de rotulados, muitas vezes, como, p. ex., “terapias
fórmulas gastas, adoção de um simplismo alternativas”.
estarrecedor perante essa incrível complexidade Empenhar-se pela expansão do mercado
que é cada ser humano com seu comportamento e de trabalho para recém-formados, com medidas
sua vida mental. Uma Psicologia madura, adulta, concretas, “lobbies”, divulgação etc.
competente e responsável não pode tolerar certas Melhorar e ampliar em larga escala as
psicologias de gibi que campeiam por aí. fontes escritas do conhecimento psicológico em
Sexta praga: as condições de língua portuguesa.
funcionamento de numerosos cursos de Psicologia Estimular e fortalecer laços
existentes no país estão longe de ser satisfatórias. interdisciplinares com outras ciências, sem
Há instalações precárias. Há bibliotecas com desvirtuar a Psicologia.
penúria de livros atuais e de conteúdo confiável; Adotar padrões mais estritos de
faltam os periódicos internacionais de maior profissionalismo competente e ético.
importância; a freqüência à biblioteca não é
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