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JK
O PRESIDENTE
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13 roteiros mágicos
De volta para o futuro
JK - O presidente - roteiro de quase um livro

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Luiz Carlos Maciel

JK
O PRESIDENTE
ROTEIRO DE UM QUASE FILME

Colaboração
Maria Luiza Ocampo
Copyright © 2006 Luiz Carlos Maciel

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada


ou reproduzida, em qualquer meio ou forma,
seja digital, fotocópia, gravação etc., nem
apropriada ou estocada em banco de dados,
sem a autorização do autor.

Capa
Rachel Braga

M152

Maciel, Luiz Carlos, 1938-


JK O Presidente: roteiro de um quase filme / Luiz Carlos Maciel;
colaboração de Maria Luiza Ocampo .– Rio de Janeiro : Booklink, 2006.
188p. ; 21cm.

ISBN: 85-7729-003-4

1. Cinema – Brasil – Roteiros. 2. Roteiros cinematográficos. 3. JK O


Presidente (Roteiro cinematográfico). 4. Kubitschek, Juscelino, 1902-1976.
I. Ocampo, Maria Luíza. II. Título.
CDD 791.4

Editor
Glauco de Oliveira

Direitos exclusivos desta edição:


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Fone 21 2265 0748
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Introdução

Um belo dia, estando eu posto em sossego, adentraram por


minha porta dois homens de cinema, Nei Sroulevich e Marcelo
França. Falaram do projeto de fazer um longa metragem sobre
a vida de Juscelino Kubitschek e perguntaram se eu gostaria de
escrever o roteiro.
Foi em 2003. Aceitei a tarefa com entusiasmo. Comecei a
ler vorazmente todos os livros disponíveis sobre o assunto, in-
clusive os do próprio JK. Ainda no começo dessa leitura, sub-
meti aos produtores um curto esboço (Anexo 1) para servir de
semente ao futuro roteiro e fizemos uma pequena reunião, nós
três mais Claudia Furiarti.
Ficou claro, nessa reunião, que de todos os ângulos dos quais
a história de JK poderia ser vista, o mais importante era o polí-
tico. Embora de espírito conservador, talhado conforme as tra-
dições da política brasileira, JK era não só um administrador
dinâmico e realizador, como acabou por se revelar, como presi-
dente, um estadista lúcido e corajoso. Percebemos, também,
que depois de uma épica ascensão até o posto mais alto da
República, JK viveu os momentos mais dramáticos de sua vida
em conseqüência do golpe militar que depôs o presidente João
Goulart e instalou um regime autoritário que durou mais de
duas décadas. Interrogado, insultado, desrespeitado de todas as
maneiras possíveis, Juscelino percorreu um verdadeiro calvário,
durante o qual se distinguiu pela paciência, firmeza e força de
seu espírito. Percebemos, finalmente, que o maior mistério de
toda a sua trajetória foi o momento final – a sua morte, até hoje
envolta num véu impenetrável de dúvidas e suspeitas.
Teoria da conspiração? Sim, por que não? Ridicularizar sus-

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peitas razoáveis porque são consideradas inconvenientes para
o Sistema, é uma prática comum no curso da ostensiva deca-
dência do Ocidente que se desdobra diante de nossos olhos
perplexos. Esse apelido de “teoria da conspiração”, a insinua-
ção de que os indícios de uma ação deliberada não passam de
uma fantasia ridícula de pessoas mal intencionadas, é a mano-
bra costumeira usada, aqui e em outros países, para encobrir
fatos desconfortáveis e deixar que caiam no esquecimento –
manobra que é freqüentemente bem sucedida, como o foi no
caso da morte de JK. Até hoje, a mídia do Sistema insiste, como
no caso de Kennedy e tantos outros, que o suposto atentado
não é um “fato histórico”, nunca foi “provado”, apesar dos in-
dícios apontados, etc. No entanto, esses indícios, de que há
fogo real na origem dessa fumaça, continuam teimosamente a
desafiar a consciência de nosso tempo. A chamada era da infor-
mação encobre, no fundo, a mais profunda e torpe desinforma-
ção. Na verdade, não sabemos direito sobre nada do que acon-
tece e ainda nos falam, cinicamente, de “sensatez”, talvez com
o objetivo de preservar as cortinas de fumaça que encobrem os
fatos. O que é realmente sensato no caso de JK?
Dos inúmeros livros que li sobre JK, um dos mais sensatos,
que se tornou o maior credor de sugestões decisivas para o meu
roteiro, foi A morte de JK, de Paulo Castelo Branco, advogado
que investigou a fundo as circunstâncias do suposto acidente
que matou Juscelino – e concluiu a favor da tese de que o even-
to foi efetivamente um atentado planejado e executado por se-
tores interessados em evitar que a sua enorme popularidade o
reconduzisse à Presidência na primeira experiência histórica em
que tivéssemos eleições diretas. O prêmio para o crime foi a
eleição de Collor que, aliás, deu no que deu.
Pessoalmente, considero ingenuidade ou má fé supor que o
poder efetivo do Sistema, dominado pela necessidade de de-
fender seus interesses, sequer hesite em matar quem quer que
seja, especialmente aqueles que julga atrapalhá-lo de algum

6
modo. O postulado da implícita pureza ou santidade de uma
máquina desumanizada, regida por fetiches – que é, no míni-
mo, em sua essência, produto e fonte de alienação –, é uma
idéia simplesmente ridícula.
Quando finalmente terminei o primeiro tratamento do ro-
teiro, Nei o leu e cortou a primeira parte que tratava da infância
e da juventude do personagem. Argumentou que eu parecia ter
esquecido que o foco do filme seria no elemento político – e
que, portanto, ele sugeria que a história começasse logo quan-
do JK já é governador de Minas Gerais e Getúlio Vargas é o
novo presidente do Brasil. Era um corte considerável, de quase
vinte páginas (Anexo 2).
Embora eu estivesse sensatamente convencido de que fize-
ra apenas um primeiro tratamento, Nei resolveu que já era o
bastante para iniciar a produção. A questão como sempre era o
dinheiro cujas fontes, contudo, ele dizia já ter assegurado. Foi
nesse momento que a morte o levou, de maneira súbita e sem
sentido, roubando do cinema brasileiro um de seus produtores
mais importantes.
Em homenagem à memória de Nei, decidi publicar esse pri-
meiro tratamento na forma para a qual ele contribuiu de modo
decisivo. Isso naturalmente não impedirá que o roteiro seja tra-
balhado, em novos tratamentos, até ser eventualmente trans-
formado em filme. Mas eu só o farei no caso de surgir um novo
produtor, com uma visão semelhante à de Nei, que estiver dis-
posto a empurrar o projeto para frente. Tenho a doce esperança
de que isso ainda aconteça. Outros projetos tratando do tema
JK foram feitos depois – pelo menos um longa-metragem e uma
minissérie para televisão – mas não adotam nosso ângulo de
visão do tema – o que preserva intacto o nosso trabalho para
uma possível materialização cinematográfica.
Quem se habilita?

Luiz Carlos Maciel

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Para Nei Sroulevich,
in memoriam
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Ext. – Estrada/Restaurante – Dia

Dia 22 de agosto, domingo.


Amanhecer.

Uma carreta Scania Vabis pára junto de um bar de beira de


estrada.
O motorista salta e entra no bar.

Int./Ext. – Bar de beira de estrada – Dia

João, motorista do Scania, engole o café, paga a conta, sai do


bar de beira de estrada. Acena para outros motoristas no bar.

João
Tchau, pessoal! Vou pra São Paulo!

Embarca, arranca.

Ext. – Estrada/Via Dutra – Dia

Scania na estrada. Relógio de pulso do motorista João marca as


horas.

Placa indica “Via Dutra”.


Carreta Scania Vabis pega a Via Dutra, na direção de São Pau-
lo.

Corta para:

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Ext. – Rodoviária – São Paulo – Dia

Severino está na direção do ônibus – Dinossauro da Cometa –


para o Rio de Janeiro. Os passageiros estão entrando.
Paulo e Cid estão na fila para entrar.

Paulo
Esse atraso vai ferrar comigo!

Cid
Meia hora já!

Paulo
Vamos falar pra esse motorista agilizar, não é?

Cid
Ele tem de cumprir o horário!

Paulo
Tirar o atraso!

Cara de Severino mal humorado.

Severino
Vai todo mundo chegar no horário, podem dei-
xar! Os outros é que atrasam e sobra tudo para
mim!

Relógio da Rodoviária marca a hora – 4 horas.

Ext. – Estrada Via Dutra – Interior fluminense – Dia

O roceiro Gaudêncio e seu neto José, de sete anos, caminham


até uma escola municipal perto da estrada. Há uma fila na por-
ta.

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José
Vô, esse sapato tá me machucando.

Gaudêncio
É que é um pouco mais grande que teu pé, o
sapato era do teu irmão. A gente põe umas pe-
drinhas prá apertar depois. Vamos logo lá na
escola, já tá pertinho, tem que saber se agora
tem vaga pra você estudar.

Os dois param perto da fila. Gaudêncio entra na escola e deixa


José esperando no final da fila. João fica chutando pedrinhas e
escolhe algumas para colocar no sapato. Gaudêncio volta.

Gaudêncio
Mas que porcaria! Acabou as senhas!

José
E agora, não vou poder estudar?

Gaudêncio
Não, vamos andar até a outra escola.

José
Ah, mas é longe e eu tô cansado, meu pé tá
doendo!

Gaudêncio
Vamos, vamos. A gente pára lá na vendinha.

Gaudêncio puxa o neto pela mão. Andam até uma venda na


beira da estrada.

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Ext. – Venda – Beira da Dutra – Dia

Gaudêncio entra com o seu neto. José senta e tira os sapatos.


Gaudêncio vai para o balcão.

Gaudêncio
Dá uma pinga e um refresco pro menino.

Ext. – Baixada fluminense – Dia

João arruma sua carreta. Vê o motor, as rodas. Olha o carrega-


mento.

João
(alto) Tô indo pra São Paulo levar esta carga.
Volto amanhã.

Ext. – Opala – Via Dutra – Dia/Noite

Imagens do Opala na Via Dutra.


Tráfego intenso, barulho ensurdecedor.

Cortes descontínuos. A tarde cai.

Dentro do carro, JK – recostado em travesseiro no banco de


trás do carro – consulta o relógio: seis horas. Detalhe do reló-
gio, marca Robert Cart.

De repente, um clarão. O Opala atravessa para a pista em sen-


tido contrário, choca-se com a carreta Scania Vabis, pega fogo.
Planos rápidos, intensos.

A Polícia Rodoviária chega ao local do acidente, policiais apa-


gam o incêndio com extintores, depois usam lanternas e exami-
nam o interior do carro.
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Há dois corpos dentro do carro. Um policial rodoviário aproxi-
ma-se de um dos corpos e procura seus documentos e ilumina
uma carteira com a lanterna.

Detalhe da carteira de identidade de Juscelino Kubitschek de


Oliveira.

Documentário

Imagens documentais de arquivo. As manchetes. Jornais, rádio,


televisão – e o povo em geral.

No Rio, o povo acompanha o caixão até o aeroporto. O enterro


de JK – o povo canta o Hino da República, “liberdade, abre as
asas sobre nós”.

Narrador (off)
(texto que abre o filme!)

A morte de JK e seu significado. A dimensão de JK na História


do Brasil.

Primeiro texto off termina evocando as grandes realizações dos anos JK.

Créditos de abertura

Sobre imagens das grandes realizações dos anos JK – Brasília,


Furnas, usinas, fábricas, estradas, automóveis, etc.
Música: “Peixe Vivo” em grande arranjo orquestral.

Ext./Int. – Casa de Juscelino criança/rua de Diamantina

Silêncio. Ruído dos passos na pedra.


Passa o féretro do pai de Juscelino pelas ruas da cidade, dona
Julia o acompanha. O caixão e seus acompanhantes passam
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diante da casa de Juscelino. Naná está na janela. Dona Julia
olha para Naná com um sorriso triste e carinhoso. Naná se vol-
ta para dentro da casa.

Naná
Nonô, vem ver o enterro de papai!

Um menino de três anos chega na janela. Close dele.


Close de dona Julia, mãe das crianças, que acompanha o féretro.
Instantes, mãe e filhos. Dona Julia não resiste e surge em seu
rosto um sorriso triste para o filho.

Ext. – Descampado em Diamantina – Noite

Céu estrelado.
Nonô – ao lado de dona Julia – contempla o céu estrelado.

Dona Julia
Sabe de uma coisa, Nonô? Nosso destino está
escrito nas estrelas. Nossos antepassados ciga-
nos sabiam muito bem disso. As estrelas sabem
o nosso futuro, filho. Elas aparecem no céu da
noite para que a gente possa saber também.

Juscelino criança
Meu futuro também, mamãe?

Dona Julia
O de todo mundo, querido.

Juscelino criança
Olha lá minha estrela, mamãe.

E Nonô aponta uma estrela com o dedo.

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Juscelino criança
Sabe o que a minha estrela está me dizendo, mãe?

Dona Julia
O quê?

Juscelino criança
Que um dia hei de ser prefeito!

Mãe e filho riem, divertindo-se muito.

Ext. – Palácio do Governo – Minas – Dia

Ruas de Belo Horizonte na época.


JK chega ao Palácio do Governo de Minas no carro dirigido por
Geraldo.

Narrador (off)
1945. Acaba a ditadura de Getúlio Vargas, que
durou 15 anos. Ele é deposto e o General Dutra
é eleito presidente.
1950. Juscelino Kubitschek é eleito governador
de Minas. Ao mesmo tempo, Getúlio Vargas
volta à presidência, eleito pelo voto popular.

O carro se aproxima e, antes de saltar, JK comenta com Geral-


do:

JK
Sinto que nada mais poderá me deter, amigo.
Serei o próximo presidente do Brasil. Como mi-
nha mãe dizia, está escrito nas estrelas. Mas o
caminho não vai ser fácil, terei de enfrentar obs-
táculos terríveis.

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JK desembarca e entra no palácio para o seu primeiro dia de
trabalho como governador. Corta direto para Lacerda.

Int. – Estúdio de rádio

Apresentação de Lacerda. Abre na sua perna engessada.


1954. Lacerda faz, diante de um microfone radiofônico, uma
de suas mais violentas diatribes contra Getúlio que havia sido
eleito em 1950. Houve o atentado da Toneleros, com a morte
do major Vaz; Lacerda pede a deposição de Vargas.
Ele é ouvido por toda parte.

Lacerda (com o pé no gesso)


Esse ditador e seus asseclas foram longe demais.
Há um verdadeiro mar de lama nos porões do
Palácio do Catete. O atentado vil que tirou a
vida de nosso heróico major Rubens Vaz deve
ter uma resposta à altura de todos os homens de
bem deste país, principalmente os militares.
Getúlio Vargas tem de ser apeado do poder.

Int. – Biblioteca – Dia

Reunião de militares. A maioria é da Aeronáutica, mas também


há os da Marinha e do Exército. Eles ouvem as últimas pala-
vras do discurso de Lacerda.

Militar 1
Não se pode negar que tudo o que Lacerda diz é
verdade!

Militar 2
Mas não podemos esquecer que Lacerda foi um
comunista notório. Será que merece confiança?

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Militar 1
Foi comunista, agora é um dos nossos. Tem a
minha confiança pessoal e a de todo o meu gru-
po.

Militar 3
Nós, na Aeronáutica, já decidimos aceitar a sua
liderança.

Militar 4
Não há mais dúvidas no meu espírito. Temos de
derrubar Getúlio.

Militar 5
Vamos derrubar Getúlio!!!

Documentário

Som de um tiro!
Imagens do suicídio de Getúlio. (Quem sabe a leitura da Carta
Testamento.)

Int. – Boliche – Dia

Detalhe de bola derrubando, com grande estrépito, todos os


pinos, vista por trás.
O jogador é Lacerda, que comemora socando o ar e soltando
um urro.

Voz (off)
Carlos, chegou a hora, Carlos...

Int. – Estúdio de rádio – Dia

Lacerda pisca os olhos, acorda de seu sonho na vigília, sua fan-


tasia.
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Sorri, levanta-se, chega junto ao microfone.

Lacerda
A morte de Getúlio não livrou o Brasil dos aven-
tureiros. A candidatura de Juscelino Kubitschek
à presidência da República é a prova disso. O
senhor Juscelino não deve ser candidato. Se for,
apesar de tudo, candidato, não deve ser eleito.
Se for eleito, não deve tomar posse. Se for em-
possado, deve ser deposto.

Não podemos permitir que um homem, que tem


ligações com o pior de nossa história republica-
na, como Juscelino, tome o poder. Trata-se de
mais um demagogo dedicado a iludir as massas
ignorantes. Mas os homens lúcidos deste país
não permitirão a sua vitória!

Ext. – Pátio da Aeronáutica – Dia

Pouso de um caça da FAB na pista de Jacareacanga, Pará.


O avião se aproxima do hangar.
Oficiais fazem uma manifestação política junto da pista.

Oficial
Contra a posse de Juscelino! Fora JK!

Oficiais
Fora JK!!! Fora JK!!! Fora JK!!!...

Ext. – 1955 – Ruas do Rio – Dia

Juscelino é aclamado nas ruas como presidente.


Anda de carro aberto, cumprimentando a todos.

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Povo
Viva JK!!! Viva JK!!! Viva JK!!!....

Lacerda (off)
Não queremos que a corrupção domine nosso
país. Não queremos que os comunistas tomem
o poder em nosso país. Em outras palavras: não
queremos que Juscelino seja o presidente de
nosso país! E não vamos permitir uma coisa
dessas!!!

Int. – Estúdio de rádio – Dia

Lacerda no estúdio da rádio, exaltado. Close na boca de Lacer-


da.
Lacerda
Os brasileiros que têm o poder de evitar essa
desgraça têm também o dever de usar esse po-
der! Ter Juscelino Kubitschek como presidente
é um verdadeiro castigo que o povo brasileiro
não merece!

Ext. – Ruas – Rio – Dia

Juscelino é aclamado nas ruas como presidente. Anda de carro


cumprimentando a todos.

Povo
Viva JK!!! Viva JK!!! Viva JK!!!....

Int. – Posse de JK – Palácio do Catete – Rio – Dia

Cerimônia no Catete com todas as formalidades de praxe.


Juscelino assume o poder, recebendo a faixa presidencial, ao
lado de Jango.

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Presentes Sarah, Maristela, 13 anos, e Márcia, 12 anos.
CAM detalha

Narrador (off)
1955. JK elege-se Presidente da República. Uma
tentativa de golpe tenta impedir sua posse. Mas
em 11 de novembro, o general Lott, com um
contra-golpe, garante a sua posse. Com o
slogan 50 anos em 5, ele inicia seu governo.

Documentário

Imagens de arquivo: Jacareacanga e Aragarças, etc.


Imagens de Roy Richard Rubottom Jr. e Foster Dulles.

Narrador (off)
JK enfrenta oposição interna e externa. Grupos
militares se rebelam em Jacareacanga e Aragar-
ças. JK anistia os rebeldes e enfrenta as pres-
sões internacionais. Emissários norte-america-
nos chegam ao Brasil para negociar.

Corta para:

Ext./Int. – Palácio do Catete – Sala da mesa oval – Dia

Uma limousine pretensiosa, com a bandeirinha norte-america-


na tremulando, cercada por batedores em motocicletas, cruza
as ruas do Rio de Janeiro.

Emissário do governo norte-americano chega ao Palácio, vigia-


do por seguranças.
Ele desembarca, entra, percorre os corredores e, finalmente,
encontra com JK na sala da mesa oval.

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Americano
O comunismo é a causa de todos os seus pro-
blemas. Eliminem o comunismo, pelos meios
necessários, e tudo se resolve. Os problemas da
América Latina são de natureza puramente po-
licial.

Juscelino
Discordo. Nosso problema é o desenvolvimen-
to econômico. Sem desenvolvimento não have-
rá democracia; sem democracia não há solida-
riedade e, sem solidariedade, não há paz nem
segurança.

Americano
É inadiável a extinção do monopólio estatal do
petróleo. Petróleo é assunto da iniciativa priva-
da. Uma companhia como a Petrobrás, nas mãos
do Estado, representa um processo de sociali-
zação comunista.

Juscelino
Nosso problema é social.

Americano
O problema de vocês é a subversão. Seu gover-
no deveria oficializar a presença da CIA no país.

Americano estende a caneta para JK.

Narrador (off)
A última petulância do norte-americano é pre-
tender que o presidente assine a nota conjunta
ao lado dele, funcionário inferior, diante dos fo-
tógrafos. JK se recusa no ato.
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JK a ignora e, sorridente, aperta a mão do americano, sem assi-
nar nada.

Int. – Salão de festas – Noite

1958. Baile de gala de fim-de-ano, black tie e vestidos dos gran-


des estilistas da época.
O grand monde do Rio de Janeiro se reúne numa oportunidade
excepcional, com a presença do presidente da República.
JK dança, com animação, com as filhas adolescentes.

O momento em que Sonia aparece e JK a vê é completamente


mágico; tudo o mais obscurece e só os dois, olhando-se, se dis-
tinguem. PV de JK, encantado com a beleza de Sonia.

Sonia e Juscelino trocam mais olhares durante a festa.

Sarah conversa com outras mulheres, é como um clube da Lu-


luzinha e do Bolinha. Juscelino está cercado de assessores, fala
com um em particular, sempre observando Sonia que circula
independente pela festa. Um dos assessores se afasta de JK e
vai para junto de Jonas Ribeiro e conversa.

O deputado Jonas Ribeiro, do PSD, conduzindo sua esposa


Sonia, aproxima-se de JK.

Jonas Ribeiro
Senhor presidente, permita-me apresentá-lo à
minha esposa, Sonia.

Juscelino
Muito prazer, dona Sonia.

Sonia
Encantada, presidente.
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JK
Como vai, deputado Jonas Ribeiro?

Jonas Ribeiro
Muito bem, obrigado, presidente. Gostaríamos
imensamente que Presidente e dona Sarah vies-
sem almoçar em nossa casa.

JK
Será um prazer.

Jonas Ribeiro
Sonia irá fazer um convite formal para dona Sa-
rah.

Sonia
Será uma grande honra recebê-los.

Sonia e JK trocam sorrisos e olhares.


Um homem se aproxima de Jonas.

Jonas Ribeiro
Com licença.

Jonas se afasta, deixando JK e Sonia momentaneamente a sós.


Discretamente, JK se aproxima de Sonia.

JK
Gostaria de ter a honra de sua presença para um
chá no Palácio do Catete.

Sonia
Sozinha?

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JK
Se a senhora quiser.

Sonia
Quando?

JK
O mais breve possível. Amanhã, por exemplo.

Sonia
Não é muito precipitado?

JK
Para que perder tempo?

Sonia
Está bem. Aceito o convite.

JK
Posso mandar buscá-la de automóvel, onde a
senhora marcar.

Sonia
Não será necessário, presidente. Eu sei o cami-
nho do Catete.

JK
Está proibida de me chamar de presidente. Meu
nome é Juscelino.

Sonia
Então não me chame de senhora. Meu nome é
Sonia.

Ext./Int. – Palácio do Catete – Dia

Sonia chega ao Palácio do Catete. Desembarca do carro, de

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óculos escuros. Chega junto da guarda e, previamente instruí-
dos, os soldados fazem-lhe os devidos salamaleques e ela en-
tra. O caminho de Sonia pelo palácio até a sala onde JK a espe-
ra. Ela entra.

Int. – Sala privada no Catete – Dia

O primeiro encontro entre Juscelino e Sonia.


JK derrama seu charme irresistível.

Sonia entra.
O presidente entra e beija a mão de Sonia.

JK
Agradeço sua pontualidade. Infelizmente nosso
chá não poderá ser demorado.

Sonia
Compreendo.

JK
Você já conhecia o palácio?

Sonia
Não, nunca estive aqui.

Entra uma funcionária, Zélia, e serve o chá para os dois.

JK
Zélia, não quero, em hipótese alguma, ser in-
comodado. Volte apenas quando eu chamar.

Zélia sai da sala.

27
Sonia
Não precisa se incomodar tanto comigo. Sei ser
discreta.

JK
Meus assessores entram e saem daqui pior que
se fosse a casa da sogra.

Sonia ri.

JK
Sabe que às vezes faço despachos enquanto es-
tou tomando banho?

Sonia
Eles ficam dentro do banheiro?

JK
Exatamente! Isso é um segredo de Estado!

Os dois riem.

JK
Tenho sempre coisas urgentes a tratar aqui.
Por isso, dependendo de nossa conversa de hoje,
acho que deveríamos marcar nosso chá em ou-
tro local.

Sonia
Certamente, senhor presidente.

JK
Você esqueceu que está proibida de me chamar
de presidente?

Sonia
Está bem: Juscelino.

28
Juscelino se aproxima de Sonia e acaricia seus cabelos e seu
rosto.

Sonia
Tenho uma casa, de uma amiga, na serra, que é
ótima.

JK
Sua amiga é da política?

Sonia
De modo algum. É uma amiga de infância, Dia-
na. A casa está fechada, Diana vai lá de vez em
quando e já me ofereceu para eu morar lá.

JK
Por quê?

Sonia
Eu e Jonas não vivemos muito bem, mas para
manter as aparências continuamos juntos.

JK
Ela quer alugar essa casa?

Sonia
Não sei, posso conversar. Mas acho até que ela
poderia se ofender se eu fizesse tal pergunta.

JK
Posso enviar Zélia para cuidar da casa para nós.
Ela é de extrema confiança.

Sonia
Está bem. Vou escrever o endereço, é só pegar
a minha agenda.
29
Sonia se afasta do presidente e busca sua agenda. Faz uma ano-
tação no papel. Juscelino se aproxima novamente dela. Ela se
vira para entregar o papel. Os dois se beijam. A cena termina
com o primeiro beijo dos dois.
Corta para o Opala.

Ext./Int. – Garagem do Palácio do Catete – Dia

Cena de apresentação do Opala no qual JK vai morrer.

Geraldo tem a surpresa de receber o carro novinho em folha. É


um presente de JK para ele continuar servindo o novo presi-
dente.

Geraldo
Linda máquina, senhor presidente.

JK
O presidente vai precisar. Os desafios que ele
enfrenta as vezes parecem impossíveis de ven-
cer. Mas ele vai vencê-los.

Int. – Casa de Sonia – Dia

Sonia arruma uma pequena mala. Jonas entra.

Sonia
O que faz aqui? Você não estava indo em via-
gem ao interior?

Sonia continua arrumando sua maleta.

Jonas
Sim, estou, houve um atraso na agenda. Vou ter
de esperar. Para onde você vai?
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Sonia
Para a casa de Diana passar o final de semana.

Jonas
Ela já não vendeu a casa?

Sonia
Não. Acho que nem está nos planos dela ven-
der aquela casa, nós passamos a infância lá.

Jonas
Onde fica mesmo?

Sonia
Ah... Araras, eu acho. Você sabe que sou péssi-
ma para localizações.

Jonas
Deixe o telefone, então.

Sonia
Lá não tem telefone.

Jonas
Quer que a leve?

Sonia
Não é preciso. Você não vai viajar também?

Jonas
Mas se você quiser eu posso levá-la!

Sonia
Não se preocupe, Jonas. Eu já havia me progra-
mado sem você estar em casa. Não vou des-
31
marcar tudo na última hora; seria uma indelica-
deza.

Jonas
Tem razão. É capaz de me ligarem a qualquer
momento.

Sonia
Quando você voltar, com certeza já estarei aqui.
Será só esta noite.

Jonas
Juscelino não vem mais. Você pode desmarcar
o almoço com os demais convidados?

Sonia acaba de fechar a mala.

Sonia
Já vou cuidar disso.

Ext. – Serra fluminense – Dia

O Opala, dirigido por Geraldo, deixa JK e Sonia numa bela


casa na serra. Eles são recebidos por uma moça da mesma ida-
de de Sonia; é Diana, a melhor amiga dela e dona da casa. Zélia
está na parte da frente do carro.

Sonia
Diana, este é o Juscelino.

Diana
Vossa Excelência, é uma honra recebê-lo.

JK
Por favor, aqui sou apenas o Juscelino. Espero
que não esteja incomodando.

32
Diana
De forma alguma. Eu terei de me ausentar por
um ano, motivo de trabalho. A casa agora é de
Sonia.

Sonia
Diana é uma pessoa de confiança.

JK
Zélia!

Zélia sai do carro e se aproxima.

JK
Diana, esta é Zélia. Ela irá cuidar de sua casa.
Ela conhece bem os meus costumes, trabalha
há muitos anos comigo.

Diana
Claro. Vou mostrar o caminho para ela.

Diana e Zélia se afastam.

JK
Por favor, Geraldo, acompanhe as senhoras com
as malas.

Geraldo sai do carro levando as maletas de JK e Sonia.

Sonia
Não quer caminhar um pouco? Aqui a vista é
muito bonita.

JK
A serra é linda.

33
JK e Sonia caminham de mãos dadas.

Seqüência de montagem muito lírica mostrando os enamora-


dos contemplando a beleza da serra, cachoeiras, etc. Música
bucólica e sentimental. Barulho de vento.

No final, JK e Sonia, carinhosamente abraçados, entram em


casa.

Ext. – Campo de pólo – Dia

Tacada certeira numa bola de pólo.


Foi desferida por Lacerda, que monta um belo e vigoroso cava-
lo.
Tropel das patas dos animais.

Int. – Redação da Tribuna da Imprensa – Dia

Lacerda na sua mesa de trabalho, de olhar perdido na sua fanta-


sia.
Entra secretário.

Secretário
Os oficiais estão aí, senhor.

Lacerda
Mande entrar.

Entram três oficiais superiores, um de cada arma – Exército,


Marinha e Aeronáutica.
Eles batem continência e trocam olhares cúmplices com La-
cerda.
Lacerda sorri, satisfeito.

34
Int. – Palácio do Catete – Sala de reunião – Dia

JK está reunido com ministros e assessores. Ele acaba de tomar


uma decisão importante e até arriscada: romper com o FMI.

Narrador (off)
Finalmente, JK rompe com o Fundo Monetário
Internacional em 1959.

Close de JK.

JK
Quanto mais me aprofundo no assunto, mais
injusta e vexatória julgo a atitude do FMI em
relação ao Brasil. Estou convencido de que seu
comportamento obedece a um esquema secreto
que tem por objetivo conservar as nações sub-
desenvolvidas na América Latina, sempre sub-
desenvolvidas. Há um gentlemen-agreement entre
as grandes potências, com o objetivo de conser-
var as nações subdesenvolvidas como simples
fornecedoras de matérias-primas. A súmula de
seu programa tem como objetivo a aniquilação
do Brasil. Decido, portanto, romper com o Fun-
do e prosseguir, sem qualquer auxílio exterior,
no meu programa de desenvolvimento. E orde-
no o retorno dos emissários brasileiros que es-
tão nos Estados Unidos.

Documentário

Imagens das grandes realizações do governo JK. Indústria pe-


sada, automóveis, etc. Futebol, artistas, Furnas, Brasília.

35
Narrador (off)
JK vira a mesa. O Brasil instala uma indústria
pesada, trocando a pequena manufatura pela
produção de aço e pela química de base, fabri-
cando equipamentos, automóveis, etc. É um
novo país, com mais energia elétrica, mais es-
tradas, mais fábricas. O Brasil deixa de ser “um
país essencialmente agrícola”, como se ensina-
va nas escolas. O Brasil vive os anos dourados
de seu governo; as mudanças se manifestam em
todos os níveis – o econômico, o social – o maior
salário mínimo da História do Brasil; o esporti-
vo – a Copa do Mundo, em 58; o cultural – bos-
sa nova, teatro, cinema novo, etc. Apesar do
rompimento com o FMI, ou graças a ele, as metas
de seu governo são atingidas – inclusive a cons-
trução de Brasília.

Int. – Estúdio de rádio – Dia

Close de Lacerda diante do microfone.

Lacerda
A promessa de Juscelino Kubitschek de cons-
truir uma cidade no Planalto Central, para ser a
nova capital do país, é um acinte ao bom senso.
Devemos nos insurgir contra mais esse absur-
do! Homens! Reajam!

Int. – Gabinete de Juscelino – Dia

Passos. Detalhe dos sapatos impecáveis.


CAM sobe e revela o almirante Alves Câmara, ministro da Ma-
rinha de JK, que entra, bate continência e se apresenta ao presi-
36
dente, comandante em chefe das Forças Armadas.

Alves Câmara
Com licença, presidente.

JK
Vou direto ao assunto, almirante. Sua responsa-
bilidade como ministro da Marinha não admite
hesitação. A situação de vários de seus oficiais
é muito delicada. O comportamento deles os
coloca numa posição de clara hostilidade ao seu
comandante-em-chefe – eu. Devem ser punidos
por uma questão de disciplina.

Alves Câmara
Não posso fazer isso, presidente. São homens
de bem, homens bem intencionados...

JK (corta)
Cumpra seu dever, ministro, como eu cumpro o
meu.

Alves Câmara
Qual é meu dever, neste momento? Ficar com o
presidente ou com meus colegas de farda?

JK
Almirante, vá até onde estão seus colegas. Diga-
lhes que ou obedecem minhas ordens ou serão
presos. Se houver uma revolta armada, volte
aqui para morrer ao meu lado.

Alves Câmara
Presidente, eu não...
37
JK
(cortando) Superada a crise – e se esta ainda for a
sua vontade – eu aceitarei seu pedido de demis-
são. Agora, vá. É uma ordem!

JK encara o militar.

Int. – Festa no palácio – Noite

Planos gerais da grande festa.


Juscelino dança com Sarah quando repara Sonia ao longe.
Sarah segue o olhar de Juscelino e surpreende Sonia que, ao
lado do marido, olha de longe para Juscelino.
Sonia movimenta-se, vai ao toalete.
Sarah repara e pára de dançar.

Sarah
Com licença, vou ao toalete.

Sarah se dirige à toalete.

Int. – Banheiro da festa – Noite

Sonia penteia o cabelo em frente ao espelho. Sarah entra e es-


barra nela.

Sarah
Desculpe.

Sonia sorri timidamente.

Sarah
Você é Sonia, não? Esposa do Jonas.

Sonia, nervosa.
38
Sonia
Sim, sou, Vossa excelência...

Sarah
Não me chame assim, querida. Que é isso? Cha-
me de Sarah.

Sonia continua sorrindo timidamente.

Sonia
Como quiser, Vossa, ou melhor, dona Sarah.

Sarah
Assim você me envelhece mais ainda. Você é
uma jovem tão bonita. Não me chame por dona.
Está bem?

Sonia
Como quiser, Sarah.

Sarah
Vou convidá-los para um chá em minha casa.

Sonia
Será uma honra.

Sarah
Acredito que não tenha ainda ido ao Palácio das
Laranjeiras, não é? Com certeza vai apreciá-lo.

Sonia
A senhora tem razão. Quero dizer, você tem ra-
zão.
Sarah
Razão? De que irá apreciá-lo?

39
Sonia
Sim... e de que nunca fui ao Palácio das Laran-
jeiras.

Sarah
Sem dúvida.

Sonia guarda a escova de cabelo na bolsa.

Sonia
Com licença.

Sonia sai do toalete.

Int. – Festa no palácio – Salão – Noite

Sonia volta ao salão.

Famoso jovem deputado da época convida Sonia para dançar e


ela aceita.
Sessentão, JK tem um ciúme de adolescente da amada. No meio
da festa, dá uma cotovelada no deputado que dança com So-
nia.
O deputado finge não perceber e Sonia não olha para o presi-
dente.

Amanhecer

Ext. – Opala – Estrada – Casa na serra – Dia

Rio de Janeiro, numa bela manhã de sol.


Geraldo, no volante do Opala, vai deixar JK para um encontro
com Sonia, na casa da serra.

Geraldo
Quer que eu o busque hoje ao final do dia?

40
JK
Não, só às oito horas da noite, pois vamos tra-
zer ela também. É melhor que seja de noite.

O carro chega na entrada da casa, Geraldo despede-se.

Corta para:

Ext. – Perto da casa na serra – Dia

Sonia molha os pés na água fria do regato.


JK está com ela.

Sonia
Foi uma atitude muito infantil! O presidente da
República com ciúmes de um jovem deputado
que dançava comigo! Alguém pode notar algu-
ma coisa. Perceber... (T) Ela... Ela sabe de al-
guma coisa, tenho certeza.

Juscelino
Quem?

Sonia
A Sarah!

Juscelino
Impossível. Ela não seria cínica a ponto de es-
conder o sentimento, a revolta de ser traída.

Sonia
Ela me convidou para ir ao Palácio dizendo ter
a certeza de que nunca estive lá!... Algum de
seus empregados deve ter informado a ela!

Juscelino
Não. Isso não pode ter acontecido.
41
Sonia
Tenho um enorme respeito por dona Sarah, mas
também tenho raiva, ou inveja dela, não sei
bem... Só sei que não quero acabar com os do-
ces momentos que passamos juntos...

Juscelino
Vamos manter sempre doces os nossos momen-
tos. Não fale mais de nenhuma amargura.

Sonia
Você vai me prometer não fazer mais cenas de
ciúme em público.

Juscelino
Não prometo nada. Meu sentimento por você é
definitivo, eterno, imutável. Não há remédio.
Não há solução.

Sonia o beija.

Ext. – Ruas do Rio – Palácio das Laranjeiras – Dia

No tráfego intenso do Rio, um carro se destaca e se dirige ao


Palácio das Laranjeiras. Ele estaciona, Sonia salta e entra.

Int. – Palácio das Laranjeiras – Dia

O chá é servido para Sarah, uma jovem senhora e Sonia.

Sarah
Preciso que me ajudem a ter idéias para o meu
projeto. Preciso de mulheres jovens como vo-
cês. É um convite para a participação em um
grande projeto social.
42
Entram as filhas de Juscelino – Márcia e Maristela.

Sarah
Estas são Márcia e Maristela.

As meninas cumprimentam Sonia e a outra senhora.


Sonia passa a mão no rosto.

Sarah
O que tem, Sonia? Está se sentindo bem?

Sonia
Um leve mal estar, um pouco de enjôo.

Sarah
Não será um bebê?

Sonia arregala os olhos.

Sarah
Vejo que se é um bebê, não é planejado!

Sonia
Não, de modo algum é um bebê. Ao contrário,
deve ser a reação a um remédio que tomei para
cólica.

Sarah
Márcia, acompanhe Sonia ao seu quarto para
que ela possa descansar.

Sonia
Não! Não quero incomodar. Eu prefiro ir para
casa. É uma reação natural ao remédio. Não é a
primeira vez que isto acontece.
43
Sarah
Ah, sim. Você sabe bem que quando uma mu-
lher jovem e bonita, bem casada, diz ter enjôos,
a gente pensa logo em gravidez. Desculpe a brin-
cadeira. Mas eu entendo se quiser ir para casa.
Não há lugar melhor no mundo do que o nosso
lar, não é?

Sonia esboça um sorriso.

Sonia
É isso, exatamente. Eu prefiro... E quanto ao
seu projeto, para mim no momento está um pou-
co complicado. Tenho acompanhado muito meu
marido. Mas prometo pensar no assunto.

Sonia sai tentando disfarçar o mal-estar.

Sara
Quer que eu peça ao Geraldo?

Sonia
Não, muito obrigada. Meu motorista me espera.

Sonia sai.

Ext. – Avião – Planalto Central – Dia

O avião passa por Brasília em construção. Vista do Planalto


Central.
Juscelino e Oscar Niemeyer estão a bordo. Imagens documen-
tais, com o diálogo em off.

JK
Enquanto isso teremos que suportar a UDN
44
infernizando a nossa vida. O Lacerda acredita
certamente que conseguirá me derrubar, assim
como derrubou Getúlio. Mas está muito enga-
nado! Pelo contrário, um dia ele ainda vai estar
ao meu lado.

Niemeyer
A sua habilidade em evitar conflitos políticos é
conhecida. Veja você, ao lado de um comunis-
ta, enfrentando os militares e a extrema direita,
inaugurando uma capital no Planalto Central!
Mas crer que o Lacerda um dia estará ao seu
lado é inacreditável...

JK
Você não se lembra, Oscar, ele não era comu-
nista?...

JK e Niemeyer caem na gargalhada.

Int. – Ringue de Boxe – Noite

Soco de mão enluvada.


É Lacerda entregue a mais uma fantasia, agora ele sonha ser
um lutador de boxe.
Mais porradas.

Rádio (off)
Brasília não é mais apenas um monte de lama.
Apesar de nenhuma instalação elétrica, nenhum
meio de comunicação, o presidente Juscelino
está confiante que irá cumprir todos os prazos.
O povo está aguardando, senhor presidente,
confiamos em seu otimismo.

45
Int. – Ringue de boxe – Noite

Mais porradas.

Int. – Câmara dos Deputados – Rio – Dia

Lacerda acorda de sua trip.


Entra secretária.

Secretária
Os oficiais, deputado.

Entram os oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica que se


colocam perto de Lacerda, como guarda-costas.

Secretária
Os repórteres estão aguardando.

Lacerda
Mande-os entrar também.

Entram quatro repórteres.

Repórter 1
Deputado, o que o senhor tem a dizer dessas
obras todas em Brasília?

Lacerda
Isso tudo é bobagem. Brasília é uma afronta con-
tra o povo brasileiro. Há que se averiguar tudo!
É sensato que se transportem tijolos de avião
para o Planalto Central? Para construir uma ci-
dade que está fadada a ser um monte de ruínas?
É preciso uma Comissão Parlamentar de Inqué-
rito para investigar as contas da Novacap!!!
46
Repórter 2
É verdade que a UDN, com o apoio dos milita-
res, pretende adiar a inauguração de Brasília por
pelo menos dez anos?

Lacerda olha para os militares a sua volta.

Lacerda
Por dez anos não! Para sempre!

Os militares sacodem as cabeças afirmativamente.


Corta direto para:

Ext./Int. – Quarto do Hotel Nacional – Brasília – Docu-


mentário – Dia

Letreiro: 21 de abril de 1960.

A grande festa da inauguração de Brasília.

JK assiste a cerimônia de inauguração na companhia de Sarah,


Márcia e Maristela, com 12, 13 anos. No meio da festa, JK
cobre o rosto com as mãos e chora.

Mostrar também Sonia, na companhia de Jonas, no momento


da inauguração.

Sonia olha para JK no momento em que ele é abraçado e beija-


do pelas duas filhas. JK também a olha. Maristela nota, vira o
rosto e vê Sonia.

Sonia percebe que Maristela a fitou e sorri. Maristela retribui o


sorriso.

47
Int. – Gabinete do palácio – Brasília – Noite

Detalhe da pena no papel. Juscelino assina um decreto.


Um assessor aguarda ao seu lado

Juscelino
Pode chamá-la.

O assessor sai – enquanto JK, satisfeito, relê o documento – e


logo volta.
Entra Maristela, 15 anos. Juscelino levanta e a abraça.

Maristela
Pai, o que é tão urgente?

Juscelino
Quero te entregar o seu presente de quinze anos.

Maristela
Mas já houve a festa, o que mais?

Juscelino entrega ao assessor o documento.

Juscelino
Por favor, leia.

Assessor
TEXTO DO DECRETO QUE DÁ OS MES-
MOS DIREITOS DOS FILHOS LEGÍTIMOS
AOS FILHOS ADOTIVOS INCLUSIVE O DE
USAR O NOME DE FAMÍLIA DE SEUS
RESPECTIVOS PAIS.

Maristela
Pai! Muito obrigada!
48
Juscelino a abraça com muito carinho.

Documentário

Imagens PB, da época.

Narrador (off)
Com o fim do governo JK, o Brasil inicia um
período conturbado. Jânio Quadros e João Gou-
lart são eleitos. Fim do governo JK e a posse de
Jânio.

Ext. – Comício – Dia

Jânio fala para uma multidão. Lacerda o acompanha.

Jânio
(LEVANTAR DISCURSO ATACANDO O
GOVERNO DE JK)

Int. – Gabinete presidencial – Palácio da Alvorada – Dia

JK, Sarah e um assessor estão no gabinete.

Sarah
Esse homem é um louco. É uma afronta, uma
falta de respeito.

Assessor
Dizem que ele fará um discurso de posse ainda
pior, preparado por Clemente Mariani e o go-
vernador Lacerda.

JK
A situação política com certeza cria desaven-
49
ças, ofensas, mas não admitirei que ninguém
insulte a minha honra. O Jânio está passando
dos limites. Comunique ao staff dele que se hou-
ver alguma ofensa à minha honra pessoal no
momento da posse, eu, sem dúvida alguma, par-
tirei para a ação física! Vou quebrar-lhe a cara!

Sarah
Vamos embora daqui, as meninas não merecem
escutar essas ofensas, esse ataques! Vamos sair
do Brasil por algum tempo!

JK
Sim, você tem razão. Pode providenciar a nossa
viagem após a posse dele.

Int. – Palácio da Alvorada – Dia da posse – Dia

JK prepara-se para deixar o cargo, dando posse ao sucessor.


Cria-se um clima de tensão, expectativa.
A transmissão do cargo é feita num clima tenso. Mas nada acon-
tece.

Protocolo de cerimônia de posse. JK passa o cargo para Jânio.


Os dois se cumprimentam e JK saúda o seu vice-presidente
que foi reeleito, João Goulart.

Ext. – Avião no céu – Noite

A bordo do avião que o leva ao Rio, JK com Sarah, Márcia e


Maristela.

Sarah
Felizmente correu tudo bem. Aquele infeliz não
vomitou nenhuma ofensa contra você.
50
Assessor vem da cabine.

Assessor
Com licença, presidente. O Jânio vai fazer um
pronunciamento. O comandante o convida para
ir à cabine e ouvir o pronunciamento.

Int. – Cabine do piloto – Dia

JK, com o assessor, ouve o pronunciamento de Jânio.

Jânio (off, no rádio)


Pois saibam os senhores – os caminhões em Bra-
sília entravam pelo portão da frente, saíam pe-
los fundos e voltavam a entrar – para dar a im-
pressão de muitos... Brasília é o reino da apa-
rência, da ilusão, da prestidigitação, da menti-
ra... Não tínhamos um presidente, tínhamos um
farsante!

JK
Isso é demais! O desgraçado aguardou somente
eu sair de Brasília para me ofender. Só para eu
não quebrar a cara dele!...

Documentário

Imagens de arquivo.

Narrador (off)
JK elege-se senador por Goiás. Em poucos me-
ses, Jânio renuncia, instaura-se o Parlamenta-
rismo para que Jango tome posse, pois estava
de viagem na China, quando Jânio renunciou.

51
O Brasil vive, então, clima de grandes mudan-
ças. As posições se radicalizam e um golpe mili-
tar parece iminente. JK conhece os militares que
lhe fizeram oposição o tempo todo e teme pelo
futuro do país. Em 20 de março de 1964, a Con-
venção Nacional do PSD homologa a candida-
tura de JK à Presidência da República para as
eleições de 1965.

Rádio ou televisão

Lacerda em close ou diante do microfone.

Lacerda
Eu desafio o povo brasileiro a perguntar a esse
corrupto a quem ele pretende dar de mãos bei-
jadas o país desta vez!? Eu afirmo, senhores,
que ele quer entregar o país aos comunistas! Ele
é a favor da legalização do Partido Comunista?
É! Está rodeado de comunistas? Está! Mas va-
mos impedi-lo, desta vez com sucesso. Ele não
tomará o poder neste país novamente. Nem vai
entregá-lo aos comunistas. Não permitiremos!

Int. – Casa de JK – Dia

JK e Sarah estão ouvindo o discurso de Lacerda.


Sarah está concentrada no discurso. JK parece um tanto alheio,
serve-se de drinque, manuseia um livro, olha pela janela.

Sarah
Esse homem horrível insiste em te atacar.

JK
Homem horrível? Quem?
52
Sarah
Esse Lacerda. É evidente o objetivo de atiçar
os militares contra você. Insinuar que Juscelino
Kubitschek possa ser comunista é realmente
demais.

JK
O que vai se fazer? O Lacerda é assim.

Sarah
Ir embora. Não precisamos ficar aqui para ouvir
um louco te chamando de comunista...

JK
Não podemos sair do país agora, Sarah. A si-
tuação política é muito delicada. Infelizmente,
ainda não podemos virar essa página.

Música clássica – Villa Lobos.

Int. – Casa de Diana na serra fluminense – Noite

JK descansa ao lado de Sonia.

JK
O casamento é uma página difícil de ser virada.
Mas em determinado momento, é preciso fazer
isso.

Sonia
Infelizmente nossos casamentos não nos perten-
cem. E nem mesmo aos nossos cônjuges. Você
e Jonas são personalidades públicas; você, prin-
cipalmente, é um mito nesse país. Uma separa-
ção seria um escândalo.
53
JK
Você acha que não vale a pena?

Sonia
Não é isso. Acho que não é necessário.

JK
Não esqueça: o que quer que possa acontecer
não deve mudar nada entre nós. Você é o amor
da minha vida.

Ext. – Opala nas ruas – Noite

Buzina e motor de automóvel. Barulho do tráfego.


JK fala com Geraldo.

JK
O momento é muito perigoso. As forças do re-
trocesso pretendem simplesmente tomar o po-
der de forma absoluta. Todo nosso trabalho
pode cair por terra. Quem vai sofrer é o povo
brasileiro.

Opala pára diante de um restaurante granfino.

Corta para:

Int. – Restaurante granfino – Dia

Talheres, pratos, comida. Detalhes, comida, bocas, mastigação.


JK com Alkmim, sobre a situação política. Eles falam enquan-
to comem – garfadas, cortes com faca, em detalhe, nos alimen-
tos. Eles mastigam enquanto ouvem.

Alkmin
A situação do Jango é insustentável. Ele mer-
54
gulhou o país na agitação e na indisciplina. Os
militares não estão dispostos a tolerar a anar-
quia.

JK
É preciso contornar essa crise. Mesmo em cir-
cunstâncias desfavoráveis, devemos continuar
a perseguir nossos objetivos. Uma demonstra-
ção de sensatez por parte de Jango deve ser su-
ficiente. É ridículo achar que um estancieiro,
como dizem na terra dele, seja um comunista.
Acho que não terei dificuldades em convencê-
lo a fazer um pronunciamento nesse sentido.

Alkmin
Isso não será suficiente. É preciso que ele asse-
gure o respeito à hierarquia militar. Essa agita-
ção dos sargentos...

JK
Ele o fará. Vou falar com ele.

Ext. – Palácio das Laranjeiras – Dia

Tráfego. O Opala.
JK chega ao palácio para falar com Jango. Desce do carro, en-
tra.

Int. – Quarto do presidente no Laranjeiras – Dia/noite

Jango está tomando chimarrão enquanto ouve um discurso de


Lacerda no rádio.

Lacerda (off)
A presença de comunistas no governo e a in-
55
fluência que tem nos atos do governo é uma
ameaça à segurança nacional. O problema não
é de legalidade. É de segurança nacional. Se que-
remos que a Nação se levante, precisamos agir
com rapidez – e agir certo! As Forças Armadas
não podem desertar de seu dever...

Juscelino
Não há alternativa, Jango. É preciso romper com
os sindicalistas, acatar a hierarquia militar e
manifestar-se contra o comunismo!

Jango permanece sentado. JK, em pé, caminha sem descanso


em torno dele. Não consegue dissimular a tensão, ele sabe que
a conversa é decisiva.

Jango
Não posso fazer isso, daria a impressão que es-
tou com medo.

JK
Você está errado, Jango: ou volta atrás ou não
terá salvação.

Jango
Não posso trair as forças que me apóiam. Agra-
deço seus conselhos, mas devo ser fiel às mi-
nhas próprias decisões. Não vou me sujeitar aos
caprichos desses velhos inimigos.

JK não diz nada. Corta direto para:

Ext. – Aeroporto – Juiz de Fora – Dia

Manchetes dos jornais da época.


56
Agitação de muitos militares, no aeroporto. Fardas, armas, tro-
pas.

CAM descreve os preparativos para o combate ao som de mar-


chas militares.

Avião da FAB na pista, o general Odylo Denys desembarca e é


recebido pelo general Mourão Filho. Os dois generais trocam
cochichos.

Denys
Jango tem de ser deposto e a ocasião é esta.

Mourão
E já vai tarde...

Corta para:

Música: Hino dos fuzileiros navais norte-americanos, os mariners.

Documentário: a “revolução”

Imagens de arquivo da movimentação das forças marítimas e


aéreas dos Estados Unidos.

Narrador (off)
Na manhã do dia 31 de março de 1964, o em-
baixador norte-americano Lincoln Gordon trans-
mite ao secretário de Estado Dean Rusk a opi-
nião de JK sobre a possibilidade de resistência
ao golpe na forma de uma greve geral de dois
ou três dias. Mas opina que os operários volta-
riam a seus empregos assim que batesse a fome.
Na tarde do mesmo dia, Washington decide des-
locar o porta-aviões Forrestal e seis destróieres

57
de apoio – um deles com mísseis teledirigidos –
para as águas brasileiras. A situação é monitorada
pelo adido militar norte-americano, coronel
Vernon Walters e pela CIA, que atua no país
desde a volta de Vargas ao poder.

Mais armas norte-americanas.

É a operação Brother Sam. Que conta ainda com


quatro petroleiros, sete aviões de carga C-125,
oito aviões de caça, outros oito aviões-tanque,
um avião de comando aéreo e cento e dez tone-
ladas em armas e munições.

Imagens da movimentação militar brasileira no dia do golpe.

O golpe é desfechado, Jango abandona Brasília,


inicia-se o período do regime militar. Menos de
18 horas depois da posse de Ranieri Mazzilli,
Lyndon Johnson envia felicitações aos novos
donos do poder. Lincoln Gordon comenta com
Lacerda: “Vocês evitaram nossa intervenção no
conflito”.

Int. – Quarto de JK – Noite

JK é acordado à noite por telefonemas ameaçadores; uma voz


cavernosa emite insultos chulos.

Voz distorcida (off)


O Brasil não pode ter presidente veado. Vai to-
mar no cu, Juscelino...

Corta dos insultos chulos para...

58
Int. – Sala de Juscelino – Noite

... A notícia – ou o texto – do A-I número 1, pelo rádio.

Locutor pelo rádio (off)


(Texto do AI -1)

Juscelino ouve pelo rádio a notícia do Ato Institucional 1. Sarah


está com ele.

Juscelino
Esta revolução foi feita contra Jango, mas, 48
horas depois, voltou-se contra mim. Não tenho
dúvida de que serei uma das primeiras vítimas.
A esta hora, já estão reclamando a minha cabe-
ça. De repente, o futuro do Brasil ficou incerto,
cheio de sombras e dúvidas. Não sabemos mais
que rumo tomar daqui por diante. Os perigos
que nos esperam ainda não podem sequer ser
imaginados. O melhor, o ideal seria reverter a
situação para seu estágio anterior.

Int. – Casa de correligionário de JK – Noite

Reunião de JK com amigos e correligionários. Discutem a si-


tuação do país e seu futuro político. Presença de Alkmin e de
Augusto Frederico Schmidt.
Alkmin caminha pela sala. Schmidt é um homem gordo e
descontraído, refestelado numa poltrona.

Alkmin
Senhores, a situação é irreversível. Goulart foi
definitivamente deposto, todo o território na-
cional está sob o controle dos militares. Que pos-
tura devemos adotar diante do fato consuma-
59
do? Creio que, fatalmente, aquela que melhor
favoreça a manutenção da democracia brasilei-
ra. Os políticos civis, nós, temos agora a missão
de apresentar ao novo poder a conveniência das
regras democráticas. É preciso, portanto, reco-
nhecer que as melhores intenções orientam a
ação militar e, conseqüentemente, não negar
apoio aos esforços da Junta Militar para resta-
belecer...

JK
O que precisamos, acima de tudo, é assegurar a
manutenção do jogo democrático e, portanto, a
realização de eleições livres e diretas em 1965.

Augusto Frederico Schmidt


Castelo Branco é meu amigo, um homem ínte-
gro, inatacável, que tem a maior autoridade
moral para substituir o desastrado antecessor.
Boto minha mão no fogo para garantir que suas
intenções são as melhores possíveis. Sugiro que
o procuremos e falemos com ele. O que acha,
senador?

JK
Confio na boa vontade do general.

Augusto Frederico Schmidt


Nós a teremos com certeza. Para isso, basta que
o Congresso o eleja, em eleições livres, embora,
indiretas, presidente da República.

Alkmin
O máximo que poderíamos conseguir na situa-

60
ção é eleger um civil como vice-presidente! Mas
tenho experiência com os militares e sei tratar
com eles. Deixem comigo.

Corta para:

Ext. – Automóvel – Avenidas de Brasília – Noite

Castelo Branco sai do Ministério da Guerra e embarca num


carrão, rodeado por batedores e militares armados. O comboio
atravessa as avenidas de Brasília com as sirenes abertas.

Int. – Casa do deputado Jefferson Ramos – Noite

JK, acompanhado por Amaral Peixoto, Alkmin, Negrão de Lima


e Martins Rodrigues, encontra Castelo.
As cerca de dez versões diferentes do encontro são contraditó-
rias.

JK olha o relógio de cinco em cinco minutos, o que desagrada


Castelo.

O general também se irrita porque JK fica o tempo todo pente-


ando o cabelo já superpenteado – um de seus cacoetes.

Acompanhado atentamente por Vitorino Freire, o diálogo re-


vela as posições dos dois interlocutores.

JK
Para que nosso partido apóie seu nome na elei-
ção no Congresso, é preciso apenas que o gene-
ral se comprometa, como presidente, a realizar
eleição livre e direta para a presidência em ou-
tubro de 1965.

61
Castelo
Prometo ao senhor, senador, tendo como teste-
munhas todos os presentes, que realizarei elei-
ções livres e diretas em 1965. É um compro-
misso.

Corte descontínuo.
No final, Castelo se despede.

Castelo
Então, senador, estou aprovado para a presidên-
cia?

Juscelino
Perfeitamente, general, e com o nosso apoio.

Castelo se retira, acompanhado por seu séquito.


Vitorino Freire se aproxima e adverte JK:

Vitorino Freire
Você vai se arrepender.

Fade out.

Ext. – Descampado na serra fluminense – Noite

Juscelino contempla as estrelas, junto de Sonia, que o abraça.

Sonia
O que dizem?

JK
O quê?

Sonia
As estrelas! O que está escrito? Não é isso que
62
você sempre diz, que o destino está escrito nas
estrelas?

JK
O que eu vejo é que não sei viver sem você. Por
que não nos casamos?

Sonia
Juscelino, você sabe que é um sonho impossí-
vel! O Jonas tem a carreira dele, você tem a sua.
É o destino de nossas vidas.

JK
Você tem razão. Nós dois precisamos tomar
cuidado. A situação política fica cada vez mais
difícil e perigosa. Sei que estou sendo vigiado.
Mas pode ter certeza, meu amor. Vou enfrentar
o meu destino, seja ele qual for.

Documentário

Eleição de Castelo Branco no Congresso Nacional.

Lacerda (off)
Agora que a Revolução foi vitoriosa e o mare-
chal Castelo Branco é eleito por grande maio-
ria, no Congresso, o Brasil vê abrir-se, diante de
si, um novo futuro. Nego que a luta de classes
seja inevitável. Considero os comunistas uns
atrasados. Não é uma questão de ideologia, é
uma questão de vergonha na cara. O ex-presi-
dente Kubitschek de Oliveira não perde por
esperar. Atenção, JK: estamos de olho em você.

63
Ext. – Casa de Juscelino – Noite

Tipos mal encarados, mas impecavelmente vestidos, rondam a


casa de JK.

Cena de suspense – são os misteriosos Homens de Terno.


Apresentação dos Homens de Terno.

Int. – Sala da casa de Juscelino – Noite

Na janela, Sarah nota os Homens de Terno que rondam o pré-


dio; ela está assustada.

Sarah
Quem são esses homens que agora rondam nos-
sa casa, noite e dia?

JK
Que homens?

Sarah
É impossível que você não os tenha notado. Na
verdade, eles não parecem preocupados em se
esconder. Eles nos vigiam ostensivamente.

JK
Ah, esses... É claro que é o pessoal da comuni-
dade de informações. Estão aqui para manter
nossos novos governantes bem informados.

Sarah
Como bem informados?... Bem informados do
quê?...
64
Ext. – Casa isolada – Noite

Carro chega numa rua do Leblon ou da Urca. Lacerda salta, é


recebido, entra na casa.
Os Homens de Terno policiam o local.

Int. – Biblioteca – Noite

Senhores bebem e fumam – são militares e políticos ligados ao


governo –, os Senhores da Linha Dura. São vistos de costas, ou
na obscuridade, com exceção de Lacerda, a quem todos ouvem
com extrema atenção. Imagens meio expressionistas.
Os presentes são poderosos nos novos tempos da “revolução”.

Lacerda
É preciso perguntar aos responsáveis pela mo-
ral pública do Brasil, os responsáveis pelo po-
der revolucionário, o que esperam para cassar
os direitos políticos de Juscelino Kubitschek. A
corrupção que envolveu suas decantadas obras,
para não falar de suas ligações com subversivos
notórios, é mais do que suficiente para justifi-
car a medida. Na verdade, trata-se de uma ne-
cessidade dos novos tempos do Brasil.

Rosalvo, de costas, está entre os presentes. Ele pede só mais


um pouco de paciência a Lacerda. Apresentação de Rosalvo.

Rosalvo
Peço ao ilustre governador só um pouco mais
de paciência. As autoridades supremas da Na-
ção têm consciência dos fatores que geram seus
receios. Eles serão tratados da maneira adequa-
da. Podem ficar descansados o governo e todos
os brasileiros patriotas.
65
Int. – Restaurante – Dia

Enquanto garçons passam, os Homens de Terno observam.


Sonia almoça com Diana.

Diana
Estou só de passagem aqui pelo Brasil. Esse país
não é mais aquela tranqüilidade. Quem se acos-
tuma a morar no exterior não consegue mais fi-
car aqui. Querida, não sou política, mas estou
me auto-exilando!

Sonia repara os Homens de Terno rondando o restaurante.


Do outro lado do restaurante, entra Sarah acompanhada de outra
amiga.
Diana vê Sarah.

Diana
A dona Sarah. Será que ela te viu?

Sonia vê Sarah e repara que os Homens de Terno observam


também a esposa de JK.

Sonia
Não sei, acho que não. Mas tem algo muito es-
tranho acontecendo.

Diana
O quê?

Sonia
Vamos embora.

Diana
Mas por quê?
66
Sonia
Tenho certeza que o Juscelino vai aparecer a
qualquer momento!

Diana
Mas isto aqui é um restaurante, um lugar públi-
co, não é mesmo? Qual é o problema?

Sonia
Não sei, tem algo estranho no ar.

Sonia faz sinal para o garçom, pedindo a conta. JK entra no


restaurante e senta ao lado de Sarah. Enquanto sai, Sonia olha
para todos os lados.

Ext. – Fachada do restaurante – Dia

Diana e Sonia saem.


Sonia vê os Homens de Terno rondando.
As duas amigas tomam um táxi.

Ext. – Rua defronte da casa dos Jonas – Dia

Jonas chega e vê o carro de Sonia estacionado.

Int. – Casa de Sonia – Dia

Jonas entra e encontra Sonia com Diana.

Jonas
Vejo que não subiram a serra. Onde vocês esta-
vam?

Diana
Almoçando.
67
Jonas
Pensei que vocês iriam para a serra. Sabe, Diana,
acho que até o caseiro pensa que Sonia é dona
daquela casa, ela sempre vai lá e sempre vai
quando eu estou de viagem e nem posso
acompanhá-la.

Sonia
Claro, o que vai fazer aqui? É melhor a serra
para ficar só, é mais agradável.

Jonas
Parece até que tem algum segredo naquela casa.

Diana olha para Sonia.

Diana
Sonia é uma grande amiga e cuida da casa para
mim. Com licença.

Diana vai para dentro da casa.

Sonia
Como você é indiscreto!

Jonas
O quê?! Tá na cara que aquela casa é um local
de encontros amorosos!

Sonia
Como?! O que que você pensa?

Jonas
Ora, meu bem, uma casa na serra, abandonada?
Ela deve encontrar os amantes importantes lá!
68
Afinal, como você acha que ela ganha a vida?
Sustenta aquela casa, vive no exterior! Ela não
é casada, não trabalha! E você fica toda preo-
cupada com a casa, ela é que tinha que cuidar
para esperar os homens dela, só vem do exterior
para isso.

Sonia
Que história é essa?

Jonas
É o que mais tem na política são essas amantes
de figurões, sustentadas a peso de ouro. A Diana
tem todo o perfil. Essas mulheres são umas fe-
ras!

Sonia
Por favor, Jonas, não seja indelicado com a
Diana, é minha única amiga.

Jonas
Não vá me comprometer com as aventuras des-
sa mulher, hein?! Vamos manter as nossas apa-
rências, pois é o nosso sustento!

Ext. – Casa na serra – Jardim – Dia

JK e Sonia caminham, Geraldo aguarda no carro e os vê de


longe.
JK
Por que essa ansiedade toda em nos encontrar-
mos. Estou constantemente vigiado e em traba-
lho de campanha, você sabe que não pode in-
sistir em me ver dessa forma.

69
Sonia
Estou preocupada. Não sei se o Jonas já des-
confia de alguma coisa.

JK
Eu disse há muito tempo que seria melhor que
nos casássemos. Ficávamos livres disso.

Sonia
Mas uma separação iria enfraquecer você mais
ainda politicamente.

JK
Não é o momento, com certeza. Estou pratica-
mente vivendo na clandestinidade dentro do
meu próprio país.

Int. – Sala secreta da presidência – Dia

Castelo Branco é pressionado por militares.

A argumentação de militares é feita em plongée sobre Castelo;


contracampo dos militares em contre plongée.

Militar 1
É isso que esperamos, general. Foi por isso que
o colocamos na presidência, não nos decepcio-
ne. A cassação de Juscelino Kubitschek é ur-
gente. Ele é a única ameaça permanente ao re-
gime.

Castelo Branco
Eu entendo, senhores... Mas é preciso uma re-
forma nas leis para que isso possa ser feito.

70
Militar 2
Pois bem, é o momento, então, de um segundo
ato institucional.

Local de encontro secreto – Noite

Um emissário de Costa e Silva encontra JK.

Emissário
Venho, em nome do general Costa e Silva, fa-
zer-lhe um pedido, presidente.

JK
Que deseja o general?
.
Emissário
Que o senhor retire sua candidatura, para o bem
do Brasil e para o seu próprio bem. Não é sen-
sato procurar a inimizade do poder instituído
neste momento. O senhor, como senador, deve
saber disso melhor do que eu.

JK
Infelizmente, meu caro, não poderei atender seu
pedido. Deus poupou-me o sentimento do medo.

Ext. – Ruas – Brasília – Dia

Opala corta ruas da capital. Finalmente, estaciona diante do


Congresso Nacional. JK salta do carro, entra no edifício. Os
Homens de Terno estão por perto.

Int. – Congresso Nacional – Dia

JK no interior do Congresso, colegas viram-lhe as costas, cor-


71
redores – em grande angular. O plenário está vazio – em grande
angular.
Close de Juscelino. PV de JK.
Juscelino faz seu último discurso como senador.

Juscelino
Não tenho do que me defender. Pela própria
mecânica do Ato Institucional, aos fulminados
não é dado acesso às peças acusatórias. Voltam-
se assim os revolucionários contra as mais sa-
gradas conquistas do Direito. Esse ato é um ato
de usurpação e não um ato de punição.

JK sai do Congresso. Colegas viram-lhe as costas.


Geraldo o espera com a porta do Opala aberta.

Juscelino
Acho que estou com uma doença contagiosa
porque ninguém se aproxima.

Ext. – Opala – Avenidas – Brasília – Aeroporto – Dia

JK vai ao aeroporto que está vigiado por tropas, ele é impedido


de embarcar.
Geraldo dirige o Opala.
Suspense e tensão, barreiras e soldados armados.

(Ao fundo “Peixe Vivo”, bem piano)

Ext. – Opala – Estrada Brasília-Rio – Noite

JK decide pegar a estrada e viaja de carro durante toda a noite.


O rádio do carro transmite a notícia de sua cassação.

Rádio (off)
8 de junho de 1964. O presidente Castelo Bran-
72
co edita o Ato Institucional n. 2, cassa o man-
dato de senador de JK e suspende seus direitos
políticos por dez anos. O ministro da Justiça
Milton Campos também assina o documento.

Int. – Gabinete de Lacerda – Palácio Guanabara – Dia

Estouro de champanhe!!!

A notícia chega a Lacerda e seus colaboradores mais próximos


que comemoram com champagne Crystal – ou similar. A come-
moração inclui muitas mulheres lacerdistas.
Lacerda faz um discurso, super aplaudido.

Lacerda
Comemoremos, amigos! A cassação de Jusceli-
no merece muitos champanhes. Enfim, conse-
guimos. Hoje, livramos o Brasil de uma verda-
deira ameaça. A decisão do general Castelo Bran-
co foi um ato de coragem política, um ato de
visão. Ela renova nossa esperança no futuro!

Int. – Casa de Jonas – Noite

Situação doméstica dos Jonas. Eles esperam o jantar em silên-


cio.
Jonas se serve de um uísque, e observa Sonia.

Jonas
Os sinais para nosso futuro próximo não pare-
cem muito bons. Cassaram Juscelino.

Sonia
Como? O que foi que aconteceu?

Jonas
Cassaram JK. Perdeu seus direitos políticos por

73
dez anos. Podemos ter certeza de que ele não
será mais presidente. Aliás, duvido que haja elei-
ções no ano que vem.

Sonia
Eles não podem fazer isso. Juscelino não é co-
munista nem corrupto. Não posso acreditar, isso
não faz sentido.

Jonas
Em política, faz muito sentido. Era a única
ameaça séria ao poder dos militares. Não é mais.
Deixou de ser.

Int. – Casa de JK – Noite

JK e Sarah estão jantando.


Sarah serve os pratos. JK serve o vinho.

JK
Eles me consideram uma ameaça. Não tem nada
a ver com comunismo ou corrupção. O proble-
ma é que eu venceria as eleições do ano que
vem.

Sarah
O que vamos fazer numa situação dessas?

JK
Não há nada a fazer aqui. Vamos embora. Va-
mos viajar. Pronto, faremos o que você queria.
Vamos virar a página.
74
Ext. – Casa na serra fluminense – Dia/Noite

Crepúsculo. CAM sobe a serra.


Aves procuram abrigo. Morcegos saem de suas tocas.
Muitas imagens da natureza no fim do dia.
JK se despede de Sonia. Eles estão abraçados e contemplam o
crepúsculo.

Sonia
Eu irei te encontrar.

JK
Não vamos falar sobre o exílio. Ainda estou aqui.
Vamos manter o nosso pacto, viver bem os mo-
mentos que passamos juntos.

Sonia
Às vezes é difícil manter o pacto.
(olhando o céu) Como é lindo o entardecer.

JK
Cada dia conhece sua morte. Cada crepúsculo
me lembra minha própria morte.

Crepúsculo.

Ext. – Opala – Ruas – Rio – Dia

Geraldo dá a partida, o carro arranca e corta as ruas do Rio.

JK
Geraldo, o meu ocaso está anunciado.

Geraldo
Não senhor! Isso tudo é inveja, a arma dos in-
75
competentes. Eu já li isso num caminhão. O
senhor ainda será de novo o presidente de to-
dos os brasileiros. Quando a gente passa na rua,
todos comentam: “Olha o Juscelino”!

JK sorri.

JK
Se dependesse só de mim, eu seria novamente
presidente. Mas não depende só de mim.

Geraldo
E para onde o senhor vai desta vez?

JK
Cinco embaixadas me ofereceram asilo, mas es-
colhi a Espanha. Acho que ficaremos melhor
lá.

Geraldo
A dona Sarah está muito triste.

JK
Mas no fundo é um alívio para ela.

Geraldo
Com isso tudo eu é que perco o patrão!

JK
A Sonia vai te chamar.

Geraldo
Mas é por um tempo só, né?

JK
Sim, pode ter certeza que será só por um tempo.
76
Geraldo
Quanto tempo?

JK
Eu não faço a menor idéia.

Imagens do crepúsculo no Rio.

JK (off)
Cada dia conhece sua morte. Cada crepúsculo
me lembra minha própria morte.

Ext. – Aeroporto do Galeão – Rio – Noite

Junto com Sarah, Márcia e Maristela, JK salta do carro, entra


no aeroporto, e é imediatamente cercado por militares. Ele é
isolado da mulher e das filhas.
É escoltado pelos militares que tiram suas armas dos coldres
para evitar que o povo se aproxime dele. JK embarca num avião
da Iberia. Vai para o exílio.
O avião decola sobre a cidade iluminada. Destino: Madri.

Ext. – Café – Paris – Dia

É difícil o exílio na Europa. JK e Sarah tomam café ao ar livre.


Ele lê os jornais brasileiros e fica espantado com os editoriais.
Ele fala e ela não interrompe o chá.

JK
A situação do Brasil é mesmo muito triste. Quan-
do os jornais começam a publicar editorais como
estes que estou vendo agora, parece não haver
nem mais esperança. Ouve só; este aqui conde-
na “o espantalho dos processos eleitorais”, é isso
mesmo – o “espantalho”! Este outro sustenta
77
seriamente a tese de que “eleição só serve para
tumultuar a vida do país”!!!....

Sarah
E o mandato de Castelo Branco foi prorrogado.
Eles se livraram de você.

JK
É. Acho que a situação vai mudar. Mas não devo
abandonar a cautela. Afinal, eles se livraram de
mim, claro, mas ainda vão se livrar do Lacerda,
também.

JK sorri.
Corta para:

Boliche

CAM acompanha Lacerda jogando boliche, ele joga a bola com


gana e comemora a derrubada dos pinos socando o ar.

Assessor (off)
Governador, os resultados das eleições são fi-
nais. E não são bons para nós. Perdemos. Negrão
de Lima ganhou aqui na Guanabara e Israel Pi-
nheiro em Minas. São dois homens fiéis ao Jus-
celino. O senhor vai ficar sem mandato.

Gabinete de Lacerda – Dia

Lacerda acorda, volta de mais uma de suas “viagens” mentais.


Auxiliares de Lacerda limpam suas gavetas no gabinete do Pa-
lácio Guanabara.

78
Lacerda
A vitória de Negrão é um desastre. Vou renun-
ciar, não passarei o cargo para ele. É algo que
não consigo tolerar. Rafael fará isso.

Ext. – Casa isolada – Noite

Carro chega numa rua de bairro rico. Vultos obscuros descem


dos carros e se dirigem para a casa. Entre eles, só se distingue
Carlos Lacerda. Entram, e do lado de fora ficam os Homens de
Terno.

Int. – Biblioteca – Noite

Reunião dos Senhores da Linha Dura.


Cena estilizada, meio expressionista.
Senhores bebem e fumam – são militares e políticos ligados ao
governo, os bolsões sinceros mas radicais. Não se vê direito
quem são, não dá para enxergar. Aparecem de costas, ou mal
iluminados, em ângulos exóticos, com exceção de Lacerda que
aparece de frente e bem iluminado.

Lacerda
Temos que deixar bem claro que governadores
ligados a Juscelino são inaceitáveis pela Revo-
lução! As eleições de Israel Pinheiro e Negrão
de Lima, por exemplo, são desafios intoleráveis.
A Revolução não pode, não deve permitir – e
não permitirá!

Int. – Quarto de hotel – Paris – Dia

Pela janela pode-se ver a Torre Eiffel.


Sarah se arruma. JK cantarola saindo do banho.
Ele vem dançando.
79
JK
Negrão e Israel vitoriosos!!! Os famosos “revo-
lucionários” vão ter que aturá-los.

Sarah
Não podemos esperar um pouco mais para vol-
tar, ver se realmente as coisas no Brasil se acal-
maram?

JK
Não! É este o momento! Vamos enfrentá-los,
as votações foram favoráveis.

JK dança com Sarah dentro do quarto de hotel.

JK
Vamos virar mais esta página, Sarah.

Avião no céu

O avião de Juscelino corta o céu.


Dentro, JK, Sarah, Márcia e Maristela.
As três dormem e JK fica insone, com o rosto colado à janela.
Corta para:

Int. – Casa de Diana

O rosto feliz de Sonia.


Sonia recebe a visita de Diana.

Diana
O que há com você, Sonia? Parece uma adoles-
cente antes de sair para uma festa...

Sonia
Ele está vindo, amiga. Não demora a chegar.

80
Corta para:

Avião no céu

O avião de Juscelino se aproxima da aterragem no Galeão.

Ext. – Aeroporto do Galeão – Rio

Em terra, tropas armadas tomam posição. Movimento de ca-


minhões despejando soldados armados. Carros de combate.
Grande operação militar.

Os Homens de Terno circulam dentro do aeroporto.


Clima de repressão, paranóia, estado policialesco.
O avião aterra, taxia, aproxima-se do desembarque.
Juscelino desembarca, desce as escadas do avião, responde a
acenos de pessoas que o esperam.

Um oficial barra seu caminho, JK estende-lhe a mão; ele a igno-


ra e tira o quepe. Estende-lhe a intimação para depor na PE no
inquérito sobre o Partido Comunista. JK caminha mais alguns
passos e outro oficial o interrompe. Dá outra intimação, no in-
quérito sobre o ISEB.

Detalhes: CAM mostra cada intimação.

Plano geral: ao longe, vemos JK sendo interrompido por um


terceiro oficial que lhe entrega uma terceira intimação...

Ext. – Ruas – Rio – Dia

Indo para seu apartamento em Ipanema, JK é aplaudido nas


ruas.
Um cortejo de automóveis promove um buzinaço.
Populares cantam o “Peixe Vivo”.
81
Ext. – Ruas – Rio – Quartel da PE – Dia

Na manhã seguinte, JK vai ao quartel da Polícia do Exército,


na rua Barão de Mesquita, Rio de Janeiro. Desembarca do Opa-
la, despede-se de Sarah e Geraldo.

Int. – Sala de interrogatório – Quartel da PE – Dia

JK é obrigado a ficar de pé horas, para ser interrogado por ca-


bos e sargentos que o cercam, pretendo ser sérios mas se diver-
tindo com a situação de interrogar o ex-presidente como se fos-
se um subversivo qualquer.

JK
Por favor, cabo, posso merecer um minuto de
sua atenção?

Cabo
O que é?

JK
Sou um homem de idade e tenho um problema
numa perna. Será que seria pedir demais uma
cadeira para sentar?

Cabo
As ordens é que não é pra sentar, não.

JK
Quem deu essa ordem?

Cabo
Meus superiores.

82
JK
Com que objetivo? Qual o motivo, a razão, o
propósito...

Cabo
Não sei não. Além do mais, eu aqui não tenho
que responder nada. Quem tem de responder é
o senhor, que tem culpa no cartório...

Seqüência de montagem
Clipe: o interrogatório

Em menos de duas semanas, JK é submetido a 60 horas de


interrogatórios.
Às vezes fica oito, nove horas seguidas, sendo interrogado.

Como provas, um coronel mostra foto de Prestes diante do


Palácio do Catete, no rompimento com o FMI, e outra foto da
realização de um comício comunista na Cinelândia.

Começa uma verdadeira enxurrada de IPMs sobre JK, de cará-


ter ideológico, denunciando sua ligação com a subversão.

Durante os interrogatórios, JK passa mal.

Int. – Enfermaria do quartel – Dia

JK é atendido por seu médico pessoal – o Dr. Salles – sob a


vigilância atenta do militar responsável pelo IPM a que JK res-
ponde.

Médico
O que há é um distúrbio circulatório. Minha pri-
meira recomendação é simples: descanso! Es-

83
ses interrogatórios estão prejudicando seriamen-
te sua saúde.

Militar responsável pelo IPM


Para ser dispensado dos interrogatórios, o seu
diagnóstico, doutor, deverá ser confirmado por
um junta médica militar.

Ext. / Int. – Apartamento de JK – Dia

JK é examinado por um grupo de médicos militares, enquanto


uma patrulha fica estacionada diante do apartamento de JK em
Ipanema, pronta para levá-lo preso, caso nada seja diagnostica-
do.

O eletrocardiograma salva Juscelino. Médico militar olhando o


eletro.

Médico militar
O paciente sofre realmente de um distúrbio cir-
culatório.

Int. – Gabinete de Sobral Pinto

Sobral, atrás de sua enorme mesa de trabalho, olha JK sentado


à sua frente.

JK
O que o senhor me aconselha, doutor Sobral?

Sobral
Presidente, vou ser franco com a senhor. A si-
tuação não poderia ser pior. O senhor foi inti-
mado a comparecer à Polícia Federal, mas eu o
aconselho a não ir. Não sabe o que pode acon-

84
tecer. Neste país, não há mais tribunais, nem
Justiça, nem leis. Sugiro que viaje para o Exte-
rior. De preferência, ainda hoje! Vou ler para o
senhor o texto de um telegrama que acabei de
enviar ao Castelo Branco.

Sobral pega um papel, JK atento.

Seqüência de montagem

Grande correria de JK, tomando providências para deixar o país


de repente.

JK parte para Nova York na mesma noite. Ele está praticamen-


te fugindo do Brasil. JK embarca no Coronado da Varig para
Nova York, que decola.
Será seu segundo período no exílio.

Sobral (off)
“... Apelo ao chefe das Forças Armadas no sen-
tido de fazer cessar imediatamente o procedi-
mento irregular dos coronéis encarregados do
IPM, que estão transformando a vida do ex-pre-
sidente da República num verdadeiro inferno.
Seus atos desrespeitosos ferem, não apenas o
indivíduo, mas o próprio cargo de Presidente da
República por ele exercido. A roda da fortuna é
caprichosa. Amanhã V. Excia. também poderá
sofrer atentados e desrespeitos iguais aos que
está sofrendo, neste instante, o criador de
Brasília...”.

Corta para:

85
Int. – Vila Militar – Sala de quartel – Noite

Costa e Silva joga pôquer.


Reunião de oficiais. Os militares se irritam com a persistente
popularidade de JK, que se reflete nas vitórias eleitorais de
Negrão e Israel no Rio e em Minas. Reúnem-se na Vila Militar
os principais comandantes.

Oficial
A popularidade de JK com o zé povinho é into-
lerável. Na minha opinião, o único jeito é botar
na cadeia.

Oficial 2
Vamos prender JK, Negrão e Israel!

Vários oficiais
Vamos prendê-los. Cadeia para os subversivos
e os corruptos. Vamos prendê-los! Agora!

Costa e Silva
Não.

Oficial 1
Não?... O que vamos fazer, então?

Costa e Silva
(sorri) Vamos jogar pôquer.

Costa e Silva joga pôquer.

Oficial
Pra conter a maré contra-revolucionária, o pró-
ximo presidente deve ser o general Costa e Sil-
va, atual ministro da Guerra. Não aceitaremos
alternativa!
86
Close de Costa e Silva jogando pôquer.

Oficial
Vamos comunicar ao presidente Castelo Bran-
co que aceitamos que Negrão e Israel tomem
posse. Mas a presidência da República é assun-
to mais sério. O general Costa e Silva será o pre-
sidente. Não há negociação possível neste pon-
to.

Costa e Silva joga pôquer.

Int. – Sala de Lacerda – Dia

Lacerda está irritado falando com amigos.

Lacerda
O Ato Institucional número 2 não atende as
promessas da Revolução de devolver o poder
aos civis e voltar à normalidade democrática. A
nomeação do general Costa e Silva, em que pe-
sem suas qualidades como cidadão e soldado,
ameaça perpetuar uma dinastia de militares no
poder. Não era isso que o povo esperava do pre-
sidente. Castelo é mais feio por dentro do que
por fora.

Ext. – Opala – Fachada da casa de Diana – Dia

Opala chega à casa de Diana. Geraldo salta com um maço de


cartas.
Entra.

87
Int. – Casa de Diana – Dia

Sonia, triste e chorosa, ao lado de Diana.


Geraldo entra, estende uma maço de várias cartas.
Geraldo
Recebi isto. São cartas do doutor Juscelino, de
Nova York. A Zélia me entregou ontem. É para
a dona Sonia.

Diana
Obrigada, Geraldo. Pode deixar na mesa.

Sonia levanta rapidamente e pega as cartas.

Geraldo
Com licença.

Diana
Estarei lá dentro se quiser conversar.

Geraldo e Diana saem.


Sonia começa a ler as cartas.

Fusão.

Int. – Quarto em Nova York – Noite

JK escreve carta para Sonia.


São tempos duros, depressivos. O exílio em NYC é, para JK,
ainda mais doloroso do que em Paris. CAM vai da carta ao
rosto de JK e vice-versa.
Texto de carta:

88
JK (off)
Ostracismo, exílio ou que nome tenha, é a mes-
ma coisa que arrancar uma árvore com todas as
raízes e levá-la para ambiente diferente. É a
mesma coisa que matá-la. No meio do caminho
perdi minha alma. Não sei mais quem sou e o
que quero fazer.

Fusão com rosto de Sonia.

Int. – Casa de Diana – Noite

Sonia escreve carta para Juscelino.


CAM vai da carta pro rosto, etc.
Fusão.

Ext. – Céu estrelado – Noite

Céu estrelado.

Sonia (off)
As estrelas ainda escrevem o teu destino. Do
Juscelino simples que ama a sua terra. O céu do
Brasil não quer perder a sua estrela mais inten-
sa, e ela está em seus olhos, pois é você quem
vê o país com o maior otimismo. Não perca isso,
meu amor. Não deixe que a mediocridade dos
homens daqui apague a tua luz. Você é o ho-
mem que mais admiro e amo. Te espero. Sonia.

Int. – Correios – Dia

Detalhe da carta fechada nas mãos de Sonia que a deposita no


correio.
Ela sai, mas CAM descobre os Homens de Terno, fica, segue-
89
os e penetra nas dependências do Correio.

No interior do Centro de Distribuição dos Correios, um fun-


cionário seleciona algumas cartas endereçadas para Juscelino
Kubitschek. Detalhe das cartas. Ele entrega essas cartas aos
Homens de Terno. Algumas são devolvidas depois de examina-
das, são cartas de políticos; outras são apreendidas pelos Ho-
mens de Terno; são as cartas de Sonia.

Quarto de hotel em Nova York – Casa da serra

Telefonema JK/Sonia.
Sonia ao telefone.

Sonia
Como é bom ouvir sua voz! Como está você,
meu amor?

Corta para:
Juscelino ao telefone.

JK
Eu estou bem. Mas e você? Pensei que já havia
me esquecido.

Corta para:

Sonia
Esquecer? Impossível! Você não leu as minhas
cartas?

Corta para:

JK
Mas que cartas? Eu te escrevi várias e não rece-
bi resposta!
90
Corta para:

Sonia
Eu respondi! Respondi todas! Será algum pro-
blema com o correio?...

Corta para:

JK
Não. Deve ser outra coisa. É melhor não escre-
ver mais nada. É melhor desligar. Assim que
puder eu entro em contato.

Corta para:
Sonia desligando, preocupada.

Ext. – Rua de Brasília – Casa junto ao lago – Noite

Carro enorme chega numa rua de bairro rico.


Senhores desembarcam e entram na casa. Lacerda não está en-
tre eles.

Int. – Biblioteca – Noite

Senhores bebem e fumam – são militares e políticos ligados ao


governo, os Senhores da Linha Dura. Como sempre, não é pos-
sível distinguir suas feições, pois ou estão na sombra, ou de
costas, ou vistos de ângulos inusitados – tudo meio expressio-
nista.

Eles assistem a fala de Lacerda na televisão.

Lacerda na televisão

Lacerda fala na televisão.

91
Lacerda
Sob o pretexto de salvar a revolução, querem
esmagar a liberdade, de cujo desaparecimento
pretendem ser os beneficiários. Querem que os
ideais revolucionários de março de 1964 cedam
lugar ao oportunismo que julgávamos ter sido
erradicado de nossa vida política.

Senhor 1
Os senhores também pensam o que estou pen-
sando?

Senhor 2
Todos nós vamos concordar, é claro. O acesso
de Carlos Lacerda à televisão está proibido.

Senhor 3
Vamos botá-lo no lugar dele.

Ext. – Ruas – Lisboa – Dia

Táxi levando JK corta as ruas.

Int. – Hotel – Lisboa – Dia

No exílio, JK vai de Nova York para Lisboa.


JK entra no hotel da capital portuguesa. Fala com a recepcio-
nista.
Ela lhe entrega uma chave.

Int. – Quarto de hotel – Dia

JK entra no quarto. Fecha a janela. Uma porta interligada ao


quarto se abre e entra Sonia.

92
Sonia
Meu amor!

JK e Sonia se beijam.

Sonia
A Sarah veio contigo?

JK
Não, está em Paris com as meninas.

Sonia
Eu vim porque tenho de dizer uma coisa séria.
É melhor você não voltar para o Brasil agora.

JK
Como sabe que penso em voltar para o Brasil?

Sonia
Todos sabem, todos sabem que o seu destino é
voltar para o Brasil. Mas o SNI tem pastas e
mais pastas com os podres das principais lide-
ranças da oposição como negociatas, relações
homossexuais...

JK
Era de se esperar.

Sonia
... e adultério! Temo por sua vida, Juscelino.

JK
Não me preocupo com isso. Você veio até aqui
só para me dizer para não voltar ao Brasil?

93
Sonia
Não. Foi para te ver. O aviso é uma desculpa.
Nem a idéia de encontrar a Sarah me amedron-
tou. Eu não tinha outra forma de te ver a não
ser vindo para a Europa.

JK
E o Jonas, o que disse a ele?

Sonia
Que estávamos em férias conjugais.

JK
E ele aceitou?

Sonia
Acho que ele anda apaixonado por uma moci-
nha...

JK
(rindo) Igual a mim...

Os dois riem e se beijam.

Ext. – Ruas – Lisboa – Dia

JK e Lacerda chegam para a primeira reunião da Frente Ampla.

No Opala de JK, ele e Renato Archer.


No carro de Lacerda, ele e seus assessores.
Os carros páram. Lacerda e JK saltam.
Quando se encontram, olham-se nos olhos – como fazem os
lutadores de boxe quando se defrontam no meio do ringue, an-
tes da luta.
E entram.
94
Int. – Sala do hotel – Lisboa – Dia

Encontro de JK com Lacerda em Lisboa para a articulação da


Frente Ampla, o chamado Pacto de Lisboa.
JK e Lacerda entram. Longuíssima conversa entre os dois
Depois passam para outra sala. Elipse da reunião.
Quando saem, parecem mais descontraídos.
Os repórteres se aproximam.
Os dois políticos são fotografados e dão declarações.

Lacerda
É fácil ser inimigo político de Juscelino. Mas ser
seu inimigo pessoal, principalmente depois de
conhecê-lo, é impossível. Sua simpatia é irresis-
tível.

Juscelino
Os que se prendem ao passado, perdem o futu-
ro. O perdão exige mais grandeza do que o ódio.
Damos um grande exemplo de coragem, passan-
do por cima das mágoas e estendendo a mão ao
adversário de ontem.

Int. – Hotel – Lisboa – Dia

JK entra e se dirige para a recepção. Funcionário estende-lhe


um telegrama.

Funcionário
É para o senhor.

Juscelino
Obrigado.

JK abre o telegrama e lê.


95
Julio Souza (off)
“Querido cunhado. Tenho a notícia mais triste
possível para dar. Sua irmã faleceu hoje. Quere-
mos muito que você esteja aqui para o enterro,
precisamos de você. Já entramos em contato
com as autoridades e seu desembarque no Bra-
sil está permitido”...

Ext. – Opala – Ruas do Rio – Dia

Opala atravessa as ruas do Rio de Janeiro. JK contempla a Ci-


dade Maravilhosa.
Um carro com Homens de Terno segue o Opala. JK fala com
Geraldo.

JK
Meus passos são seguidos, meu telefone é gram-
peado, as humilhações se sucedem. Antigos
aliados se afastam de mim. Alguns condenam
minha aliança com Lacerda. Jango, em Monte-
vidéu, vai aderir. Mas Arraes e Brizola ficaram
contra.

JK olha pela janela e percebe que estão sendo seguidos pelo


carro dos Homens de Terno.

JK
Não olhe ostensivamente. Estamos sendo se-
guidos.

Geraldo
Pode deixar comigo, presidente. Vamos despistá-
los.

Corrida de despiste pelas ruas de Rio.


96
Depois que o carro dos Homens de Terno não está mais à vista,
Opala sobe a serra.

Int. – Casa na serra fluminense – Noite

Lareira acesa, ambiente romântico.


Sonia entra e entrega um cálice de vinho para Juscelino.

Sonia
Faz muito tempo que não nos encontramos aqui.

JK
O exílio foi um martírio. Ficar tanto tempo lon-
ge dos teus carinhos! Se não fosse o seu ímpeto
de me visitar em Lisboa...

Sonia
Foi uma loucura, não foi?

JK
Até a nossa correspondência foi confiscada...

Sonia
Eu escrevi tantas cartas bonitas, estava tão ins-
pirada!

JK
O que será que pretendem com elas?

Int. – QG dos Homens de Terno – Noite

Homem de Terno lê as cartas de Sonia e cai numa gargalhada


grosseira.

97
Homem de Terno
(lendo) “Meu amor. Nesses dias tristes vividos
por nosso país, meu consolo é a lembrança dos
momentos que passamos juntos...” É uma va-
gabunda! Um marido dedicado como aquele seu
Jonas não merece uma vagabunda dessas. E a
dona Sarah, boa esposa, tão gentil com todos,
merece essa sem-vergonhice? Eu vou tomar uma
atitude, dar uma chance para o Jonas lavar a sua
honra. Há-Há...

Int. – Gabinete de Sobral Pinto – Dia

JK está diante de Sobral, que remexe em seus inúmeros papéis.

JK
Então, doutor Sobral. Melhorou a situação?

Sobral
A do país ou a sua?

JK
As duas.

Sobral
Ambas pioraram. Meu caro Juscelino. Célio
Borja, presidente da Câmara, recusou convida-
lo para o 15o aniversário de Brasília. A Juíza
Maria Rita Soares de Andrade, da 5a Vara da
Justiça Federal, decretou a prisão preventiva de
Juscelino Kubitschek de Oliveira, baseada no
Artigo 312 do Código Penal, com pena prevista
de 12 anos, por irregularidades na aquisição de
material para o Hospital Distrital de Brasília.
Alcino Salazar, procurador-geral da República,
98
pede o seqüestro dos bens do ex-presidente. E
assim por diante. O amigo é alvo de boatos con-
tra sua honra, denúncias de corrupção, proces-
sos etc.

JK
Sinto que o cerco se aperta. Perdi a eleição para
a Academia Brasileira de Letras. Foi a primeira,
a única, derrota eleitoral em minha vida. Disse-
ram que se eu fosse eleito, o presidente da Re-
pública não compareceria mais às sessões da
Academia. Não me perturbei. Naquela noite, co-
memorei a derrota dançando com as minhas fi-
lhas. Agora só quero sombra e água fresca.

Ext. – Carro – Estrada – Goiás – Dia

Juscelino e Geraldo estão no Opala, percorrendo terras.


Um amigo do local acompanha Juscelino.

Amigo
Que tipo de terra o senhor prefere?

Juscelino
Quero um lugar em que eu possa descansar.

Corta para:

Fazendinha em Luziânia – Dia

Seqüência de montagem.
As atividades de JK na fazendinha, represando águas do riacho
num dique, para irrigar suas terras, etc.
Parece que ele resolveu se dedicar às atividades rurais.

99
Ext. – Estrada – Goiás – Opala – Dia

Raios. Trovoadas.
O Opala chega a uma bifurcação e pára na estrada. A visuali-
zação das placas está prejudicada pelas chuvas. Uma placa in-
dica a estrada para Brasília, uma boa estrada e a outra para
outro lugar, uma estrada ruim (verificar).
Dentro do carro.

Juscelino
Geraldo, diminua a velocidade. Não é prudente
continuar nessa viagem.

Geraldo
Por aqui segue por Brasília.

Juscelino respira fundo e fecha os olhos.

Juscelino
Então vamos passar pela cidade.

Geraldo sorri.

Ext. – Ruas – Brasília – Noite

Chove forte. O Opala passa em frente à Esplanada dos Minis-


térios.

Juscelino
Como sempre, os pingos d’água parecem laran-
jas caindo do céu.

O Opala pára em frente à sede do governo no Planalto. Jusce-

100
lino sai do carro. Anda na chuva. Um carro passa e alguém o
olha de relance. Juscelino volta para o carro. E vai até a cate-
dral. O carro estaciona.

Int. – Catedral – Noite

Juscelino admira a catedral.


A nave central. Música religiosa.

Ext. – Linha de tiro – Dia

Linha de tiro de fuzil ou rifle. Som de tiro interrompe a música


religiosa.
Tiro certeiro na mosca. E outros igualmente certeiros.
Quem atira é Lacerda. Ele comemora os tiros.

E acorda das fantasias que dominam sua mente na vigília, arre-


gala os olhos.
Lacerda vai abrir a boca, para gritar, protestar... mas se cala, de
boca aberta.
Freeze.

Ext. – Casa isolada – Noite

Carro chega numa rua de bairro rico.

Int. – Biblioteca – Noite

Senhores da Linha Dura bebem e fumam – são militares e polí-


ticos ligados ao governo. São vultos pouco distintos, no escuro,
em ângulos insólitos, tipo expressionista. Só um deles, o que
fala, é visto com clareza.

101
Militar
A Frente Ampla é intolerável. JK, Jango e
Lacerda devem desaparecer da vida pública do
Brasil, assim como estirpamos Arraes e Brizola.
Com essa doença do Costa e Silva, tornar-se
urgente fazermos uma Junta Militar que dirigirá
o país até as próximas eleições pelo Parlamen-
to. Precisamos de novos instrumentos legais para
controlar a situação de maneira adequada. Pre-
cisamos suspender o hábeas-corpus, fechar o Con-
gresso, acionar a censura total à imprensa e de-
mais meios de comunicação de massa, fazer de-
tenções sem autorização judicial e tomar outras
medidas igualmente necessárias. Precisamos, em
suma, de um outro Ato Institucional, o de nú-
mero cinco. Assim, liquidamos a tal Frente
Ampla. E botamos Juscelino, Lacerda, Renato
Archer e outros onde devem estar: na cadeia!

Imagens do Brasil, na época.

Narrador (off)
Texto do AI- 5: os trechos mais totalitários.

Fusão.

Int. – Teatro Municipal – Noite

Dó de peito de um tenor ou de uma soprano.


Grande ópera no palco do Teatro Municipal.

Ext. – Frente do Teatro Municipal – Noite

JK sai do Teatro Municipal.


Ouve-se a ópera na trilha sonora.
102
A noite das prisões, durante a ópera no Municipal. As prisões
de Lacerda, Archer e JK, em cross cutting com a ópera do Muni-
cipal (estilo Coppola, Godfather 3).
Em frente ao Teatro Municipal, JK está sendo esperado por
soldados armados.
Um sargento se adianta.

Sargento
Senhor Juscelino Kubitschek de Oliveira?

JK
Sim, o que há, sargento?

Sargento
O senhor está detido. Me acompanhe pacifica-
mente. É para seu próprio bem.

Os soldados cercam JK, fazendo um círculo em torno dele,


apresentando suas armas. O sargento indica o caminho e eles
saem nessa formação. JK procura Sarah com o olhar. Sorri e faz
um gesto bem humorado significando “o que é que eu posso
fazer?”
Sarah é levada por amigos.
Ao ser colocado numa viatura, Juscelino é agredido fisicamen-
te por um major.

Teatro Municipal – Noite

Grande ópera no palco do Teatro Municipal.


Ária melodramática e grandiloqüente.

Casa de Lacerda – Quartel da PM

Carlos Lacerda é preso em casa e levado para o quartel da Polí-


cia Militar na Rua Frei Caneca.
103
Teatro Municipal – Noite

Grande ópera no palco do Teatro Municipal.


Ária melodramática e grandiloqüente.

Ext. – Saída de restaurante – Noite

Renato Archer é detido por militares na saída do restaurante


Antonio’s, no Leblon.

Teatro Municipal – Noite

Grande ópera no palco do Teatro Municipal.


Ária melodramática e grandiloqüente.

Ext. – Estrada – Viatura militar – Quartel – Noite

Viatura leva JK por estradas do antigo Estado do Rio em dire-


ção a São Gonçalo.

JK chega ao Terceiro Regimento de Infantaria, em São Gonça-


lo.
E é levado para o primeiro interrogatório.

Int. – Sala de interrogatório – Quartel – Dia

JK, em pé, cercado por um sargento, cabos e soldados.

Militar a paisana
Diz aqui no jornal que o senhor é a sétima for-
tuna do mundo. Conta só pra gente, como é que
o senhor conseguiu tanto dinheiro? Rouban-
do, é?

Juscelino
Não diz “aí no jornal”. Quem diz são meus
104
adversários políticos. Um adversário sem escrú-
pulos não hesita em inventar um absurdo des-
ses.

Militar
Todo mundo sabe que o senhor ficou rico.

Juscelino
Minhas modestas posses foram fruto do meu
trabalho. Um trabalho, caso o senhor não saiba,
de extrema importância para o futuro deste país.

Militar
Vai me dizer que o senhor e seus amigos não se
locupletaram com a construção de Brasília.

Juscelino
Tudo que foi gasto em Brasília foi absolutamente
necessário para as obras. Nem um centavo foi
desviado. Não houve o menor desperdício.

Ext. – Quartel de São Gonçalo – Dia

Automóvel chega no quartel. Pára e saltam dona Sarah e o dou-


tor Salles, médico de JK.
Eles entram.

Int. – Sala de visitas – Quartel – Dia

JK recebe a visita de Sarah e de seu médico, doutor Salles.

JK
O governo militar tenta me destruir de qualquer
maneira.

Sarah
As acusações são absurdas. Dizer que Juscelino
105
usou a Presidência para amealhar “a sétima for-
tuna do mundo” é simplesmente ridículo. Não
temos sequer recursos para viver no exterior,
somos obrigados a recorrer aos amigos.

JK
Não tenho um único centavo em banco estran-
geiro... Minha única fortuna é a compreensão e
o carinho do povo brasileiro.

Int. – Casa de Jonas – Noite

Abre no revólver empunhado por Jonas.

Jonas anda de um lado para outro de revólver na mão. Chega


Sonia cheia de compras de boutique. Jonas se aproxima dela e
lhe dá um tapa na cara que a faz cair no chão. Joga as cartas em
cima dela.

Jonas
Quantas vezes você mentiu para mim para se
encontrar com esse velho?

Sonia
Quem te falou? Quem?

Jonas
A polícia! O Serviço de Informações do gover-
no! Veja se isso é forma de descobrir! Era me-
lhor até que eu tivesse pego você na cama com
aquele velho brocha!

Sonia
Você tem que respeitá-lo mais, é um grande
homem, um homem muito digno.
106
Jonas
Eu não quero saber de dignidade. Um político
pode ate perder a própria esposa, não para ou-
tro político! Essa derrota é demais!

Sonia
Mas há muito que vivemos de aparências, você
mesmo falava isso. Ou acha que eu era tão in-
gênua a ponto de pensar que você não me traía?

Jonas
Não me interessa o que você pensa. E se isso
sair no jornal?... Você vai desmentir!

Sonia
Eu vou arrumar as minhas coisas.

Jonas
Como? Vai embora? Você vai destruir o pouco
que resta da vida dele também! Se isso virar um
escândalo Juscelino será aniquilado de vez!
Mulher estúpida!

Sonia
Se você falar mais alguma coisa ou encostar a
mão em mim de novo, eu vou à imprensa e aca-
bo de vez com a tua imagem!

Jonas
Você não teria coragem!

Sonia
Tem certeza?

107
Sonia sai.
Jonas deixa a arma cair e soca a parede.

Ext. – Ruas do Rio – Dia

Multidão nas ruas do centro do Rio.

Sarah sai para fazer compras e é seguida pelos Homens de Ter-


no. A princípio, ela não repara, mas em seguida começa a des-
confiar. Eles a cercam e a conduzem para uma rua deserta e
mostram suas armas. Sarah pensa que está perdida, mas a única
coisa que fazem é estender-lhe um maço de cartas. A seguir,
afastam-se.

Sarah olha as cartas. DEST. O destinatário é sempre seu mari-


do. O remetente é um par de iniciais: S.

Int. – Sala dos Kubitschek – Rio – Dia

Sarah lê as cartas de Sonia para JK.


Tocam na porta. Sarah abre-a e recebe o deputado Jonas.

Jonas
Dona Sarah, o motivo que me traz a sua presen-
ça é muito delicado, constrangedor mesmo. Tra-
ta-se de minha mulher. E de seu marido.

Jonas joga as cartas na mesa.


Sarah sorri e mostra as cartas que também recebeu.

Sarah
Também recebi essas cartas, deputado.

Jonas
E não pretende fazer nada?
108
Sarah
O que vou fazer é assunto meu e do meu mari-
do. O senhor que cuide melhor de sua esposa.
Com licença.

Sarah se levanta e mostra a porta da rua para Jonas.

Sarah
E se o senhor tiver a intenção de divulgar essa
notícia para a imprensa, eu mesma vou me en-
carregar de desmenti-lo. Passe bem, deputado.

Int. – Quarto dos Kubitschek – Noite

Juscelino e Sarah estão de pé, perto da cama de casal.


Mas é como eles não se atrevessem a sequer sentar nela.

Sarah
Eu sempre lhe dei todo meu apoio. Saber dessa
forma de uma traição e por todo esse tempo é
uma punhalada muito profunda.

JK
Eu perdi o controle. Por várias vezes quis lhe
contar, mas os acontecimentos iam se atrope-
lando, nós saímos do Brasil, voltamos...

Sarah
Você quer se desculpar por não ter me falado
ou por ter me traído?

JK
Por não ter sido sincero com você.

Sarah
Para você parece que esse relacionamento não

109
significa somente uma aventura. Uma aventura
não duraria tanto tempo.

JK
Não é uma aventura.

Sarah olha para Juscelino fixamente.

Sarah
Até ler estas cartas eu pensava que te conhecia
melhor que qualquer pessoa neste mundo...

JK
Mas isso ainda é verdade...

Sarah
Não, não é. O homem que ama esta mulher das
cartas não é o meu marido, não é o Juscelino
que conheço.

Juscelino ameaça abraçá-la, Sarah o impede.

Sarah
Juscelino, você ficou comigo por pena?

JK
Não. É por tudo que passamos, e também por-
que não sei viver sem você ao meu lado.

Sarah fecha os olhos e suspira.

Sarah
Estou muito velha para brigar por homem. Já
tomei uma decisão.

JK
Não me deixe, Sarah, agora não.

110
Sarah
Não vou deixá-lo. Mas também não vou ficar
com você. Vamos continuar juntos, mas em
quartos e vidas separadas. Só me chame para os
compromissos oficiais e isso se eu achar que
devo, não a você, mas ao país.

JK
Sarah, por favor...

Sarah
Não entre mais neste quarto, senão faço um es-
cândalo!

Ext. – Fazendinha em Luziânia – Dia

Um carro chega na fazendinha. Sarah sai de um dos carros jun-


to com Vitor Nunes, ministro do Supremo e seu consultor jurí-
dico. Geraldo os observa de longe.

Int. – Fazendinha em Luziânia – Dia

Entra Sarah, JK está andando de um lado para o outro, ele não


se sente bem. Vitor cumprimenta JK.

Sarah
O Vitor veio para nos ajudar a iniciar o proces-
so de separação.

Vitor
Eu penso que a melhor atitude agora é uma con-
versa. Não devemos tomar nenhuma decisão
quando estamos aborrecidos.

JK
Sarah, é melhor dar mais tempo. Não vamos fa-
lar nisso agora.

111
Sarah
Não será um desquite. Penso numa separação
de corpos. Não podemos fazer isso, Vitor?

Vitor
Vamos conversar. Eu não vejo sentido para tan-
to. A minha presença aqui agora é como amigo,
não como advogado.

JK
Por que não mantemos as coisas como estão?
Até sabermos o que é melhor, se é partirmos
para o desquite ou a separação de corpos.

Juscelino, com mal estar, vai andando, se apóia na parede e fica


olhando para fora da casa. Vitor se aproxima. Fala baixo.

Vitor
Sarah, como disse, estou aqui como amigo. Por
que não manter essa separação de corpos que
vocês já estão vivendo? Não há necessidade de
mais nada agora. Tenho certeza que vocês vão
voltar a viver juntos.

Sarah olha para Juscelino que gesticula sem se sentir bem.


E sai.

Ext. – Fazendinha – Dia

Sarah sai para o jardim.


JK vem atrás dela.

JK
Posso falar com você?

112
Sarah
Eu também estou querendo falar com você. Não
vou acelerar nenhum processo de desquite, va-
mos continuar assim.

Juscelino se sente mal.

Sarah
Você tem que ir ao médico. Quando é a consul-
ta com o doutor Cláudio?

JK
Amanhã.

Int. – Consultório médico – Dia

Médico olha os exames. JK sentado diante dele.

Médico
Infelizmente não é mais uma suspeita.

JK
É carcinoma?

Médico
É carcinoma da próstata.

JK
E você acha que seria melhor tratar fora do Bra-
sil?

Médico
Aqui temos médicos competentes... Não há dú-
vida. É preciso operar. Imediatamente!

113
JK
E quais são as conseqüências?

Médico
Lamento, mas a operação resultará no fim de
sua vida sexual. Pense que este é o preço que
você deve pagar por sua própria vida.

(EXPLICAÇÃO MÉDICA PARA O TRATAMENTO, A


OPERAÇÃO E A IMPOTÊNCIA COMO CONSEQUÊN-
CIA.)

JK
Eu não sei o que pensar. Tenho que aceitar a
situação mas, para um homem, as conseqüên-
cias da operação são deprimentes. Ficarei im-
potente.

Dr. Clifford
Os exames não deixam dúvidas.

Int. – Casa de Sonia – Rio – Dia

Sonia arruma a casa.

Ext. – Rua da casa de Sonia – Dia

Táxi de JK chega.

Int. – Casa de Sonia – Rio – Dia

Juscelino abre a porta. Sonia o abraça alegremente.

Sonia
Oi, querido. Que bom que você está aqui.

114
JK
Eu precisava vê-la. Precisava olhar nos seus
olhos.

Sonia
Venha descansar um pouco.

Corte descontínuo. Sonia serve chá.

Sonia
O que o médico disse?

JK
O tratamento será demorado. É câncer na prós-
tata. A operação necessária é terrível, tem sé-
rias conseqüências.

Sonia o abraça e chora.

Sonia
Desculpe eu me comportar assim, não sou forte
como a Sarah.

JK
Eu ainda nem contei para a Sarah. Vim direta-
mente do consultório. Você foi a primeira pes-
soa que pensei em contar. Você tem me ajuda-
do todos esses anos, você não tem idéia...

JK empurra Sonia para olhá-la de frente, ela continua chorando.

JK
Sonia, a operação me deixará impotente.

Sonia reage, parando de chorar, e o abraça.


115
Sonia
Meu querido...

JK
Eu acho que não posso mais exigir que você se
comprometa comigo. Estou velho e doente.
Você tem uma vida ainda para viver, pode até
mesmo conhecer outra pessoa.

Sonia
Você não pode se preocupar com isso!

JK
Por que não? Não tenho mais nada a lhe ofere-
cer, nada! Você entende o que significa para nós
a minha impotência? Eu preciso deixá-la livre,
não é justo com você que...

Sonia
(corta) Não, meu amor! Você é a minha vida! Do
jeito que tiver de ser! Prefiro viver desse modo
a seu lado do que te perder. Não me diga para te
deixar! Eu não seria capaz disso.

Juscelino chora.

Sonia
Você sempre me disse: aconteça o que aconte-
cer, nada deve mudar entre nós. Continuo pen-
sando assim. Nada vai mudar entre nós. Ou
melhor, eu mudarei.

JK
Como?

Sonia
Serei ainda mais carinhosa.
116
Eles se abraçam.

Ext. – Rua da casa de chá – Dia

Muito movimento na rua.


Surge Sonia entre os transeuntes. Ela se dirige para a casa de
chá.

Int. – Casa de chá – Dia

Sarah está sentada, nervosa. Entra Sonia.

Sarah
Sonia, agradeço ter atendido o meu chamado.
Faz tanto tempo que não nos encontramos. A
vida tomou outro rumo.

Sonia
O que posso fazer pela senhora?

Sarah
Peço a sua sinceridade.

Sarah mostra as cartas. Sonia mantém a frieza.

Sarah
Sei que estas cartas são de longa data. São suas?

Sonia confirma com a cabeça.

Sarah
Você ainda tem algum contato com ele?

Sonia permanece muda.

117
Sarah
Não sei o que você pretende conseguir manten-
do um caso com um senhor de mais de 70 anos
de idade, impotente e praticamente arruinado.

Sonia
Eu o amo.

Sarah
Você devia ter deixado a minha família em paz
há muitos anos.

Sonia
Eu nunca me envolvi com a sua família, me
envolvi com o Juscelino, e nunca pedi que ele
desistisse da família.

Sarah
Falando assim parece que você está fazendo um
ato de caridade! Você quer que eu lhe agradeça?

Sarah levanta, jogando as cartas de Sonia na mesa, e sai.

Int. – Biblioteca – Noite

Reunião dos Senhores da Linha Dura avalia os acontecimentos


e conclui que providências drásticas devem ser tomadas para
salvar a “revolução”.
Como sempre, são vultos mergulhados nas sombras, vistos por
ângulos inusitados, meio expressionistas.

Senhor 1
Nosso principal obstáculo continua a ser Jusce-
lino Kubitschek.

118
Senhor 2
Sem dúvida. Não devemos subestimar o seu
poder de mistificação. Se permitirmos uma elei-
ção direta, ele provavelmente seria eleito.

Senhor 3
Sou a favor de uma providência enérgica.

Senhor 1
Mas uma ação extrema de nossa parte pode pro-
vocar uma reação violenta de seus seguidores.

Senhor 3
Ou não... Na verdade, não creio nessa força toda
de JK.

Senhor 1
Você não pode negar a popularidade dele.

Senhor 3
E você não pode prová-la. Quer fazer eleição
pra conferir?

Senhor 2
Tenho uma idéia. Vamos fazer um teste.

Int. – Casa de Inês – Brasília – Dia

7 de agosto 1976.
Toca o telefone. Inês vem atender.

Inês
Alô, oi Hélio, o que é desta vez?

119
Jornalista
Inês, você que é conhecida como uma grande
amiga de Juscelino, inclusive conterrânea dele,
de Diamantina, você pode me confirmar a notí-
cia que recebi dizendo que ele morreu?

Inês
Como? O que foi que você disse? Juscelino
morreu?

Jornalista
Fomos informados que ele foi vítima de um aci-
dente de automóvel na Via Dutra...

Inês
Não! Eu saberia logo se isso tivesse aconteci-
do! Faça uma gentileza, sim, não divulgue nada
ainda. Eu vou pessoalmente checar esse assun-
to e lhe darei retorno. Um dia, espere só um dia.

Inês desliga o telefone e pega sua bolsa.

Int. – Fazendinha em Luziânia – Dia

Telefone toca. Empregada atende.

Empregada
Um minutinho, por favor.

Sarah entra na sala.

Empregada
Dona Sarah, é um jornalista do Jornal do Brasil.

Sarah
Ah, esses jornalistas não desistem de nos inco-
modar. O que será desta vez?

120
Pega o telefone

Sarah
Sim. Como? Acidente com o Juscelino. Que aci-
dente? Quando?

Juscelino entra na sala.

Sarah
Meu caro, ele está parado aqui na minha frente.
Você deve estar confundindo com outro ex-pre-
sidente.

Sarah desliga o telefone.

JK
O que está acontecendo?

Sarah
Era um jornalista do Jornal do Brasil, pergunta-
ram se eu queria fazer alguma declaração sobre
sua morte em um acidente!

Ext. – Fazendinha em Luziânia – Dia

Carro de Inês entra na fazenda.


Inês sai do carro. Juscelino está parado em frente à casa. Ela se
aproxima e o abraça.

Int. – Casa – Fazendinha em Luziânia – Dia

Juscelino e Inês entram abraçados.

Inês
No caminho para cá eu cheguei a pensar que o
121
acidente era verdade. Achei que a morte tinha
chegado pra você...

JK
(gargalhada) Ela deve estar chegando certamen-
te... Sabe, Inês, eu estou encarando essa histó-
ria como um presságio, indicando que realmen-
te a minha morte está próxima.

Inês
E você ainda ri com isso?

JK
Agora estou rindo, mas não consegui dormir esta
noite. Fiquei pensando nesse boato. Até anotei
no meu diário se isso não seria um presságio.
Mas depois me vieram alguns pensamentos: qual
seria a finalidade em divulgar uma morte trági-
ca? Será realmente que meus inimigos tomaram
coragem e planejam me matar?

Inês
Se planejam matá-lo, para que fazer um boato?

JK
Concordo que tomar logo uma atitude seria o
mais lógico, mas eles querem prever a reação do
povo. Até que ponto a minha morte iria enfra-
quecê-los ou fortalecê-los...é como um experi-
mento. Saber que rumo tomar, o que dizer após
a minha morte e aproveitar-se da situação. Um
boato tipo cobaia, um tubo de ensaio...

Inês
Uma trama diabólica! Será possível?...

122
JK
Você duvida? É a sede de poder da política, algo
que não tem limite. Querem arrasar com os mais
ínfimos inimigos.

Inês
Você tem razão. Foi uma sonda. Eles queriam
saber qual seria a reação popular diante de sua
morte. E eu estraguei tudo, pedi que não publi-
cassem a notícia antes do desmentido.

Casa na serra fluminense – Noite

Sonia faz massagens em Juscelino que está deitado sem camisa


no sofá. Ficam uns segundos assim, calados. Ela olha atenta-
mente para ele, depois se afasta para buscar mais óleo, creme...
Juscelino segura o seu braço.

JK
Está bem, não precisa fazer mais.

Sonia
Não quer mais?

JK
Não.

Juscelino se levanta e a abraça.

Sonia
Que abraço apertado. O que há com você? Pa-
rece triste.

JK
Estou meio melancólico. Estamos aqui há al-
123
guns dias, ainda não fui embora e já sinto sau-
dades de você, deste lugar.

Sonia
Fique um pouco mais. Por que ir agora?

JK
Tenho compromissos muito importantes.

Sonia
Parece preocupado. Quer conversar?

JK
Não, agora não. Realmente sinto uma vaga e
doce tristeza, como se não fosse mais voltar
aqui. Como se não fosse mais vê-la...

Sonia
Enquanto estava fazendo a massagem tive uma
sensação parecida, como se não fosse tocá-lo
novamente.

JK
Os pensamentos passam, não vamos nos pren-
der a eles. Infelizmente, querida, tenho que ir.

Sonia
Que pena. Vê? Também já sinto saudades.

Juscelino começa a colocar a camisa.

Sonia
Espere um pouco, querido.

Juscelino
O que foi?
124
Sonia
Tenho um presente pra você.

Sonia sai e volta. Juscelino vai se arrumando.

JK
O que é?

Sonia
(entregando uma caixinha de jóia) Abra.

JK abre. É um relógio de pulso, marca Robert Cart.

JK
Lindo! É um belo presente de aniversário.

Ele o coloca no pulso e a beija.


Detalhe do relógio.

Juscelino
Belo relógio. Obrigado, meu amor.

Sonia
Para você contar as horas em que estivermos
longe.

Juscelino
Então, adeus.

Sonia
Adeus, não. Até semana que vem.

Música religiosa – Angelus, Ave Maria.

125
Ext./Int. – Fazendinha em Luziânia – Dia/Noite

Ao cair da tarde, JK vai sozinho rezar o Ângelus num local que


escolheu para construir a ermida Santa Júlia. Preocupa-se com
a morte, com a possibilidade do fim. Contempla o crepúsculo.

JK
Cada dia conhece sua morte. Cada crepúsculo
me lembra minha própria morte.

O sol cai no horizonte. O crepúsculo e suas cores fantásticas!

Int./Ext. – Hotel Eron – Brasília – Noite

Várias pessoas, lideradas por Inês, aguardam JK. A porta abre e


ele entra. Todos o cumprimentam afetuosamente.

Terraço – Bar do hotel – Brasília – Noite

JK está entre amigos, bebem uísque.

Inês
Juscelino, precisamos conversar sobre o seu ani-
versário. Já pensou em alguma coisa?

JK
Você está mais animada do que eu!

Inês
Lógico! Será uma boa resposta para aqueles que
espalharam o boato do seu acidente! Vamos fa-
zer uma lista de convidados?

Juscelino concorda silenciosamente, com a cabeça.

126
Inês
Tragam caneta e papel!

Inês se afasta para pegar a caneta e o papel. JK vai para a janela


do terraço.
Inês percebe e o segue. Do alto do terraço, JK contempla Brasília
iluminada. Está silencioso, introspectivo, triste.

Juscelino
Tenho a sensação que Brasília não é mais mi-
nha.

Inês
Tipo filha que se casa e o pai acha que ela já
não lhe pertence?

Juscelino
Não, é diferente. É pior.

JK contempla Brasília. Inês mantém os olhos nele.

Juscelino
Sabe que eu cheguei à conclusão de que, hoje,
serei mais útil ao meu país morto do que vivo.
Comigo vivo, eles não vão abrir nem uma fres-
ta.

JK vira-se para Inês.

Juscelino
Será que vou morrer sem ver meu país livre?

Inês sorri, volta-se para os amigos que brincam, bebem, riem.

127
Inês
Juscelino quer saber se ainda vai ver o Brasil
livre. O que vocês acham?

Em resposta, todos cantam baixinho.

Amigos
“Já podeis da pátria filhos/ ver contente a mãe
gentil/ já raiou a liberdade/ no horizonte do
Brasil...”

Música: o “Hino da Independência” funde-se com o “Peixe


Vivo”.

Int. – Bar do hotel – Brasília – Noite

JK e amigos voltam à boate do hotel. Os presentes cantam


“Peixe Vivo”, em espanhol. É uma noite super animada!
JK dança com Inês. JK pára.

JK
Agora está bem.

Juscelino senta. Inês se aproxima.

Inês
E agora, o que quer fazer? Está cansado?

JK
Estou exausto! Vou para a fazendinha descan-
sar.

Inês
Vou chamar o Geraldo para você.

128
Ext. – Avenidas – Brasília – Noite

Geraldo dirige o Opala. Juscelino está atrás.


O Opala cruza a paisagem noturna de Brasília.

JK
Não vou viver para sempre. Um dia, terei de
partir. Quando isso acontecer, quero que você
esteja do meu lado.

Geraldo
Eu estarei, presidente.

JK
Passeie um pouco pela cidade antes de ir para a
fazendinha. Depois pode ir para a sua casa.

Geraldo
Não vai precisar de mim, senhor?

JK
Acho que não, se eu precisar de você eu telefo-
no.

O carro percorre a cidade. JK contempla suas luzes e murmura


baixinho:

JK
Ei JK!... Ei JK!...

Int./Ext. – Fazendinha – Noite

JK não consegue dormir. Ele levanta, sai da casa.

Sarah o vê sair.
129
JK contempla as estrelas.

Juscelino
Eles estão querendo me matar, mas ainda não
foi desta vez.

O telefone toca. JK volta para dentro.

Sarah
Por que vai atender? A essa hora não pode ser
nada bom.

JK atende.

Telefone – Detalhe

O contato é feito por um militar que se identifica como Rosalvo


– de quem só vemos a boca, em detalhe, no bocal do telefone.

Rosalvo
O senhor está convidado para uma reunião com
representantes de nosso governo. É muito im-
portante que não fale sobre isso com ninguém.
O encontro será daqui a dois dias, no Km 2 da
Via Dutra. Ali o senhor será orientado para o
local da reunião. Me telefone quando chegar a
São Paulo, o número é 835788.

Instantes de JK parado, com o telefone na mão.

Int. – Casa de Geraldo – Dia

Dia 20 de agosto de 1976.

130
Amanhece. A luz do sol invade a casa pelas janelas.
O telefone toca. Geraldo atende.

Geraldo
Alô? Sim. Tudo bem, presidente.

Ext. – Aeroporto – Brasília – Dia

O avião decola para São Paulo.


JK olha, pela janela, a vista aérea de Brasília.

Int. – Casa da Manchete – São Paulo – Noite

Dia 21.
JK está com os amigos. Vai até o telefone, tenso e preocupado.

Isolado, JK telefona para Rosalvo, de quem aparece só o deta-


lhe da boca no telefone.

JK
Alô, é Rosalvo?...

Rosalvo
Sou eu, doutor Juscelino. Por favor, preste aten-
ção. Nosso encontro é altamente sigiloso. Nin-
guém pode saber. Ninguém. Isso é necessário
para nossa segurança e para a sua própria. En-
tendeu?

JK
Claro que entendi. Não falei com ninguém. Nem
vou falar.

131
Int. – Casa de Severino – São Paulo – Dia

Dia 22 de agosto, domingo.


Amanhecer.

Severino, de uniforme de motorista da Viação Cometa, termi-


na de tomar café, levantando apressadamente. A esposa entra
e sai da sala arrumando a mesa e dois filhos pequenos que es-
tão comendo.

Severino
Tô atrasado pra chegar na rodoviária. O fiscal
até reclamou outro dia do meu horário.

Esposa
Mas acaba de tomar o café!

Severino
Não, tá bom.

Severino vai saindo, e beija a esposa e os filhos.

Esposa
Não vai correr na estrada por que eles apressam
o teu horário! É perigoso. Eles acham que mo-
torista de ônibus tem que ser piloto de corrida!

Severino
Tá bem, mulher! Eu já sei! você vive falando
isso. Tchau.

Ext. – Frente da Casa da Manchete – Dia

JK e os amigos saem de uma mansão paulistana.

132
JK
Chegou a hora de ir para o Rio, de lá volto para
Brasília.

Amigo 1
A sua companhia foi um prazer.

Amigo 2
Nosso carro vai levá-lo até o aeroporto.

JK
Obrigado.

Juscelino entra no carro.

Ext. – Carro – Dia

Juscelino está na traseira do carro. Motorista na frente dirige.


Começa uma chuva fina.

Juscelino
Não vamos para o aeroporto. Por favor, vamos
para o Km 2 da Dutra. Depois você pode vol-
tar.

Motorista
Sim, senhor.

Motorista estranha.

Ext. – Via Dutra – Estrada – Dia

Chuva fina. O carro cruza a estrada.

133
Juscelino olha a chuva e a estrada.
Placas da estrada indicando o local, Km 2.

Ext. – Rodoviária – São Paulo – Dia

Chegam os passageiros do Dinossauro da Cometa com destino


ao Rio de Janeiro. Entre eles, estão Paulo e Cid. Agentes da
Polícia Federal pedem identificação a todos os passageiros.

Cid
(baixo para Paulo) Isso vai atrasar a viagem! E lá
vem o polícia.

Agente
Identidade.

Paulo
Minha identidade?

Agente
É. Todo mundo tem que se identificar.

Paulo
Desculpe, a gente não sabia que tinha que mos-
trar a identidade para entrar no ônibus.

Agente
É uma determinação que começou hoje. Anda
logo senão atrasa mais a viagem.

Os passageiros dão sinal de desagrado, mas se submetem, re-


signados.

134
Ext. – Via Dutra – Km 2 – Dia

No Km 2, o Opala de Geraldo chega ao posto de gasolina com-


binado e espera por JK.

JK chega, sai do carro. Motorista também salta, trazendo a mala


de JK na mão. Geraldo se aproxima.

JK
Obrigado, amigo. Pode abrir o porta-malas?

Geraldo pega a chave com o motorista, abre o porta-malas, e


pega a mala das mãos do motorista do amigo JK, recolhe pa-
péis, uma pasta preta, um porta-folhas com algumas páginas do
diário, um exemplar da Manchete com Jânio Quadros na capa e
um livro, O Jerusalém.

O motorista vai embora com o carro. Geraldo e Juscelino se


abraçam afetuosamente.

Geraldo
Já arrumei a parte de trás do carro com os tra-
vesseiros. Está bem confortável.

JK
Obrigado, Geraldo.

Geraldo olha preocupado. JK sorri.

JK
Não se preocupe. Está tudo bem.

Os dois entram no carro, motorista e passageiro.

135
Ext. – Opala – Dia

Opala na estrada.
Juscelino conversa com Geraldo.

JK
Já fiz tudo o que tinha que fazer. Sou um ho-
mem realizado. Brasília aí está. É uma obra que
ficará para sempre. O povo me trata com cari-
nho. Mas sou realista. Meu tempo aqui na terra
está acabando. A única coisa que eu queria ago-
ra era morrer.

Geraldo
Vira essa boca pra lá, presidente. Não vai mor-
rer, não.

JK
Minha vida virou uma sucessão de perdas. Per-
di o mandato de senador; perdi meus direitos
políticos; perdi a oportunidade de ser reeleito
presidente da República em 1965; perdi a liber-
dade de viver em meu próprio país; perdi minha
irmã e minha mãe; perdi até uma eleição para a
Academia Brasileira de Letras – a única eleição
da minha vida que não ganhei. É hora de partir.
A morte não é a pior coisa da vida, meu caro. É
apenas a última.

CAM estuda o rosto de JK na iminência da morte.

Ext. – Via Dutra – Ônibus da Cometa – Dia

O ônibus da Cometa entra na Via Dutra. Severino, o motorista,


com olhar cansado.

136
Paulo e Cid, em lugares diferentes dentro do ônibus, olham
pelas janelas.

CAM na estrada.

Ext. – Opala – Dia

Juscelino no banco detrás do carro. Geraldo dirige.

JK
Vamos entrar na estrada que vai para Caxambu.

Geraldo

Por ali?

JK
É

Geraldo estranha.

Geraldo
O senhor é quem manda.

O carro entra na estrada para Caxambu.

Placas na estrada indicam “Caxambu”.

Cross cutting.

Ext. – Beira da Via Dutra – Dia

Gaudêncio, trazendo o neto, pela mão, chega à Via Dutra e


caminha por sua margem.

Cross cutting.
137
Cometa, com Severino, na estrada indo para o Rio, corre.
Paulo e Cid.

Paulo
Acho que o motorista tá tirando o atraso mes-
mo!

Cid
É.

Cross cutting

Scania, com João, indo para São Paulo. João canta música que
toca no rádio.
Gaudêncio e o neto José caminham ao longo da estrada.

Menino
Tou cansado, vovô, me dá colo... Esse sapato tá
muito ruim.

Gaudêncio
Deixa de sê mole, muleque. Pra que tu tem per-
na?...

Ext. – Parada na estrada – Dia

O Cometa faz a parada em Roseira. Os passageiros saltam, in-


clusive Paulo, para fazer um lanche.

Int. – Quarto de Sonia – Dia

Sonia está inquieta. Ela deita, tenta dormir, mas está agitada,
aflita.

138
Ext. – Ônibus – Dia

Os passageiros voltam para o ônibus. Paulo senta numa poltro-


na de corredor, perto do motorista, e sobre a roda dianteira, o
que o deixa numa posição mais alta. Severino liga o Cometa,
arranca, pega a estrada.

Cross cutting.

Ext. – Via Dutra – Dia/Noite

Passagem de tempo, já é entardecer.


O crepúsculo envolve inexoravelmente a Via Dutra, como um
presságio.

O Scania avança no sentido contrário. Severino consulta o re-


lógio de pulso – são quase 6 horas da tarde, a hora do acidente.

O tráfego intenso na Via Dutra, barulho ensurdecedor.

O motorista do Cometa percebe que um Opala entrou na Via


Dutra.

Vários carros correm ao lado do Opala, inclusive uma Caravan.

O motorista do Scania avança em sentido contrário.

CAM para Paulo, no Cometa, reparando na Caravan.

O tráfego intenso na Via Dutra, barulho ensurdecedor.

De repente, Paulo vê o Opala envolvido por um clarão – talvez


uma explosão.

A seguir, o automóvel ziguezagueia por cima do canteiro divi-

139
sório até a pista contrária.
Planos intensos, rápidos. Build up.

O motorista do Scania, João, vê o Opala cruzar o canteiro divi-


sório das pistas e vir na sua direção.

O rosto de Gaudêncio em pânico – ele pega o neto no colo e o


abraça, protegendo-o.

No Opala, o rosto de Geraldo em pânico.


PV de Geraldo: o Scania avança de frente em sua direção.

No Scania, o rosto de João diante do choque iminente.

O roceiro Gaudêncio, na beira da estrada, com o menino no


colo. Do ponto de vista deles, o Opala atravessa o canteiro
divisório da estrada e se choca com a carreta que vem na dire-
ção contrária.

Int. – Quarto de Sonia – Noite

Sonia tem um sobressalto, assustada, como se tivesse ouvido a


batida.

Ext. – Via Dutra – Noite

Fogo e fumaça na estrada. Gaudêncio abraça o neto, para


protegê-lo.

O Opala está em chamas. O Cometa pára; motorista Severino


e passageiro Paulo saltam. Do outro lado, o Scania também
pára, João sai do Scania.

Curiosos se aproximam. Chegam a polícia rodoviária e policiais


civis de Rezende, usando lanternas. Militares sediados em
Rezende, também aparecem.

140
Misteriosos Homens de Terno surgem e rondam o local. Eles
se comportam com a maior discrição. Aproximam-se do Opala
incendiado. Olham para dentro dele.

Morreram no choque Juscelino e Geraldo.

Um policial rodoviário aproxima-se do corpo de Juscelino e


procura seus documentos. Vasculha com uma lanterna. Deta-
lhe da carteira de identidade de Juscelino Kubitschek de Oli-
veira.

Os Homens de Terno aparecem e se afastam.

Int. – Delegacia – Rezende – Noite

Um primeiro laudo sobre a ocorrência qualifica JK como “ex-


presidente da República” e afirma que o acidente ocorreu por-
que o ônibus da Cometa bateu no Opala e indicia seu motoris-
ta, Severino Nunes de Oliveira, da Cometa, por homicídio
culposo.
CAM mostra todos os objetos mencionados pelo perito.

Perito
Um ônibus da empresa Cometa, dirigido por
Severino Nunes de Oliveira bateu na traseira
de um automóvel Opala que, desgovernado,
passou para a pista contrária, colidindo com uma
carreta Scania Vabis dirigida por João Borges.
No acidente morreram o ex-presidente Jusceli-
no Kubitschek e seu motorista Geraldo Ribei-
ro. O motorista do ônibus deverá ser indiciado
como culpado.
No local, foram arrecadados uma calculadora
marca Remington, à pilha, defeituosa; uma pas-
ta preta contendo documentos particulares; duas
141
outras pastas pretas contendo um despertador
Westclox e outros pertences; uma mala conten-
do roupas de uso pessoal; um paletó preto; a
importância de cinco mil quinhentos e oitenta e
dois cruzeiros em moeda corrente do país; e um
relógio de pulso marca Robert Cart.

Detalhe do relógio que, conforme vimos, foi presenteado por


Sonia, marcando a hora da morte – seis horas!

Corta para:

Int. – Quarto de Sonia – Dia

Sonia anda angustiada, aflita. Pega o telefone.

Sonia
Desculpe incomodar, mas a senhora tem algu-
ma notícia do Geraldo? Estou preocupada des-
de de manhã cedo com essa viagem, ele ficou
de passar aqui em casa...

Int. – Casa de Geraldo – Dia

Esposa de Geraldo ao telefone. Televisão ligada.

Esposa
Não, dona, ele não mandou notícia não.

Esposa repara na televisão. Notícia do acidente.

Esposa
Espere aí. A senhora ligue na TV, parece que
tem notícia de um acidente na estrada...

142
Int. – Quarto de Sonia – Dia

Sonia liga a televisão. Assiste a notícia da morte. Ela grita de-


sesperadamente.

Aparece um vulto na porta do quarto: é Jonas.

Sonia fica parada, meio catatônica.

Jonas olha para a mulher um tempo e finalmente vai embora,


fechando a porta do quarto.

Sonia abraça um travesseiro e deita na cama, chorando com-


pulsivamente.

Fade out

Ext. – Memorial JK – Brasília

Fade in

Imagens do memorial. Imagens da repercussão da morte de Jus-


celino. O funeral de JK e a presença dos sempre discretos Ho-
mens de Terno.

Revela-se finalmente o narrador que fala diretamente para


CAM.
Narrador surge diante do Memorial JK.

Narrador (off/on)
A morte de Juscelino teve repercussão imedia-
ta, no Brasil e no Exterior. As circunstâncias são
obscuras. O encontro na fazenda próxima da via
Dutra teria sido, na realidade, uma armadilha?
O boato de quinze dias antes teria sido, na ver-
143
dade, uma tentativa de sondar as reações ao fu-
turo atentado? Há uma ligação entre a morte de
Juscelino em agosto de 1976, e as mortes, tam-
bém misteriosas, dos outros líderes da frente
ampla – Jango, quatro meses depois, em dezem-
bro de 1976 e Lacerda em maio de 1977? São
perguntas que não querem calar.

Imagens reconstituídas correspondem à narração.

Narrador (off)
Jango chegou à fazenda vindo da fronteira, em
Paso de Los Libres, onde almoçou com amigos.
Depois de jantar e de ler um livro, recolheu-se
por volta das 23 horas. Às 2h30min deu um for-
te gemido. Maria Teresa acordou e vendo-o imó-
vel, agarrado ao travesseiro, gritou. Uma secre-
ção era expelida pela boca e narinas do ex-pre-
sidente. Segundo uma testemunha, era eviden-
temente o resultado de uma troca criminosa de
medicamentos. Invés de medicação contra hi-
pertensão, mandaram, em embalagens trocadas,
remédios para aumentar a pressão arterial.

Imagens reconstituídas correspondem à narração.

Narrador (off)
Carlos Lacerda estava com uma forte gripe e
procurou assistência médica na Clínica São
Vicente. À meia-noite, sentiu fortes dores gás-
tricas, e os médicos diagnosticaram um pré-
enfarte. Submetido a um eletrocardiograma,
morreu antes desse exame chegar ao fim, vítima
de enfarte aliado a choque e edema pulmonar
144
agudo. Em menos de 72 horas, uma aparente
gripe o levava à morte. Num hospital que dis-
punha de todos os recursos e meios, como pôde
acontecer essa fatalidade?

Narrador surge diante do Memorial JK.

Narrador
Vamos voltar no tempo, até a primeira dessas
mortes – a de Juscelino Kubitschek de Olivei-
ra. O que terá realmente acontecido naquele
domingo fatídico? Muitas hipóteses foram fei-
tas. Tudo pode ter acontecido assim.

Ext. – Opala – Km 2 da Via Dutra – Dia

JK entra no Opala e o carro dos amigos que o trouxera até ali,


parte.

Geraldo
É uma honra poder servi-lo mais uma vez, pre-
sidente. Quais são as ordens?

JK aponta a Caravan para Geraldo. A Caravan se movimenta.

JK
Siga aquela camionete.

Geraldo
Sim, senhor.

Opala se move na direção tomada pela Caravan.

145
Ext. – Opala – Desvio para Caxambu – Fazenda – Dia

JK observa a estrada. Geraldo dirige, inquieto.

Geraldo
O que está acontecendo, presidente?

JK
Depois te conto.

O Opala dirigido por Geraldo segue pela estrada de Caxambu


até chegar ao portão de entrada de uma fazenda. A Caravan
entra, o Opala atrás.

O carro entra por uma trilha até o estacionamento ao lado da


casa. JK sai do carro e se dirige para a casa da fazenda. É um
dia de inverno, JK esfrega as mãos.
Homens se aproximam para recepcionar Juscelino; reconhece-
mos Rosalvo, de costas.

Rosalvo
Seja bem vindo, doutor Juscelino. Vamos encon-
trar um grupo de militares reunido pelo briga-
deiro Carlos Milton, em nome do governo.

Próxima, está estacionada a Caravan.


Geraldo se acomoda numa rede, oferecida pelo dono da casa, e
cochila.

JK, Rosalvo e os outros entram na casa.

Alguns Homens de Terno saem da Caravan e se aproximam do


Opala.

146
Int. – Sala da fazenda – Dia

JK entra na sala, o fogo da lareira está aceso, pois faz frio.

Cena de alta gravidade. Os homens reunidos com JK são inter-


mediários do poder.
Nós os reconhecemos apesar da pouca luz: alguns deles, pelo
menos, são Senhores da Linha Dura que já vimos em outras
cenas.

Senhor 1
Somos emissários do presidente da República.
Temos a missão de dar os primeiros passos para
um entendimento com vistas ao retorno do po-
der civil no comando do país.

Senhor 2
Entretanto, temos consciência da necessidade
de muita cautela. Não podemos permitir que a
volta dos civis resulte também na volta da sub-
versão e da corrupção que exigiram as provi-
dências saneadoras dos militares.

JK
Senhores, fico feliz ao saber que o atual gover-
no sabe da necessidade de uma volta do país às
normas democráticas. Tenho certeza de que a
democracia é nossa vocação e nossa esperança.

Senhor 3
Não há democracia que justifique a complacên-
cia com o comunismo...

JK
Não há nada que justifique a ausência de demo-

147
cracia. Espero que ela volte, acho inevitável que
volte, pois pretendo ser novamente candidato à
presidência.

Senhor 4
Sua primeira gestão não o recomenda...

JK
Quanto a isso, só me interessa a opinião do povo
brasileiro... Senhores: como ex-presidente, não
estou disponível para nenhuma negociação com
subordinados. Se os senhores me permitem, vou
me retirar, agora, e esperar uma convocação para
um encontro como o próprio presidente. Pas-
sem bem, senhores.

JK vira as costas e vai para a porta. Os Senhores fitam-se,


carracundos, e finalmente o seguem.

Ext. – Opala – Desvio para Caxambu – Fazenda – Dia

JK sai da casa, despedindo-se dos anfitriões, oferecendo-lhes a


mão.

Na rede, Geraldo acorda, salta fora, consulta o relógio, vê que


são uns poucos minutos depois das cinco horas.

JK se aproxima, embarcam no Opala e partem.

CAM fica primeiro nos interlocutores de JK e, logo depois, cor-


rige para a Caravan, que – em seguida – também arranca.

Ext. – Estrada – Dia

O Opala vem pela estrada lateral de Caxambu, no sentido da

148
Via Dutra – e, finalmente, chega lá. Próximo da entrada da
Dutra, Geraldo repara que estão sendo seguidos pela Caravan.

Geraldo
Estamos sendo seguidos.

JK
Por quem?

Geraldo
Pela Caravan que nos mostrou o caminho.

JK
Não fuja. Se quiserem nos alcançar, que nos al-
cancem.

JK se acomoda no banco traseiro, para dormir.

Ext. – Via Dutra – Dia

O Opala entra na Via Dutra na frente do Dinossauro da Come-


ta. São cinco e quinze. Pelo retrovisor, Geraldo vê o Dinossauro
e que a Caravan continua a segui-los.

A Caravan ultrapassa o Opala.

Geraldo verifica que ficou numa situação um tanto desconfor-


tável, atrás da Caravan e com o ônibus atrás dele.
Tenta ultrapassar a Caravan que acelera e fica ao seu lado, em-
parelhada com ele.

É obrigado a diminuir a marcha, olha para o lado e vê fugaz-


mente um homem jovem, de terno, armado com um rifle. Ouve-
se um estampido. Geraldo é iluminado por um clarão, sentindo
o calor forte e incômodo da luz.

149
O Opala em chamas na beira da estrada. O ônibus da Cometa
e o Scania páram dos dois lados da estrada. Seus ocupantes
saltam e se aproximam do Opala em chamas. CAM escolhe
acompanhar o passageiro Paulo, do ônibus. Ele se aproxima do
carro e recolhe do banco um livro dedicado a JK, com o telefo-
ne do autor.

Corta para:

Int. – Quarto do Hotel Serrador – Noite

Já no Rio, Paulo telefona para o autor do livro; fala com o so-


brinho dele que informa o número do telefone do ex-presiden-
te. Paulo liga e dona Sarah atende.

Paulo
Não sei se a senhora sabe, mas houve um aci-
dente na estrada e presume-se que um dos mor-
tos é seu marido...

Sarah
Não acredito nisso. Só este ano, já “mataram”
meu marido duas vezes...

Paulo
Desta vez, é verdade.

Documentário

Retoma as imagens do teaser – a repercussão nacional e interna-


cional da morte de JK, mas agora com a exposição das dúvidas
sobre as verdadeiras circunstâncias que teriam cercado essa
morte.

150
Ext. – Ônibus da Cometa – Dia/Noite

Passageiro Paulo olha pela janela do ônibus e vê um clarão.


Detalhe do clarão.

Narrador (off)
O depoimento do passageiro Paulo Olivier fala
de um clarão antes do choque.

Passageiro Cid olha pela janela do ônibus e vê o Opala envolto


em fumaça.
Opala envolto em fumaça do PV de Cid.

Narrador (off)
O passageiro Cid Viana Montebello diz que viu
o Opala envolto “por grande quantidade de fu-
maça” quando atravessou a estrada para a pista
contrária. Os dois testemunhos sugerem que
houve algum tipo de explosão no Opala antes
do choque com a carreta.

Casa de dona Sarah

Dona Sarah dá entrevista ao repórter do JB. Iconografia.

Narrador (off)
Numa entrevista ao Jornal do Brasil, em 1986,
dona Sarah Kubitschek declara que seu marido
foi assassinado e que sua morte não foi ocasio-
nada por um simples acidente.

Reconstituição dramática da entrevista de Sarah denunciando


o assassinato de JK. Jornalistas em volta de dona Sarah, ano-
tando suas declarações e a fotografando.

151
Sarah
Precisaram matar, espezinhar, destruir Jusceli-
no porque não conseguiram liquidar com sua
força, sua dignidade, sua coragem, seu carisma
de grande líder. Esse acidente foi provocado. Os
militares queriam acabar com as lideranças ci-
vis do país. E agora acabaram. As ameaças fo-
ram muitas e finalmente se cumpriram. Esses
militares tinham raiva de JK porque ele era um
grande homem que nunca escravizou, torturou
ou matou o povo brasileiro. Eles tinham horror
da popularidade de Juscelino.

Imagens de Sarah como viúva.


Fecha até super close de Sarah.

Narrador (off)
Depois dessa entrevista, dona Sarah recebe te-
lefonemas e sugestões que ela não revela. Por
motivos também ignorados, dona Sarah silen-
cia sobre o trágico e obscuro acontecimento. E
pede a parentes e amigos que façam o mesmo.
Nunca mais toca no assunto da morte de JK e
mantém esse compromisso até a morte, em
1996.

Ext. – Memorial JK – Dia

Narrador no memorial.
Imagens documentais conforme a narração.

Narrador (on/off)
O jornalista Valter Meireles colheu informações
de guardas da Polícia Rodoviária de que Geral-
do fora atingido com um tiro na cabeça. As

152
lacerações no corpo de Juscelino também suge-
rem ser resultado de explosivos e, portanto, de
sabotagem deliberada. Mas essas hipóteses sim-
plesmente não foram investigadas.
Só uma perícia minuciosa poderia determinar
se houve outras causas para o evento fatal, como
sabotagem nos equipamentos de segurança, a
colocação de uma bomba no Opala, ou mesmo
um tiro. Na exumação do corpo do motorista
Geraldo Ribeiro, foi encontrado um pedaço de
metal no crânio, um pequeno fragmento de for-
ma cilíndrica de 7mm de comprimento. Um dos
peritos chegou a levantar a hipótese de o objeto
ser um projétil, mas, no laudo final, foi citado
como um “prego”. A perícia minuciosa, que se
fazia necessária, nunca foi feita. Tudo se passa
como se interesses poderosos impedissem a in-
vestigação. As dúvidas permanecem e alcançam
os dias de hoje.

Fade out
Arranjo instrumental do “Peixe Vivo”.

Ext. – Casa na serra fluminense – Dia/Noite

Fade in
Sonia, sozinha, contempla o crepúsculo.
Fade out

Ext. – Descampado – Planalto Central – Noite

Fade in
Céu estrelado. Imagens com qualidade onírica, estranha.

153
Citações em off, do diário de JK.

JK (off)
Olhei para o alto e ainda vi as estrelas...

Juscelino caminha no cerrado e contempla o céu estrelado.

FIM

154
Anexo 1
O que segue foi o primeiro rascunho feito para o filme, então
com o título provisório de JK, o filme, e apresentado para os
produtores Nei Sroulevich e Marcelo França.

JK, O FILME
Esboço de sinopse

PRIMEIRA PARTE
Ascensão e glória

JK criança
Juscelino é apresentado como um menino pobre cujo pai, João
César, morre quando ele, de apelido Nonô, tem 3 anos de idade
e sua irmã, Naná, apenas 2. A mãe, dona Julia, embora ainda
jovem, não pensa se em casar de novo e decide dedicar a vida
aos filhos. As duas crianças crescem ouvindo histórias de dona
Generosa, filha de escravos. Nonô, para ajudar a mãe a susten-
tar a família, compra um carneiro, Gigante, que ele usa para
pequenos fretes, anunciados por uma placa onde se lê: Ligeiro e
Certo. Depois de acompanhar a luta eleitoral pela prefeitura de
Diamantina, o menino declara: – “Um dia hei de ser prefeito!”

Adolescente
Aos 12 anos, Juscelino ingressa no Seminário Episcopal de
Diamantina, como uma maneira de estudar e fazer o ginásio. Se
155
manifestasse vontade de ser padre, poderia estudar de graça
mas é sincero, o que ele quer é tornar-se médico. O padre-rei-
tor, tocado pela franqueza do jovem, faz um abatimento na
mensalidade. Apesar de não saber nadar, Nonô salva um cole-
ga de se afogar num poço. Aos 17 anos, ele vai para Belo Hori-
zonte e ingressa na Faculdade de Medicina.

Juventude
Em BH, Nonô trabalha como telegrafista durante o dia e estu-
da à noite. Fica amigo de Júlio Soares que se apaixona por sua
irmã Naná e casa com ela. Metódico, JK junta dinheiro e viaja
para Paris com o objetivo de especializar-se em urologia. Viaja
pela Europa e o Oriente Médio. No Egito, impressiona-se com
as pirâmides e toma conhecimento de um fato histórico – a
mudança da velha capital de Tebas para o Cairo. Em suas me-
mórias, confessa que diante das ruínas de Tell El-Amarna, an-
tiga capital do Império do Egito, sonha, pela primeira vez, com
uma obra que perdurasse no tempo e fosse lembrada pela pos-
teridade.

Sarah
Juscelino conhece Sarah Gomes de Lemos, filha de Jaime Go-
mes de Lemos, antigo parlamentar que, por 30 anos represen-
tara Minas Gerais na Câmara dos Deputados. Eles se casam em
31 de dezembro de 1931, na Igreja Nossa Senhora da Paz, em
Ipanema, no Rio de Janeiro. O casal terá uma filha, Márcia, e,
durante uma doença dela, adotará outra, Maria Estela. O casa-
mento representou para Juscelino ascensão social e admissão
na grande família mineira.

Benedito Valadares
1932. Os paulistas se rebelam contra Getúlio Vargas. Juscelino
integra as tropas mineiras, como capitão-médico, e conhece
Benedito Valadares que é prefeito de Pará de Minas. Ficam
amigos. Em 1937, Benedito é nomeado interventor em Minas

156
Gerais por Getúlio, e convida Juscelino para ser seu oficial de
gabinete. Em pouco tempo, JK passa a ser chefe do gabinete e
secretário sem pasta no governo estadual. “Política é destino”,
alguém lhe diz. Ele lembra uma noite em que, contemplando o
céu, aponta uma estrela e diz: “Se naquela estrela estiver escri-
to que serei presidente da República, nada me deterá.”

Carreira política
Lançado por Valadares, Juscelino torna-se o deputado federal
mais votado de Minas. Durante a campanha, o povo o saúda
cantando sua canção folclórica predileta, o “Peixe Vivo”. Em
1940, apesar de sua resistência inicial, Valadares o nomeia pre-
feito de Belo Horizonte. Juscelino abandona a medicina e vira
político. Ele se revela um administrador dinâmico e incansá-
vel. Sua escalada política é irresistível; as obras se sucedem,
inclusive Pampulha quando trabalha pela primeira vez com
Oscar Niemeyer. Getúlio é deposto em 1945 mas, em 1950, JK
é eleito governador de Minas. Mais uma vez manifesta-se seu
ímpeto como administrador. Em 1954, Getúlio se suicida e, no
ano seguinte, JK elege-se presidente da República.

Presidente JK
Durante a campanha para a eleição presidencial, seu avião faz
um pouso forçado na pequena cidade de Jataí, em Goiás. Ele
aproveita para fazer um comício improvisado, durante o qual
um popular o desafia: “A Constituição de 1946, prevê a mu-
dança da capital da República para o Planalto Central. O se-
nhor vai cumprir esse dispositivo?” E JK se compromete a fazê-
lo. Há uma tentativa de golpe para impedir sua posse mas, com
o slogan “50 anos em 5”, ele inicia seu governo. O Brasil instala
uma indústria pesada, trocando a pequena manufatura pela pro-
dução de aço e pela química de base, fabricando equipamen-
tos, automóveis, etc. É um novo país, com mais energia elétri-
ca, mais estradas, mais fábricas. O Brasil deixa de ser “um país
essencialmente agrícola”, como se ensinava nas escolas.

157
Obstáculos à modernização
JK enfrenta oposição interna e externa. Grupos militares se re-
belam em Jacareacanga e Aragarças. JK anistia os rebeldes e
enfrenta as pressões internacionais, rompendo com o Fundo
Monetário Internacional em 1959. Os países não-industrializa-
dos estavam condenados a permanecerem como eternos forne-
cedores de matérias-primas. Mas JK vira a mesa. O Brasil vive
os anos dourados de seu governo; as mudanças se manifestam
em todos os níveis – o econômico, o social (o maior salário
mínimo da história do Brasil), o esportivo (Copa do Mundo, em
58), cultural (bossa nova, teatro, cinema), etc. As metas de seu
governo são atingidas – inclusive a construção de Brasília que
é inaugurada no dia 21 de abril de 1960.

Maria Lucia
Em 1958, Juscelino conhece Maria Lucia, então com 26 anos
de idade. Ela é casada com o deputado José Pedroso, do PSD.
Juscelino a convida para um chá no Palácio do Catete e nunca
mais se separam.

Período conturbado
Com o fim do governo JK, o Brasil inicia um período conturba-
do. Jânio Quadros e João Goulart são eleitos – e a transmissão
do cargo é feita num clima tenso, inclusive com suspeitas de
que Jânio atacaria a honra pessoal de Juscelino na posse. JK vai
para Paris e volta ao Brasil com a perspectiva de ter sua candi-
datura presidencial lançada para 1965. Acontecimentos tumul-
tuados, porém, se sucedem. Com poucos meses no cargo, Jânio
renuncia e a posse de Jango só é possível com o parlamentaris-
mo. Juscelino aconselha-o a romper com os sindicalistas, aca-
tar a hierarquia militar e manifestar-se contra o comunismo.
Jango não segue os conselhos e é deposto.

158
SEGUNDA PARTE
Os anos de chumbo

A “revolução”
Na manhã do dia 31 de março de 1964, o embaixador norte-
americano Lincoln Gordon transmite ao secretário de Estado
Dean Rusk a opinião de JK sobre a possibilidade de resistência
ao golpe na forma de uma greve geral de dois ou três dias, mas
que os operários voltariam a seus empregos assim que batesse
a fome. Na tarde do mesmo dia, Washington decide deslocar o
porta-aviões Forrestal e destróieres de apoio – um deles com
mísseis teledirigidos – para as águas brasileiras. A situação mi-
litar é monitorada pelo adido militar americano, coronel Vernon
Walters. O golpe é desfechado, Jango abandona Brasília, inicia-
se o período do regime militar. Menos de 18 horas depois da
posse de Ranieri Mazzilli, Lyndon Johnson envia felicitações
aos novos donos do poder. Lincoln Gordon comenta com
Lacerda: “Vocês evitaram nossa intervenção no conflito”.

Golpe militar
Castelo Branco promete a Juscelino, com sua palavra de honra
pessoal e militar, respeitar o calendário eleitoral para 65 e é
eleito no Congresso com os votos do PSD. Meses depois, en-
tretanto, cassa o mandato de senador de JK e suspende seus
direitos políticos por dez anos. “Esta revolução foi feita contra
Jango mas, 48 horas depois, voltou-se contra mim”, diz Jusce-
lino.

Perseguido e humilhado
O governo militar tenta destruir JK de qualquer maneira, acu-
sando-o inclusive de ter usado a Presidência para amealhar “a
sétima fortuna do mundo”. Mas Juscelino sequer tem recursos
para viver no exterior, sendo obrigado a recorrer aos amigos.
Os militares decidem que o próximo presidente é o general
Costa e Silva e decretam o Ato Institucional 2. Juscelino volta

159
ao Brasil e é detido no quartel da Polícia Militar, na rua Barão
de Mesquita, Rio de Janeiro, onde é obrigado a ficar de pé du-
rante várias horas para ser interrogado por cabos e soldados.
Seus passos são seguidos, seu telefone é grampeado, as humi-
lhações se sucedem. Juscelino pensa inclusive em suicídio. No
sepultamento de sua mãe, dona Julia, ele é vigiado como se
fosse um criminoso perigoso.

O grande amor
O único consolo de Juscelino é seu romance com Maria Lucia.
Mas suas conseqüências são tumultuadas. Quando sabe do caso,
em 1968, José Pedroso, de revólver na mão, ameaça dramatica-
mente matar os dois. Não mata, mas conta tudo a dona Sarah.
O casamento entra em crise. Sarah o proíbe de entrar em casa.
“Não venha aqui senão faço um escândalo”, diz ela. Juscelino
chega a pedir Maria Lucia em casamento, pensa em fugir com
ela para a Austrália, e ela é a primeira a saber que o câncer se
espalha por seu corpo. Quando o médico americano explica
que a operação necessária para salvá-lo encerrará sua vida se-
xual, ele conta a Maria Lucia e a libera de qualquer compromis-
so. Mas ela responde que, por isso, será ainda mais carinhosa
com ele. Os dois se abraçam e Juscelino chora muito.

Frente Ampla
Carlos Lacerda, percebendo que, como civil, seria impossível
chegar à Presidência da República, promove encontros com JK,
em Lisboa, e com Jango, no Uruguai. Seu objetivo é restabele-
cer o poder civil. Mas o governo militar fecha a Frente Ampla e
persegue seus líderes. Quando o Congresso nega licença para a
cassação do deputado Marcio Moreira Alves, decreta o Ato
Institucional 5, consolidando um regime totalitário extremo, com
a abolição de todas as liberdades. Numerosas prisões são fei-
tas, inclusive as de Carlos Lacerda e JK. Ao ser detido, no Tea-
tro Municipal, Juscelino é agredido fisicamente por um major.
É solto, mas permanece em regime de liberdade vigiada. En-

160
tretanto, aonde quer que vá, é saudado por populares que can-
tam o “Peixe Vivo”.

A viagem fatal
Em 7 de agosto de 1976, corre o boato da morte de JK num
acidente de estrada. Ele reage “com uma sonora gargalhada”,
mas acha que é um presságio de morte próxima, conforme ano-
tação em seu diário. “Eles estão querendo me matar, mas ainda
não foi desta vez”, diz Juscelino. No mesmo mês, ele é convi-
dado para uma reunião secreta com militares numa fazenda, na
estrada para Caxambu, na altura do Km 2 da Via Dutra. No dia
21, JK está em São Paulo e, na casa onde se hospeda, procura
um telefone; parece tenso e preocupado. No dia seguinte, 22,
ele embarca no carro colocado à sua disposição, para ir ao aero-
porto voar para o Rio e fazer uma conexão para Brasília, mas
pede ao motorista que o leve ao Km 2, onde embarca no velho
Opala dirigido por seu antigo motorista Geraldo. Quando che-
gam na fazenda, Juscelino desembarca e Geraldo, enquanto o
espera, cochila até acordar com o ruído de uma Caravan mar-
rom que parte. Dentro da casa, discute-se a devolução da dire-
ção do país aos civis. JK declara que não manterá novos encon-
tros com subordinados e propõe um encontro com o próprio
presidente. A reunião, com personagens incógnitos, dura uma
hora e meia. JK embarca no Opala que volta à Via Dutra. En-
tram na estrada na frente de um ônibus Dinossaurus, da Come-
ta. Geraldo percebe que uma Caravan marrom o acompanha.
De repente, há um clarão. O Opala atravessa o canteiro divisó-
rio da estrada e se choca com uma carreta que vem na direção
contrária. Morrem no local Juscelino e Geraldo. Um primeiro
laudo sobre a ocorrência afirma que o acidente ocorreu porque
o ônibus da Cometa bateu no Opala e indicia seu motorista,
Josias Nunes de Oliveira, da Cometa, por homicídio culposo.
Josias, entretanto, nega que seu ônibus tenha batido no Opala
e é absolvido em dois julgamentos. Surge, então, a hipótese que
o acidente teria sido provocado, um atentado deliberado.

161
Suspeitas
Numa entrevista ao Jornal do Brasil, em 1986, dona Sarah
Kubitschek declara que seu marido foi assassinado e que sua
morte não foi ocasionada por um simples acidente. Ela fala de
um ônibus vazio que estaria na frente do Opala e de um outro
carro, ainda mais à frente, que evitava que fosse ultrapassado.
Depois disso, por motivos ignorados, dona Sarah silencia sobre
o trágico e obscuro acontecimento – e pede a parentes e ami-
gos que façam o mesmo.

Discussão
Só uma perícia minuciosa poderia determinar se houve outras
causas para o evento fatal, como sabotagem nos equipamentos
de segurança ou mesmo a colocação de uma bomba no Opala.
Mas ela nunca foi feita. Tudo se passa como se interesses pode-
rosos impedissem a investigação. As dúvidas permanecem e as
discussões alcançam os dias de hoje. O encontro na fazenda
próxima da via Dutra teria sido, na realidade, uma armadilha?
O boato de quinze dias antes teria sido, na verdade, uma tenta-
tiva de sondar as reações ao futuro atentado? Haveria uma li-
gação entre a morte de Juscelino e as mortes, também miste-
riosas, dos outros líderes da frente ampla, Lacerda e Jango, pou-
cos meses depois? São perguntas que não querem calar.

162
Anexo 2
Cenas que faziam parte do primeiro tratamento do roteiro final
e que foram cortadas pelo produtor Nei Sroulevich.

Ext. – Ruas – Praça de Diamantina – Dia

Nonô, com dez anos, para ajudar a mãe a sustentar a família,


tem um carneiro, Gigante que, atrelado a uma carrocinha, ele
usa para pequenos fretes, anunciados por uma placa onde se lê:
Ligeiro e Certo.

Nonô anuncia seus serviços e consegue um cliente que se quei-


xa que “esqueceram dele” e o contrata para levar um material
político à praça onde se realiza um comício.

Nonô
Vambora, Gigante! A gente tá com pressa!

Nonô e cliente chegam à praça. A cidade está em campanha


eleitoral para prefeito. Nonô admira o espetáculo – palanque,
alto-falantes, faixas, etc.
Nonô sorri, ele gosta do que vê.

Narrador (off)
Juscelino Kubitschek de Oliveira é um menino
pobre cujo pai, João César, morre quando ele,
de apelido Nonô, tem 3 anos de idade e sua

163
irmã, Naná, apenas 4. A mãe, dona Julia, embo-
ra ainda jovem, não pensa em se casar de novo
e decide dedicar a vida aos filhos. As duas
crianças crescem ouvindo histórias de dona Ge-
nerosa, filha de escravos.

Uma história de dona Generosa.

Int./Ext. – Festa na escola – Dia/Noite

Música: “Peixe Vivo”

Mãe, dona Julia, leva Nonô e Naná à escola, o grupo escolar,


na qual ela é professora, para uma grande festa que faz a alegria
da criançada.

Há música e Juscelino ouve o “Peixe Vivo” pela primeira vez.


O menino aprende logo a letra e entoa a canção com um sorri-
so de felicidade.

Ext. – Ruas de Diamantina – Dia

Campanha eleitoral. Nonô vê o movimento das ruas, com grande


interesse.
Closes de Nonô.

Dona Julia (off)


Nosso destino está escrito nas estrelas. E sabe
de uma coisa, Nonô ? Nossos antepassados ci-
ganos sabiam muito bem disso.

Ext. – Descampado em Diamantina – Noite

JK sempre acreditou, desde menino, que seu destino estava


escrito nas estrelas. Por isso, Carlos Heitor Cony diz que JK

164
tem um “lado cigano”. Depois de acompanhar a luta eleitoral
pela prefeitura de Diamantina, Nonô – ao lado de dona Julia –
contempla o céu estrelado.

Dona Julia
As estrelas sabem o nosso futuro, filho. Elas
aparecem no céu da noite para que a gente pos-
sa saber também.

Juscelino criança
Meu futuro também, mamãe?

Dona Julia
O de todo mundo, querido.

Juscelino criança
Olha lá minha estrela, mamãe.

E Nonô aponta uma estrela com o dedo.

Juscelino criança
Sabe o que a minha estrela está me dizendo, mãe?

Dona Julia
O quê?

Juscelino criança
Que um dia hei de ser prefeito!

Mãe e filho riem, se divertindo muito.

Documentário

Imagens antigas de Belo Horizonte, Faculdade de Medicina,


Telégrafos, Juscelino e Alkmin etc.

165
Narrador (off)
Aos 17 anos, Juscelino vai para Belo Horizonte
e ingressa na Faculdade de Medicina. Lá, ele fica
amigo de Júlio Soares, que se apaixona por sua
irmã Naná, e se casa com ela.
Enquanto isso, ele trabalha no telégrafo, tendo
como colega José Maria Alkmin que se torna
um amigo inseparável. JK vai para a Faculdade
de Medicina às oito horas da manhã. No fim do
dia, às sete horas, vai dormir. Acorda às 11 e
meia da noite e vai para os Telégrafos, onde tra-
balha até as sete da manhã. Ele tem pressa –
uma pressa que irá acompanhá-lo durante toda
a vida.

Quarto de pensão em Belo Horizonte – Dia

Juscelino consulta o relógio.


Alkmin chega, animado.

Alkmin
Vamos a uma festa!

Juscelino
Você quer dizer que você vai a uma festa.

Alkmin
Não! Vamos! Você e eu. Tenho que apresentar
você à sociedade. Trate de botar o seu melhor
terno e se prepare para ver as mais belas moças
desta terra.

Juscelino
Comecei a me interessar...

166
Alkmin
E o que é melhor: dançar com elas!

Fecha no sorriso de Juscelino.

Grupo escolar – Festa

Apresentação de Sarah, uma jovem esbelta e arredia. Ela circu-


la pela festa, acompanhada pela CAM, e cuida dos mínimos
detalhes. Tudo que toca deixa super arrumado. Um rapaz a puxa
para dançar, mas ela balança a cabeça negativamente, sorrindo.
Chama um garçom e indica um caminho.

As moças de sociedade de Belo Horizonte, na época, organiza-


vam festas de caridade em grupos escolares.

Juscelino e Alkmin chegam.

Juscelino e Sarah se vêem pela primeira vez na festa que é em


benefício das crianças pobres, no Grupo Escolar Barão do Rio
Branco. Mulherengo, JK entra paquerando todas as moças bo-
nitas, espalhando seu charme. Mas Sarah chama sua atenção.
Juscelino repara nela e ela nele, mas evitam que seus olhares se
cruzem.

Sarah trata as crianças com carinho e Juscelino repara. Seus


olhares finalmente se cruzam. Instantes em close e os olhares
ficam mais intensos. JK sorri.

JK pergunta quem é aquela moça; Alkmin diz que é filha de um


político – trata-se de Sarah Gomes de Lemos, filha de Jaime
Gomes de Lemos, antigo parlamentar que, por 30 anos, repre-
sentara Minas Gerais na Câmara dos Deputados.
Juscelino tira o relógio do colete, olha as horas e volta a fixar o
olhar em Sarah.

167
JK
(sem tirar os olhos de Sarah) Quem é?

Alkmin
O nome dela é Sarah. Filha de um político, Jai-
me Gomes de Lemos. Por quê?

JK
Preciso conhecê-la. Vou dançar com ela.

Alkmim
Calma. Pra que tanta pressa?

JK
Não temos tempo a perder, amigo.

Juscelino guarda o relógio no colete, anda até Sarah e a tira


para dançar.

Juscelino e Sarah dançam pela primeira vez, ela está impressio-


nada com o elegância das maneiras dele. Finalmente, Juscelino
dá um jeito de convidá-la para sua festa de formatura como
médico.

Sarah
Você se considera um homem bem informado?
O que sabe sobre mim?

Juscelino
Tudo!

Sarah
Sabe quem é meu pai?

168
Juscelino
Claro. Nosso representante no Congresso, o de-
putado Jaime Gomes de Lemos.

Sarah
Era nosso representante, a política é ingrata. E
o seu pai? O que faz?

Juscelino
Nada. Ele faleceu quanto eu tinha três anos.

Sarah
Desculpe. Sinto muito.

Juscelino
Mas minha mãe está viva. O nome dela é Julia,
é tcheca. Kubitschek é meu sobrenome mater-
no. Os pais dela vieram tentar a vida no Brasil,
o novo mundo! Mas meu pai era brasileiro mes-
mo – Oliveira. Depois que ele morreu, ela criou
a mim e à minha irmã com muito sacrifício. É
uma mulher excepcional. Quero que você a co-
nheça.

Corta para:

Int. – Salão nobre da Faculdade – Dia

O rosto feliz de dona Julia; é a colação de grau do filho, em


medicina.
Sarah na formatura de Juscelino.
Com o diploma na mão, JK é cumprimentado pelos amigos.
Procura dona Julia que está um pouco afastada. Ele a abraça e
a beija.

169
Dona Julia
Deus te proteja, meu filho.

Juscelino
Quero que você conheça uma pessoa, mamãe.

A um sinal de Juscelino, Sarah se aproxima e ele a apresenta à


dona Julia.

Juscelino
Esta é a Sarah, mamãe.

Sarah sorri; dona Julia retribui o sorriso.

Ext. – Automóvel – Rua da casa de dona Julia – Noite

JK deixa dona Julia em casa.

Dona Julia
Quem é aquela moça que você me apresentou –
Sarah, não é?

Juscelino
Uma moça que conheço. É muito minha amiga.

Dona Julia
É sua namorada, não é, Nonô?

Juscelino confirma com a cabeça – e um sorriso.

Ext. – Lugar romântico em BH – Dia/Noite

Juscelino e Sarah.

170
Sarah
Meu pai dedicou sua vida para os outros. Os
políticos não são compreendidos pelas pessoas
comuns. Não vêem o quanto eles se sacrificam,
quando levam sua missão a sério. Meu pai dedi-
cou trinta anos de sua vida para, no fim, ser re-
jeitado por seu próprio partido.

Juscelino
Foi um homem importante para todos nós. Ele
será sempre lembrado, sua memória vai perma-
necer viva. Mas a vida é assim. É como um li-
vro que estamos lendo e para continuar temos
de virar as páginas. Esta é uma página que você
tem de virar.

Sarah
Você não pensa em se dedicar à política, não é?

Juscelino
Claro que não. Sou médico por vocação.

Sarah
Numa coisa os médicos se parecem com os po-
l í t i c o s.

Juscelino
Em quê?

Sarah
Deixam as esposas sozinhas por causa do traba-
lho.

Juscelino
Muitas vezes temos deveres dos quais não po-
demos fugir.
171
Sarah
Você já me disse que tem um agora, por exem-
plo.

Juscelino
É verdade, querida. Tenho de viajar para a Eu-
ropa, quero fazer minha especialização em Pa-
ris. É a página de minha vida que eu tenho de
virar agora. Você me espera?

Sarah
Claro, meu amor.

Documentário

A viagem de Juscelino. Imagens do Egito.

Narrador (off)
Metódico, JK junta dinheiro e viaja para Paris
com o objetivo de especializar-se em urologia.
Viaja pela Europa e o Oriente Médio. No Egi-
to, visita o local para onde o faraó Akhenaton
transferiu o capital do país – um vale entre o rio
Nilo e as encostas rochosas do deserto.

Imagens de Getúlio e da revolução de 30.

Narrador (off)
Mas, em 1930, Getúlio Vargas toma o poder
numa revolução. Juscelino volta ao Brasil. Ele
tem de virar a página.

Apartamento no Rio

JK chega de volta ao Brasil e visita Sarah, hospedada no apar-


tamento do irmão, no Rio de Janeiro.

172
Juscelino
Confesso que fiquei muito emocionado. Diante
das ruínas de Tell El-Amarna, antiga capital do
Império do Egito, sonhei com uma obra que
perdurasse no tempo e fosse lembrada pela pos-
teridade.

Sarah
Um sonho de faraó egípcio.

Juscelino
Ou de um brasileiro louco.

Sarah
Como quem vou me casar.

Juscelino
O que prova que você é mais louca ainda!

Os dois riem e se acariciam.


Música de casamento.

Ext./Int. – Igreja N. S. da Paz – Rio – Dia

Letreiro: 31 de dezembro de 1931.

A igreja está com arranjos de flores.


Poucas pessoas estão presentes. Família de JK e Sarah. Presen-
ças: dona Julia, Naná e o marido Julio Souza, amigos próximos
como Alkmin, etc.

Sarah não está de vestido de noiva: usa um vestido longo, mui-


to elegante.
Juscelino a espera diante do altar. Acompanhamos a caminha-
da de Sarah até encontrar o noivo. JK está muito sorridente.

173
Dona Julia aproxima o rosto do de Naná e sussurra.

Dona Julia
Ele mal acaba os estudos e já vai casar! Eu gos-
taria muito que o casamento fosse em Diaman-
tina ou pelo menos em Belo Horizonte! Não
pude convidar ninguém para vir aqui! Os meus
amigos professores não têm dinheiro para vir ao
Rio de Janeiro!

Naná
Mas é isso que eles queriam, mamãe, uma ceri-
mônia simples para poucas pessoas.

Dona Julia
Veja só, a Sarah nem usa um vestido de noiva...
E aonde vão passar a lua-de-mel mesmo?

Naná
Fala baixo, mamãe. A lua-de-mel vai ser no Hotel
Londres, aqui na Avenida Atlântica, na praia,
aqui do Rio de Janeiro.

Dona Julia
Praia do Rio de Janeiro, Hotel Londres, e isso
não é metido? Aí, meu Nonô!

Naná
Psiu, mamãe...

Música sobe. O final da cerimônia.

Documentário

Explosões. Ruídos de batalha, tiros.

174
Imagens da insurreição constitucionalista paulista de 32.
Imagens de soldados feridos.

Narrador (off)
1932. Os paulistas se rebelam contra Getúlio
Vargas. Juscelino integra as tropas mineiras,
como capitão-médico da polícia mineira. Ele vai
para o front, recolhendo e cuidando dos feridos.
Fica conhecido quando salva um soldado que
recebera uma rajada no abdômen e fora desen-
ganado.

Corta direto para Benedito Valadares.

Ext./Int. – Front – Hospital improvisado – Dia

Apresentação de Benedito, que procura um amigo ferido na


enfermaria.

De um caminhão, descem os feridos – ensangüentados cami-


nhando com dificuldade ou levados em padiolas, alguns já em
agonia.
Juscelino cuida dos feridos, enquanto o zunido das balas vem
dos morros, ecoa nas grotas e se perde ao longe, nas chapadas.
De vez em quando, ouve-se peças de grosso calibre – canhões
e morteiros.

Benedito aproxima-se de Juscelino que dá conta do ferido atin-


gido por uma rajada de metralhadora no abdômen.
Os dois se olham pela primeira vez. Benedito fala com carrega-
do sotaque do povo mineiro.

Benedito
Como ele está, doutor?

175
JK
Ele vai escapar desta.

Benedito
Espero que sim. É amigo meu.

Restaurante em Passa Quatro

Desenvolvimento de Benedito, o encontro com o mentor.

Em Passa Quatro, Juscelino estreita amizade com o circunspecto


Benedito Valadares que é prefeito de Pará de Minas e atua como
delegado na região. É um homem rude, calado, inteiramente
diferente de Juscelino; na verdade o seu oposto, mas é isso que
atrai os dois homens.

Benedito – que tem experiência como policial e está com a 45


na cintura – almoça com amigos.

Benedito
Um vez o coronel Filinto Muller fazia uma visi-
ta de inspeção. Subíamos os contrafortes íngre-
mes da Serra da Mantiqueira e apontei um mor-
ro, dizendo: “Tem um trem ali, coronel”. Ele
ficou espantado: “Trem?!!! Mas como, um trem
em cima do morro?!!!” Ele não sabia o que
“trem” quer dizer, em Minas!

Os ouvintes caem na gargalhada. Juscelino entra.

JK e Benedito a sós.
Benedito tenta interessar JK na política. Sua intuição diz que
esse jovem nasceu para isso. JK insiste que nasceu para a medi-
cina. Mas Benedito, obstinado, não desiste. Cena que Benedito
prova a sua obstinação.

176
Juscelino
Sou médico por opção, uma opção profunda-
mente pessoal. Não há a menor possibilidade
que eu abandone a carreira para me tornar polí-
tico. A política é uma atividade importante, mas
não é para mim.

Benedito
Não somos nós que escolhemos a política; é ela
quem nos escolhe. Política é destino.

Benedito torna-se seu mentor, em matéria de política – e Jusce-


lino encontra outros futuros políticos importantes. 1932 não
foi apenas seu batismo de fogo, foi também seu batismo na
política. Começa a carreira política que vai culminar na morte
na Via Dutra. Juscelino e Benedito discutem as diferenças – e
semelhanças! – entre medicina e política. A concepção de Jus-
celino do desenvolvimento econômico como uma espécie de
tratamento médico a que o país deve ser submetido, nasce aqui.
A visão política de JK é exposta nestas cenas.

Ext. – Descampado em BH – Céu estrelado – Noite

Sarah olha para o céu. Juscelino chega e a abraça.

Sarah
Estava aqui pensando.

JK
Pensando?

Sarah
Acho que o meu marido está muito inclinado
para seguir a carreira política.

177
JK
E o que a senhora acha disso?

Sarah
Você sabe, Juscelino. Fui criada nesse meio, vi
meu pai envelhecer até morrer de tanto desgos-
to por causa da política.

JK repete a lição aprendida com Benedito.

JK
Não somos nós que escolhemos a política; é ela
quem nos escolhe. Política é destino.

Contemplando o céu, Juscelino aponta uma estrela.


É uma estrela enorme, fulgurante como um diamante, a minia-
tura de um universo em chamas.

Juscelino
Sabe o que eu aprendi com minha mãe? Que
nosso destino está guardado nas estrelas. Esta-
va vendo aquela ali. Seu futuro está escrito nela.

Sarah
Que ela o guarde bem. Não quero saber meu
destino. Prefiro as surpresas da vida.

Juscelino
Como o quê?

Sarah
Como você.

Juscelino
Você estava prevista na minha estrela.

178
Sarah
Em qual? Naquela lá?

Juscelino
Naquela. Deve ser nela, porque você disse.

Sarah
E o que mais ela diz sobre você?

Juscelino
Se naquela estrela estiver escrito que serei pre-
sidente da República, nada me deterá.

Seqüência de montagem
Ext. / Int. – Praça de cidade do interior – Comício – Gabi-
nete de Valadares – Dia

“Peixe Vivo”. Durante a campanha, o povo o saúda cantando


sua canção folclórica predileta, o “Peixe Vivo”. Juscelino nos
braços do povo. Juscelino entra nos salões do governo de Mi-
nas e encontra Benedito Valadares.

Narrador (off)
1934. Lançado por Valadares, Juscelino torna-
se o deputado federal mais votado de Minas. Em
1937, Benedito é nomeado interventor em Mi-
nas Gerais, por Getúlio, e convida Juscelino para
ser seu oficial de gabinete. Em pouco tempo,
JK passa a ser chefe do gabinete, secretário sem
pasta no governo estadual.
Em 1940, apesar de sua resistência inicial,
Valadares o nomeia prefeito de Belo Horizonte.

Benedito Valadares
Agora, quer você queira ou não, vai ser político

179
Int. – Casa de Geraldo – Dia

Apresentação de Geraldo, antes do encontro com JK, receben-


do a convocação da prefeitura, em casa, na companhia da mu-
lher e do filho pequeno. Ele está com um envelope aberto e
uma carta nas mãos.

Geraldo
Fui chamado na prefeitura, mulher. Parece que
o prefeito quer alguma coisa de mim.

Mulher de Geraldo
Tomara que seja trabalho.

Geraldo
E vai ser!

Int. – Gabinete do prefeito – Dia

Juscelino está sentado na mesa. Entra Geraldo e entrega uma


ficha para JK.

JK
Qual o seu nome?

Geraldo
Geraldo Ribeiro, senhor prefeito. A secretária
me falou para entrar e falar com o senhor, se-
nhor prefeito.

JK
Tenho boas referências suas. Tem bastante ex-
periência e é um homem de confiança. Já teve
algum acidente dirigindo?

180
Geraldo
Nunca, senhor prefeito. Nunca sofri nenhuma
batida, nem de leve, senhor prefeito.

JK
Muito bom. O senhor pode começar amanhã?

Geraldo
Posso sim, senhor prefeito. Mas pra quem é que
vou trabalhar?

JK
Para mim! Uai, ninguém lhe disse?

Geraldo cai na gargalhada.

JK
Mas o que tem isso de engraçado?

Geraldo
Nada não senhor prefeito, é que eu fiquei ner-
voso, senhor prefeito.

JK
O senhor que está me deixando nervoso falan-
do senhor prefeito toda a hora.

Geraldo
Desculpe, senhor prefei... senhor Juscelino
Kubicheisque.

JK
Ku-bi-tschek. Tem que saber falar certo o nome
do seu patrão.

181
Geraldo
Ku-bi-tschek. Ku-bi-tsche-que. Senhor Ku-bi-
tschek?

JK
Sim, Geraldo.

Geraldo
Eu prefiro falar senhor prefeito, sabe, é mais fácil!

JK
E quando eu não for mais prefeito e ainda tra-
balhar para mim, do que é que você vai me cha-
mar?

Geraldo
De governador, senador, deputado, até presiden-
te. Com essa pose toda que o senhor tem, vai
longe.

JK e Geraldo caem na gargalhada.

JK
Gostei de você, rapaz.

Geraldo
E eu também do senhor Ku-bi-tschek, senhor
prefeito.

JK continua rindo.

É o início de uma amizade que irá até a morte de ambos no


Opala.

Seqüência de montagem

182
Ext. – Ruas e obras – Belo Horizonte – Dia

Geraldo conduz Juscelino pelas ruas da cidade.

Narrador (off)
Juscelino abandona a medicina, vira político. Mas
não deixa de ser médico. Trata a cidade como se
fosse um de seus pacientes – e se revela um ad-
ministrador dinâmico e incansável. JK tem pres-
sa.

JK percorre as obras do município no carro dirigido por Geral-


do. Há uma simpatia espontânea entre os dois homens.

Geraldo
Sabe como é que o povo anda chamando o se-
nhor, patrão.

JK
Como, Geraldo?

Geraldo
Prefeito Furacão!

JK
(Ri) Eles ainda não viram nada!

Prancheta de Niemeyer

A escalada política de JK é irresistível; as obras se sucedem,


inclusive Pampulha quando trabalha pela primeira vez com
Oscar Niemeyer.

JK e Oscar Niemeyer discutem, em volta da prancheta, as obras


de Pampulha.

183
JK descobre a importância dos artistas para a administração.
Corta do insight de JK sobre os artistas para a Igreja de Pampulha.

Ext. – Igreja de Pampulha – Dia

Inauguração de Pampulha. A igreja. Sarah comenta a ousadia


do projeto de Niemeyer. JK reafirma a importância dos artistas
para a administração pública.

Int. – Casa de JK em Belo Horizonte – Noite

O casal tem uma filha, Márcia, e, durante uma doença dela,


adotará outra, Maria Estela – ou Maristela.

Márcia, quatro anos está na cama. Sarah dorme sentada ao seu


lado. Entra JK. Beija Sarah, que acorda, e Márcia que dorme.

Sarah
Que bom que voltou!

JK
E Márcia?

Sarah
O médico disse que o estado é melhor. Mas ela
fica tão sozinha aqui. Acho que fica mais triste
ainda.

JK
Então ela precisa de uma irmã. Por que não ado-
tamos uma menina?

Sarah
Eu não sei, será que ela irá aceitar bem? Os ir-
mãos naturais já brigam tanto, tenho receio.

184
JK
Tenho certeza que ela irá gostar, ela sempre pede
uma irmã para brincar com ela.

Int. – Casa de JK – Dia

Márcia e Maristela, cinco anos, estão na sala brincando com


bonecas.
Entra Sarah, trazendo um lanche.

Márcia
Mamãe, hoje a Maristela pode ficar aqui?

Sarah
Você quer que ela fique?

Márcia
Quero. Você não quer, Maristela?

Maristela
Quero. Deixa dona Sarah?

Sarah
Olha, o que vocês acham de serem irmãs? E as
duas morarem juntas?

Márcia e Maristela se olham sorridentes.

Márcia
Ela vai ser mesmo a minha irmã? Irmã de ver-
dade?

Entra JK.

Márcia
Vai, papai?
185
Maristela
Posso ficar aqui para sempre, seu Juscelino?

JK
Se vocês duas quiserem, sim.

Márcia
Eu quero!

Maristela
Eu também!

JK
Está bem, mas a Maristela não vai mais chamar
dona Sarah e seu Juscelino e, sim, mamãe e pa-
pai, tá bem?

Maristela
Está bem, papai.

186
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