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Belo Horizonte
2017
Joel Cardoso Azevedo Amaral
Belo Horizonte
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 613.62
14
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. José Newton Garcia de Araújo – PUC Minas (Orientador)
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Chiavegato Filho – UFSJ (Banca Examinadora)
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Manoel Deusdedit Júnior – PUC Minas (Banca Examinadora)
Aos meus pais, Antenor e Maria Lúcia, por sempre me apoiarem e incentivarem nos
meus estudos.
A minha esposa Petra, por todo apoio, paciência e compreensão durante todo o
período de realização desse trabalho.
Ao Prof. Dr. José Newton Garcia Araújo, meu orientador, pela sua paciência e respeito
aos meus limites de produção desse material, mas acima de tudo pela inspiração como
profissional preocupado e engajado com as questões relativas ao trabalho humano.
Aos meus gestores e colegas de trabalho que de alguma forma contribuíram para
conclusão desse trabalho. Principalmente, por acreditarem no potencial da Psicologia do
Trabalho nas práticas de prevenção de acidentes.
Aos meus irmãos Rafael e Gabriel, por compreenderem os períodos de ausência e por
serem inspirações na construção de um mundo melhor.
À PUC Minas por ter aberto suas portas mais uma vez e ter proporcionado um
crescimento pessoal e profissional.
The present research is part of the Occupational Psychology field and it was inspired by some
methodological contributions from the Clinic of Activity in order to analyze work situations
in the mining sector. The field chosen for the investigation was a large mining company
located in the metropolitan area of Belo Horizonte. The mining industry is considered a highly
perilous line of work with high accident rates, including fatal ones, in almost all its processes.
As a method for data collection, the study used elements of simple and crossed auto-
confrontations, instruction to a double, and image workshop, in order to learn more about the
actual work done by professionals, as well as the possible contributions of these methods in
the prevention of occupational accidents. A documentary research was also carried out,
mainly on the history of occupational accidents in the company, in addition to interviews with
the participants. This can also be considered an intervention-research insofar as it resulted in
proposals and enforcement of actions, raised by workers, aiming to increase the safety. The
filming of a work situation in the implementation sector of infrastructure projects of the
mining company was carried out. In the method usage, it was perceived that the knowledge of
workers, often essential for the prevention of work accidents, ends up not being valued by the
organization nor formally incorporated. These workers obtain their knowledge in the daily
exercise of their activities, from where they extract important actions for the prevention of
accidents. Some conflicts between the invested knowledge of the executants and the
constituted knowledge of the technicians of occupational safety and management are evident
in the discussions. This investigation shows that the prevention of occupational accidents is a
complex field of study, which still needs to be widely investigated.
AT Acidente de Trabalho
FS Força Sindical
NR Norma Regulamentadora
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................23
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURANÇA DO TRABALHO.................................27
2.1 Evolução da noção de Acidentes no Brasil, um pouco de legislação............................27
2.2 Concepção de Acidentes...................................................................................................29
2.2.1 Os Acidentes Maiores e Menores....................................................................................29
2.2.2 Teoria da Pré-disposição Individual para os acidentes....................................................31
2.2.3 Modelo Sequencial de Acidentes.....................................................................................32
2.2.4 Epidemiologia dos Acidentes...........................................................................................34
2.2.5 Modelo de Energia e das Barreiras..................................................................................35
2.2.6 Modelo dos Acidentes Organizacionais...........................................................................39
2.2.7 Teoria Sociológica dos Acidentes....................................................................................41
4 O SETOR DE MINERAÇÃO.............................................................................................67
4.1 Mineração no Brasil..........................................................................................................67
4.2 Mineração em Minas Gerais............................................................................................71
4.3 Vida Útil da Mina..............................................................................................................73
4.4 Mineração e Segurança do Trabalho..............................................................................75
5 PERCURSO METODOLÓGICO......................................................................................81
5.1 Contextualização e Metodologia......................................................................................81
5.2 Análise de Implicação.......................................................................................................89
6 CONTEXTUALIZAÇÃO E DISCUSSÕES......................................................................91
6.1 A mineradora.....................................................................................................................91
6.2 O projeto de manutenção da Cava..................................................................................94
6.3 Investigação de Acidentes...............................................................................................109
6.4 Conhecendo alguns acidentes no projeto......................................................................116
6.4.1 Acidente 1 – Desplacamento de material.......................................................................117
6.4.2 Acidente 2 – Queda de Altura........................................................................................118
6.4.3 Acidente 3 – Esticamento de Cabo de Aço....................................................................120
6.5 Contexto e primeiros aprendizados...............................................................................122
6.6 Conhecendo a atividade..................................................................................................123
6.7 Iniciando o Grupo de Discussão....................................................................................125
7 ANÁLISE DE DADOS......................................................................................................151
7.1 Conhecimento dos trabalhadores..................................................................................151
7.2 A conexão entre os acidentes..........................................................................................157
7.3 Práticas de Saúde e Des(saúde) Ocupacional...............................................................162
7.4 Práticas de reconhecimento e punição..........................................................................164
7.5 Organização do Trabalho...............................................................................................169
7.6 Culpabilização.................................................................................................................173
7.7 Terceirização...................................................................................................................176
7.8 Adaptação........................................................................................................................178
7.9 Participação dos trabalhadores na análise...................................................................180
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................185
REFERÊNCIAS....................................................................................................................189
23
1 INTRODUÇÃO
A ideia para realizar esta pesquisa, teve como fundamento, o desejo de aumentar a
minha compressão das possíveis contribuições da Psicologia do Trabalho para os processos de
investigação e análise de acidentes em uma mineradora, na região de Belo Horizonte.
Dados da Previdência Social nos mostram que, nos anos de 2004 até 2008, ocorreram
no Brasil mais de 2.884.798 acidentes de trabalho. Segundo o Guia de Análise de Acidentes
do Trabalho (2010), estima-se que esses acidentes possam custar mais de 4% do PIB (Produto
Interno Bruto) brasileiro por ano.
investigações e análises, foi possível perceber que existem elementos que ainda escapam aos
investigadores, gestores e os próprios acidentados.
Em sua maioria, os resultados dessas investigações que não conhecem o trabalho real,
e os conhecimentos práticos dos trabalhadores, acabam por culpabilizar os acidentados,
apontando para eles as principais causas dos erros/desvios no acidente.
O que é esperado dos resultados desse estudo é que possam ajudar os trabalhadores,
gestores, pesquisadores, investigadores e outros envolvidos no mundo do trabalho a conhecer
um pouco mais das controvérsias, renormalizações e riscos presentes no cotidiano do trabalho
na mineração e como as suas práticas de investigação e análise de acidentes podem ser
ampliadas no sentido da prevenção.
O objetivo desse trabalho foi conhecer como a Psicologia do Trabalho pode contribuir
na ampliação dos processos de investigação e análise de acidentes, em uma empresa de
mineração localizada na região de Belo Horizonte. Uma das tarefas consistia em delimitar
como se desenvolvem as práticas de investigação e análise de acidentes, as políticas de
segurança e sua organização.
Esse trabalho apresenta uma parte inicial, que delimita a evolução da história da
segurança do trabalho no mundo e no Brasil, as principais concepções de acidentes e uma
delimitação da Psicologia do Trabalho e suas clínicas.
Para fecharmos esse estudo, buscamos fazer uma análise crítica das principais
informações encontradas, usando como embasamento as teorias de concepções de acidentes e
26
Uma pergunta inquietante que vem fazendo parte das minhas discussões diárias com
profissionais da área de segurança, principalmente após participar de algumas análises de
acidentes, é: os acidentes ocupacionais podem ser previsíveis? Esse acidente é um
acontecimento casual, imprevisível e que não poderia ser imaginado por ninguém, nem
mesmo na pior das hipóteses? A noção, definição e concepção de acidentes não é algo
simples, principalmente quando pensamos nos acidentes dentro das empresas, mas não
impede que devamos pensar e retomar uma pergunta inicial: afinal, o que é um acidente?
No parágrafo da referida lei, será explicado o papel dos empregadores em relação aos
acidentes, e é possível perceber que o texto é bastante claro e diretivo em seu conteúdo:
Art. 2º O accidente, nas condições do artigo anterior, quando occorrido pelo facto do
trabalho ou durante este, obriga o patrão a pagar uma indemnização ao operario ou á
sua familia, exceptuados apenas os casos de força maior ou dolo da propria victima
ou de estranhos. (BRASIL, 1919).
Art. 1° Considera-se acidente do trabalho, para os fins da presente lei, todo aquele
que se verifique pelo exercício do trabalho, provocando, direta ou indiretamente,
lesão corporal, perturbação funcional, ou doença, que determine a morte, a perda
total ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (BRASIL,
1944).
A segunda mudança visa solidificar o papel do Estado como mediador dos conflitos
entre os empregadores e os trabalhadores e se consolidar como o distribuidor dos benefícios
sociais. Assim, essa referida legislação divide “a responsabilidade pelo acidente entre o
empregador – obrigado a proporcionar a seus empregados a máxima segurança e higiene no
trabalho – e o empregado – que pode incorrer em imprudências” (COHN et al. 1985, p. 142).
legislação, mais uma vez, auxilia que os empregadores sejam retirados do papel de
responsabilidade nos casos de acidentes.
Com o Decreto de lei n. 6.367, existe uma mudança na qual o pagamento das
prestações de acidente passa a ser responsabilidade do estado e dos trabalhadores e os
empregadores passam a fornecer apenas contribuições. O empregado passa a ter um auxílio
mensal fornecido pelo Estado em caso de acidentes e, assim, mais uma vez, o empregador
acaba saindo do papel de responsável na geração de acidentes ocupacionais, ocupando-se
apenas de um papel de auxílio ao Estado nesse processo.
Ao longo dos últimos anos, surgiram diversos estudos e publicações dos mais variados
tipos sobre o que seriam os acidentes e, em particular, sobre suas origens (ALMEIDA, 2001,
2003, 2006; DWYER, 2006; HOLLNAGEL 1996; LLORY, 2001; REASON 1999;
RASMUSSEN, 2007).
Fazer um recorte das concepções de acidentes evidentemente não é uma tarefa fácil,
isso devido a alguns fatores, principalmente à falta de bibliografia acessível no país e também
à baixa produção sobre esse tema. Não espero, nesse momento, conseguir fazer um recorte de
todas as concepções, o que notadamente demandaria muito mais do que uma dissertação.
Sendo assim, a intenção, nesse primeiro momento, é fazer um recorte rápido e superficial
sobre as principais concepções de acidentes de trabalho, principalmente aqueles acidentes que
podem ser considerados acidentes menores.
Os acidentes maiores são aqueles que têm sido denominados pela literatura, de
acidentes organizacionais; esses em sua maioria envolvem eventos de grandes proporções e
com grande impacto/visibilidade para toda a sociedade, como exemplo temos o acidente
nuclear de Chernobyl, a explosão da nave espacial Challenger, o acidente nuclear de
Fukushima no Japão e a Explosão da Refinaria da British Petroleum no estado do Texas
(EUA). Os acidentes menores, ou pequenos acidentes, seriam aqueles de caráter individual
que em sua maioria acontecem nas empresas, envolvendo poucos trabalhadores e que acabam
30
não tendo muita visibilidade ou divulgação, esses são fatalidades, amputações, cortes e
torsões que acontecem cotidianamente em diversos segmentos e diferentes negócios.
Apesar de, na maioria das vezes, serem colocados em posições de dualidade, acredito
que exista uma conexão entre os dois tipos de acidentes (maiores/menores) e que alguns
assuntos podem perpassar as discussões tanto de um quanto do outro. O ponto de
convergência, nesses tipos de acidentes, acredito que esteja nos aspectos não explícitos,
aqueles que estão na ordem do invisível e que não necessariamente estão vinculados com as
causas imediatas, estando em conexão com as chamadas causas-raízes, por exemplo nos
fatores denominados de organizacionais. O foco desse trabalho está voltado para a discussão
das concepções de acidentes menores, no entanto, uma das teorias que abordam os acidentes
maiores também será brevemente discutida, visto que, em relação com as outras, essa
apresenta algumas definições e conceituações que vão de encontro com a temática desse
trabalho, principalmente nos trabalhos desenvolvidos no Brasil por Almeida et al. (2014).
Falar sobre o assunto “acidentes” nunca é uma tarefa fácil ou simples, afinal, esses
fazem parte de situações que ocorrem em nossa sociedade há muitos anos, senão milhares.
Um acidente acontece em vários locais de nosso cotidiano, ao assistir a um simples jornal
somos constantemente bombardeados de informações de acidentes que acontecem nas mais
diversas esferas. Atualmente, as pessoas se acidentam se divertindo com suas famílias,
praticando esportes, viajando e nos mais diversos ambientes possíveis, o motivo e
consequências desses eventos são diversos e suas causas difíceis de serem diagnosticadas.
Estamos correndo riscos e sujeitos a perigos durante toda nossa existência, no entanto
o que nos interessa nessa discussão e revisão são aqueles acidentes que estão relacionados ao
trabalho, aqueles que acontecem no exercício do trabalho ou no deslocamento que os
profissionais necessitam de fazer para chegar até esse.
31
Nesse momento, optamos por utilizar a expressão “concepção de acidentes”, pois essa
é usada por Almeida (2003) buscando referir-se aos fundamentos dos mais variados
entendimentos do que poderíamos considerar um acidente. Naturalmente, o principal marco
para a discussão sobre acidentes está refletido no capítulo anterior e possui relação direta com
a Revolução Industrial e seu desenvolvimento, e as consequências que essa levantou no
mundo do trabalho.
Essa talvez tenha se posicionado como a primeira teoria científica sobre acidentes de
trabalho. O modelo estabelecia que características individuais, tanto no nível biológico quanto
psicológico, seriam as causas fundamentais para que os empregados se acidentassem em seu
trabalho. A teoria, de forma geral, irá defender que existem diferenças individuais que podem
levar alguns sujeitos a se acidentarem mais do que outros, assim, para prevenir acidentes seria
necessário ter o trabalhador certo no local correto.
Nesse estudo, a perspectiva dos ingleses teve o foco no estudo dos erros humanos e
dos consequentes comportamentos que podem ter levado a esses acidentes. Esse pode ser
entendido como um dos principais estudos iniciais que inseriam os indivíduos como sendo as
principais causas dos acidentes; eles tinham como causa as falhas técnicas e humanas. Esses
serviram de base para diversos debates, principalmente da recém-inaugurada psicologia
industrial da época, e também para a busca das características individuais dos trabalhadores
que podem ter relação com os acidentes de trabalho.
A teoria de Heinrich, que ficou conhecida como “teoria do dominó”, foi a base da
construção do modelo sequencial de acidentes: o evento indesejado, ou acidente, seria a
1
These results indicate that varying individual susceptibility to “accident” is an extremely important factor in
determining the distribution, so important that given the experience of one period it might be practicable to
foretell with reasonable accuracy the average allotment of accidents amongst the individuals in a subsequent
period.
33
Até agora, a visão tradicional a respeito dos acidentes é que tem prevalecido, essa
refere-se à concepção unicausal, que é construída por correntes científicas consideradas como
deterministas e cujas pesquisas buscam construir e demostrar relações de causa e efeito nos
acidentes. Esse tipo de teoria costuma apresentar como resposta para a causa dos acidentes, na
maioria das vezes, os erros humanos ou atos inseguros e esteve e continua presente na
mentalidade dos profissionais de segurança, inclusive no Brasil. Neste ponto de vista, o ser
humano deve ser controlado, com a utilização de benefícios e punições, com o objetivo
principal de construir a uniformização, construção de padrões, etc. Assim, “as análises
recomendam punir comportamentos não-desejados e premiar aqueles desejados. É a estratégia
do chicote e da cenoura” (ALMEIDA, 2006, p.187).
Esse modelo de entendimento dos acidentes é alvo de críticas por diversos autores,
principalmente em relação à eficácia limitada dessa concepção para lidar com a complexidade
dos acidentes atuais (ALMEIDA; FILHO 2007; ASSUNÇÃO; LIMA, 2003; DWYER, 2006;
LLORY, 2001).
34
Os períodos de depressão, logo após a quebra da bolsa de 1929 e depois dos conflitos
armados mundiais, que envolveram as duas grandes guerras, fizeram com que os acidentes no
trabalho tivessem uma redução, pelo menos em termos de registros, assim como a
preocupação dos governos e empresas com o tema. Os modelos utilizados até então bastavam
para contribuir na redução do número de acidentes, no entanto, no período pós-guerra, esses
números de acidentes voltaram a crescer significativamente. As economias em recuperação
necessitam de mão de obra o mais disponível possível, e de maneira produtiva, assim, a
preocupação com a construção de novos modelos de prevenção de acidentes retorna e
favorece a criação e desenvolvimento de novos modelos (DWYER, 2006).
Em 1949, John Gordan preconiza os princípios do que ficou conhecido como modelo
epidemiológico dos acidentes, no material intitulado The Epidemiology of Accidents (A
epidemiologia dos Acidentes), que tinha como princípio e base o recolhimento e uso de dados
estatísticos para a construção de um modelo de explicação dos acidentes de trabalho.
Não é tão apreciado que os acidentes, que são distinguidos de doenças, são
igualmente suscetíveis a esta abordagem, esses acidentes são um problema de saúde
das mesmas populações e estão em conformidade com as mesmas leis biológicas dos
processos das doenças e evidenciam um comportamento comparável. Isto é
facilmente indicado por uma comparação inicial de doenças e acidentes de acordo
com a frequência distribuída no tempo, uma característica epidemiológica estabelece
valor em relação a outras, e estabelece um tipo diferente de comportamento
(GORDON, 1949, p. 504, tradução nossa).2
Gordon (1949) propõe um modelo em que realiza uma analogia entre as ocorrências
de acidentes e a forma como as doenças acometem determinadas populações. O autor defende
um ponto de vista de que os acidentes, assim como os problemas de saúde das populações
como câncer, diabetes e anomalias genéticas, são problemas de saúde pública e, por isso,
deveriam receber um tratamento epidemiológico com características parecidas, através de
dados recolhidos de base estatística e realização de análises dos comportamentos dessas
populações. O autor utiliza-se de alguns fatores para fundamentar a abordagem
2
It is not so generally appreciated that injuries, as distinguished from disease, are equally susceptible to this
approach, that accidents as a health problem of populations conform to the same biologic laws as do disease
processes and regularly evidence a comparable behavior. This is readily indicated by an initial comparison of
representative diseases and injuries according to frequency distributions in time, an epidemiologic characteristic
of established value in separating one mass disease from another, and in distinguishing kinds of behavior.
35
epidemiológica dos acidentes, esses seriam: o Agente - Agent (informações dos acidentes),
Ambiente - Environment (condições físicas, biológicas e socioeconômicas) e Ambiente Físico
– Physical Environment (características físicas e regionais do local que possibilitam a
ocorrência do acidente).
A partir dos anos de 1960 em diante, começaram a surgir muitas teorias e modelos
explicativos dos acidentes, cada vez mais elaborados que os modelos anteriores. Um dos
modelos que se tornaram mais conhecidos é o de Energias e das Barreiras, que foi introduzido
por Gibson, em 1961. Esse modelo considera que os acidentes devem ser vistos como
resultados de uma transferência de energia do sistema. Desse posicionamento teórico, surge
na teoria a proposta de que, para evitar que se tenha acidentes, é preciso atuar com barreiras
de proteção. Assim, conhecendo e atuando nas barreiras é possível evitar o acidente. As falhas
3
Metadados, ou Metainformação, são dados sobre outros dados. Um item de um metadado pode dizer do que se
trata aquele dado, geralmente uma informação inteligível por um computador. Os metadados facilitam o
entendimento dos relacionamentos e a utilidade das informações dos dados. Em algumas empresas, atualmente,
são utilizadas informações de metadados com fins de determinação de acidentes de trabalho.
36
nas barreiras podem ser interpretadas como falhas nos sistemas e merecem atenção
(ALMEIDA, 2006).
Apesar de termos uma significativa evolução dos estudos sobre os acidentes, ainda
assim, nessa proposta de modelo, o aspecto humano, ou seja, o trabalhador, acabava ainda
enfatizado como o principal responsável pela ocorrência; nessa maneira de enxergar os
acidentes, o principal culpado ainda era apenas o trabalhador acidentado (LLORY, 2001;
NEBOIT, 2003).
Não é possível deixar de ressaltar a contribuição dessa concepção para uma mudança
em uma relação determinística, que considerava tudo como causa-efeito, nos estudos sobre
acidentes. Assim, foi possível uma ampliação do entendimento sobre acidentes,
principalmente na abertura para alguns focos diferentes como: a multiplicidade de fatores
existente em um acidente e as relações dinâmicas que acontecem entre esses.
Esse modelo de entendimento dos acidentes, apresentado por Reason (1990; 1997;
2006), ficou conhecido como Modelo de Acidentes do Queijo Suíço (The Swiss cheese model
37
of system acidentes). O modelo usa a analogia do queijo suíço e das barreiras de proteção para
explicar a ocorrência dos acidentes.
Sobre errar, James Reason (1997) sinalizará que faz parte da própria natureza da
condição humana, e que isso não é possível de alterar. Os profissionais e trabalhadores podem
melhorar seu desempenho e conseguirem de alguma forma diminuir essa quantidade de erros,
mas dificilmente conseguirão eliminá-los de forma total. Nessa perspectiva do autor, até
mesmo os melhores profissionais em suas áreas podem cometer algum tipo de erro. Essa é
uma condição que todos deveríamos aceitar quando refletimos sobre os indivíduos em seu
ambiente de trabalho.
4
Defences, barriers, and safeguards occupy a key position in the system approach. High technology systems
have many defensive layers: some are engineered (alarms, physical barriers, automatic shutdowns, etc.), others
rely on people (surgeons, anaesthetists, pilots, control room operators, etc.), and yet others depend on procedures
and administrative controls. Their function is to protect potential victims and assets from local hazards. Mostly
they do this very effectively, but there are always weaknesses. In an ideal world each defensive layer would be
intact. In reality, however, they are more like slices of Swiss cheese, having many holes—though unlike in the
cheese, these holes are continually opening, shutting, and shifting their location. The presence of holes in any
one “slice” does not normally cause a bad outcome. Usually, this can happen only when the holes in many layers
momentarily line up to permit a trajectory of accident opportunity—bringing hazards into damaging contact with
victims.
38
Reason, em sua teoria, ainda fará uma significativa diferenciação entre os Erros Ativos
e Erros Latentes. Os erros ativos estariam relacionados com os trabalhadores que atuam nas
linhas de frente das empresas, que estão executando as atividades empiricamente, naqueles
erros que são aparentes. Os erros latentes estão relacionados com os erros que ficam
adormecidos ou em espera; esses são cometidos na maioria das vezes pelos elaboradores do
sistema (engenheiros, projetistas, planejadores), profissionais da manutenção (quando
efetivamente não fazem a manutenção preventiva adequada), diretores (quando tomam
decisões que impactam no trabalho, revisão de mão de obra, orçamentos, dentre outros)
(ALMEIDA, 2006).
Assim, na teoria do Erro Humano, proposta e desenvolvida por Reason, não é possível
prever e atuar nas interações realizadas entre os erros ativos e erros latentes, fazendo com que
alguns tipos de acidentes sejam impossíveis de serem previstos ou antecipados. O
entendimento do autor é que os erros ou violações dos trabalhadores são inevitáveis e
inerentes à própria condição humana e, portanto, não são as principais causas dos acidentes.
Nesse balizamento teórico, as investigações de acidentes não podem se limitar à
culpabilização dos trabalhadores pelos seus erros, falhas ou violações, pelo contrário, o
mesmo esforço que existe nas empresas na identificação dos erros ativos deve ser direcionado
pelas organizações para a identificação e verificação de ações/medidas corretivas nos erros
chamados latentes (REASON, 2009).
As propostas de Reason quanto ao erro humano já apresenta uma guinada nas teorias
sobre os acidentes, principalmente no sentido de diminuir a responsabilidade dos profissionais
que se acidentam. No entanto, foram construídas críticas quanto ao modelo, críticas essas que
apontam algumas limitações no entendimento sobre o erro humano (RASMUSSEN, 1997).
O problema é que essas situações de trabalho levam a muitos graus de liberdade aos
atores para a escolha de meios e o tempo para a ação, mesmo quando os objetivos do
trabalho são brilhantes e a instrução da tarefa ou procedimento são padronizados, em
termos de uma sequência de atos, não podem ser usados como um de referência de
ação (RASMUSSEM, 1997 p. 187, tradução nossa).5
Isto significa que o problema do erro humano tem de ser entendido em suas causas e
não apenas nos erros dos profissionais, ou nos lapsos e violações. Em um contexto complexo
como o atual, às vezes os melhores padrões podem não ser suficientes para que os
trabalhadores consigam realizar suas tarefas. Para o autor, uma mudança no quadro de
prevenção de acidentes deve passar por uma mudança na forma de perceber o ambiente
organizacional.
Existem discussões em estudos recentes que apontam que os acidentes, acidentes que
podem ser considerados maiores e os que se enquadram nos níveis individuais, estariam
relacionados ao contexto histórico das organizações, principalmente ao que se refere às
decisões e estratégias que são definidas pelas empresas nos mais altos níveis hierárquicos
(ALMEIDA, 2006, LLORY, 2001, RASMUSSEN, 1997; REASON, 1997).
O modelo dos acidentes organizacionais vai entender que os erros serão inevitáveis no
sistema, e isso será base para a construção da teoria dos acidentes organizacionais, partindo-se
dessa premissa é importante mudar o foco do fator humano nas análises dos acidentes.
(ALMEIDA, 2006).
Atribuir aos seres humanos a principal causa dos acidentes continua sendo uma visão
redutora e que não colabora para o aprofundamento de um tema que é muito complexo.
Afinal, se assumirmos que os seres humanos são falhos e que podem errar, estabelecer
estratégias que visem acabar com o erro dos seres humanos parece contraditório. Essa
5
The problem is that all work situations leave many degrees of freedom to the actors for choice of means and
time for action even when objectives of work are fulfilled and a task instruction or standard operation procedure
in terms of a sequence of acts cannot be used as a reference of judging behavior.
40
Assim, nas próprias palavras dos autores, quais os caminhos devemos seguir e qual é o
esforço da teoria organizacional dos acidentes, principalmente dos esquecimentos dos outros
fatores envolvidos em um sinistro industrial.
A teoria dos acidentes organizacionais considera que as causas são múltiplas, além do
envolvimento dos trabalhadores, também devemos pensar nas dinâmicas das operações,
crescimentos das tecnologias e diversificação das tarefas.
Por último, como principal representante dessa teoria, temos Tom Dwyer (1989,
2006). Na concepção desse autor, os acidentes de trabalho são resultados das relações sociais,
que estariam em desajuste, fora de seu funcionamento padrão, além das diferenças de poder
que podem existir dentro de um ambiente organizacional. Sendo assim, segundo a
conceituação teórica do autor, as causas dos acidentes estariam depositadas nas relações dos
empregadores e trabalhadores. Para tanto, ele aponta que “as relações das pessoas com seu
trabalho se dão por meio de relações sociais de trabalho e que essas existem em três níveis na
empresa – de recompensa, de comando e organizacional – assim como por um meio não-
social do indivíduo-membro” (DWYER, 2006 p. 131).
Para facilitar o entendimento, será feita uma explanação rápida desses quatro níveis,
baseado em Dwyer (2006).
42
Por último, o nível indivíduo-membro, que é considerado pelo autor como um nível
não social. Existem três dimensões que compõem a autonomia dos indivíduos em relação aos
aspectos sociais, essas seriam o nível fisiológico, psicológico e cognitivo. Nesse contexto, é
apontado que o indivíduo possui uma autonomia de ação que não necessariamente está
vinculada ao nível social. Esse talvez seja o nível em que o autor apresenta uma maior
dificuldade em definir e explicitar ao que realmente se refere; o pano de fundo parece ser a
existência de itens individuais que possam estar na construção básica dos acidentes, que não
se apresentam nos níveis sociais. De forma mais genérica, o que o autor tenta delimitar nesse
item é que existe uma autonomia do ser humano que escapa ao aspecto social. Existe uma
autonomia do trabalhador, um poder de agir que é somente dele e escapa do nível social.
principal ponto da teoria está em compreender que quanto maior for o desbalanceamento de
um desses níveis em relação aos outros, maior será a quantidade de acidentes que possuem
como causas-raízes aspectos dessa temática.
45
Nesse contexto, ao se considerar o trabalho como tema central na vida, como formador
e transformador de nossa subjetividade, podemos inseri-lo em um crivo crítico, pensando
sobre o seu papel na responsabilidade pelos adoecimentos, e aqui podemos entender que
adoecimento pode ser também o acidente de trabalho; há também um papel importante do
trabalho que é a promoção de saúde na vida dos sujeitos, o papel de dar vida.
entendem que o trabalho ocupa um lugar central na construção da experiência humana, que
compõe o mais básico de nossa existência, dos nossos aprendizados. O trabalho torna-se tema
central do que é ser humano (BARROS; VIEIRA; LIMA, 2007).
Em certa medida, o pedido de Le Guillant parece ter sido ouvido, e uma série de
pesquisas e intervenções em diversas temáticas construíram o que foi denominado
posteriormente como as Clínicas do Trabalho. Essas clínicas, de forma geral, utilizam das
situações concretas vividas pelos trabalhadores para encontrar possíveis situações de
adoecimento, de promoção de saúde, geração de acidentes e diversas outras temáticas de
conhecimento e debate que essas absorvem. As mais diversas formas de adoecimento podem
advir de diferentes aspectos como: a forma de organização do trabalho, bloqueio da realização
das atividades (processos subjetivação/personalização), segmentação dos coletivos e
individualização, rupturas profissionais (desemprego) (BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011).
Como sinalizado anteriormente, essas clínicas buscam, através das situações concretas,
ou seja, que estejam o mais próximo da realidade, conhecer as situações às quais os
trabalhadores estão submetidos, o que vivenciam na prática, naturalmente essa concepção e
opção de ver o mundo fez com que as clínicas do trabalho tivessem uma aproximação com
teorias e campos de produção de saber que lidassem com temáticas parecidas. Uma dessas
interlocuções, que nos interessa nesse trabalho, está relacionada à Ergonomia, mas
principalmente aquela Ergonomia de fundamentação francesa, que busca conhecer e
destrinchar o que é conhecido como trabalho real. Assim, na explanação dos fundadores da
Ergonomia sobre a psicologia do trabalho e seu desenvolvimento, é reforçado que “ao
precisar as relações entre a situação real, melhor conhecida pela análise do trabalho, e a
situação experimental, esta última viu sua problemática renovada e sua validade mais
garantida” (WISNER, 1994, p 38).
A escola do trabalho francesa vem estabelecendo, desde o início do século XX, após a
Revolução Industrial, uma tradição de gerar importantes analistas do trabalho. Os analistas do
trabalho seriam profissionais que, independente de sua formação, estão interessados em
compreender e intervir sobre o mundo do trabalho. Assim, o crescimento e desenvolvimento
50
da Psicologia do Trabalho também passa por uma discussão sobre o desenvolvimento das
concepções desses analistas.
Para Clot (2010), a análise francesa do trabalho surge no início do século XX, por
volta do ano 1900. Os principais representantes, que introduzem a psicologia do trabalho na
França, antecedem a chegada dos princípios do Taylorismo, com a Organização Científica do
Trabalho, e remontam à Suzanne Pacaud e Jean Maurice Lahy.
Com o passar dos anos, essa psicotécnica, iniciada por Pacaud e Lahy, acabou
assumindo outro caminho e terminando no que podemos chamar de a psicotécnica da
testagem. Esse modelo de psicotécnica no pós-guerra, na França, passou a ser usado como um
instrumento de gestão das pessoas, tentando determinar quais eram os melhores indivíduos ou
os que tinham as melhores “aptidões” para ocupar determinadas posições no trabalho (CLOT,
2010).
Em contraposição a essa forma de trabalho, surge o que Clot (2010) vai chamar de a
segunda geração de analistas do trabalho, que estavam em clara oposição à psicotécnica,
principalmente essa que estava preocupada com a testagem dos sujeitos, para sua seleção.
51
Desse movimento de crítica, surgem três correntes que farão oposição à forma como a
testagem estava vendo os sujeitos no trabalho. A primeira corrente é chamada de psicologia
cognitiva, na qual aparecem como representantes Faverge e Leplat. Basicamente, a crítica
desses autores é quanto às chamadas “aptidões”; esses argumentam que essas não estariam na
cabeça das pessoas como se propunham a encontrar os testes psicológicos, mas sim nas
situações de trabalho. Somente retornando às situações de trabalho e entendendo sua
complexidade é que poderíamos encontrar as chamadas “aptidões” que os testes psicológicos
da época estavam a buscar. Nesse momento, começa a surgir a distinção entre a “tarefa” e a
“atividade”. A tarefa seria o que se está por fazer e a atividade o que as pessoas realmente
fazem.
está em deixar uma visão mais positiva a respeito do lugar do trabalho, o trabalho seria o
lugar da “engenhosidade, de invenção, de criação” (CLOT, 2010, p. 215).
Na terceira geração, para Clot (2010), encontramos diversos profissionais que seguem
linhas diferentes e vêm constituindo uma série de teorias e métodos que buscam dar conta da
multiplicidade que envolve o sujeito no trabalho. Dentre esses, o autor se refere a Cristophe
Dejours, com a criação da Psicodinâmica do Trabalho, por uma linha diferente, Yves
Schwartz, com a proposta da Ergologia, buscando a pluridisciplinariedade na construção do
entendimento do que é a categoria “trabalho”, a chamada Clínica da Atividade, que tem o
próprio Yves Clot como um de seus criadores, e que busca compreender a situação de
trabalho real como base da construção de formas de agir.
53
O autor não cita em seu trabalho uma terceira abordagem francesa sobre o trabalho
que gostaríamos de citar, pois entendemos que essa também é importante e se enquadra como
mais uma das clínicas do trabalho contemporâneas, que é a Psicossociologia ou Sociologia
Clínica. Essa, naturalmente, não tem o trabalho como o seu único foco, mas sempre produziu
estudos importantes sobre as instituições e organizações que são essenciais no entendimento e
intervenção no mundo do trabalho. Essa abordagem não tem um fundador, mas sim
representantes significativos, que fizeram e fazem com que ela pudesse se desenvolver, como
Gilles Amado, Eugené Enriquez, dentre outros.
Essa clínica do trabalho vai além da psicanálise e propõe uma forma de abordagem do
sujeito que passa pela sua relação de trabalho e a subjetividade.
3.5 Psicossociologia
(...) o clínico em ciências humanas se coloca também “junto ao leito”: ele trabalha
principalmente em campo, e não em laboratório, ela não tenta somente compreender
a doença (os problemas), mas compreender o doente 9nesse caso, os grupos junto
aos quais intervém) (SÉVIGNY, 2001 p. 15).
O trabalho nem sempre foi o foco dessa clínica. Essa mudança advém dos processos
que o mundo passou de precarização do trabalho e da desqualificação da mão de obra, assim,
essa irá fornecer conteúdo para entender qual a relação que os trabalhadores estabelecem com
as instituições e organizações. Seria nas interações do mundo do trabalho que poderíamos
vislumbrar as interseções do que é singular e individual dos trabalhadores com a realidade ou
o que é real no trabalho (CARRETEIRO; BARROS, 2014).
3.6 Ergologia
A Ergologia tem como o seu principal representante Yves Schwartz e vem sendo
construída desde o começo dos anos 80. Essa não tem sido percebida com uma nova
disciplina científica ou uma forma de abordagem ao trabalho, e é caracterizada pelos autores
56
Essa estaria, assim como a Psicologia do Trabalho de forma geral, voltada para
compreender e transformar o trabalho e pretende atuar na transformação da atividade de
trabalho humana, nos mais diversos meios possíveis, seja nas formações de pessoas, na forma
de se prevenir e atuar nos riscos do trabalho, no gerenciamento das organizações e até mesmo
nas pesquisas. Assim, entendendo que o trabalho é muito complexo, necessita do
conhecimento de todas as áreas e disciplinas, sem que nenhuma dessas se sobreponha a outra,
pois nenhuma ainda consegue dar conta da realidade que envolve o trabalho. A especialização
faz com que saia do foco o global, uma visão mais generalizada. Assim, olhar o trabalho com
uma lupa acaba fazendo com que se perca a totalidade e globalidade do sujeito. O objetivo da
Ergologia consiste em conhecer melhor a realidade de trabalho e analisar as condições em que
esse é realizado e o que o torna mais efetivo (humana, econômica e social) (TRINQUET,
2010)
Sendo assim,
Quaisquer que sejam as formas inaparentes de trabalho, todas elas são formas
renormalizantes do meio humano e têm como ponto de fusão as atividades
industriosas; elas contaminam o econômico, o social, o político, os modos de
sociabilidade, de ligações ou de ‘desligamentos’ sociais. Assim, pode-se, por
exemplo, compreender por que as grandes concentrações fabris, e não apesar delas,
impunham um estrito isolamento dos trabalhadores em seus ‘postos de trabalho’,
6
Démarche é considerado uma postura e, assim como a palavra feedback, é de difícil tradução para a língua
portuguesa, uma palavra que chega mais próxima do significado, e foi utilizada por Schwartz, foi a expressão
approche. De toda forma, a ideia é que a Ergologia não seria uma teoria, mas sim uma postura do profissional
que se utiliza dessa abordagem. (Athayde; Souza; Brito, 2014)
57
Os encontros sobre o trabalho, que para Trinquet (2010) possuem o nome de Grupos
de Encontro de Trabalho (GRT’s), são grupos que possuem o foco em soluções para algo. A
busca da solução deve ser em torno de algo de difícil resolução, que necessita da colaboração
de todos os envolvidos, quando se chega a alguma solução essa deve ser realizável para todos
os interessados. Essa prática busca, assim, colocar todos os protagonistas de um problema em
consonância e de acordo com uma solução proposta. Não necessariamente todos os
participantes necessitam de concordar com a solução/soluções que forem estabelecidas por
esse grupo. Assim, esses grupos podem ser usados para encontrar soluções para uma tarefa ou
várias tarefas, inclusive algo que seja interesse de grupos e coletivos. Algumas coisas que se
enquadram como temáticas para soluções nesses grupos são problemáticas de pesquisa,
soluções para prevenção ou diminuição de riscos do trabalho, melhoria de eficácia no
trabalho, melhoria da organização do trabalho, dentre outros.
58
Para Clot (2007), na Clínica da Atividade existe uma clássica distinção entre a tarefa e
a atividade: a tarefa é o que está prescrito pela organização do trabalho, aquilo que os
trabalhadores devem fazer; já a atividade seria o que os trabalhadores, dentro de seu
conhecimento, precisam fazer para realizar aquele prescrito.
Clot (2006) tem uma clara inspiração nos estudos da psicologia sócio-histórica de Lev
Vygotsky, assumida quando afirma que o “trabalho não é uma atividade entre outras. Exerce
na vida pessoal uma função psicológica específica que se deve chegar a definir” (CLOT,
2006, p. 12).
A proposta de trabalho de Yves Clot sustenta que a análise do trabalho possui um forte
efeito para a transformação do trabalho.
diálogo entre trabalhadores que executam as mesmas funções, através de uma escolha
coletiva, construída em uma interação do pesquisador com os trabalhadores. A base para o
diálogo é a utilização de um vídeo dos dois profissionais executando a atividade, e o objetivo
do trabalho é recuperar discordâncias e convergências da atividade e estimular o surgimento
de um novo conhecimento (CLOT, 2010).
Outro método utilizado pela Clínica da Atividade é a Instrução ao Sósia. Esse método
foi proposto por Ivar Odonne, na década de 70, em uma das formações operárias que
aconteciam na época na Universidade de Turim. Esse era um trabalho da classe em que um
dos representantes recebia a instrução de uma pessoa que iria trabalhar no dia seguinte,
ocupando a mesma posição que ele, esse seria o seu sósia. Oddone enfrentava uma questão
advinda dos empregados da empresa em que trabalhava na época, esses operários tinham o
desejo de conhecer e entender quais os riscos que estavam expostos em seu ambiente de
trabalho e danos que poderiam ocasionar à saúde. Diante dessa dificuldade, Oddone possuía
61
um desafio na época de tornar sua linguagem técnica mais acessível aos trabalhadores,
principalmente sobre os prejuízos à saúde. Depois da tentativa de diferentes métodos, ele
chegou no que chamou de Método da Instrução ao Sósia, assim era solicitado aos
trabalhadores que dessem instruções para um outro operário que seria o seu eu-auxiliar, ou
seja, o seu sósia (VASCONCELOS; LACOMBLEZ, 2005).
Na Clínica da Atividade, o método passará por algumas alterações, mas ainda com a
base inicial da ideia de Odonne. A instrução ao Sósia se propõe a fazer um deslocamento do
sujeito mediante a discussão de suas atividades. Essa deve ser realizada em dois momentos:
na primeira a gravação é registrada em voz, em um segundo momento o trabalhador escuta a
sua gravação, a transcreve, e faz comentários por escrito. Esse é um método de formação e
desenvolvimento focado na elaboração de sua experiência pessoal e que busca formalizar sua
experiência profissional que será subsídio para uma transformação do trabalho (CLOT, 2010;
OSORIO, 2014).
Sendo assim,
O sofrimento não é apenas uma consequência última da relação com o real; ele é ao
mesmo tempo proteção da subjetividade com relação ao mundo, na busca de meios
para agir sobre o mundo, visando transformar este sofrimento e encontrar a via que
permita superar a resistência do real (DEJOURS, 2004, p. 27).
Na perspectiva da Ergologia, existe uma capacidade humana que foi denominada por
Schwartz como uso de si, e essa capacidade faz com o ser humano tenha um poder de escolha
sobre ele mesmo, por mais simples que possam ser, sempre existem escolhas possíveis de
serem feitas, por mais simples e pequenas que essas possam ser feitas, a liberdade de fazer
essa escolha encontra-se no uso de si (TRINQUET, 2010; SCHWARTZ, 2005).
De acordo com Yves Schwartz (2005), a Ergologia visa auxiliar nas discussões entre o
trabalho real e prescrito e contribuir em uma atualização do conceito de atividade de trabalho,
indo além da noção de trabalho real. A atividade de trabalho é o lugar da dialética entre onde
o que é próprio do sujeito está em interação com as normas construídas histórica e
socialmente. O ‘trabalho real’ se dá neste encontro, e cabe ao sujeito ou ao trabalhador, de
maneira coletiva ou individual, buscar fazer a gestão desse encontro em seu cotidiano. Assim,
trabalhar é estar em constante gestão, gestão que termina em criação. Na perspectiva
ergológica, o trabalho real é o lugar onde se dão os debates entre as normas e os valores,
assim, os seres humanos, em seu trabalho, tendem a criar novas normas diante da realidade de
trabalho, que serão denominadas de “renormalizações”; a criação de novas normas advém das
antigas normas que até então estavam enraizadas no trabalho (SCHWARTZ, 2005; 2011).
As normas que são inventadas pelo trabalhador não são as mesmas que existiam
previamente em seu trabalho, cada sujeito busca construir suas próprias normas, através do
reposicionamento da atividade de trabalho. Essas normas “reinventadas” são de uma natureza
64
diferente. Diante da realidade, nas situações reais de trabalho, as estratégias utilizadas pelo
sujeito são recriadas em um movimento de renormalizações que se dá de forma contínua
(CANGUILHEM, 2001).
É esta gestão da distância entre o trabalho prescrito e o real que cria, que está na
origem do que os psicólogos e os psiquiatras do trabalho chama: a subjetividade
do\no trabalho. É nesse momento que se expressa a personalidade, a
individualidade, a história sempre singular, tanto individual quanto coletiva daqueles
que participam, em tempo real (TRINQUET, 2010, p. 98).
4 O SETOR DE MINERAÇÃO
Falar sobre a história da mineração no Brasil, de alguma forma, nos faz retornar pelo
menos 500 anos, logo após o descobrimento do país. A Coroa Portuguesa foi responsável por
incentivar inúmeras expedições para a busca de ouro no interior no país, cada vez mais longe
dos litorais. Depois de diversas tentativas, frustradas em sua maior parte, foi no século XVII
que foram descobertas jazidas de ouro na região onde se encontra atualmente o estado de
Minas Gerais. Mais exatamente em 1680, foi realizada a descoberta de ouro atribuída a
Manuel Borba Gato, nas margens do Rio das Velhas. Essas jazidas esgotaram-se em meados
do XIX e, sem tecnologias na época, a exploração mineral teve uma significativa redução.
(TRINER, 2011).
7
Metal com propriedades super condutoras.
68
O país, assim como acontece em outros locais do mundo, passa por uma discussão em
torno de uma reforma das políticas de mineração, focadas em questões de tributação e
mitigação de impactos ambientais. Foi percebido um significativo crescimento da produção
de mineração no Brasil, principalmente após o ano 2000, saindo de US$ 10 bilhões nesse ano
para US$ 50 milhões em 2011 (ICMM, 2013).
8
Metal utilizado para construção de tubulações de gases.
69
9
Maciços Antigos: estruturas geológicas antigas da crosta terrestre, formadas na Era Pré-Cambriana e início da
Era Paleozoica, constituídos de rochas magmáticas e metamórficas com baixa incidência de atividades sísmicas.
Os minerais metálicos podem ser encontrados abundantemente nas áreas mais antigas dos maciços, os não
metálicos aparecem em áreas mais recentes. (IBRAM, 2016)
10
Bacias Sedimentares: A decomposição, soterramento e sedimentação de materiais orgânicos, como algas
marinhas e florestas, ao longo de milhões de anos foram as responsáveis por dar origem ao petróleo e gás natural
há milhões de anos e formaram as chamadas rochas sedimentares com origem fóssil, um exemplo é o carvão
mineral. (IBRAM, 2016)
71
Segundo o informe U.S Geological Survey e a Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), o Brasil é considerado o segundo maior
produtor de Minério de Ferro no mundo. Segundo esses dados informam, no ano de 2011, os
três maiores produtores de material bruto foram China (1,33 bilhão de toneladas), Austrália
(480 milhões de toneladas) e Brasil (390 milhões de toneladas). Porém, quando se considera
a qualidade do minério ou o teor/qualidade do material chinês, a quantidade passa a ser
ajustada para 380 milhões de toneladas, um número menor do que o Brasileiro (IBRAM,
2012).
A primeira mineração vai surgir no estado no ano de 1727, com a mineração de ouro
no vale do Rio Araçuai. Posteriormente, em 1811, em Congonhas do Campo, é instalada a
primeira fábrica de ferro chamada de “Patriótica”, essa era uma empresa privada que foi
implantada por Barão Wilhelm Ludwig von Eschwege. Em 1808, a coroa portuguesa se
transferiu para o Brasil devido à invasão francesa, e o Barão havia sido contratado na época
pela Coroa para fazer um estudo do subsolo no país. Já em 1812, na cidade de Itabira do Mato
72
Dentro, atualmente cidade de Itabira, foi extraído pela primeira vez ferro, através de um
malho hidráulico, o que fez evoluir a mineração no estado de Minas. O progresso marcou o
fim do século XIX. Nesse período foram descobertos os novos processos de transformação do
ferro em aço, assim, o aço, como produto mais maleável que o ferro fundido, permitiu que se
tivessem avanços na produção de máquinas, fábricas e da construção civil; nesse período o
minério de ferro em abundância em Minas, até então desvalorizado, começou a se valorizar
no mundo. Nesse contexto, em 1910, em um estudo realizado pelos alunos da escola de
Engenharia de Ouro Preto, é confirmada a existência de grandes reservas de minério de ferro
no Brasil, e é quando é descoberto o Quadrilátero Ferrífero (IBRAM, 2016).
Gráfico 3 - População Ocupada na Indústria Extrativa Mineral (com Petróleo e Gás Natural) no Brasil,
por Estado – 2011 (em %)
11
Os autores Hartman e Mutmansky, (2002) utilizam a palavra Exploration e Exploitation. Em uma tradução
melhor a primeira fase de exploration, estaria mais relacionada com investigação. Normalmente, na língua
inglesa a palavra exploration é utilizada mais no sentido de conhecer a respeito de um local.
75
da água. Durante o fechamento da mina, devem ser consideradas questões importantes como
se essa área será aberta ao público em geral, a remoção dos escritórios e estruturas físicas
deve ser completa, a empresa deve se preocupar em eliminar todos os perigos físicos,
inclusive de queda de estruturas geológicas, deve ser feita a restauração das plantas nativas e
recuperação do solo através da revegetação, posteriormente esse deve ser devolvido para a
sociedade para construção de condomínios, shoppings, aeroportos, dentre outros. A
recuperação é a parte mais difícil da vida de uma mina e deve ser iniciada a partir da primeira
retirada de material. Essa é uma parte importante que deve entrar nos custos de início de
exploração das minas.
Surgem, pois, sérias doenças provocadas pelas propriedades nocivas do material que
afligem os mineiros, assim como todos os outros operários que trabalham com
minerais: ourives, alquimistas, destiladores de aguardente, oleiros, espelheiros,
fundidores, estanhadores, pintores e outros. Aqueles que mais padecem dos danos
pestíferos escondidos nos veios metálicos subterrâneos são os cavouqueiros, que
passam grande parte de sua vida nas profundas entranhas da terra, como se
entrassem diariamente no inferno (RAMAZZINI, 2000, p. 29).
76
Ainda de acordo com Souza (2005), a primeira discussão sobre segurança nas minas
do Brasil surge apenas em 1890, em trabalhos que foram realizados na The Ouro Preto Gold
Mines, onde eliminaram os pilares utilizados de madeira e passaram a utilizar apenas
alvenaria nos pilares da mina. Em 1904, são relatadas as primeiras preocupações de origem
sanitária nas minas, que estavam relacionadas ao adoecimento dos operadores de perfuratrizes
que estavam adoecendo de silicose. Assim, foi iniciado um trabalho de fornecer água potável
no interior da mina para os profissionais e de fornecer um sistema de águas nas perfuratrizes
para que se diminuísse a quantidade de poeira no interior da mina.
No início do séc. XX, foram introduzidas nas minas algumas tecnologias como energia
elétrica, a dinamite e alguns maquinários movidos à água, assim, em conjunto com esse
avanço das tecnologias, os trabalhadores necessários nas minas também tiveram seus
contingentes aumentados, o que culminou no aumento do número de acidentes. Com os
avanços, um novo tipo de acidente, relacionado ao uso de dinamite, aumentou
significativamente, principalmente nos processos de detonação nas minas. Em 1833, se tem
referências das primeiras regras relacionadas à segurança, que foram estabelecidas na
12
Choco se refere a pedras e placas em minas subterrâneas que podem se desprender e vir a cair. Nas minerações
atuais ainda existe a função do Batedores de Choco, que são os profissionais responsáveis por eliminar essas
condições de risco, antes do início das atividades na frente de lavra.
77
Sociedade de Cocais. A regra explanava sobre ouvir gritos dentro da mina e que todos eram
obrigados a ajudar, fornecendo socorro. Quem não agisse de tal forma estava sujeito a
penalidades e os que atuavam com presteza, poderiam ser reconhecidos (SOUZA, 2009).
No Brasil, ainda, deste 1999, foi criada a Comissão Permanente Nacional do setor
Mineral (CPMN), com a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego, com o objetivo
de propor melhorias das condições de trabalho no setor, acompanhar e traduzir de uma forma
mais acessível a Norma Regulamentadora n. 22 e buscar alternativas para situações de maior
risco no setor. A Comissão é composta por representantes do governo dos Departamento de
Segurança e Saúde no Trabalho, Departamento Nacional de Produção Mineral, Fundação
Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Saúde no Trabalho, Ministério da Previdência e
Assistência Social e Ministério da Saúde, além de representante de empregadores do setor
representados por (CNC - Confederação Nacional do Comércio de Bens, CNI - Confederação
Nacional da Industria, CNT - Confederação Nacional do Transporte e CNF - Confederação
Nacional das Instituições Financeiras) e representantes dos trabalhadores (FS – Força
Sindical, CUT – Central Única dos Trabalhadores e CGT – Comando Geral dos
Trabalhadores). A coordenação fica ao cargo de Mário Parreira de Faria, do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE).
As três principais causas dessas fatalidades foram queda de altura, seguida de contato
com máquinas e transporte de forma geral. Somente essas três causas representam cerca de
70% de todas as fatalidades nas empresas de mineração por todo o mundo.
79
Ao analisar as fatalidades por países, o Brasil está na quarta posição, atrás apenas de
África do Sul, Zâmbia e Austrália. No material, podemos perceber que 60% das fatalidades na
mineração em 2015, no mundo, aconteceram na África, em seguida temos a América Latina
com 13,3%, América do Norte com 8,3%, 6,7% na Oceania e a Europa com os menores
números, 5%.
entanto, um ponto crítico dessas informações é que algumas empresas brasileiras não fazem
parte do ICMM e, portanto, não fornecem suas estatísticas de acidentes. Dessa forma, a
posição da América Latina e do Brasil, nessas estatísticas, pode estar desatualizada.
5 PERCURSO METODOLÓGICO
detalhados e, em certa medida, amplos sobre o mesmo, tendo a oportunidade de fazer uma
compreensão do fenômeno pautada em aspectos individuais, organizacionais e sociais,
entendendo que a análise de uma unidade pode contribuir nas possibilidades de generalização
do estudo ou no encaminhamento de novas questões de investigação (GIL, 1989; YIN, 2001).
Sendo assim, para esse estudo de caso, nossa atenção está voltada para o processo
dialético entre o acidente e as concepções da psicologia do trabalho, buscando conhecer onde
esses dois pontos fazem convergência. Para tanto, a abordagem teórica do objeto desse
trabalho busca produzir uma articulação entre a Psicologia do Trabalho, principalmente
aquela com origens francofônicas, e teorias/concepções mais relevantes no contexto atual
sobre acidentes.
13
Definido pela Norma Regulamentado N° 4 o Grau de Risco serve para mensurar o risco de cada atividade.
Essa medida é feita considerando a ramo de atividade da empresa. As minerações, se enquadram no grau de risco
4.
14
Mobilização é a parte inicial da entrada da empresa no projeto. É o momento onde serão treinados os
funcionários, instalação das estruturas de escritórios e preparação para início da execução da obra. As fases que
compõe o projeto na empresa eram: contratação, mobilização, execução e desmobilização.
84
Além disso, uma empresa contratada fazia o gerenciamento da empresa que executava
o projeto no talude da cava. Essa empresa possuía 1 (um) engenheiro civil, 2 (dois)
topógrafos, até determinado momento do projeto 2 (dois) técnicos de segurança e 1 (um)
enfermeiro do trabalho, que ficavam em tempo integral acompanhando a execução do projeto,
fazendo medições, verificações de qualidade de serviço e de materiais utilizados. Essa
empresa tinha como objetivo fazer a gestão da empresa que fazia a execução da obra,
representando a empresa contratante, no caso, a mineradora.
Nesse primeiro encontro, o projeto foi apresentado para os representantes das áreas de
Comunicação Institucional, Segurança Ocupacional e Segurança Empresarial. As principais
dúvidas e discussões foram relacionadas aos cuidados com o uso das imagens, principalmente
de alguns equipamentos/tecnologias específicas da empresa e dos funcionários.
realizado em uma diretoria que trabalha com projetos de infraestrutura e também em algumas
áreas de Operação de Mina. O primeiro ponto levado em consideração foi buscar localidades
que estivessem na região de Belo Horizonte para facilitar o deslocamento do pesquisador.
Depois de mapeadas as áreas, foi solicitado pela empresa que fizéssemos uma
apresentação da pesquisa para os gerentes das áreas mapeadas. Assim, fizemos a apresentação
para a área de projetos, mais especificamente para o Gerente e o profissional responsável pela
execução de obras de infraestrutura na região da grande Belo Horizonte.
O presente estudo contou com algumas etapas, que serão descritas a seguir, todas as
etapas do estudo foram realizadas dentro das dependências da mineradora.
Durante a discussão em grupo, foi nosso foco conhecer melhor elementos da atividade
dos alpinistas, principalmente no que se refere à organização do trabalho, os seus gestos,
formas de comportamento, mensagens e informações que eles trocam entre si, dialetos
específicos, máquinas, ferramentas e materiais mais utilizados, etc. Em certa medida,
buscamos conhecer a maior quantidade de elementos que auxiliassem na identificação das
situações de risco e explicassem as causas do acidente, principalmente fugindo da
representação do erro humano. Além de buscar construir, com o coletivo de trabalhadores,
ações voltadas para a prevenção de acidentes similares. A discussão em grupo durou em torno
87
de 1 hora e 30 minutos e o vídeo da atividade de esticamento de cabo de aço tem uma duração
de 7 minutos.
Para análise dos dados, buscamos seguir uma sequência lógica de ordenação dos dados
provenientes do processo de organização de todos os documentos recolhidos, das transcrições
88
da discussão em grupo e entrevistas. Assim, essa foi dividida em duas fases, uma de
apresentação de informações sobre o projeto e a atividade dos Alpinistas e, posteriormente, o
relato da experiência em grupo na discussão sobre a atividade de esticamento de cabo de aço.
Nesse momento, se pretende fazer uma análise das principais informações recolhidas na
discussão em grupo, onde se almejou construir uma articulação entre as informações
empíricas levantadas e os referenciais teóricos utilizados nesse trabalho e, assim, construir um
trânsito entre informações que passam do nível particular para o coletivo, em um exercício
dialético que visa construir uma reflexão sobre o trabalho.
A presença do pesquisador em seu ambiente de estudo, por si só, produz alterações nas
formas tradicionais de funcionamento. Assim, a presença do pesquisador no campo de
pesquisa e seu contexto são itens importantes de serem abordados em um estudo. Explanar
sobre uma absoluta neutralidade em ciências humanas é sempre um assunto difícil e muitas
vezes controverso. Seja do ponto de visto de observador ou das opções metodológicas que são
utilizadas, dificilmente podemos desconsiderar os fatores de interferência que podem ter um
pesquisador diante de seu objeto. O local de passividade do pesquisador tradicional, aquele
que se mantém distante de seu objeto, com um tipo de afastamento, é questionado nas
pesquisas das ciências humanas, com isso existe uma flexibilização nas exigências de
neutralidade, e no uso dos instrumentos que buscam a objetividade em pesquisa (PAULON,
2005).
O problema relativo à participação ativa das pessoas implicadas com uma pesquisa e
da interferência dos dispositivos de investigação nos processos observados só pôde
ser concebido como um problema de pesquisa com a superação das pretensões de
neutralidade e objetividade tão promulgadas pelo paradigma positivista nas ciências.
As contribuições da fenomenologia e da Psicologia Social de Kurt Lewin foram
fundamentais para isto. Ao afirmar a inviabilidade do pesquisador colocar-se “fora”
do campo de investigação, mostrando as zonas de interferência entre ambos, estas
abordagens dos fenômenos sociais produziram rupturas significativas no que se
instituíra como lógica científica até então (PAULON, 2005, p. 19).
Nesse sentido, o pesquisador ao fazer parte do campo em que se pesquisa, pode trazer
eventuais vantagens e também desvantagens, nesses casos, afim de evitar prejuízos nos
estudos faz se importante partir-se da premissa de que os participantes se manifestem
livremente, que tenham oportunidade de desistirem em qualquer momento e foi seguindo
essas diretrizes que o trabalho decorreu. No entanto, a presença do investigador como um
funcionário da mineradora estudada não pode ser desconsiderada, principalmente na interação
com os profissionais que atuavam nas empresas contratadas por essa. Na mesma medida em
que o fato pode trazer algum tipo de barreira, no sentido de que esse pertence a outra
companhia e não faz parte de nosso grupo (empresa contratada), ou até no sentido de que não
existe isenção na escuta; pode também, trazer uma abertura para os profissionais
(participantes das discussões), visto que quem escuta (pesquisador) não está diretamente
implicado na estrutura organizacional que faz parte os participantes, no caso, os funcionários
90
Uma das estratégias utilizadas nesse trabalho, para tentar diminuir esse impacto, foi
investir na exaustiva explicação dos objetivos do trabalho, do papel que estava sendo
desempenhado pelo pesquisador, da explicação dos possíveis impactos para os participantes.
Um dos fatores que contribuíram nesse sentido é que o pesquisador, apesar de fazer parte do
quadro de pessoal da mineradora, não atuava diretamente nessa área, portanto não possuía
nenhum tipo de relacionamento, até então, com os profissionais das empresas contratadas e da
mineradora.
6 CONTEXTUALIZAÇÃO E DISCUSSÕES
6.1 A mineradora
A área de negócio escolhida para fazermos este estudo foi o minério de ferro. No
negócio de minério de ferro os processos envolvidos são basicamente a extração,
carregamento, transporte, beneficiamento, estocagem, embarque e entrega do produto para o
cliente.
Além desses setores, existem as áreas matriciais que atendem a todos os complexos
minerários, e cujos profissionais são de Recursos Humanos, Saúde e Segurança Ocupacional,
Meio Ambiente, Transporte de Pessoal, Alimentação, Segurança Empresarial, dentre outros.
Nas áreas de negócios temos também as áreas de projetos. Essas são estruturas
responsáveis por desenvolverem projetos de infraestrutura, novas tecnologias e de adequação
de estruturas antigas, voltadas para a manutenção da sustentabilidade do negócio. Assim, as
áreas de projetos possuem estruturas diferentes das operações, pois normalmente essas
trabalham com empresas terceirizadas que são muito especializadas. A área de projeto é
dividida em processos, como de avaliação de viabilidade, que é composta por profissionais de
Engenharia Civil, Mecânica e Elétrica.
A mineradora possui uma Política Global que versa sobre sustentabilidade em seus
negócios. Dentro de sua política, versa sobre diretrizes e princípios para sustentabilidade nos
projetos e nas operações da empresa. O documento tem foco na prevenção de acidentes, em
responsabilidade social, ambiental e econômica. A política é aplicada a todas as empresas que
fazem parte da mineradora e também no que se chama de sua cadeia de valor, aqui incluindo
as empresas que são contratadas para a execução de atividades dentro da localidade da
empresa. O documento versa sobre o seu objetivo em alcançar o zero dano aos empregados,
contratados e comunidades. O Zero dano pode ser entendido como a busca, de forma
permanente, da prevenção de perdas relacionadas aos riscos à saúde, à integridade física e
mental, voltada principalmente para a ausência de acidentes e eventos que gerem impactos
negativos nas pessoas, meio ambiente e à comunidade. Sua política é baseada em algumas
referências internacionais, tais como: ISO 9001 Sistema de Gestão da Qualidade, ISO
14001:2015 Sistema de Gestão Ambiental, ISO 26000 - Responsabilidade Social, OHSAS
18001:2007 - Sistema de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho, OIT - Convenções
Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (Convenções 29, 87, 98, 100, 105,
111, 138, 169 e 182), Padrões de Desempenho da IFC (International Finance Corporation),
94
GRI - Global Reporting Initiative, Carta Internacional de Direitos Humanos da ONU, Pacto
Global das Organizações das Nações Unidas (ONU), Voluntary Principles on Security and
Human Rights e ICMM - International Council on Mining and Metals.
referências sobre a forma de realização desse processo, o processo de fechamento foi pouco
desenvolvido (IBRAM, 2013).
15
Pode ser considerado uma inclinação na superfície lateral de um aterro ou de um muro relativo a qualquer
obra. É entendido como um terreno em declive, composto por materiais, como terra, rocha, etc.
16
É o local de onde acontece a extração de material em uma mina, uma escavação ou cavidade em terra, buraco
ou cova.
96
Obras utilizando técnicas de alpinismo não são comuns e não existem disponíveis,
regulamentos, normas ou padrões de regras para sua realização. A realização do projeto foi
possível somente com a importação de algumas técnicas de montagem, em que foi necessário
a utilização de um helicóptero para o transporte dos materiais, um modelo de perfuratriz
17
Ravina é um fenômeno geológico que consiste na formação de grandes buracos de erosão, causados pelas
chuvas nos solos. As ravinas são normalmente classificadas como de menor escala do que as voçorocas, vales e
cânions.
97
Como era um projeto diferente, que envolvia uma quantidade de riscos diferentes do
que a mineradora e a empresa contratada estavam acostumadas a trabalhar, sem histórico de
realização no Brasil, foi necessário que fossem contratados profissionais de outras
nacionalidades, com experiência em projetos similares, que foram os responsáveis pela
qualificação da equipe e implantação de ajustes nas tecnologias e metodologias utilizadas no
projeto.
A limpeza do talude era referente a retirar grandes blocos de pedras que estavam no
talude. Eles eram retirados da estrutura com a utilização da escavadeira; essa etapa era
importante para o início da etapa seguinte de instalação de telas. As duas etapas aconteciam
concomitantemente, enquanto a limpeza avançava e já liberava alguns locais. Em seguida, era
iniciada a etapa de perfuração, com a utilização da perfuratriz e posterior instalação de
vergalhões de aço.
18
Conjunto de blocos de pedras, que necessitavam de ser quebrados.
99
A etapa seguinte do projeto foi a instalação das telas fixas. Essa etapa consistia em
receber as telas de grande porte através de um helicóptero específico para carga, alocar as
telas na destinação correta e iniciar as atividades de toqueamento, o que se refere a fechar o
sistema, fechar uma tela na outra, e posterior fixação do sistema no terreno, formando, assim,
uma malha protetora. As etapas de limpeza da área do talude, perfuração e instalação das telas
eram realizadas pelos profissionais alpinistas.
19
A broca é a estrutura localizada no ponto da perfuratriz que é utilizada para perfurar o terreno, nesses pontos
existem estruturas diamantadas, com a presença de diamantes, que conseguem romper esse tipo de terreno.
20
A palavra litologia está relacionada com o tipo de rocha que irá formar o solo.
100
Com relação ao efetivo total do projeto, o seu pico aconteceu no mês de maio de 2015,
quando a empresa tinha mobilizado, nesse contrato, um número de 246 empregados.
21
Todos os nomes utilizados são fictícios com o objetivo de preservar a identidade dos profissionais.
101
Uma das dificuldades do projeto era o acesso por cordas, assim, após estudos, a
empresa passou a seguir recomendações e a realizar o treinamento dos profissionais de acordo
com a Organização IRATA (Industrial Rope Access Trade Association), que é formada no
Reino Unido em 1980.
22
Profissional devidamente autorizado para organizar e conectar a distribuição e disposição dos explosivos e
acessórios empregados no desmonte de rochas.
102
Pyroblaster23, que era específica para desmonte de rochas e estava entre as categorias de
fogos de artifício. A sua diferença era a menor projeção de materiais ao longo do talude. Para
realizar a detonação, a perfuração era feita pelos alpinistas de nível 1 e a detonação pelo
Blaster. Essa fase de detonação de materiais durou, no projeto, um ano e meio. Os desmontes
só podiam ser feitos no horário de almoço e depois de seguir procedimentos específicos para
retirada de todos os profissionais do talude.
As operações com carga externa eram realizadas nas modalidades linha curta (short
line), linha longa (long line), em que a carga fica presa a um gancho de carga elétrico, com
um dispositivo de funcionamento que previne que a carga pudesse escorregar do gancho. Este
dispositivo era de verificação obrigatória nos dias em que havia movimentação de cargas ou
em situações em que era solicitado pelo comandante da aeronave.
Os materiais usados para içar a carga, como cintas e manilhas, eram checados pelos
mestres de carga no processo de preparação para as atividades. Existia uma preparação para a
operação, levando-se em consideração as tabelas de cargas admissíveis específicas para esses
materiais de içamento. O mestre de carga era devidamente treinado para executar os
23
Pyroblast não é considerado um explosivo, é baseada em uma composição propelente integrado em um
dispositivo que, acionado, reage gerando grandes volumes de gases inofensivos responsáveis pela fragmentação
instantânea, seria como um fogo de artificio com uma concentração maior. A utilização se dá através de um
iniciador elétrico que é ativado por um equipamento eletrônico, que iniciara o desmonte do local. No entanto,
sua utilização pode feita apenas por profissionais habilitados, os blasters.
106
almoço durava até por volta das 13 e 30, devido ao revezamento dos profissionais, com
exceção de dias de detonação. No final da tarde, por volta das 16 horas, eles retornavam dos
ônibus para o canteiro, batiam o cartão de ponto e se direcionavam para fora da mineradora,
às 16 e 30.
equipamentos diretamente envolvidos nas atividades, entre 5 a 13 km, iniciava a retirada dos
funcionários do talude, de 0 a 5 km era iniciada a evacuação total. Também era necessário um
monitoramento das condições do vento. Quando eles eram superiores a quarenta quilômetros
por hora, as atividades de acesso por corda eram paralisadas imediatamente. Esse
monitoramento era realizado com a utilização de anemômetro 24, a empresa sempre
considerava a medição mais próxima do limite mínimo, como um critério de segurança, visto
que a medição não era rigorosa.
O talude foi dividido pela empresa em grandes áreas, sendo que em cada uma delas
um encarregado, com qualificação em acesso por corda de nível 2, era responsável pela
construção e manutenção dos acessos (entrada e saída das frentes de trabalho, cordas para
deslocamento dos profissionais) e pela supervisão do atendimento aos procedimentos de
acesso por corda.
24
Aparelho realizado para medição da velocidade dos ventos e sua direção.
25
Esse está relacionado com o desprendimento de fragmentos ou placas de rochas, ao longo da superfície de
estruturas geológicas
109
A primeira ação em caso de uma ocorrência, segundo a norma interna, é realizar ações
imediatas e o registro de incidentes. O primeiro passo após um incidente seria preservar a
cena do incidente e garantir que o local esteja seguro, deve-se incluir também algum
equipamento envolvido. Em seguida, realizar uma classificação preliminar da severidade real
e do potencial26, isto é, uma classificação com base nas primeiras observações do acidente; a
classificação final da severidade real e potencial é analisada pelo SESMT da empresa de
acordo com as normas internas da mineradora, principalmente pelos médicos do trabalho. A
classificação da severidade divide-se em leve, moderada, grave, crítica e catastrófica. A
Severidade catastrófica está relacionada com a possibilidade de mais de uma fatalidade
naquela situação, crítica seria de apenas uma pessoa, a severidade grave enquadra alguma
perda de membros ou partes do corpo, moderada em situações que tenham levado a
afastamento do profissional, e leve em que foi necessário apenas os primeiros atendimentos
médicos e o profissional já pode retornar para a atividade. Existe um sistema de comunicação
dessas ocorrências que, de acordo com a severidade real, são comunicadas a uma série de
profissionais envolvidos, e nas situações mais graves é acionado o diretor da localidade.
26
Severidade: refere-se à magnitude das consequências de um incidente e é dividida pela mineradora em Real,
seria que realmente aconteceu o incidente, e Potencial, como a consequência máxima que poderia ser gerada, em
um momento diferente, em que os controles de alguns dos riscos não poderiam ser controlados.
110
A fase de tratamento dos incidentes versa que os profissionais devem garantir uma
análise crítica das análises de risco e a inclusão de situações encontradas, as áreas de
segurança locais têm o papel de monitorar o cumprimento dos prazos definidos nos planos de
ação e de atualizar os registros no sistema de controle. Ações que necessitem de mudança de
prazo são submetidas à aprovação de um nível hierárquico superior ao do responsável pela
ocorrência.
No total, no projeto, a empresa teve sete acidentes envolvendo pessoas. Esses sete
acidentes resultaram em oito profissionais lesionados, pois o primeiro acidente, no ano de
2014, relacionado a um desplacamento, provocou lesões em dois empregados. Foram
111
Outro ponto importante tem relação direta com as soluções encontradas para tratar
esses acidentes. Como decorrência dos acidentes, e após as investigações e análises, eram
elaborados relatórios sobre as ações encontradas para tratamento dos acidentes. Nos registros
da empresa não são apresentadas informações referentes ao ano de 2014, apesar de ter
acontecido acidentes nesse período. Podemos ver, no gráfico abaixo, que no total de ações
levantadas para resolução, apenas metade dessas foram consideradas concluídas. Quem
sinalizava que a ação estava concluída eram os profissionais da empresa gerenciadora e da
mineradora. Se pensarmos que essas ações foram elaboradas em atendimento ao plano de
algum acidente, esse dado pode ser alarmante.
112
Podemos notar que as informações recebidas eram tratadas pela empresa, pois todas as
apontadas foram resolvidas ao longo do projeto. O que chama a atenção é o aumento desses
registros no ano de 2016, já que o principal pico de obra aconteceu no período de 2015,
quando a empresa tinha mais profissionais mobilizados e atividades de risco acontecendo com
maior frequência. Outro dado interessante refere-se a um pico desse número nos meses de
junho e julho de 2015. Como veremos, no mês de maio aconteceu um dos acidentes que
discutiremos nesse material, relacionado aos alpinistas. Aqui nos surge uma indagação sobre
o que aconteceu na empresa nesse período que fez com que o número dos registros dessas
condições aumentasse de forma tão significativa. Infelizmente não foi possível checar essa
informação com os profissionais da empresa. Fato importante é que esse fenômeno não
acontece em apenas uma ferramenta de segurança da empresa.
Naturalmente, nos dados do ano de 2015, devemos considerar que são relativos apenas
a cerca de 6 meses. No entanto, o que mais chama a atenção nessa discussão é quando
estratificamos esses registros de acordo com os meses do ano.
O que mais chama atenção nessas informações é a relação entre o aumento dos
registros e o acidente mais grave que aconteceu no referido projeto. Assim, apresentaremos
um relato dos três principais acidentes que aconteceram durante o projeto e que,
posteriormente, servirão de base para uma reflexão.
A empresa tinha um programa de controle de álcool. Toda semana, antes do início das
atividades, era realizado um sorteio e alguns profissionais deveriam passar no serviço de
saúde do projeto para realizar um etiloteste; era utilizado um bafômetro. Existia uma exceção
aos motoristas, que faziam o teste diariamente.
Os testes iniciaram somente no ano de 2015. Até o fim de 2016 foram realizados 976
testes; em 5 situações foram encontrados desvios. Nesses casos, durante a realização do teste,
foi identificada alguma presença de álcool maior do que 0,0%. Um dos casos de desvio
aconteceu com um motorista de ônibus, um outro com um motorista de uma van, com o
motorista do caminhão munck27 e o último com um carpinteiro, com o qual, segundo a
empresa, foi identificada a presença de álcool em dois testes, em dias diferentes. Todos os
profissionais da empresa que passaram pelas testagens e que apresentaram desvios foram
desligados pela empresa.
A mineradora possui uma política de segurança com algumas regras que considera
invioláveis. São regras relacionadas à identificação de riscos em sua atividade de trabalho, uso
de equipamento individual de proteção (EPI), violação e não realização de testes de
efetividade em bloqueios, realização de atividades sem a devida autorização formal, sobre
trabalho sob efeito de álcool e drogas, trabalho em altura sem a utilização de cinto de
segurança adequado, o uso de máquinas, ferramentas e equipamentos de forma improvisada,
não transitar embaixo de carga suspensa e não conduzir veículos acima da velocidade limite
da via. No caso de identificação do não respeito a alguma dessas regras, o gestor pode utiliza-
la para desligar os profissionais.
27
O caminhão guindauto, ou Munck, é utilizado para movimentar e carregar grandes cargas, possui uma lança
para pegar a carga e colocar na caçamba do caminhão.
116
28
O rádio é o osso do antebraço, indo do cotovelo até ao lado do punho onde se encontra o polegar.
117
desenvolvimento. Dessa forma, é nosso objetivo nesse momento, fazer uma breve descrição
do que aconteceu nessas três situações e, em um momento posterior, fazer uma análise das
ligações entre esses três acontecimentos.
29
Rocha metamórfica finamente estratificada, considerado um importante minério de ferro (tem seu teor de ferro
entre 50% e 55%).
30
O compacto refere-se a uma rocha única, um grande bloco de rocha.
118
estavam preparando a colocação de uma nova haste, após uma perfuração de cerca de 1,60 de
profundidade, quando uma avalanche de pedras rolou em direção aos profissionais, causando
lesões. Às 14 e 25 foi iniciado o procedimento de resgate dos profissionais, com o
acionamento da ambulância e início da preparação para resgate em altura. Por volta de 14 e 40
ambos profissionais davam entrada em hospital próximo ao local do projeto. Os profissionais
tiveram perfurações em suas pernas, ficando afastados das atividades por alguns dias.
Desse acidente, foram identificadas algumas causas imediatas e que precisavam ser
alteradas na atividade a partir daquele dia, por exemplo, a atividade de perfuração só poderia
acontecer com alguma tela já instalada. Nesse caso, em caso de desplacamento, os
profissionais não estariam na linha de frente do acidente.
31
Crista é a parte mais alta do talude.
119
deslocamento utilizando uma outra corda instalada em uma região um pouco mais à frente,
enquanto se deslocava, o alpinista se desequilibrou, vindo a rolar por 27 metros num plano de
45 graus, descendo em direção à parte mais baixa do talude. A severidade real foi considerada
como moderada e a severidade potencial foi considerada como crítica.
• Foi verificado que, durante o treinamento de qualificação de acesso por cordas, não há
um detalhamento sobre o transporte de materiais nos cintos. No treinamento de acesso
por corda há apenas detalhamento sobre a carga de ruptura dos cintos;
• O alpinista foi certificado por organização terceira habilitada (IRATA), sobre a forma
correta de se deslocar no talude, porém optou por descumprir os procedimentos;
• O encarregado, em outro momento, orientou de forma verbal sobre o descumprimento,
de menor gravidade, de procedimento e não reportou ao seu superior imediato para
tratativa.;
• O procedimento de trabalho não contempla a descrição da atividade de transporte de
equipamentos presos ao cinto de segurança.
vindo a atingir sua face na parte superior direita (supercílio). O tipo de lesão que o
profissional teve foi um corte do tipo contundente. Tinha 41 anos de idade e estava atuando na
empresa há 1 ano e 2 meses, porém havia poucos dias que estava trabalhando nesse projeto,
vindo de transferência de outra localidade. O ocorrido foi às 15 e 50, próximo ao horário em
que os profissionais começam a se organizar para deixar a empresa. Enquanto o profissional
realizava a atividade de “esticamento/tencionamento” do cabo de aço houve o desprendimento
do gancho da talha que se encontrava instalado em uma ancoragem do sistema, um vergalhão
de aço, vindo a atingir a parte superior direita da sua face (supercílio). Os óculos de segurança
ficaram completamente danificados.
A severidade real desse acidente foi considerada leve e o potencial foi qualificado
como crítico.
Estávamos em uma fase inicial de realização das reuniões com os gestores e equipes
responsáveis pelas áreas, a fim, de conseguirmos estabelecer os possíveis locais para
realização da pesquisa. Na mesma semana, que tínhamos apresentado a proposta do projeto
para a gerências de projetos de infraestrutura (Sustaining) aconteceu o acidente ocupacional
do alpinista na atividade de esticamento de cabo de aço, relatado anteriormente.
Os materiais que são envolvidos nessa atividade são o caminhão munck (transporte do
material até a área de carregamento do helicóptero, drop zone), o helicóptero (para fazer o
transporte dos materiais até a frente de trabalho), chave de impacto, compressor 850pcm 32 e
10 bar33, materiais de perfuração (Perfuratriz - Wagon Drill), materiais para injeção de
concreto e bomba de hidrossemeadura34.
32
O compressor de 850 pcm tem cerca de 1 metro por 1 metro e sua estrutura fica acoplada em um carrinho.
33
O bar é uma unidade de pressão.
34
Um misturador e um conjunto moto-bomba, as sementes são misturadas em água, fertilizantes, corretivos e
fixadores para posteriormente serem lançadas no solo, principalmente em taludes.
124
A etapa de instalação das telas é iniciada com o helicóptero, trazendo as telas Tecmat35
enroladas para o talude. Após depositada na área indicada, elas são desenroladas pelos
alpinistas e instaladas. Em seguida, o helicóptero transporta a tela Tecco 36, que é inserida no
guincho de carga da aeronave, já desenrolada na área de drop zone, e de acordo com croquis
de programação o piloto se dirige para o talude. Chegando na área do talude, o piloto se
comunica, por rádio e sinais, com o mestre de carga que direciona a liberação do material.
Assim que a parte inicial da tela toca o talude, os escaladores fazem a fixação provisória da
tela. A partir disso o piloto, progressivamente, desce o restante dessa até a instalação de todo
o seu comprimento e, por último, o piloto aciona um dispositivo de alijamento de carga
eletrônico que libera a tela totalmente, depositando-a ao longo do talude. O helicóptero
retorna ao drop zone, para o transporte de placas, cabos, porcas e ancoragens, que serão
necessários. Isso é feito através de um big bag37. Nos taludes são instaladas estruturas de
contenção de madeira, para um devido acondicionamento desses big bags.
35
TECMAT é uma geomalha para o controle da erosão, com uma estrutura irregular, fabricada com
polipropileno.
36
A malha TECCO de arame de aço de alta resistência, é utilizada para estabilizar o talude, seja de rocha ou
material solto.
37
Saco grande feito de material resistente, flexível e dobrável, para transporte de grandes cargas (média de 1
tonelada) a granel e com alças para içamento.
38
As talhas são ferramentas utilizadas, para facilitar o levantamento de alguma carga. É feita de aço, com peças
como: correntes, polias (roldanas) e ganchos. A tala permite levantar grandes pesos com força mínima, puxando
grandes metragens de correntes que correm através das polias e realizam toda tarefa.
125
tensão esperada, o alpinista faz uma amarração do cabo de aço, usando uma presilha. Depois
de prender o cabo, o profissional gira a catraca no sentido contrário ao anterior, que produz
um efeito de destensionamento do sistema, depois disso a catraca é retirada, e a costura da tela
está concluída. Assim, chega-se ao fim de atividade de instalação da tela no talude.
Essa descrição das etapas da atividade e dos riscos mapeados são baseadas nos
documentos internos da empresa. Em uma discussão posterior, vamos identificar que alguns
itens da execução merecem mais atenção. A atividade que será foco desse estudo é a de
esticamento do cabo de aço, realizada no momento de costura da tela, quando ocorreu
acidente ocupacional relatado anteriormente.
Diante do cenário apresentado, podemos imaginar que o contexto dessa atividade não
é simples, o alpinista está no alto de um talude, preso por diversos equipamentos de
segurança, com uma intensa movimentação de profissionais e de helicópteros, o que,
naturalmente, produz altos ruídos, além da liberação de uma grande quantidade de poeira. Ao
mesmo tempo o profissional está portando um rádio de comunicação, no qual constantemente
profissionais do projeto estão se comunicando sobre diversos assuntos. Diante de todo esse
contexto, os profissionais executam suas atividades tendo que se lembrar de diversos
procedimentos técnicos, seguindo normas regulamentadoras de segurança e outras diretrizes.
Depois desses estudos e discussões prévias, optamos por seguir em duas frentes de
trabalho. Uma delas estaria relacionada com a filmagem dos profissionais executando a
atividade de esticamento de cabo de aço. A intenção era filmar mais de um profissional.
Um dos primeiros pontos que nos chamaram a atenção era que o local onde ocorreu o
acidente era restrito e exigia treinamentos específicos de trabalho em altura, inviabilizando a
ida do pesquisador. Esse treinamento, além de um custo elevado, também demandaria muito
127
tempo para ser realizado. Dessa forma, foi necessário que outro profissional fizesse a captação
das imagens. A solução foi encontrada em conjunto com a área de segurança local da empresa
contratada, e esta disponibilizou um dos seus funcionários para realizar a gravação da
atividade. O profissional de segurança da mineradora que possui as habilitações necessárias
para acessar o local se prontificou para acompanhar a atividade de gravação.
Seguindo esse caminho, fizemos uma reunião com os profissionais (da mineradora e
da contratada) para explicar como deveria ser feita a filmagem da atividade. Especificamos
que era importante os profissionais realizarem a atividade da forma como ela é feita
rotineiramente, gravarem o passo-a-passo de execução e tudo o que eles julgassem importante
e que talvez não estivesse vinculado diretamente à atividade, como outras pessoas próximas,
dentro outras coisas.
Depois que os profissionais fizeram o vídeo, marcamos para o dia seguinte o momento
de discussão da atividade com o grupo de alpinistas. Tivemos acesso ao vídeo apenas algumas
horas antes de fazermos a discussão com os profissionais, o que não possibilitou uma análise
maior do material antes da apresentação para o grupo e nem permitiu planejar muitas
perguntas sobre a atividade em foco.
A filmagem que foi entregue pela empresa estava sem nenhuma edição e foi gravada
com um bom equipamento de vídeo.
128
Além dos quatro empregados, a empresa encaminhou uma profissional com a função
de Técnica de Segurança Ocupacional para discussão em grupo. Nesse sentido, existem
benefícios em envolver profissionais com conhecimentos diferentes em um grupo de
discussão sobre as atividades. A Ergologia explicita a importância da soma de diferentes
conhecimentos para se chegar à solução de problemas complexos (TRINQUET, 2010).
O grupo de discussão, então, foi composto por quatro alpinistas, dois técnicos de
segurança (um técnico de segurança mineradora também participou) e o pesquisador. O
trabalho foi realizado em uma sala de reunião das instalações da mineradora, uma área de
escritórios onde ficam alocados profissionais administrativos. Não era um local de comum
acesso dos Alpinistas. Esses chegaram devidamente no horário marcado para iniciarmos.
O roteiro inicial para discussão com o grupo envolvia a apresentação dos objetivos da
pesquisa, explicação sobre a formação do grupo e uma apresentação dos profissionais que
estavam na sala.
A conversa iniciou-se com uma discussão sobre os principais riscos e das condições de
trabalho para execução dessa atividade. O vídeo foi apresentado em seguida por duas vezes.
Na primeira passarmos sem pausas e na segunda fomos parando em alguns pontos que o
grupo ou o pesquisador julgaram importantes para serem melhor esclarecidos ou detalhados.
Assim o diálogo, iniciou-se com uma primeira pergunta realizada para os profissionais
em relação aos riscos de sua atividade:
Pesquisador: Quais são os principais riscos dessa atividade? Assim, o quê que, pode
acontecer lá.
129
Felipe Souza39: o principal risco que pode acontecer, é cê ocê não fizé o... as coisas
bem feita, pode acontecer algum erro né? Aí cê tem que ficar atento, a cada
momento, a cada, detalhe, e perigo, ocê tem que fazer com o máximo de segurança.
Pra num acontecer... Não ficar muito na frente da da... do do diâmetro da catraca que
pode escapar, a corrente, então, e... e fazer né, com segurança, com calma, não
precisa correr, tem que trabalhar com calma e... com muita segurança né.
Em seguida foi conversado com os profissionais sobre o que eles achavam de trabalhar
em altura e com risco de queda.
Pesquisador: Como é que vocês se sentem, trabalhando nesses taludes? É alto pra
caramba?
José Maurício: costuma né.
Paulo César: costume né. A gente gosta também, do que faz. Se não gostar não tem
como né.
José Maurício: quem não gosta... quem não se adapta na altura mesmo, quando
chega já... já pede pra ir embora, pra mudar para outro serviço [risos].
Paulo César: você vê... tem esse paredão aqui, do lado de cá? você vê é uma coisa,
mas se você tá lá em cima, você vê outra.
Pesquisador: é diferente né.
E2: desse lado, é desse tamanho aqui embaixo [risos] tem que ter coragem... [risos]
P: é diferente né.
E2: muito diferente.
39
Todos os nomes citados são fictícios, com o objetivo de preservar a identidade dos profissionais.
130
Em seguida lhe foi solicitado que falasse de sua atividade desde o início, quando
chegam ao canteiro:
Ayrton Costa: Beleza. Aí o encarregado vai passar a atividade pra mim, vai falar ó.
O menino aqui vai trabalhar com você, porque você é mais experiente né. Beleza...
Assinou os papel, pergunta a você se ele assinou os papel logo, assinou? Então vamo
subir, vamo comigo.
Esse era um grupo relativamente novo na função que exerciam e estavam aprendendo
ainda sobre a atividade. A empresa passava por um momento de contratação de novos
funcionários para integrar ao projeto.
Ayrton Costa: Aí, no caso né? Se precisar de algum equipamento, pra gente pegar
logo... pra levar. Porque nada é improviso, porque chega lá na hora, não tiver o... a
ferramenta né, pra trabalhar, porque né, no caso lá, o rapaz ele se esqueceu, às vezes
ele pode até ter se esquecido, ou então não tinha a porca perto, também, entendeu?
Quando o alpinista se refere ao caso lá, o rapaz se esqueceu, essa referência está sendo
feita ao profissional que acabou tendo um acidente na atividade. Uma das informações iniciais
da análise do acidente foi justamente que o profissional não tinha colocado uma porca que era
necessária para tornar a atividade mais segura.
A conversa se voltou mais para o modo como eles fazem a atividade, que tipo de nós
eles fazem, que tipos de equipamento são necessários, quais documentações devem ser
preenchidas.
Nesse momento os profissionais comentam sobre a lista de checagem que eles fazem
antes das atividades e da preparação para as atividades, já que eles devem ir preparados para
várias atividades, pois mudanças podem acontecer no alto do talude:
131
Paulo César: Porque na realidade, é... é que nem ele acabou de falar. Nóis não tem
só uma atividade. Nós pode tá numa atividade do... dia que o encarregado chegar e
falar "ó, eu quero que você vá para outra atividade". Nóis não tem uma atividade só.
Por isso que... tem que... fazer o check. As veses passa o final de semana em casa,
ninguém sabe como que alguém vai chegar, vai mexer nas coisas de nós né... pode
tirar algo, alguma coisa... aí nóis... faz o check-list do cinto, pra ver se tá tudo, não tá
faltando nada...
Pesquisador: O que mais pode dar errado lá? Por exemplo, que vocês imaginam?
Paulo Cesar: acho que, tipo, o cabo de aço quebrar né, mas eu acho que esse aí...
Pesquisador: quando você fala o cabo de aço quebrar, seria o que, no caso?
Paulo Cesar: Ele romper, com o tempo. Mas sei lá, só se ele estiver muito velho
Fernanda Alves: o cabo que a gente usa é de 14 milímetros, então assim, é muito
pouco provável, porque a gente não tem nenhum equipamento, que dê a tensão de
ruptura de um cabo desse. [risos entre os participantes]
Felipe Souza: pode ter, igual ontem o cabo do Wagon Drill começou a romper, só
que ele não vai estourar de uma vez, ele vai... partindo né, porque aquilo é grosso,
você vê, aí você já vai imediatamente e troca. Eu vi lá, e troquei na hora já, o tifão.
Não vou esperar acontecer né.
Nesse momento Felipe nos apresenta elementos do trabalho real dos Alpinistas:
Felipe Souza: você vê que ele tá desgastando, ele vai desgastando e vai rompendo
aos poucos. É igual uma corda. Tipo, ela vai gastando aos poucos. Vamos supor que
uma corda ela vai aqui. Ela via cortando aos poucos, aí você vai vendo que ela vai
gastando. A mesma coisa é o cabo. Você vê ele saindo aqueles fiapos, arame com
arame, aí você vai e troca logo né?
132
Pesquisador: O que mais que pode dar errado, lá naquela atividade? quando vocês
estão fazendo ela?
Ayrton Costa: O que mais pode dar errado lá, na esticação do cabo? Apertar os
parafusos também.
Paulo César: Você é entendista lá? você é especialista lá né? Tem mais coisas, pra
dar errado? [risos entre os entrevistados].
Durante a conversa sobre os riscos surgiu uma informação importante sobre como o
profissional começa a lidar com o medo de trabalhar em altura:
José Maurício: Eu acho assim, na minha opinião. Que nem eu falo, eles falam, quem
usar dois clipes ali, e duas cordas, não tem risco de cair de jeito nenhum, eu acho
que tá mais seguro do que quem tá no chão. Com os dois clipes. Ou dois clipes ou
nas duas cordas, não tem jeito de cair de jeito nenhum. É a mesma coisa do que estar
133
no chão. Por isso que você vai perdendo o medo. A cada dia que passa, perder mais
o medo.
Outro elemento que aparece na discussão são os escorregões. O grupo comenta que,
pelo fato de a tela ser lisa, eles são muito comuns. Além disso, o profissional sinaliza um dos
desligamentos, relacionado com as políticas de segurança da mineradora:
Felipe Souza: É, dá um... né, você vai... você escorrega né, que a tela é lisa né...
José Maurício: Isso é normal do dia-a-dia, você escorregar. Mas você tá clipado,
entendeu.
Felipe Souza: Aconteceu então, um caso que... um... era colega, a pouco tempo que
chegou, ele foi andar desclipado e foi mandado embora, por causa que... tava
botando a vida dele em risco, não só dele, mas as dos colegas, debaixo. Ele tava
andando sem nada, ele não tava clipando, solto, como se estivesse no chão.
Fernanda Alves: porque o talude, a impressão que a gente tem daqui, é que ele é
muito inclinado. Mas quando a gente tá lá, tem alguns locais, que ele é 90 graus.
Então, é plano... a pessoa tem a falsa sensação que dá para ele andar tranquilamente.
Mas se ele tropeçar, a gente... é aquele precipício. Então, eles tão falando que o
rapaz que foi desligado, porque ele estava em um local plano, a ferramenta dele
escorregou, ele se soltou pra ir buscar a ferramenta. Então, ele se soltou, foi pegar a
ferramenta e voltou sem nada.
Ayrton Costa: A área. Mas nesse caso aí, a área é todinha arriscada. Mas o que corre
mais risco, é o pessoal que trabalha embaixo da tela, no desmonte. Que ali é onde
pode cair uma pedra, uma corda, pode cortar, você tem que estar sempre atento ali
onde está as corda, pra ver se não tem como cair pedra em cima, se puder muito,
deixar a corda mais alta um pouco, é melhor, do que você deixar ela mais encostada
na tela. Porque vem alguma pedra, escorregar um pouco por baixo, não pega as
corda. Porque é um pouco alto né? Aï você tem que ficar sempre atento...
Felipe Souza: se você andar naquele talude você vê pedras que é mesmo que uma
faca. É minério né? Você sabe, é ferro. Você... chega até, tipo, cortar uma coisa lá,
pode usar um pedaço dele que ele corta uma corda. Fácil fácil.
Ayrton Costa: quer, ver. Tem que ficar sempre em duas cordas, diariamente. Porque
vem, acaso, acontece de de cortar uma corda, e você estar na outra. Entendeu? Aí...
tem muita gente que às vezes, é o caso de foi mandado embora. Sem nenhuma. Vai
que está só numa corda só. Aí desce uma pedra corta a corda, você já desceu junto
com ela. Já desceu.
Esse não era um dos riscos previsto em nenhuma análise de risco do projeto, mas os
trabalhadores tomam medidas para preservar a sua saúde. Explicam ainda algumas medidas
que eles tomam no cotidiano para a gestão desse risco:
Paulo Cesar: Para descer, você tem que verificar a corda, que vai descer nela, que
vai subir, ver se tá normal, se tem uma...
Pesquisador: vocês passam a corda?
Paulo Cesar: Vai passando ela, de vez em quando, para ver se não tem, se não tá
quebrada...
Felipe Souza: Quando tá, pouco... quando tá, é... desgasta um pouquinho, já fala
com a segurança e eles vão e troca.
José Maurício: as cordas de descida, que é mais longa, 100 metro, 200 metros de
corda, todo mundo desce nelas. Desce e sobe.
Ayrton Costa: Também ela pode tá até solta, pode tá com um nó na ponta, tá
enganchada na tela, e se vai forçar, aí ela solta, cê.. ela desce de uma vez.
O que é sinalizado refere-se a elementos do trabalho real dos alpinistas e o modo como
eles utilizam ações simples para a prevenção de acidentes. Essas ações, apesar de simples,
acabam não sendo incorporadas às capacitações de novos profissionais. É um saber aprendido
na rotina do trabalho, porém é um saber essencial para a prevenção de acidentes. O que
Ayrton relata é que existem situações que não estão nos procedimentos. Checar a corda não é
procedimento indicado pela empresa, mas, pela sua experiência, a corda aparentemente pode
enganar ao parecer estar em condições de sustentar o peso do profissional, e isso pode
ocasionar acidentes. Essas cordas são de uso compartilhado e não ficam necessariamente à
disposição de apenas um dos profissionais.
Paulo César: o importante é sempre ter diálogo aí, um com o outro, porque aí, cada
um ajuda o outro, cada um cuida do outro ali.
O primeiro ponto foi levantado pelo profissional Paulo César no momento em que a
imagem abaixo (Fig. 6) aparecia no vídeo.
136
Paulo Cesar: na realidade é o... encarregado Roberto falou que, para melhorar um
pouco é, naquela hora ali, colocar ali uma corda.
Felipe Souza: ou então um mosquetão, clipado na tela né? Se escapar, ele segura né.
Vamos supor, que não apertou lá, e vai soltar.
Enquanto José Maurício concluía sua fala o Alpinista, Felipe Souza, que anteriormente
havia sugerido outra ideia, acaba complementando junto o final da frase: “na tela”.
Aparentemente, a solução estava sendo construída através do conhecimento dos
trabalhadores, de suas experiências. Quando José Maurício está concluindo sua ideia, Felipe
também a entende e de alguma forma valida essa ideia como a melhor.
José Maurício: Eu acho que seria o caso também, de colocar uma praca [placa]. É,
ali, depois colocava a porca. Coloca o olhal, colocava uma praca, e depois uma
porca.
José Maurício: pra num... pra não soltar. Com uma porca não saía, mas... para
prevenir né?
Fernanda Alves: o que eles chamam de placa, é como se fosse, que a gente usa no
parafuso, a gente não usa uma ruela? Então, essa placa seria como se fosse uma
ruela.
A sugestão parece simples, mas é uma medida significativa para evitar que aconteçam
acidentes semelhantes ao que tinha acontecido com o alpinista. A ideia que foi sugerida é que
se tenha uma placa entre o gancho da catraca (assinalado em vermelho na figura acima) e que
essa placa possa servir para evitar que a catraca venha a se projetar para cima, evitando
acidentes como o relatado nessa atividade. Essa placa funcionaria como uma espécie de ruela
no momento de utilização da catraca.
Fernanda: Assim, algumas coisas que a gente levantou aqui, já é coisa que a gente já
tinha levantado, por exemplo, a questão da porca, da placa, isso tudo a gente já tinha
falado lá né, não, tem que colocar a porca, tem que colocar a placa.
O contexto é importante, pois esse tinha sido um item discutido durante a análise do
acidente e apontado como uma solução.
Ayrton Costa: outra coisa ali que tinha que melhorar um pouco, ali, esse... o cabo da
talha, ele é muito curto. De qualquer maneira, você vai estar sempre próximo, aí,
com o rosto, com alguma coisa, muito próximo. Eu acho que se tivesse como
alongar mais o cabo, se ficasse um pouco mais afastado, seria melhor.
139
Conforme a figura acima, o profissional estava muito próximo da talha enquanto fazia
a atividade. Ayrton identificou a situação de risco; em seguida os profissionais
complementaram com uma solução prática. A sugestão era simples: instalar um extensor no
cabo da catraca para evitar que o profissional fique tão próximo:
Na sequência, enquanto víamos a cena acima, foi feita uma sugestão que chamou a
atenção de todos, principalmente do profissional de segurança da mineradora. O alpinista
Ayrton Costa sugeriu que dois profissionais deveriam fazer a atividade que estava
demonstrada. Para o profissional, era importante haver um profissional para apoiar o outro
enquanto estivessem fazendo essa parte da atividade:
Ayrton Costa: É, porque na realidade tem... tem que ser duas pessoas, né? Porque
um segura, e o outro aperta. Porque não tem como fazer só.
Pesquisador: E essa atividade são duas pessoas?
Todos: duas pessoas.
Paulo Cesar: Tem que ser duas pessoas. Pode ver que depois, aí um fica ali, e o
outro vai lá apertar, entendeu?
Robson Souza: só pra comparar porque no dia, no momento da ocorrência só tinha
uma pessoa. Né, então...
Fernanda Alves: ele tava fazendo sozinho.
Durante a discussão, todos concordaram em que essa deve ser a melhor medida,
inclusive por ter sido sugerida por um dos alpinistas. No entanto, durante o diálogo, Robson
141
Souza, técnico de segurança da mineradora, acha estranho o que estão dizendo e pergunta se o
profissional estava acompanhado no dia do acidente. O técnico de segurança da mineradora
não sabia que essa atividade deveria ser realizada em dupla, apesar de ter acompanhado a
análise dessa ocorrência. Assim, a técnica de segurança da contratada complementa
rapidamente. A intervenção do técnico advém do fato de ele não saber que atividade deveria
ser realidade em dupla e chamou a atenção o fato de esse item não ter sido discutido durante a
análise. No dia do acidente com o Alpinista, ele passou a parte da manhã trabalhando em
dupla, porém no período da tarde o seu colega foi deslocado para outra atividade e ele passou
a fazer a tarefa sozinho.
Esse assunto foi importante para Robson Souza. Depois, em entrevista individual, a
fala dele sobre as discussões parece retornar de alguma forma a esse ponto da discussão:
Robson Souza: É muito, pra mim, despertou, a condição geral do campo (...).
A fala sobre as condições gerais do campo remete a alguns fatores que não estavam
sendo percebidos em relação à forma de trabalho da empresa. É importante esclarecer o papel
dos técnicos da mineradora em relação à empresa contratada. Eles são cobrados para fiscalizar
as empresas, devem estar constantemente em campo, verificando itens que não estão
funcionando na gestão de segurança. Realizam auditorias, acompanham as investigações e
análises para que possam levantar algum item que a empresa possa estar deixando escapar ou
negligenciando.
Logo em seguida o profissional Ayrton Costa levanta mais um ponto importante sobre
a atividade. Essa é uma sugestão que nenhum dos profissionais praticava em sua rotina:
Ayrton Costa: é importante dizer que toda vez que for executar essa tarefa aí, esse
trabalho, aí, normalmente as porca já tá todas arrochadas, com chave. Não tem mais
como você folgar. Isso, então, na hora que for subir pro canteiro, levar logo uma
porca, ou duas, dependendo do que você vai fazer. Já com você junto do lado,
porque na hora lá, você não acha a porca folgada. Tem que levar uma, já de reserva,
ou duas, ou... o que for usar, pra você colocar lá, porque lá você não vai encontrar.
Esse foi uma das discussões centrais, pois o que aconteceu no acidente que deu início
ao trabalho foi que aparentemente o alpinista não tinha seguido a instrução de colocar a porca
depois do gancho da talha, o que evitaria que ela deslizasse no tirante (barra de ferro) e fosse
em sua direção:
142
Felipe Souza: É porque nessa área aí, já tá tudo torqueada, não tem como soltar
José Maurício: tudo torqueada, não tem como você soltar. Só se pegar a torqueadeira
né, mas como é que você vai buscar a torqueadeira? Não sabe nem aonde tá às
vezes.
Fernanda Alves: porque se o sistema já estiver pronto, ele já vê com o torquinho, e
fechou a porca. Você consegue tirar na mão. Aí ele tem que levar a porca dele para
colocar...
Na fala seguinte de Ayrton podemos ver a conclusão a que ele chega sobre o
profissional estar no local da atividade sem levar a porca:
Ayrton Costa: aí onde tá o... ponto cego. Aí quando o cara vai assim, não é
experiente, assim, é, essa peça aí, lá, não leva uma porca, chegou lá não tem a porca,
ele vai fazer isso e coloca a porca. Quem já tem experiência, já vai levar normal. Já
sabe que tem que usar, já vai levar de reserva né.
José Maurício: quem já tem experiência já vai levar normal, já sabe que tem que
usar, vai ter que levar de reserva né.
Vejamos a fala da Fernanda Souza no final, enquanto conversávamos a sós. Ela relata
um pouco do que aconteceu com o profissional que se acidentou:
Fernanda Souza: Porque o risco tá lá, mesmo que eu não tenho um procedimento
que é o que, pegou também, a gente não tinha um procedimento, detalhado, escrito,
um treinamento formal, eu acho que a percepção de risco é onde que a gente tem que
143
Sobre o profissional não estar utilizando a porca, um dos alpinistas tem uma opinião
diferente, mas que parece caminhar na mesma direção:
Paulo César: no caso do acidente aí, é porque foi um imprevisto... foi uma coisa que
ele fez lá, o cara foi mostrar serviço, alguma coisa, porque... devia ter
esperado...devia ter pegado a porca e usado[incompreensível] [várias pessoas
falando ao mesmo tempo].
Outro ponto abordado refere-se à distância dos grampos que são inseridos no cabo de
aço para a formação do nó de fixação do cabo. O instrutor revela no vídeo que é importante
manter a distância de dez a quinze centímetros nos grampos. Um dos trabalhadores se
manifesta.
144
José Maurício: eu acho que... colocar, colocar esses, [friso...] mais, mais junto um
pouco, e bem alinhado, eu acho. Na minha opinião.
Paulo César: e o cabo de aço mais alto um pouco, eu acho. Óia a ponta dele.
Pesquisador: por que você acha que é mais importante?
José Mauricio: mais segurança, né?
Ayrton Costa: do jeito que dobrou ali, tá certo, já tem quatro clipe, mas já que tá
falando em segurança, se aumentar essa ponta dele...
Paulo Cesar: a ponta de baixo, que tá morta, ela tinha que ser mais longa, um pouco.
Pesquisador: Ok. E, você falou aproximar esses...
José Maurício: isso, os clipes um do outro mais, então, mais ou menos uns 5 cm um
do outro, seria, correto, mais seguro.
Pesquisador: por quê que seria importante aproximar?
José Maurício: mais segurança né? Mais segurança. Se... pode tensionar o cabo até
mais que ele não vai romper, não vai soltar.
Pesquisador: eu tô com uma dúvida. Dúvida mesmo tá? Quanto mais próximo, mais
fixado o cabo fica?
José Maurício: Fica. Quanto mais próximo, fica mais fixado. Mais próximo.
No diálogo surgem duas sugestões que, segundo eles, estariam relacionadas com a
melhoria da atividade. Uma delas se refere à ponta morta do cabo de aço: quanto maior a
ponta, mais espaço se tem no cabo de aço caso aconteça algum tipo de deslizamento, como
assinalado na Figura 11:
145
Na imagem (Fig. 11) podemos perceber como está a ponta do cabo de aço; segundo os
profissionais de segurança do trabalho, realmente deveria ser maior. Apesar de ser o instrutor
que está falando no vídeo, o trabalhador tem uma percepção diferente da dele, principalmente
em termos de segurança ocupacional. A separação dos clipes que são fixados no cabo de aço é
direcionada segundo uma especificação da ABNT (Associação Brasileira de Normas
Técnicas). O conhecimento dos trabalhadores sobre a atividade diverge do que está sendo
apontado durante a exibição do vídeo:
Nesse momento surge uma discussão, e podemos perceber que existem divergências
entre os técnicos de segurança e os alpinistas. Os profissionais de segurança tentam remeter
ao que está sendo discutido utilizando indicações técnicas e normativas. Felipe, que é o
profissional mais experiente nessa atividade, reafirma que existe uma indicação correta e que
no vídeo já estaria sinalizando essa indicação. Mesmo assim, José Mauricio, que tem um
146
tempo de experiência menor na função, continua afirmando que seria melhor fazer a clipagem
mais próxima.
Fernanda Souza: isso mais é um procedimento, igual por exemplo, a GeoBrugg 40,
ele fala, que o espaçamento tem que ser a cada 5, e o torque, aquela, aquilo que ele
fez com a chave, ele, ele não pode fazer com a chave, ele tem uma torqueadeira, e a
torqueadeira vai dar o torque aí, porque, ele pode apertar tanto, que ele chega a
danificar o cabo, que aí ele falou, que o cabo começa a soltar, então é porque ele
apertou tanto, tanto, que o cabo começa a romper.
Outro assunto que foi conversado foi a respeito do uso dos EPIs (Equipamentos de
Proteção Individual); durante os diálogos conversamos sobre a sua utilização. Os profissionais
mostraram grande familiaridade com os equipamentos e não relataram sentirem falta de
nenhum outro para a sua proteção.
Enquanto o vídeo caminhava, todos estavam calados, quando um dos profissionais fez
uma observação. Para esses alpinistas, era comum exercer atividades desse tipo, fazia parte da
rotina de trabalho deles. Ao ver a atividade no vídeo, ele parece reconhecer que o seu trabalho
apresenta muitos riscos. Essa era considerada uma das atividades mais simples dentre as que
os alpinistas executam no projeto. Inclusive, o profissional que se acidentou, não tinha sido
contratado para realizar essa atividade, pois inicialmente iria trabalhar na construção dos
canais de drenagens, mas pediu para trabalhar em outro local e assim o encarregado o
direcionou para o que seria a atividade mais simples, já que ele havia acabado de chegar no
projeto. Diante da atividade mais simples que costumam executar, Felipe Souza faz esta
colocação que quase escapa e que não é explorada, pois o pesquisador só percebeu essa fala
durante as transcrições.
Felipe Souza: é uma coisa tão simples, mas que ao mesmo tempo se você não tiver
cuidado... [vídeo passando].
40
GeoBrugg é uma empresa especializada no trabalho de fornecimento de sistemas de segurança compostos por
redes e malhas de arame de aço de alta resistência.
147
Pesquisador: deixa eu fazer uma pergunta. Eu tava reparando ali, quer ver, dá um
play aí. [vídeo passando] a lá ó. Ele pegou a ferramenta, e tá subindo. É, levar essa
ferramenta com a mão aí, atrapalha?
Ayrton Costa: É. Ele não tá na maneira mais correta, aí não né? O certo era levar ela
pendurada no mosquetão, né?
Paulo Cesar: é uma chavinha pequena, e ruela pequena, né? Se fosse uma coisa
maiorzinha, que pesa mais, aí tem que ser tudo ancorado no cinto, e levar.
Ayrton Costa: É porque tava perto ali, mas... é... essas ferramentas andam tudo aqui,
ó. Ando com ela na mão não. É tudo... tudo...
Pesquisador: tem local pra prender elas?
Geral: tem, mosquetão...
Além de estarem no cinto, algumas ferramentas ficam presas a ele por meio de um tipo
de cordelete (corda) a fim evitar que elas possam cair; nesse tipo de trabalho existem
atividades que são feitas de forma sobreposta: ferramentas que venham a cair podem acabar
machucando outros profissionais que estejam na parte inferior.
4) adicionar uma porca à catraca, fazendo uma espécie de kit para que sempre se
tenha a porca quando necessário.
José Mauricio: ah, eu acho que a atividade toda, o negócio, é só... acho que se
acertar essas coisas que a gente colocou aí, eu acho que vai ficar, melhorar mais,
100%.
Despedimo-nos e quando estavam saindo um deles formulou uma frase que acabou
chamando a atenção, mas ela também só foi notada no momento de transcrição da entrevista:
Felipe Souza: desculpa aí, se a gente falou demais, tá? [risos].
A frase é simples e pode ser usada em diversos contextos, no entanto deixou algo para
o pesquisador pensar: os profissionais, apesar de terem iniciado mais acanhados nas
discussões, no decorrer do diálogo foram ficando mais à vontade para participarem.
Fernanda Souza: (...) Então, às vezes a gente não ouve essas pessoas. Que sabem
como é que faz, sabe o quê que faz, né. Percebe algo que a gente não percebe.
Fernanda Souza: (...) E aí a gente pode ter uma visão diferente do que a gente tá
acostumado. Porque em uma investigação de acidentes, a gente acaba ficando
150
Fernanda Souza: (...) quando ele voltar, que eles deram uma folga pra ele, porque ele
tá, emocionalmente abalado, ele, reclamou, que os meninos ficaram chateados,
porque, quando tem um acidente, ou uma ocorrência dessa, eles perdem o prêmio
deles, de segurança. E aí, eles são punidos. E aí, ele tá chateado com isso, aí o
Anthony deu uma folga pra ele.
Numa conversa em particular com Robson depois das discussões, ele fala um pouco
das possibilidades do que foi conversado e já começa a pensar no sentido da prevenção:
Robson Souza: (...) Eu tenho uma atividade que eu tenho uma dúvida, eu vou ali,
pego a minha maquininha, filmo, e aí a gente pode bater um papo, futuramente, e
filmar uma outra atividade, não esperar chegar uma ocorrência, porque eu acho que
nós temos outros erros aí.
7 ANÁLISE DE DADOS
Para o tratamento dos dados, inspiramo-nos nos princípios que fundamentam a análise
de conteúdo (BARDIN, 1977). Para tanto, foi nossa intenção realizar um processo mais
básico de categorização, depois de efetuar a transcrição das entrevistas e a digitação das
informações do diário de campo. A semântica foi o critério que escolhemos para
categorização, com o objetivo de realizar uma codificação por macrotemas.
O que aparece na fala dos trabalhadores são elementos que estão no nível dos saberes
investidos, o que está relacionado com a experiência prática, que recria os conhecimentos
naquilo que o trabalhador aprende e reaprende:
pega as corda. Porque é um pouco alto né? Aï você tem que ficar sempre atento...
(Grifo nosso).
Ayrton também relata a prática de deixar a corda mais alta para evitar que seja cortada
pelo tipo de rocha existente no local. No início das atividades, essa situação não foi prevista
no projeto, embora o itabirito, que é a principal rocha encontrada no talude, seja altamente
cortante devido à sua concentração de minério de ferro.
A prevenção para a Ergologia passa por uma gestão desses dois tipos de
conhecimento: “Se quisermos gerir inteligentemente a segurança, é preciso fazer dialogar
esses dois registros” (SCHWARTZ, 1999, p. 45). Dessas conversas é que podem surgir novas
apropriações, pois afinal o trabalho está sempre no campo da produção de novas normas, de
renormalizações (TRINQUET, 2010).
A discussão em grupo sobre o acidente possibilita que esse diálogo possa fluir e que
esses elementos possam ser incorporados à atividade em que ele aconteceu, ou mesmo, em
certa medida, na atividade de todos os alpinistas.
Pesquisador: O que mais que pode dar errado, lá naquela atividade? quando vocês
estão fazendo ela?
Ayrton Costa: O que mais pode dar errado lá, na esticação do cabo? Apertar os
parafusos também.
Paulo César: Você é entendista lá? Você é especialista lá, né? Tem mais coisas, pra
dar errado? [risos entre os entrevistados]. (Grifo nosso).
Essa pergunta é feita pelo profissional enquanto um colega dele falava. O “entendista”
estaria relacionado com o conhecimento técnico - ele complementa: “Você é especialista?”. O
papel que o trabalho da pesquisa ocupa, nesse momento, é o de conhecer as informações que
estão na prática. Isso não é comum, não é normal esse tipo de trabalho nas empresas. Na
maioria das vezes as informações da segurança no trabalho surgem apenas no formato
descendente (Top Down), especialmente na relação da empresa contratada com a mineradora.
A prática comum da mineradora é que ela possui o seu sistema de gestão de segurança, com
suas ferramentas e formas de fazer prevenção, inclusive de investigar os acidentes, porém não
existe um exercício comum de trazer as informações ascendente (Botton Up). O sentido
ascendente está relacionado também com a empresa que faz a contratação para execução do
projeto. O papel do pesquisador nesse momento é o de facilitar essa troca de informações,
mas para isso o trabalhador parece querer checar se será um especialista, alguém que trará
esse conhecimento descendente, principalmente por ser também um empregado da empresa
mineradora. Quando se tem a resposta de que ele não é especialista é que os profissionais
começam a se envolver mais nas discussões:
Eles parecem perceber que o pesquisador não é um técnico que vai representar o
conhecimento descendente e reproduzir o padrão de lhes ensinar algo, mas sim alguém que
está tentando ocupar um papel intermediário entre esses dois polos. Depois desse momento, a
discussão com os profissionais passa a ser mais produtiva e participativa, começam a surgir
sugestões de medidas para eliminação e controle dos riscos envolvidos nessa atividade.
154
Ayrton Costa: é importante dizer que toda vez que for executar essa tarefa aí, esse
trabalho, aí, normalmente as porca já tá todas arrochadas, com chave. Não tem mais
como você folgar. Isso, então, na hora que for subir pro canteiro, levar logo uma
porca, ou duas, dependendo do que você vai fazer. Já com você junto do lado,
porque na hora lá, você não acha a porca folgada. Tem que levar uma, já de
reserva, ou duas, ou... o que for usar, pra você colocar lá, porque lá você não vai
encontrar. (Grifo nosso).
Na teoria sociológica dos acidentes existe um campo que deve ser analisado como
causa dos acidentes e que se refere ao âmbito organizacional, mais especificamente em um
item denominado subqualificação. Ela explicita o conhecimento dos trabalhadores sobre as
suas tarefas, visto que a falta dele pode ser uma das causas de acidentes (DWYER, 2006).
Ricardo Costa: A gente apreendeu muito junto... a gente não sabia o que estava
fazendo, a gente foi aos poucos aprendendo o que estava fazendo... aqui nunca
teve nada parecido, pra fazer certo a gente trouxe muita gente, foram contratadas
pessoas de fora do país, um dos especialistas veio da França, pra ensinar a operar os
156
equipamentos...tudo que a empresa pode colocar, pra fazer o processo melhor e mais
seguro foi colocado! (Grifo nosso).
Cláudia Santos: Pra gente, é um vitória de ter conseguido transformar pessoas, que
não sabem o que é segurança... que as vezes, tem um nível de instrução muito
baixo...a gente trabalha com pessoas que só tem o primeiro grau, a maioria tem
escolaridade muito baixa, e pra gente transformar, fazer com que essas pessoas
entendam que a segurança é o primordial, não é? Pessoa tem família, sai do
nordeste para ganhar um dinheiro aqui e voltar com uma lesão... voltar com uma
doença, a gente faz ele entender que isso é importante, é muito mais importante que
eles imaginam... (Grifo nosso).
A falta ou não de prevenção não está relacionada com a escolaridade, mas com outros
aspectos que vão construir a complexa teia que envolve a prevenção de acidentes. Afinal, ter
estudado menos quer dizer que tenho mais comportamentos inseguros, que me arrisco mais no
trabalho? Ou que os profissionais com menor nível de escolaridade são aqueles que executam
as atividades de risco nas organizações? Um engenheiro, que passa o dia no escritório não
executa as mesmas atividades de risco que um profissional operacional, que passa o dia
trabalhando em altura.
157
Na teoria dos acidentes organizacionais há uma linha de reflexão que está pautada na
existência de ecos de um acidente em outro. Ao fazer um estudo do acidente que aconteceu
com as naves espaciais Challenger (1986) e Columbia (2003), principalmente com
informações de uma funcionária, que participou dos dois projetos, a teoria organizacional dos
acidentes aponta que houve “ecos” do acidente de 1986 no de 2003. Assim, houve pontos em
comum, situações parecidas ou repetidas e até mesmo decisões que foram tomadas de um
acidente que vão impactar no surgimento de outro no futuro (LLORY, 2013).
Ricardo Costa: Essa obra é única no Brasil, nós fomos aprendemos com a
execução, era no dia-a-dia, apesar de termos investido em todos equipamentos e
técnicas, tinha coisas que não dava pra prever... (Grifo nosso).
pelo encarregado, pois ele precisava de mais gente em outras frentes. Mas essa era uma
atividade para ser exercida em dupla.
Em nossa sociedade moderna existem tecnologias de alto risco. À medida que essas
tecnologias se expandem, elas acabam por ser introduzidas nas organizações e fazem com que
surjam mais risco para os operadores, os usuários e até as comunidades. À medida que essas
novas tecnologias nascem, não estão necessariamente preocupadas com itens relacionados
com segurança; esse aspecto surge somente depois de sua utilização (PERROW, 1999).
Ricardo Costa: Muita coisa, com o andar da obra que a gente foi descobrindo, por
exemplo a escavadeira... ela é um equipamento que veio da Suíça, tem um guincho
de segurança, tem capacidade de trabalhar em uma inclinação de 70° graus... isso
previsto no manual do equipamento... quando ela chegou aqui, a gente viu a
necessidade de instalar, outros pontos de segurança, então foi instalado no
equipamentos mais outros dois pontos, ela trabalhava sempre com três pontos de
ancoragem, então isso foi desenvolvido pela obra, o fabricante não via necessidade...
mas aqui, pela obra, a gente viu a necessidade... então foi instalado (grifo nosso).
As tecnologias e suas evoluções também acabam por gerar mais riscos. Nesse caso,
temos um equipamento que é uma escavadeira que consegue trabalhar em um plano inclinado,
coisa que em um passado recente era impensável. No entanto, a tecnologia evoluiu no sentido
de aumentar a produção, e a escavadeira consegue retirar o material em um local impensável
no passado, em um terreno muito acidentado e inclinado. Mas essa evolução não caminha da
mesma forma ou no mesmo ritmo em termos de segurança para os trabalhadores.
As mineradoras, desde o ano 2000 até por volta do ano de 2015, viveram o que é
denominado um período de superciclo das commodities. Entre os anos de 2003 até 2008 as
commodities tiveram um aumento real de 75%. A China, a Índia e economias emergentes
tiveram um rápido desenvolvimento e urbanização durante esse período, fazendo com que se
tivesse esse aumento da demanda de forma tão significativa, principalmente nos metais
(ERTEN; OCAMPO, 2012).
Essa empresa foi contratada para auxiliar a mineradora na gestão do projeto em termos
construtivos e inclusive de segurança ocupacional. A empresa de gerenciamento passou por
uma intensa restruturação, principalmente dos profissionais de segurança no gerenciamento.
O gerenciamento anteriormente contava com três profissionais de segurança ocupacional
designados para o projeto; porém, devido à redução, eles foram todos retirados do contrato e a
mineradora passou a fazer o gerenciamento de segurança apenas com profissionais próprios.
161
No entanto, eles tinham de acompanhar no mínimo mais dez obras cada um, ao contrário da
prática anterior, que tinha alguns profissionais alocados apenas nesse projeto.
Além disso, a própria empresa do projeto também passou por uma restruturação do
seu corpo de segurança, devido a uma demanda da contratante para redução dos custos do
projeto:
A que poderia ser colocada no tirante pode ser um desses casos de informação perdida
pela empresa. Em um cenário de pressão para acertar o cronograma do projeto, de diminuição
de efetivos, de corte de custos com a equipe de segurança ocupacional, a prevenção poderia
estar passando por um processo de deterioração.
162
Aqui podemos fazer uma reflexão, ainda com Llory, sobre aquilo que alguns chamam
de reengenharia:
Todos nós poderíamos nos felicitar com esses ganhos de produtividade, de tempo,
com essas economias orçamentárias e com essa otimização dos efetivos que os
anglo-saxões batizaram – com seu senso da fórmula – “reengenharia” e que
corresponde sempre a uma redução mais ou menos drástica dos postos de trabalho e
de empregados disponíveis para efetuar o trabalho (LLORY; MONTMAYEUL,
2014, p. 47).
Um ponto que chamou a atenção na pesquisa sobre a atividade dos alpinistas está
relacionado com algumas informações da área de saúde do projeto. No registro oficial
realizado consta que foram apenas seis acidentes durante todo o período de execução do
projeto. Mas uma situação específica chama a atenção: a profissional responsável pelo setor,
quando relata que houve casos de profissionais que precisaram realizar cirurgia nos punhos e
nos joelhos. Ela relata ainda que fizeram um estudo para verificação da correlação com o
trabalho. Os próprios trabalhadores relatam esse item:
Felipe Souza: É, dá um... né, você vai... você escorrega né? que a tela é lisa né...
José Maurício: Isso é normal do dia-a-dia, você escorregar. Mas você tá clipado,
entendeu (grifo nosso)..
Esse ponto chama a atenção porque o terreno no qual os profissionais trabalhavam era
muito irregular. Percebe-se que a empresa e os profissionais conheciam os possíveis riscos de
lesões ocasionados por escorregões no talude, além de possíveis torções, fraturas, etc.
No entanto, essas não são lesões que aparecem necessariamente após um dia de
trabalho. Em algumas situações elas se acumulam ao longo de meses e é a sua repetição que
causa os danos finais:
Cláudia Santos: A gente teve um número, pra gente, considerável de pessoas que
tiveram problemas de tornozelo, joelho, então tivemos gente que operou o joelho,
operou o tornozelo, tivemos três pessoas com um problema no osso aqui da mão,ó...
teve que fazer cirurgia no punho, e ai a gente fez um estudo com o médico. Igual
essas pessoas que tiveram lesão no punho, eles relataram pra gente, que as vezes, tá
no talude e escorrega e apoia a mão... então isso provocava uma lesão, nesse osso
aqui que chama de rádio, três pessoas tiveram o mesmo tipo de lesão, e ai pelo
report deles e que as vezes agente apoia a mão... escorrega e eu vou arrumar o corpo,
estou desequilibrado, então o primeiro apoio é a mão (grifo nosso).
163
Como podemos ver, houve um esforço da empresa para identificar a situação. De certo
modo a empresa percebe que essas ocorrências estão relacionadas com o trabalho, porém nos
registros oficias essas informações não são relatadas.
As práticas de saúde da empresa não estão voltadas para a manutenção da saúde dos
trabalhadores, mas sim para tornar os profissionais mais produtivos. Podemos ver como
exemplo dessa situação as campanhas de vacinação contra a gripe, que a profissional
responsável pelo setor de saúde comenta. O objetivo era diminuir ou evitar o absenteísmo dos
trabalhadores. A prática não é voltada para a melhoria das condições de saúde:
Cláudia Santos: Durante a obra fizemos três campanhas de vacinação de gripe, essa
turma nossa vem de um lugar quente, né? E aqui é muito frio... então a gente fez três
campanhas, de vacinação, então não tinha essa questão de adoecer por causa
disso, o pessoal ficou mais produtivo... (Grifo nosso).
Uma ação da área de saúde que merece atenção refere-se ao uso do etilômetro para
testagem dos profissionais. Essa é uma prática da mineradora a que as empresas prestadoras
de serviço costumam aderir, principalmente nos setores de projetos. A proposta do programa
de prevenção do uso de álcool da contratada é criar alternativas para identificação dessa
doença e atuar de forma assistencial com os empregados. Mas não é isso que acontece na
prática, como podemos ver no posicionamento abaixo.
empresa, os motoristas devido à sua atividade: a empresa entendia que não se poderia ter
tolerância com esses profissionais e com o profissional reincidente. Nota-se que a estratégia é
de exclusão, e não de tratamento para os profissionais:
Moacir Junior: (...) fazia etiloteste toda semana, não tem feito devido estar
estragado, todos os motoristas faziam diariamente... dois casos de motorista... de
ônibus... e um caso no início da obra do motorista do munck, um carpinteiro, era
reincidente, por causa de bebida (grifo nosso).
Novamente, a prática de saúde não parece ser direcionada para manutenção da saúde
dos profissionais, mas sim uma prática de exclusão. Um dos pontos abordados sobre os
motoristas é que eles teriam uma atividade de risco alto por transportarem pessoas, e por isso
a empresa não poderia se arriscar a mantê-los no projeto. A estratégia parece estar mais
voltada para se livrar do problema, do “mal”, do que efetivamente para construir alternativas
que possam contribuir para a saúde dos trabalhadores.
Fernanda Souza: (...)quando ele voltar, que eles deram uma folga pra ele, porque ele
tá, emocionalmente abalado, ele, reclamou, que os meninos ficaram chateados,
porque, quando tem um acidente, ou uma ocorrência dessa, eles perdem o prêmio
deles, de segurança. E aí, eles são punidos. E aí, ele tá chateado com isso, aí o
Anthony deu uma folga pra ele (grifo nosso).
O reconhecimento pela empresa e essa prática de premiação por não ter acidentes
surgem justamente de um acidente. Em uma das investigações de acidentes surge uma ação
que é justamente incluir itens de segurança na avaliação dos profissionais, juntamente com
itens relacionados com a produtividade e a qualidade do trabalho. A produtividade está
relacionada, por exemplo, com a quantidade de furos que são feitos por dia ou com a
quantidade de esticamentos de cabos de aço. Em relação à qualidade está relacionada com
seguir o planejamento corretamente, seguir as marcações indicadas pelo planejamento. Em
165
Outro aspecto negativo desse tipo de premiação por resultados em segurança pode ser
o enfraquecimento dos coletivos de trabalho. A Clínica da Atividade tenta avançar nas
discussões entre o prescrito e o real. Para tanto, ela entende que não existe separação entre
esses dois aspectos – não existe uma dicotômica separando, por exemplo, a tarefa em uma
posição e a atividade em outra. Assim, existe entre o trabalhador e a organização do trabalho
um movimento de recriação; eles não estão em posições somente dicotômicas, mas sim em
posição de recriação, que é realizada pelo coletivo de trabalho (CLOT, 2010).
Fernanda Alves: (...)quando ele voltar, que eles deram uma folga pra ele, porque ele
tá, emocionalmente abalado, ele, reclamou, que os meninos ficaram chateados,
porque, quando tem um acidente, ou uma ocorrência dessa, eles perdem o
prêmio deles, de segurança. E aí, eles são punidos. E aí, ele tá chateado com isso,
aí o Anthony deu uma folga pra ele (grifo nosso).
Na fala da profissional podemos perceber que o profissional não está chateado por ter
se machucado, mas sim pelos colegas, pelo gênero ou coletivo de trabalhadores que são os
alpinistas. A sua ação individual impacta no coletivo. E de certa maneira existe uma
percepção do coletivo em relação ao profissional acidentado:
Paulo César: no caso do acidente aí, é porque foi um imprevisto... foi uma coisa que
ele fez lá, o cara foi mostrar serviço, alguma coisa, porque... devia ter
esperado...devia ter pegado a porca e usado[incompreensível] [várias pessoas
falando ao mesmo tempo]. (Grifo nosso).
166
O profissional sinaliza a culpa para o acidentado. Ele estava na obra há poucos dias,
naturalmente o profissional queria trabalhar, como o encarregado poderia interpretar se ele,
por exemplo, não estivesse trabalhando ou se tivesse recusando-se a realizar alguma
atividade, nesse caso por uma indisponibilidade de porcas, isso se ele realmente soubesse que
deveria utilizá-la na atividade. Como o trabalhador pode recusar a atividade se não existe um
coletivo forte para apoiá-lo? Assim, o gênero de alguma forma também culpa o profissional
Claudia Santos: logo que ele voltou foi transferido pro Rio... lá na região do rio, a
gente tinha algumas obras próximo e ai depois ele não quis ficar mais na
empresa...porque ele não queria sair do estado...e ai as obras foram acabando, tem
muitas obras mas na região aqui de minas...ai ele foi transferido, não quis voltar pra
minas e acabou sendo desligado (grifo nosso).
O fato é que o profissional foi demitido pouco tempo depois do acidente. O que nos
chama atenção nesse momento é a discussão sobre o coletivo: se de alguma forma o
profissional impactou no coletivo, isso pode justificar o fato de ele realmente não querer
voltar para o projeto.
167
Outro ponto que merece atenção está relacionado com as práticas de punição da
empresa, principalmente as voltadas para a demissão dos profissionais. Na correlação com os
acidentes, um dos níveis sobre os quais a teoria sociológica dos acidentes vai se debruçar é
que ela chama de autoritarismo. Em ambientes onde a coletividade não tem expressão pode
aumentar o autoritarismo dos empregadores. Não existe força de expressão ou de
contraposição (DWYER, 2006).
Sobre o último acidente, aquele em que o profissional acabou caindo 27 metros do alto
do talude:
Claudia Santos: Ele tava andando aqui em direção a essa arvore...ele tava subindo
aqui...ai chegou um ponto, que ele faltava uns dois metros para ele pegar uma outra
corda...só que, era um pedacinho só de corda, não era uma corda de acesso...ai invés
dele prender na tela...um dos causteios dele, estava preso debaixo de uma
torqueadeira...ele ficou com preguiça de tirar o causteio, por que ele teria a
torqueadeira, ela pesa na faixa de uns 20 kilos. Ele teria que abaixar, ajoelhar, tirar
ela no chão para liberar o causteio...como faltava, então ele decidiu eu vou
andar...só que, no plano inclinado a torqueadeira é muito pesada, então
desequilibrou e rolou... a grande sorte desse menino, é que ele rolou daqui pra cá...
ele rolou onde tinha vegetação, se ele rolasse para cá, ia cair dentro dessa ravena
aqui... e aqui, tem tirantes, que ficam com uma ponta... então, ele teria ou morrido,
cortado bastante a face, a única lesão que teve foi uma fratura no nariz, ai ele foi
desligado pela política de consequência (grifo nosso).
168
Felipe Souza: Aconteceu então um caso que... um... era colega, a pouco tempo que
chegou, ele foi andar desclipado e foi mandado embora, por causa que... tava
botando a vida dele em risco, não só dele, mas as dos colegas, debaixo. Ele tava
andando sem nada, ele não tava clipando, solto, como se estivesse no chão.
Fernanda Alves: porque o talude, a impressão que a gente tem daqui, é que ele é
muito inclinado. Mas quando a gente tá lá, tem alguns locais, que ele é 90 graus.
Então, é plano... a pessoa tem a falsa sensação que dá para ele andar tranquilamente.
Mas se ele tropeçar, a gente... é aquele precipício. Então, eles tão falando que o
rapaz que foi desligado, porque ele estava em um local plano, a ferramenta dele
escorregou, ele se soltou pra ir buscar a ferramenta. Então, ele se soltou, foi pegar a
ferramenta e voltou sem nada. (Grifos nossos).
A punição, em alguns momentos, deixa uma “entrelinha”, como se ela estivesse sendo
feita para a própria segurança dos profissionais que foram desligados do projeto. Sobre o
“álibi” de fazer o bem, acaba se justificando até mesmo pelos próprios colegas (novamente
um coletivo enfraquecido perante o autoritarismo da política de consequência), para quem
esses profissionais devem ser demitidos.
A organização do trabalho aparece em cada item, em cada decisão que a empresa toma
para conseguir produzir. Desde Taylor e a organização científica do trabalho, que pretende
dividir e cientificar o trabalho, organizá-lo, passando posteriormente pelos aspectos
psicológicos e seu impacto no trabalho que surgem com os experimentos em 1927 na Western
Electric, até chegarmos às experiências de grupos semiautônomos na Inglaterra e nos países
escandinavos, mais especificamente na fábrica da Volvo, eles buscam construir uma forma de
fazer com que o trabalhador “produza” mais. (FLEURY, 1980)
O coletivo aparece não apenas na questão do gênero de CLOT (2010) mas também
quando pensamos na dependência entre os trabalhadores: cada atividade no projeto dependia
da atividade do outro. São trabalhos conectados para o fim, que era a manutenção na cava.
No final de sua fala, os profissionais riem; o riso pode ser no sentido de que o que está
sendo colocado do ponto de vista técnico nem sempre é o que acontece na prática. A conexão
dos saberes é importante, é o que a Ergologia denomina saber investido e saber constituído,
surgindo então o terceiro polo, o polo das exigências ergológicas, que nasce justamente desse
171
encontro. O encontro dos saberes faz com que os atores da discussão precisem, de alguma
forma, pensar sobre a sua concepção.
Fernanda Alves: o cabo que a gente usa é de 14 milímetros, então assim, é muito
pouco provável, porque a gente não tem nenhum equipamento, que dê a tensão de
ruptura de um cabo desse. [risos entre os participantes]. (Grifo nosso).
Paulo Cesar: Tem que ser duas pessoas. Pode ver que depois, aí um fica ali, e o
outro vai lá apertar, entendeu?
Robson Souza: só pra comparar porque no dia, no momento da ocorrência só tinha
uma pessoa. Né, então...
Fernanda Alves: ele tava fazendo sozinho. (Grifo nosso).
Fernanda Alves: Porque o risco tá lá, mesmo que eu não tenho um procedimento
que é o que, pegou também, a gente não tinha um procedimento, detalhado,
escrito, um treinamento formal, eu acho que a percepção de risco é onde que a
gente tem que trabalhar mais, porque, eu preciso equalizar a percepção, eu não
posso depender da percepção de um ou de outro. Então quer dizer. O cara faz 10
vezes, ele tinha 3 dias que tava fazendo a mesma coisa, e ele não percebeu que,
correu o risco. Os três dias. O quarto dia, é que ele machucou. Porque aí, ele mudou
a posição do tirante. Na hora que, tipo, ele viu (grifo nosso).
172
Claudia Santos: O rapaz acidentado, veio transferido de outra obra, ele não tinha
começado aqui...ele é um funcionário que iria trabalhar no canal de drenagem, mas
na hora ele não quis trabalhar e foi colocado no sistema de contenção... ele falou que
tinha experiência e depois do acidente, a gente viu que não tinha experiência....a
atividade que ele estava fazendo era considerada pelo encarregado, um atividade
simples, por que a atividade de perfuração é realmente mais complicada, o que ele
tava fazendo era leve... mas, faz toda a diferença a gente checar experiência do
funcionário e não acreditar...na experiência que ele diz que tem...que é importante o
encarregado ficar do lado e saber e acompanhar... e ver até onde ele sabe fazer o
serviço. Às vezes o procedimento da obra, mesmo sendo a mesma atividade, cada
um faz de uma forma... então, ás vezes a gente checar a maneira como ele está
fazendo se é adequada, se é da maneira que a gente precisa que seja feita... então o
encarregado precisa ser presente na frente de serviço, né? (Grifo nosso).
Aqui podemos ver a relação que o encarregado estabelece com o profissional. Ele
parece não acompanhar o trabalho, para tanto existe a especificação da simplicidade da tarefa,
considerada uma atividade simples.
7.6 Culpabilização
Em uma análise rápida, podemos pensar que o acidente que aconteceu com o
profissional é mais um caso típico de “erro humano”. Principalmente se nos basearmos na
análise inicial do acidente, essa situação pode ficar mais bem caracterizada ainda: toda a
situação nos leva a crer que o profissional estava exercendo uma atividade e por infortúnio, ou
desatenção dele, o gancho da catraca veio atingir a sua face.
Llory (2001) irá apontar o erro ou equívoco da construção do “fator humano” como
causa de acidentes. Originalmente essa diferenciação surgiu para sinalizar o que seria relativo
ao ser humano no sistema e o que estaria no âmbito técnico, principalmente das máquinas.
Essa diferenciação foi a base do que ficou conhecido como o paradigma do erro humano, em
que os sistemas técnicos seriam totalmente confiáveis e o ser humano seria a parte frágil do
processo. Essa construção fez com que durante muitos anos, nas análises dos acidentes, fosse
fácil encontrar o responsável por determinada situação: afinal, somente o humano é passível
de falha, assim a responsabilidade é dele. A evolução e quebra dessa dicotomia surge com a
constatação de que os sistemas técnicos, as máquinas, não eram totalmente seguros e
confiáveis, estando sujeitos a situações de falha e desgaste.
Atribuir a principal causa dos acidentes ao acidentado serve apenas para negar o papel
da organização do trabalho, das diferenças entre o prescrito e o real, dos fatores subjetivos que
compõem nossa relação de saúde e doença com o trabalho; serve para esconder ou “camuflar”
onde podem estar os erros reais, como uma gestão ruim ou a sua falta, a urgência pela
produção ou redução de custos a qualquer preço, entre outras coisas:
Claudia Santos: A primeira coisa que o encarregado falou é que ele deveria estar
usando a porca... já fazia parte do procedimento, só que ele, falou que não sabia, na
época do acidente, ele falou que não sabia que tinha que colocar a porca... então
vimos que era um déficit em nosso treinamento, no treinamento é que não tinha
ficado claro, que tinha que fazer aquela atividade usando uma porca para travar...
(Grifo nosso).
Claudia Santos: O acidente foi muito simples na verdade... que era algo muito bobo,
que era só travar a catraca para ela não soltar... a conclusão foi simples e não teve
nada de diferente! (Grifo nosso).
O que quer sinalizar a fala da profissional como algo muito “bobo”: se a atividade é
muito simples, quase “boba”, a culpa foi do profissional. O profissional, como consequência
desse acidente, poderia ter perdido a visão, ter tido algum tipo de trauma craniano... o que
tornaria o acidente “bobo”?
Segundo a profissional, essa seria uma das atividades mais simples da obra; se era
simples, a culpa é de quem a executa, afinal ela era “boba”. A desculpa da simplicidade da
tarefa ajuda na construção da culpa pelo profissional.
175
Ayrton Costa: Aí, no caso né? Se precisar de algum equipamento, pra gente pegar
logo... pra levar. Porque nada é improviso, porque chega lá na hora, não tiver o... a
ferramenta né, pra trabalhar, porque né, no caso lá, o rapaz ele se esqueceu, às
vezes ele pode até ter se esquecido, ou então não tinha a porca perto, também,
entendeu?
Paulo César: no caso do acidente aí, é porque foi um imprevisto... foi uma coisa que
ele fez lá, o cara foi mostrar serviço, alguma coisa, porque... devia ter
esperado...devia ter pegado a porca e usado[incompreensível] [várias pessoas
falando ao mesmo tempo]. (Grifos nossos).
Temos o ponto de vista de outro colega de trabalho, onde ele sinaliza: foi algo que “ele
fez lá”, como se tivesse sido apenas uma opinião do profissional, e ele ainda dá o diagnóstico
do motivo: “foi mostrar serviço”, ele queria fazer “mais” e por isso aconteceu o acidente.
Notemos que essa é a opinião dos colegas de trabalho.
Não tivemos oportunidade de conversar com o acidentado, mas esse paradigma vai tão
longe que em alguns estudos realizados sobre acidentes de trabalho tem sido sinalizado por
alguns autores que os próprios profissionais que se acidentam no trabalho costumam creditar a
“falha humana” deles próprios como uma das principais causas dos acidentes (GYEKYE,
2003; ACHCAR, 1990).
Mas a construção da culpa também passa pela área técnica, pela profissional de
segurança e sua visão do acidente. A profissional, que inclusive foi responsável pela
investigação: sinaliza sobre o acidente:
Fernanda Souza: Porque o risco tá lá, mesmo que eu não tenho um procedimento
que é o que, pegou também, a gente não tinha um procedimento, detalhado, escrito,
um treinamento formal, eu acho que a percepção de risco é onde que a gente tem
que trabalhar mais, porque, eu preciso equalizar a percepção, eu não posso
depender da percepção de um ou de outro. Então quer dizer. O cara faz 10 vezes,
176
ele tinha 3 dias que tava fazendo a mesma coisa, e ele não percebeu que, correu o
risco. Os três dias. O quarto dia, é que ele machucou. Porque aí, ele mudou a
posição do tirante. Na hora que, tipo, ele viu (grifo nosso).
7.7 Terceirização
Ferreira & Iguti (2004) demonstram, em uma pesquisa realizada com os petroleiros,
como os processos de mudança do mundo do trabalho e a terceirização, principalmente nas
áreas de manutenções da empresa petroleira, acabaram por fazer com que diversos
conhecimentos se perdessem em relação ao mundo do trabalho. Além disso, o estudo remonta
às diferentes relações estabelecidas com a empresa, entre os funcionários próprios e os
terceirizados.
Ricardo Costa: Essa obra é única no Brasil, nós fomos aprendemos com a execução,
era no dia-a-dia, apesar de termos investido em todos equipamentos e técnicas, tinha
coisas que não dava pra prever... (Grifo nosso).
41
A Geotecnia, está relacionada com o estudo da mecânica dos solos e das rochas.
178
Uma estratégia da mineradora para atuar nesse gerenciamento do risco parece ser a
contratação de mais uma empresa para realizar o gerenciamento do projeto. Em um cenário de
precarização do trabalho que vem sendo discutido, chama a atenção a posição da
gerenciadora. Durante a execução do projeto, essa empresa mudou por três vezes, isso advém
de uma estratégia da área de suprimentos, na tentativa de redução de custos dos contratos. Os
contratos têm duração de um ano; assim, quando está terminando o contrato é iniciada uma
nova licitação. A profissional da empresa de execução da obra fala um pouco sobre essa
mudança no gerenciamento:
7.8 Adaptação
Um importante ponto que surge no diálogo dos alpinistas tem relação com o trabalho
em altura e com o modo como esses profissionais lidam com essa sensação e risco. Logo no
início do diálogo com os profissionais, um dos primeiros temas abordados é justamente o
trabalho em altura:
179
Pesquisador: Como é que vocês se sentem, trabalhando nesses taludes? É alto pra
caramba?
José Maurício: costuma né.
Paulo César: costume né. A gente gosta também, do que faz. Se não gostar não tem
como né.
José Maurício: quem não gosta... quem não se adapta na altura mesmo, quando
chega já... já pede pra ir embora, pra mudar para outro serviço [risos]. (Grifos
nossos).
Ricardo Costa: É uma atividade muito agressiva, são poucas pessoas que são
capazes de fazer o que eles fazem... Se você ver de perto, não é fácil, o ruído é
muito alto, o helicóptero joga muita poeira, ficar o dia inteiro em altura incomoda...
(Grifo nosso).
Nesse sentido Daniellou & Simard & Boissiéres (2013) fazem uma discussão sobre a
mobilização subjetiva no trabalho. Segundo eles, em condições em que o trabalhador está
exposto a condições de risco altas e frequentes e não consegue modificar essa realidade, existe
um ajuste inconsciente que atua para reconstruir essa realidade.
percepção dos riscos é diminuída, pode haver um aumento de exposição a situações que
tragam prejuízos à sua saúde (DANIELLOU; SIMARD; BOISSIÈRES, 2013).
Fernanda Souza: (...) E aí a gente pode ter uma visão diferente do que a gente tá
acostumado. Porque em uma investigação de acidentes, a gente acaba ficando
muito... fechado. Eu só ouço o acidentado, o encarregado, talvez o companheiro,
o... supervisor, só. Então, essas pessoas, às vezes não são ouvidas e a opinião delas,
ou as ideias delas (grifo nosso).
Como podemos perceber, não faz parte das políticas da empresa envolver os
trabalhadores executantes na proposição ou validação de medidas corretivas para acidentes. A
informação chega a esses profissionais apenas da forma Top Down, sem movimentos de
retorno, principalmente porque esses profissionais têm uma visão sobre o trabalho real.
181
A OHSAS42 18001 (2007), que versa sobre sistemas de gestão de segurança e saúde no
trabalho, entre diversas recomendações traz uma temática específica que se refere à
participação dos trabalhadores nos processos de investigação e análise de acidentes.
Aqui podemos notar que os trabalhadores não são lembrados para participar desse
processo de análise:
Claudia Santos: (...) faço um convite...ai faz um levantamento de tudo que precisa
com a equipe do campo, com os técnicos, a informação de um, de outro, primeiro se
ouve, o acidentado quando é possível, né? Depois vai ouvir o encarregado, o colega
dele que trabalhava junto, faz uma reunião e convoca todos para a reunião, ai o
encarregado conta, o acidentado conta e o colega conta, e ai vai fazendo um
42
A OHSAS 18001 é um padrão internacional que estabelece requisitos relacionados com aà Gestão da
Segurança e Saúde Ocupacional.
182
Segundo Llory & Montmayeul (2014), esses profissionais estão muito próximos e
envolvidos com as situações que ocasionaram os acidentes; eles não podem acabar tendo uma
visão restrita dessas situações. As estruturas hierárquicas, as pressões das chefias, os
interesses de remuneração e progresso na carreira não podem se tornar fatores limitadores dos
potenciais das investigações e análises realizadas pelos próprios profissionais da empresa.
Esse cenário não pode facilitar também a continuidade do paradigma do erro humano e das
estratégias de culpabilização, pois esses não seriam caminhos mais fáceis do que apresentar as
disfunções das organizações, os problemas de relações e de enfraquecimento dos
trabalhadores.
Claudia Santos: Você não sabe qual que é a minha ansiedade de entregar esse
contrato, por que eu já não aguento mais...é uma tensão, você vive uma tensão vinte
e quatro horas por dia... na hora que acaba o dia e que não aconteceu nada... você
fica...graças a deus hoje não aconteceu nada...
185
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos ver que o acidente é complexo e que temos de superar o paradigma do erro
humano. Buscamos nesta investigação discutir o acidente e trazer à luz toda a sua
complexidade e historicidade e acima de tudo construir soluções que ajudem a evitar que ele
volte a acontecer.
Espera-se que este trabalho possa contribuir para reforçar a importância de considerar
esses fatores em uma efetiva prevenção de acidentes.
Um dos pontos que podemos constatar nesse trabalho é que as práticas de saúde no
trabalho também merecem atenção e mais investigações, principalmente no que se refere ao
adoecimento/saúde do trabalhador. Ainda existe um conjunto de relações e construção de
nexos que não puderam ser aprofundadas aqui, mas que merecem atenção.
Um dos agentes importantes para serem entrevistados para que tivéssemos uma
ampliação dos resultados desse trabalho se refere ao próprio acidentado, já que na data da
discussão em grupo ele não pode participar. Conhecer sua visão, seus sentimentos e sua
percepção de todos os fatos que culminaram no acidente poderia trazer importantes
significações e outros pontos de vistas para o estudo. Tentamos estabelecer contato com ele,
porém não tivemos retorno.
Na teoria sociológica dos acidentes, Dwyer (2006) observa que a psicologia ainda tem
um papel difuso nessas discussões. Espera-se, com esse trabalhado, incentivar o campo da
psicologia, preocupada principalmente com o estudo do mundo do trabalho, a contribuir para
a ampliação dessas discussões e a proposta de prevenção de acidentes do trabalho.
Naturalmente, não podemos deixar de pensar no uso do espaço em grupo para análise
do acidente, pelos trabalhadores, como momento de reivindicação para condições de melhoria
187
em seu trabalho. O ponto merece uma análise mais profunda, na medida em que o
pesquisador, como funcionário da empresa, pode levar a projeções para os profissionais.
Espera-se que este trabalho possa contribuir para a construção de políticas públicas
com foco na prevenção de acidentes que visem a uma participação maior dos trabalhadores
nos processos de investigação e prevenção dos acidentes de trabalho.
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