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DOI: 10.21604/2177-8841/moringa.

v7n2p69-82 | E-ISSN 2177-8841

A ARTE, O HUMANO, O TEMPO E O DISCURSO:


a performance de Marina Abramovic e os direitos humanos
à luz do pós-estruturalismo

The art, the human, the time and the speech:


the performance art of Marina Abramovic and the human rights under
the post-structuralism light

Cristiane Marques de Oliveira


Adriana do Carmo Figueiredo
Thaís Eleutério Miranda de Oliveira
Centro Universitário de Belo Horizonte - UniBH

Resumo: Este estudo é fruto de uma pesquisa realizada em âmbito acadêmico e interdiscipli-
nar que tem como proposta discutir e analisar a performance “The artist is present”, de Marina
Abramovic, a partir da perspectiva pós-estruturalista e da noção de direitos da pessoa humana,
presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). O objetivo é desvendar os
possíveis discursos denotados pela obra e seus impactos no processo de reflexão dos sujeitos.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Performance; Pós-Estruturalismo.

Abstract: This study is the result of an interdisciplinary and academic resear-


ch that has the proposal of discussing and analyzing the performance “The ar-
tist is present”, authored by Marina Abramovic, from a post-structuralist perspec-
tive and also the notion of the rights from the human person presented at the
Universal Declaration of Human Rights (1948). It aims to reveal the possible speeches
triggered by the work, and its potential to influence the process of individual’s reflection.

Keywords: Human Rights; Performance; Post-Structuralism.

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A obra “The artist is present”, de autoria Emmanuel Zagury Tourinho (2007); “Inter-
de Marina Abramovic, foi apresentada no national / Intertextual Relations – post-mo-
MoMA - Museu de Arte Moderna de Nova dern readings of world politics”, de Michael,
Iorque, em 2010. Tomando como referência F. Shapiro (1989); “Language, agency and
o caráter performático-performativo desta politics in a constructed world”, de François
obra, pretendemos verificar sua capacida- Debrix (2003); e “The Study of Discourse in
de e potencial de atuar como exercício de International Relations: a critique of research
alteridade e reconhecimento do outro como and methods”, de Jennifer Milliken (1999).
igual, ao explorar, por meio de sua práti-
ca, os fundamentos básicos de liberdade e A arte performática é apresentada a par-
igualdade dispostos na Declaração Univer- tir do texto “Performance como linguagem
sal dos Direitos Humanos, de 1948, proble- – criação de um tempo-espaço de experi-
matizando, assim, a compreensão desses mentação”, de Renato Cohen (2002), e do
valores de acordo com seus processos de artigo “Performance e direitos humanos:
constituição nas diferentes sociedades. discursos pela tolerância em Marina Abra-
movic”, de Christina Fornaciari (2010).
Abordamos a concepção da Declaração Além disso, foram analisados os vídeos da
Universal dos Direitos Humanos para, em obra “The artist is present”, disponíveis no
seguida, expor o desenvolvimento da Teoria site do MoMA, e também o site do projeto
Pós-estruturalista das Relações Internacio- “Terra Comunal”, evento realizado recente-
nais, abraçando seus conceitos de discur- mente no SESC São Paulo (março/ 2015).
so, identidade, conhecimento, linguagem e
realidade. Posteriormente, apresentamos o Nas considerações finais, abarcamos a dis-
contexto de surgimento da performance art, cussão se a arte performática e os discursos
seus conceitos e características predomi- denotados pela obra são capazes de im-
nantes, seguidos de breve apresentação da pactar o processo de reflexão do indivíduo
artista Marina Abramovic. A análise da per- sobre seu comportamento, a compreensão
formance “The artist is present” contempla da sociedade e da realidade, influencia-
as formas de interação utilizadas pela artista dos por sua percepção sobre os princípios
em sua relação com o espectador, inquirin- elementares da igualdade e da liberdade.
do sobre o papel deste no processo de cons-
trução da obra, dando ênfase aos possíveis A arte, o humano, o tempo e o discurso
discursos denotados pela performance.
“Todas as artes contribuem para a
O referencial teórico adotado parte da con- maior de todas as artes, a arte de viver.”
sulta à Declaração Universal dos Direi- Bertolt Brecht
tos Humanos, presente na carta da ONU
(1948), e do livro “Direitos Humanos”, de A Declaração Universal dos Direitos Hu-
Marco Mondaini (2006). A abordagem so- manos, promulgada pelas Nações Unidas,
bre a Teoria Pós-Estruturalista das Rela- surge no período após a Segunda Guerra
ções Internacionais toma como referências Mundial, em 1948. Este foi um momento
os textos: “Linguagem e instituições sociais marcado pelo ódio e intolerância, exem-
em Skinner e Austin”, de Peter Endemann e plificados no horror do holocausto, que

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causaram a perseguição e morte de ne- No âmbito das Nações Unidas, há com-


gros, judeus, comunistas e homossexuais. preensão de que a declaração é feita a
valer para todos os indivíduos universal-
O documento tem seus fundamentos emba- mente, conforme disposto no artigo 2º:
sados a partir da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, fruto da Revo- “[...] Sem qualquer distinção, seja
lução Francesa (1789) e do Bill of Rights, de raça, cor, sexo, língua, religião,
declarado nos Estados Unidos em 1791. opinião política, ou de outra natu-
Todos eles prescrevem ideais iluministas reza, origem nacional, ou social, ri-
queza, nascimento ou qualquer ou-
e apresentam uma evolução dos precei-
tra condição”. (ONU, 1948, Art. 2º)
tos básicos sobre valores como liberdade
e busca pela igualdade entre os povos.
Assim, o comprometimento dos Estados
membros das Nações Unidas em garantir tais
A Comunidade Internacional, após vi-
direitos aos indivíduos é estendido também
venciar o quadro caótico do pós-guerra,
àqueles cidadãos de países não membros
realiza uma reflexão sobre o dever dos
da organização, tendo desenvolvido forte-
Estados soberanos em garantir e prote-
mente, no seio da instituição, o conceito de
ger os indivíduos como livres e iguais,
“jus cogens”1, imprimindo grande importân-
vivendo com dignidade. Assim, a Decla-
cia à matéria de direitos humanos no contex-
ração de 1948 aparece no intuito de es-
to internacional, de acordo com as normas
tender universalmente a todos esses di-
estabelecidas pelo Direito Internacional.
reitos fundamentais, e essa máxima está
indicada no artigo 1º da carta, que destaca:
De toda forma, é necessário ponderar:
quão iguais são os povos do mundo? Qual
Todos os homens nascem livres
e iguais em dignidade de direitos. a parte mais essencial que denota essa
São dotados de razão e consciên- igualdade? Como é possível que povos
cia, e devem agir em relação uns tão diferentes, dentre a diversidade cultu-
aos outros com espírito de fra- ral universal, se reconheçam como iguais
ternidade. (ONU, 1948, Art. 1º) nos aspectos mais básicos da vida, ligan-
do isso à ideia e ao discurso de liberdade?
Apesar da clareza e simplicidade que tal
enunciado possa apontar, é necessário De fato, a compreensão comum e compar-
compreender que este é passível de in- tilhada desses direitos é uma preocupação
terpretações, as quais passam substan- para o pleno cumprimento desse compro-
cialmente por julgamentos e premissas misso, e é pauta na Assembleia Geral das
subjetivas, e influenciadas pela cultura. A Nações Unidas (MONDAINI, 2006, p.149).
compreensão de tais valores implica ques-
tões sobre o que seja a igualdade, o que A Teoria Pós-Estruturalista das Rela-
isso significa, e como ela se concretiza, nos ções Internacionais
diferentes espaços-tempos da história, geo- “A arte existe para que a verdade não nos
grafias do globo e estruturas sociais particu- destrua”.
lares existentes em cada canto do mundo. Autor desconhecido 2
1 Direito das gentes. (MAZZUOLI, 2010)
2 A frase é atribuída a Friedrich Nietzsche, porém não

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significados aos processos e fenômenos
O pós-estruturalismo nas Relações Interna- sociais e, quanto a esse aspecto, não há
cionais é a contribuição do campo da filoso- domínio absoluto sobre a produção de
fia e das teorias sociais para a necessidade significado. O discurso é compreendido
de superação dos limites impostos pelas como intermediário entre agência huma-
teorias tradicionais da área, a fim de melhor na e estrutura. Para tanto, não importa a
entender as transformações no sistema in- intenção do agente para que se produza
ternacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). um determinado discurso, ou seja, o dis-
curso sempre será produzido. Entretanto,
A teoria surge com o advento linguístico o discurso nunca é neutro, de forma que a
conhecido como “virada linguística” (DE- partir de um statement ou afirmação pode
BRIX, 2003), e seus estudos implicam a ser e é utilizado como recurso político.
preocupação com o sentido, valores, e
suas capacidades de produzir práticas na Endemann e Tourinho (2007, p. 208), a
linguagem, promovendo discussões sobre partir de conceitos propostos por Austin,
esses aspectos na disciplina, tendo em vis- em sua obra “Quando dizer é fazer: pala-
ta compreender a política internacional sob vras e ação”3, explicam que as “práticas”
o prisma das estratégias de uso dos discur- tratam de “proferimentos performativos”,
sos, suas leituras e escritos, e como estes enquanto que as “declarações” são com-
recursos são reproduzidos na estrutura. preendidas como “proferimentos consta-
tativos”. Tais proferimentos trabalhariam
A respeito dos conceitos chave dessa teoria, linguisticamente para sustentar as práticas
vamos nos ater ao estudo da linguagem, do e produções de sentido delas decorren-
discurso, das práticas e declarações (pro- tes, e que são mantidas por um critério de
ferimentos), a relação entre conhecimento funcionalidade, ou seja, conforme a exis-
e poder, identidade e também realidade. tência de um como e por quê. Igualmente,
as práticas e declarações dependeriam do
A linguagem é compreendida como forma contexto em que ocorre seu proferimento,
de ação social e concreta, e que atua sobre de forma que o dito tem relação com o ato
a realidade, constituindo uma relação cultu- e sua intencionalidade (idem). Dito isto, “o
ralmente datada e determinada, sendo as- proferimento da sentença é, no todo ou
sim, algo que se impõe à realidade e a con- em parte, a realização de uma ação, que
figura a partir dessas redes de significação, não seria normalmente descrita consistin-
ou seja, a partir das diferentes práticas de in- do em dizer algo” (AUSTIN, 1990, p. 24).
teração, de acordo com Endemann e Touri-
nho (2007, p. 02). Conforme Shapiro (1989, Esses conceitos estão relacionados aos
p. 11), a linguagem é uma ferramenta trans- “atos convencionais”, que seriam “procedi-
parente que serve como um discreto condu- mentos convencionalmente aceitos e que
tor entre pensamentos, conceitos ou coisas.
3 Título original “How to do things with words”, obra
de John Langshaw Austin, publicada em 1962, e tra-
Com relação ao discurso, este é apresen-
duzida para o português, em 1990, pelo professor
tado como sendo qualquer prática sobre Danilo Marcondes de Souza Filho. A obra é resultan-
o mundo. Ele é elemento de atribuição de te de uma série de conferências proferidas pelo autor
existem informações que comprovem essa autoria. em 1955. (Cf.: ENDEMANN E TOURINHO, 2007).

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apresentem um efeito convencional, incluin- produzido no âmbito das redes de poder


do o proferimento de certas palavras, por (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 194).
certas pessoas em certas circunstâncias”
(ENDEMANN; TOURINHO, 2007, p. 03). Endemann e Tourinho (2007), a partir de
uma definição mais etimológica, destacam
Os teóricos pós-estruturalistas questionam que “conhecer é um responder diferenciado
todas as tentativas que buscam determinar a certos aspectos da realidade, uma pro-
“verdades universais” ou “certezas absolu- babilidade de emissão e comportamentos
tas”, assumindo, então, uma postura anti- mais efetivos” (p. 211) e, por isso, este seria
-essencialista. Destacam ainda que toda um elemento normativo, cognitivo e político.
verdade é a afirmação de uma posição de
poder, refletindo estruturas de dominação O conceito de identidade para as Re-
que se utilizam do discurso, em especial o lações Internacionais está alocado pe-
científico, para justificar suas ações que se los pós-estruturalistas como algo que é
autodenominam como neutras e naturais. construído alinhado ao discurso, e não
independente deste. Em outras pala-
Outrossim, a teoria defende o anticien- vras, a identidade é performativa por ser
tificismo e a análise efetiva do discurso constituída pelas muitas expressões que
por meio da crítica e da desconstrução são ditas como sendo seus resultados.
deste, uma vez que as análises sobre os
eventos do Sistema Internacional, as Ins- Ela é formada social, discursiva e histori-
tituições Internacionais e as interações camente, partindo do conceito de intersec-
da sociedade são vistas como análises cionalidade, o que compreende os atra-
de texto (MENDES; FURTADO, 2012). vessamentos e as afecções constantes a
que somos expostos, diante das diferentes
Sua atitude de desconstrução dos discur- informações e pressões existentes no am-
sos leva em conta ainda que toda teoria é biente social, que acabam por determinar
criada a partir de uma visão de mundo, e, papéis específicos aos indivíduos. Dessa
portanto, não há neutralidade. Tampouco, forma, ‘sou’ e existo de determinada manei-
há possibilidade de se ter uma perspectiva ra, conforme o olhar e interação com o ou-
ampla e total da realidade. Assim, argumen- tro. Além disso, as identidades são também
tam que “a verdade sempre será relativa compreendidas como transitórias, pois se
de acordo com o lugar onde foi formulada” transformam ao longo do tempo, e são evo-
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 189). cadas como pré-condições para decisões.

Outro elemento fundamental dessa teoria Outro conceito importante e pertinen-


é o conhecimento, e Foucault (1989) tra- te para este estudo é a definição de re-
balha esse conceito relacionado ao poder, alidade e o autor que nos diz algo so-
ao afirmar que toda forma de dominação bre isso é Shapiro, delineando-a como:
deriva dessa relação. Pontua que tais ele-
mentos dependem um do outro para existir, Resultado de pré-textos, apreensão
de modo que o poder precisa do conheci- de sentidos e valores impostos pela
mento para operar, e o conhecimento é estrutura do mundo, não derivadas
da consciência, mas de acordo com

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scripts inerentes e adquiridos, circun- sacralizar a arte, deslocando-a de sua pers-
dados por condições linguísticas e pectiva estética elitista e colocando-a numa
culturais (...) e a realidade é mediada categoria modificadora (COHEN, 2002).
por modos de representação enquan-
to caminhos de fazer a facticidade.
Uma das características dessa forma de
(SHAPIRO, 1989, p.11, tradução livre)
arte é a busca por uma obra não decora-
tiva. Além disso, é uma arte que permite
Nesse contexto, o espaço-tempo é con-
hibridismos de linguagem. A performance
siderado crucial, na medida em que, a
também apropria-se de atos da vida co-
partir do agora, temos o conteúdo sim-
tidiana, transformando-os, possibilitan-
bólico que também constitui o real.
do, assim, intensa ressignificação destes.
No campo da arte, esse período histórico
Essa prática se insere no contexto de nos-
é marcado pelo pós-modernismo, que foi
so estudo ao fazer uso da linguagem e do
um movimento de ruptura com antigos pa-
discurso na busca por criar não somente
drões, tendo em vista produzir mudanças,
outras interpretações da realidade, mas
e é nesse cenário que se insere a arte da
por sua busca por criar outras realidades,
performance. Da mesma forma, é nesse
e por ser capaz de produzir novos sentidos,
momento em que há grande desenvolvi-
mesmo que o faça sem intencionalidade.
mento do pós-estruturalismo, mas este,
diferentemente do movimento pós-moder-
A performance trabalha com a intera-
no, não está comprometido em produzir
ção social, permitindo novas formas de
tais transformações, mas, sim, empenha-
apropriação do tempo e do espaço, pro-
do em interpretar criticamente as implica-
pondo práticas que alteram as ações
ções resultantes dessas transformações,
comumente aceitas e compreendidas
e, para tanto, propõe inquirir o mundo por
como arte, promovendo deslocamen-
meio das práticas textuais numa aborda-
tos do olhar e do lugar do espectador.
gem empírica e interpretativa (SHAPIRO,
1989, p.18) fazendo uso desses conceitos.
Não se trata de uma proposta artística que
a priori se preocupa em criticar ou levan-
A Performance Art
tar questionamentos sobre a realidade
ou estabelecer posicionamentos e emitir
“A arte diz o indizível, exprime o
discursos políticos, entretanto, ao abor-
inexprimível, traduz o intraduzível”
dar a vida e suas facetas, acaba por pro-
Leonardo da Vinci
duzir discursos que provocam reflexão e
novas leituras sobre a realidade, o coti-
O termo performance art, derivação da live
diano, o poder, as questões sociais, en-
art ou “arte viva”, surgiu nos anos 1960 como
tre outros aspectos que permeiam a vida.
um movimento da contracultura4. Essa forma
de arte se destaca por sua concepção apro- associada à arte ativista que busca novas relações
ximada da própria vida e se esforça por des- entre arte e política, além da produção de um dis-
4 O movimento nasce conjuntamente à ideia de curso crítico sobre a realidade, tendo como ponto
“autonomia política”, com ênfase nas lutas sociais de tensão uma “cultura de oposição ao estágio do
dos anos sessenta, associadas ao movimento dos capitalismo em que vivemos” (MESQUITA, 2011
trabalhadores italianos autônomos. Está também p.12). Trata-se da busca por uma arte revolucionária.

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sada como um gatilho disparador de


É comum ao espectador, que assiste ou pensamentos, atitudes, interpreta-
participa de uma obra performática, a pre- ções e significados, ainda que inde-
sença de um sentimento de estranhamen- pendentemente da intenção de seu
autor. (FORNACIARI, 2010, p. 523)
to. Isso se dá na medida em que o artista
ou a obra convida o espectador a vivenciar
A “mistura” entre a arte e a vida sempre
uma experiência necessária à existência do
foi uma constante discussão na área ar-
próprio ato performático. Esse sentimento
tística, servindo como mote para a criação
é reforçado especialmente pelo fato de tais
ou o exercício da crítica de arte. A perfor-
obras muitas vezes dispensarem suportes
mance, então, exacerba essa dimensão e,
materiais, por estarem focadas no caráter
além disso, provoca o espectador, envol-
relacional da ação, que tem como caracte-
vendo-o nesses meandros. Essa questão
rística ser geralmente efêmera e impalpável.
motiva também teóricos e críticos a realiza-
rem estudos sobre o tema do fim da arte.
O que de fato ocorre é que o espectador pas-
sa a ser um agente ativo da ação, portanto,
Marina Abramovic - “The Artist is Present”
sendo tão responsável pela composição e
- um olhar para o outro
construção da obra quanto o próprio artista.
“Los espejos se emplean para ver-
Esse aspecto da arte performática leva o
se la cara; el arte, para verse el alma”5
espectador a se perguntar se de fato está/
George Bernard Shaw
esteve diante de uma obra de arte. Ense-
ja um processo racional de julgamento,
Marina Abramovic é iugoslava, nasceu em
geralmente, baseando-se em convenções
1946, e iniciou sua prática na performance
previamente apreendidas sobre o que seria
art na década de 1970. Atualmente, Marina
uma forma “correta” de relação/ interação
não é somente uma celebridade, mas tam-
com a obra ou o artista, partindo de uma
bém está no ranking das cem pessoas mais
compreensão dicotômica existente na con-
influentes do mundo, conforme publicado
traposição dos papéis artista e espectador.
pela revista Time 20146. Esse fato denota
um fenômeno social de transição do locus7
Circunstâncias como essas atuam como
do artista proveniente de uma arte con-
disparadoras de questões como: o que
siderada periférica e marginal, coisa que
é a arte? Quem é o artista? A arte exer-
perdura na maioria dos casos ainda hoje,
ce uma função social? Se sim, qual se-
para se tornar um ícone da cultura pop.
ria? E ainda, qual é a importância da
arte? Quanto a isso, deixamos aqui uma
É interessante observar que esse aconteci-
reflexão apresentada por Fornaciari:
mento motiva polêmicas sobre a artista, seu
Penso que a função da arte seja a 5 Os espelhos são empregados para
liberdade de expressão, o que quer ver a face, a arte para ver a alma.
que isso signifique. Porém, conscien- 6 Revista Time 2014. Disponível em: <http://g1.
te da negação da “função” da arte, globo.com/pop-arte/noticia/2015/03/rainha-da-ar-
defendo que toda produção artística te-performatica-marina-abramovic-faz-megaex-
posicao-em-sp.html> / Acesso em 30 mar. 2015.
poderá e, possivelmente, será anali-
7 Do latim: lugar.

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comportamento, o valor (artístico, ideológi- pelo museu, estaríamos falando de muitos
co e econômico) de suas obras, e enseja potenciais artistas. Dessa forma, compreen-
reflexões sobre o mundo e o mercado da demos que o título da obra, ao evocar tal ato
arte. Na verdade, não se trata de um fato performativo, trabalha com a ideia de des-
isolado, no entanto, é visto como um dos mitificar a ideia de artista, ao mesmo tem-
casos mais emblemáticos da atualidade. po em que cria uma situação de encontro.

Conforme explicitado pela artista, em di- Entretanto, é curioso observar que, no âm-
versas entrevistas8, suas obras partem de bito da realidade particular da artista, o que
questões e práticas de ordem transcen- se tem como resultado é que a obra “The
dental, explorando a energia, a espiritu- artist is present” transforma completamente
alidade, a autoconsciência e a interação seu status de existência enquanto identida-
com o outro; esta última, sendo prática de Marina, pois o sucesso da obra acaba
cultivada na obra “The artist is present”. por lhe dar caráter ainda mais célebre, le-
vando-a de volta ao panteão do artista-mito
A referida performance foi realizada no e, mais ainda, apresenta-a como símbolo
MoMA – Museum of Modern Art, em Nova afirmativo dos valores poder-mercado-ca-
Iorque, no período de 14 de março a 15 pital, preconizados pelo sistema capitalista.
de maio de 2010. Durante o evento, a ati-
vidade foi transmitida ao vivo pelo site da Temos como fator que evidencia isso o dis-
instituição e pode ainda ser vista, inclusi- curso veiculado pela revista Time, ícone re-
ve, no documentário “The artist is present”. presentativo desse sistema de poder, quan-
do expressa a capacidade de influência da
Nesse trabalho, a artista passou quase artista no mundo. Assim, sob a perspectiva
três meses sentada em uma cadeira, doze pós-estruturalista, podemos dizer que esta-
horas por dia, seis vezes por semana, à mos tratando de um proferimento consta-
disposição do público. A performance tra- tativo, que, neste caso, atua no sentido de
tou-se da simples ação de o espectador manutenção de uma determinada ordem, ao
sentar-se à frente da artista e ali perma- difundir e perpetuar tais valores embutidos
necer o tempo que desejasse, em silêncio. discursivamente, fazendo uso da imagem
da artista como suporte para legitimação
Partindo de uma análise simbólica sobre o desse discurso que reafirma tais valores.
título da obra: “O artista está/ é presente”
(tradução livre), pois o verbo ser/estar em Ainda relacionado à questão do termo
inglês não apresenta diferenciação, o nome existencial-temporal, invocado no título, a
da performance parece propor uma chara- ideia de “presença” nas artes diz respeito
da existencial e temporal, porque coloca em ao exercício do indivíduo em manter-se no
questão quem é o artista, o que poderia ser momento presente com toda sua integrida-
compreendido como sendo a própria Marina, de, sendo também um desafio que evoca
ou o espectador que ali se senta à sua fren- a metafísica da meditação, esta compre-
te, ou, mais provavelmente, ambos. Confor- endida como ação de olhar para si e para
me a enorme fila de pessoas que passaram dentro, tendo em vista alcançar um profun-
8 Cf.: <http://terracomunal.sescsp.org.br/ do estado de concentração, sensibilidade
7-conversas> / Acesso em: 28 abr. 2015.

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e abertura energética para interagir com o cia diferente do habitual, na busca por um
outro. No entanto, neste caso, não se trata tipo de transe, conforme ocorre geralmente
de um ato solitário, mas constitui uma ação em rituais, assim, levando o indivíduo au-
que deve ser compartilhada com o outro por -delà10 da percepção cotidiana do tempo.
meio da ação proposta pela performance.
A duração da performance não é pré-de-
Outra informação pertinente quanto a isso terminada, ou seja, não há início ou fim da
é o fato de a presença ser prática-chave ação (para cada participante), dependen-
na metodologia criativa de Marina, esta do da vontade e do desejo do performer/
composta para auxiliá-la no preparo técni- espectador o quanto pretende vivenciar o
co para execução de suas performances. ato performativo. O tempo, neste caso, se-
ria capaz de transformar a experiência do
A ideia de presença traz também outros espectador/ performer num tipo de “salto
proferimentos constatativos e performati- pós-moderno”, que, sob a perspectiva pós-
vos: Quem está presente? O artista, a ce- -estruturalista, ocorreria quando a forma
lebridade, a entidade, o espectador que de viver e produzir a vida rompe com qual-
se transforma em artista? Presença é an- quer paradigma ou convenção moderna.11
títese de ausência, e compreende-se por
ausência a invisibilidade, aquilo que não No caso da performance “The artist is
é visto, contrariamente ao presente, que present”, esse fenômeno ocorreria a par-
se apresenta de forma eficaz e eficien- tir do momento em que se rompe com a
te, que afirma não somente sua existên- maneira de vivenciar o tempo, conforme
cia, mas sua forma de existência, e, as- convenção estabelecida pelo paradigma
sim, evoca a atenção daquele que olha. moderno, o qual está associado à produ-
tividade e também com a ideia de corpos
O “artista presente” é o outro, e seu du- disciplinados a serviço de determinada or-
plo, pois um não existe sem o outro em dem (leia-se capitalismo) em função de
dada situação, e uma vez que o espec- uma utilidade, conforme proposto por Fou-
tador/ performer junta-se à performance cault12. Dessa forma, o novo paradigma
(ato performativo), este passa a ser tam- que se apresenta é a experimentação do
bém potencialmente artista, assim, com- tempo do ócio, em que o espectador está
partilhando do mesmo status que Mari- comprometido e envolvido pela ação de
na, nem que seja por alguns instantes. compartilhamento desse tempo com o ou-
tro para exercício de sua contemplação.
Outro aspecto fundamental da obra é a tra-
tativa dada ao elemento tempo, sendo este
10 Do francês: do outro lado (tradução livre).
tipo de performance caracterizada como du- 11 Cf.: Leandro de Alencar Rangel, disciplina Teorias
racional9. Neste caso, o tempo exerce papel Contemporâneas de Relações Internacionais, mi-
importante na medida em que potencializa nistrada no UniBH, Belo Horizonte, 1º semestre de 2015.
a emergência de um estado de consciên- 12 Conceito de ‘corpos dóceis’: é aquele que
se manipula, se modela e se treina; aque-
9 Performance em que o tempo constitui a mate- le que obedece. O corpo é objeto e alvo de po-
rialidade do trabalho. Disponível em: <https://su- der, é manipulável, fruto da submissão em fun-
perficiedosensivel.wordpress.com/category/perfor- ção da utilidade. FOUCAULT, Michel. Vigiar e
mance-duracional/>. Acesso em: 28 de abr. 2015. Punir, Ed. Vozes -19º Edição. São Paulo, 1989.

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Essa ação pode ser ainda compreendi-
da como um ato de resistência ao discur- A tolerância é um dos valores que podem
so dominante, determinado pelas estru- ser percebidos nos proferimentos consta-
turas de poder, agindo a performance, tativos presentes na Declaração Universal
então, na direção de desconstrução de dos Direitos Humanos, quando evidencia,
tal discurso por meio de uma prática, ou no artigo 1º, que todos os seres humanos
proferimento performativo, que abre es- “são dotados de razão e consciência e de-
paços de divergências sobre o modo de vem agir em relação uns aos outros com es-
se vivenciar o tempo, atuando, assim, pírito de fraternidade” (ONU, 1948, art. 1°).
na construção de uma outra realidade.
É importante destacar que a performance
Com a permanência e o desenrolar da não é uma representação da realidade,
ação, aprofunda-se o estado de quietu- mas é a própria vida em acontecimento,
de e há o afloramento de uma percepção e, no caso da obra “The artist is present”,
mais refinada. A partir da contemplação o foco de atenção está na interação en-
do outro, podemos dizer que se torna tre dois indivíduos no momento presente.
possível vivenciar o statement filosófico
proposto no artigo 6º da Declaração dos A diferença elementar entre represen-
Direitos Humanos, que diz: “todo homem tação e performance é que esta última
tem direito de ser” (ONU, 1948, art. 6°). constitui-se do caráter vivo da ação, de
forma que não se pretende dizer algo
Esse acontecimento permite o estabeleci- dado, mas trata-se de algo que ocorre, e,
mento de um diálogo sensível, que se re- a partir disso, constrói-se no tempo-espa-
vela na forma de “escuta ao outro”, e que, ço real um determinado discurso que não
por meio do exercício do olhar, verifica não é previamente controlado ou manipula-
somente as diferenças, mas também permi- do, tal como sucede na representação.
te o reconhecimento das semelhanças en-
tre os indivíduos envolvidos na ação. Nesse A ação proposta pela performance e os
momento, transparece a latência da alte- diferentes scripts que dela decorrem apre-
ridade, pois se reconhece o direito de ser/ sentam uma gama de possibilidades inter-
estar do outro, e deste existir à sua maneira. pretativas no que consiste à discussão so-
bre a linguagem e o texto. Essa afirmativa é
Esse fenômeno não ocorre com todos os premissa mesmo da própria arte, de acordo
espectadores/ performers, mas, confor- com Shapiro, que assevera que “a arte tem
me demonstrado pela documentação da a capacidade em denotar maneiras e produ-
performance, no site do MoMA e no docu- ção de resposta não sobre a realidade so-
mentário, acontece com a grande maioria cial, mas sobre outras convenções que as
deles. Fornaciari (2010) nos diz que esse governam” (SHAPIRO, 1989, p.11, tradução
fenômeno é intrínseco ao ato performá- livre), e a isso ele nomeia “intertextualidade”.
tico, na medida em que a performance
apresenta a capacidade de ser um dis- Podemos ainda apontar que o terceiro
curso pautado nos pilares da tolerân- olhar (ou olhar daquele que contempla a
cia, embora com uma linguagem própria. performance) cria sua própria intertextu-

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A arte, o humano, o tempo e o discurso: a performance de Marina Abramovic e os
direitos humanos à luz do pós-estruturalismo

alidade com relação ao ato performativo. que a performance art ou live art seria,
por excelência, a linguagem da arte viva.
A obra “The artist is present” foi realiza-
da em um dos museus mais importantes As ações realizadas no MoMA, com a per-
do mundo, e este pode ser compreendido formance “The artist is presente”, tiveram
também como fator que confere à obra sua como participantes milhares de homens,
notoriedade e legitimidade, pois se trata de mulheres, crianças, idosos, os quais apre-
uma instituição que é locus de reconheci- sentaram as mais diversas reações. Outra
da autoridade que estabelece conceitos e característica foi que eram originários de di-
tendências no mundo da arte, além de di- versas regiões do mundo. Contudo, indepen-
tar comportamentos, tanto para o métier13 dente das diferenças entre eles, o desloca-
artístico, quanto para o próprio espectador, mento de papéis ocorrido entre os agentes,
controlando esse mercado. Assim, estamos a transcendência espaço-temporal atingida
aqui falando também de uma convenção, por meio da vivência e o diálogo silencioso
e, por isso, estaríamos diante de um agen- de escuta sensível ao outro, proposto pela
ciamento dos discursos de poder e domi- performance, criaram espaço para emissão
nação sobre a compreensão do que seja a de diferentes discursos e seus respecti-
arte, e o estabelecimento de identidades e vos proferimentos performativos revela-
papéis sobre quem é o artista e quem é o dos em sorrisos, espantos e/ ou lágrimas.
espectador, e o que se espera de cada um
deles. A partir dessa constatação, como se- Na obra, a liberdade de expressão está
ria o encontro de dois indivíduos proposto em exercício, a partir do momento em que
no mesmo formato, partindo das mesmas a artista provoca os espectadores/ perfor-
indicações, porém deslocado de tal am- mers a serem emissores e não apenas re-
biente? Seria este ato performativo, com- ceptores do discurso, durante a execução
preendido como obra de arte? Seria este da própria obra, assim, de forma singela
ainda um proferimento performativo? Se ou aterrorizante, Marina trata de fazer um
sim, qual discurso a ação poderia denotar? convite ao indivíduo para este tomar parte
na produção artística, por meio da ressig-
Como estamos tratando da interpreta- nificação da vida, ao propor outras formas
ção de texto, cada detalhe pertinente à de interação com o outro, rompendo pa-
ação deve ser verificado, a fim de perce- radigmas, e esforçando-se para produzir
ber qual discurso está sendo produzido. outros discursos sobre a realidade. Quan-
to a esse aspecto, destacamos o artigo 27
Considerações finais da Declaração dos Direitos Humanos que
diz: “toda pessoa tem o direito de tomar
“O corpo é o lugar onde as coisas acontecem” parte livremente na vida cultural da co-
Marina Abramovic munidade, de fruir as artes e de participar
no progresso científico e nos benefícios
A definição de linguagem proposta por que deste resultam” (ONU, 1948, art. 27).
Wittgenstein é destacada no texto de En-
demann e Tourinho (2007) como ação ou Compreendemos que a performance, ao
“forma de vida”. Assim, podemos concluir ser capaz de trazer à tona a expressão de
13 Do francês: ofício profissional.

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sentimentos diversos, expõe a fragilidade nos diz algo sobre a sociedade, nossos pa-
humana, fator que sobremaneira promove râmetros de comportamento e convenções.
o processo de identificação entre os indi-
víduos, responsável por suscitar também Concluímos que, ao atingir e inquietar um
sentimentos como fraternidade e tolerân- grande número de pessoas, entre partici-
cia, assim, ascendendo aos valores, ou pantes e interessados, a performance “The
proferimentos constatativos presentes na artist is present” foi capaz de transformar os
Declaração Universal dos Direitos Huma- indivíduos, no sentido de ser motor poten-
nos, conforme explicitado anteriormente. cial para promover a reflexão destes sobre
Resta a questão: seria o fator transforma- seu comportamento, o outro, e a construção
dor da experiência a própria Marina, ou da realidade que somos obrigados a com-
o formato de encontro proposto por ela? partilhar cotidianamente. A obra também
promove o proferimento performativo de um
Não sabemos se a ação deslocada de seu discurso pela tolerância, de resistência às
ambiente convencional, ou seja, num local convenções pré-determinadas, seja sobre
que não carrega o status de lugar onde a a forma de interação entre os indivíduos ou
arte acontece, seria capaz de ativar esse sobre as formas que concebemos o tempo-
processo tão singular. Porém, a experiência -espaço; enseja o sentimento de alteridade
em si do encontro, mesmo na vida cotidia- e o reconhecimento do outro como igual em
na, é compreendida como capaz de produzir sua humanidade, além disso, proporciona a
resultados não imaginados ou esperados. vivência da liberdade por meio do ato criativo.

Compreendemos que a performance “The Recebido em: 14/09/2015


artist is present” deflagra uma qualidade Aceito em:26/01/2016
própria de interação entre falante e ouvin-
te, que produz uma imagem e um discurso Referências Bibliográficas
sobre a vida, a arte e a realidade. Permite
a reconfiguração de papéis, atravessando AUSTIN, J. Quando dizer é fazer.
as identidades, espaço onde o especta- Trad. Danilo Marcondes de Souza Fi-
dor torna-se artista, trabalhando dinamica- lho. Porto Alegre, Artes médicas, 1990.
mente as qualidades de inclusão/ exclu-
são desses indivíduos num determinado COHEN, Renato. Performance como lingua-
contexto e papel social, e, assim, segue gem - criação de um tempo-espaço de expe-
em direção à desconstrução de concei- rimentação. São Paulo: Perspectiva, 2002.
tos e convenções apreendidos na tenta-
tiva de esgarçar os limites de compreen- DEBRIX, François. Language, agency
são da vida, da arte e sobre a realidade. and politics in a constructed world. New
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É interessante destacar que Marina Abramo-
vic conseguiu repercussão estrondosa com ENDEMANN, Peter; TOURINHO, Emmanuel
esse trabalho, e esse fenômeno nos leva a Zagury. Linguagem e Instituições Sociais em
inquirir se o interesse da mídia e das pessoas Skinner e Austin. In: Acta Comportamenta-
por essa obra, e mesmo sobre sua pessoa, lia. Vol.15, num. 2., Belém do Pará: Univer-

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Thaís Eleutério Miranda de Oliveira
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