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Erramos, com efeito, do espectador para a imagem, da alma interior para o fantastico exterior. 0 universo do ci- nema deriva genética e estruturalmente da magia, sem que isso seja magia; deriva da afectividade sem também ser subjectividade.... Musica... Sonho... Fiegdo... Universo fluido... Reciprocidade micro-macrocdsmica... tudo isto so termos que de certo lhe convém, sem que nenhum inteira- mente Ihe quadre. Fol um verdadelro fluxo afectivo-magico o que impul- sionou e animou a cAmara em todos os sentidos, abrindo, de plano a plano, um série de brechas na imagem objec- tiva, Eilo que surde e transborda, ei-lo que surge e irrompe, arrasta e mistura a caracteristica subjectiva da recor- dagio com a caracteristica magica do duplo, e duracio bergsoniana ¢ a metamorfose, o animismo eo estado de alma, a miisica e os objectos reais. Que imperative o ar- rasta? Para o encararmos em profundidade ha que descermos, mais profundamente, as estruturas subjectivas da magia. ‘Na verdade, de algo, porém, nos apercebemos jé: em- bora lhe parega oposta,.sempre a magia nos surge como 0 outro pélo do sentimento subjectivo, o pélo alienado, exte- riorizado, solidificado, identificavel... Sentimento, musica, sonho, magia: hé em tudo isto algo de tnico, se bem que a varios planos de diferenciacdo. E no teremos jé visto que entre as mals elementares estruturas do cinema, as suas estruturas quase-subjectivas, existia sempre uma relagiio? Capitulo 1V A ALMA DO CINEMA A magia nao tem esséncia: verdade estéril, se se tratar simplesmente de observar que a magia é iluséio. Urge in- vestigar os processos que dio corpo a esta ilusio... Alguns deles foram j4 vistos: sio o antropomorfismo e © cosmomorfismo, que inoculam, reciprocamente, a humant- dade no mundo exterior e o mundo exterior no homem in- terior. ‘A. PROJECCAO-IDENTIFICACAO Se formos até as fontes do antropomorfismo ¢ do cos- momorfismo, desvendar-se-nos-4, progressivamente, a sua fundamental naturesza energétiea: projecgdo e identifi- cago. » A projecgio é um proceso universal ¢ multiforme, As nossas necessidades, aspiragGes, desejos, obsessbes, receios, projectam-se, nfio s6 no vicuo em sonhos e imaginacao, mas também sobre todas as coisas e todos os seres. Os relatos contraditorios de um mesmo acontecimento, ca- téstrofe de Le Mans ou acidente de viaggio, batalha do 106 EDGAR MORIN Soma ou cena caseira, traem, muitas vezes, deforma- es mais inconscientes que intencionais. A critica his- torica ou psicolégica do testemunho revelanos que as nossas percepgées, por mais elementares que sejam, como a percepgio da estatura de alguém, so, ao mesmo tempo, confundidas e trabaihadas pelas nossas projecgdes. Por mais diversas que sejam as formas e os abjectos, © processo de projeccio pode tomar o aspecto de auto- morfismo, de antropomorfismo ou de desdobramento, No estidio automérfico—o tnico, de resto, que até agora interressou 05 observadores de cinema — «atribul- mos a alguém, que entretanto vamos julgando, as tendén- clas que nos so proprias» (Fulchignon!) —tudo é puro Para os puros ¢ impuro para os impuros. Numa outra fase, aparece o antropomorfismo, em | que fixamos nas coisas materiais e nos seres vivos «tra- gos de caricter ou tendéncias» propriamente humanas. Numa terceira fase, este puramente imaginéria, atinge-se 9 desdobramento, isto é, a projecgio do nosso proprio ser individual numa visio alucinatoria em que 0 nosso es- pectro corporal nos aparece. Antropomorfismo e desdo- bramento séio, de qualquer forma, os momentos em que 4 projeccdo passa ® alfenac&o: os momentos magicos. Mas, como © notou Fulchignoni, o desdobramento encontra-se j& em gemme na projeccZo automérfica. Na identificacio, o sujeito, em vez de se projectar no , absorve-o. A identificacdo «incorpora o meio am- biente no proprio eu» e integra-o afectivamente (Cressey). ‘A identificacdo com outrem pode vir @ acabar na «posser do sujeito pela presenca estranha de um animal, de um feiticeiro ou de um deus. A identificagéo com o mundo pode expandir-se num cosmomorfismo, em que o homem se sinta e ereia microcosmo. Este iltimo exemplo, em que com- plementarmente se desenvolvem o antropomorfismo e 0 cos- © CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO 107 momorfismo, revela-nos que projecgéio € identificacdio se encontram interligadas no seio de um complexo global. A mais banal «projecgiio» sobre outrem—o «eu ponho-me no seu lugare —é j& uma identificago de mim com o ou- tro, identificacdio essa que facilita e convida @ uma iden- tifieagdo do outro comigo: esse outro tomnou-se assimi- lavel. Nao basta, pois, isolar a projecciio de um lado, a iden- tificaggo do outro e, por ultimo, as transferéncias reci- | procas. # necessirio considerar igualmente 0 complezo de | Projecgdo-identificagao, 0 qual implica essas mesmas trans- | feréncias, £ o complexo projecc&o-identificagéo-transferéncia que comanda todos os chamados fenémends psicolégicos subjectivos, ou seja, os que traem ou deformam a reall- dade objectiva das coisas, ou entio se situam, delibera- damente, fora desta realidade (estatlos de alma, deva- nelos). Comanda igualmente—sob a forma antropo-cosmo- mérfica—o complexo dos fenémenos magicas: do duplo, da analogia, da metamorfose. Por outras palavras, o estado subjectivo e @ coisa mé- giea sfio dois momentos da projeccHo-identificagéo. Um 0 momento nascente, fluido, vaporoso, «inefavel». O outro € 0 momento em que a identificagéo € tomada a letra, substancializada; o momento em que a projecefo alienada, desgarrada, fixada, fetichizada, se coisifica: em que se cré verdadelramente nos duplos, nos espititos, nos deuses, no feltico, na posse, na metamorfose. ‘© sonho vem-nos mostrar que néo hi solugdo de continuidade entre a subjectividade e a magia, pois que ele é subjectivo ou mégico conforme a altenancia do dia e da noite. Até acordarmos, as projeccdes parecer-nos-io reais. Até adormecermos, rir-nos-emos de sua subjectivi- 108 EDGAR MORIN dade, O sonho mostra-nos como os processos mais intimos se podem alienar até a colsificagdo, e como esta allenacdo pode reintegrar a subjectividade. A esséncia do sonho é a © subjectividade, O seu ser é a magia. & que o sonho 6 pro- JeccHo-identificacao em estado puro. Quando os nossos sonhos —os nossos estados subjec- tivos—se desligam de nds para fazerem corpo com o mundo, di-se 2 magia. Quando uma falha os separa de nés, ou eles néio se conseguem suster, dé-se a subjectivi- dade: o universo magico a visio subjectiva que se cré real e objectiva. Reciprocamente, a visio subjectiva 6 a isfio mAgica: no estado nascente, latente ou atrofiado. Nao 6 senio a alienacao e a reificacdo dos processos psi- qulcos postos em causa o que diferencia a magia da vida interior. Uma provoca a outra. Esta prolonga aquela, A magia 6 a concretizagéo da subjectividade. A subjectivi- dade ¢ a seiva da magia. » Historicamente, 6 a magia o primeiro estadio, a visio | cronoldgicamente primeira da crianca ou da humanidade nna sua infancia, e, em certa medida, do cinema: tudo co- mega, sempre, pela alienacéo... 4 ‘A evelugho—quet do individuo, quer da, raga — tend | a desmagificar o universo e a interiorizar a magia. & certo que subsistem enormes redutos de magia, tanto na vida | piblica como na vida privada, aglutinados em volta dos | tabus do sexo, da morte, do poder social. Também & certo | | que as regressées psicoldgicas (neuroses individuals e co- lectivas) fazem incessantemente ressuscitar a antiga ma- gia. Mas no que respeita ao essential o duplo desmateria- liza-se, definha, esfuma-se, entra no corpo, localiza-se no coracdo ou no cérebro, torna-se alma, A magia deixou de ser uma crenga tomada a letra para se tomar sentimento. A consciéncia racional e objectiva obrigou a magia a recuar até & sua toca, E assim, de uma assentada, se hipertrofia & 0 CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO 109 a vida «interior». e afectiva, A magia no s6 corresponde a uma visio pré-objectiva do mundo, como também a um estado pré-subjectivo do fluxo de afectividade, a uma inun- dagio subjectiva. O estédio da alma, a expresstio afectiva, vem sucederse ao estédio magico. O antropo-cosmo- , morfismo, que jé ndo consegue suster-se no real, bate asas | para o imagindrio, | ‘A PARTICIPACAO AFECTIVA Entre a magia e a subjectividade estende-se uma ne- bulosa incerta, que ultrapassa o homem sem contudo dele se desligar, e cujas manifestagdes assinalamos ou designa- mos com as palavras alma, coragio ou sentimento, Este | magma, ligado a uma e a outra, nfo é nem a magia nem a subjectividade prdpriamente ditas. & 0 reino das pro- jecgdes-identificagdes ou participagbes afectivas. 0 termo participacéo vem coincidir exactamente, no plano mental e afectivo, com a nogéo de projecgio-Kentificactio. Por isso os empregaremos indiferentemente. . A vida subjectiva, a alma intima, por um lado, e a alienacdo, a alma animista, por outro, polarizam as par- ticipagées afectivas, embora estas possam englobar, diver- samente, tanto umas como outras. Dissemos nés que a magia néo se deixa reabsorver intelramente pela alma, ¢ que esta 6 por si propria, um resfduo semifluldo, semi- rificado da magia, Depois do estéidio mégico, temos o estédio da alma, ‘Fragmentos intelros de magia subsistem, que 0 estadio da alma nao dissolve, mas integra de maneira complexa. A intensidade da vida subjectiva ou afectiva vem ressus- citar @ antiga magia, ou antes, suscitar uma nova magia, ‘Num violento sobressalto de energia, as sulfataras tornam- 0 EDGAR MORIN -se vuledes & projectam matéria, Sartre soube notar que a emogio se pode converter, por si propria, em magia. Nao ha exaltacéio, lirismo ou impulso que nfo tome, ao manifes- tarse, uma cor antropo-cosmomérfica, O lirismo, como nos mostra a poesia, serve-se naturalmente das mesmas vias ¢ linguagem que a magia, A subjectividade extrema realiza-se, bruscamente, em magia extrema. Da mesma forma, o cimulo da visio subjectiva 6 a alucinagdo— que a objective. ‘A zona das participacdes afectivas ¢ a zona das pro- jecodes-identificages mistes, incertas, ambivalentes. E igualmente é a do sincretismo mégico-subjectivo. Vimos j4 que onde magia 6 manifesta, é a subjectividade latente, e que onde a subjectividade é manifesta é a magia latente. Nesta zona, nem magia nem subjectividade séo totalmente manifestas ¢ latentes. ‘Assim desenvolve a nossa vida de sentimentos, de de- sejos, de receios, de amizade, de amor, toda a gama de fe- némenos de projeccdo-identificagdo, desde os estados de alma inefavels as fetichizagées mégicas. Basta conside- rarmos © amor, projeccfio-identificacdo suprema; identit camo-nos com 0 ser amado, com as suas alegrias e tris- | tezas, sentindo os seus préprios sentimentos; nele nos projectamos. isto €, identificamolo connosco, amando-o_ ‘com todo o amor que a nés proprios dedicamos. As suas” fotografias, as suas bugigangas, os seus lengos, a sua: casa, tudo esté penetrado pela sta presenca. Os objectos inani- mados esto impregnados da sua alma’ obrigam-nos a amé- los. A particlpagio afectiva estentie-se, assim, dos seres as coisas, reconstituindo as fetichizagdes, as veneragées, os cultos. Uma ambivaléncia dialéctica liga os fenémenos do coracéo e as fetichizagées. O amor é um exemplo quo- tidiano disso. ‘A participaco afectiva arrasta, pols, consigo uma ma- 0 CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO w gia residual (nfo ainda totalmente interiorizada), uma magia renascente (provocatia pela exaltagSo afectiva), uma profundidade de alma e de vida subjectiva... Po- demos também compar4-la a um meio coloidal onide se en- contrassem em suspenséo mil concrecdes magicas... Ainda aqui h4 que recorrer & nogiio de complezo. Podemos agora esclarecer, reciprocamente, magia, sub- jectividade e participagio afectiva. Podemos trazer alguma Tuz @ essa enorme zona de sombra—em que reinam as ragbes que a razio desconhece, em que as ciéncias do homem preferem ainda desprezar por ignorancia a igno- rarem por despeito. Podemos agora acrescentar 4 compreensio que ad- quirimos uma nova compreensio da metamorfose do cinematégrafo em cinema. A magia manifesta, a magia de Méliés, de G. A. Smith e seus imitadores, nfo sé se nos apresenta como um ingénuo momento de infancia, mas também como o desabrochar primeiro e natural, no seio da imagem objectiva, das potencialidades afectivas E, por outro lado, podemos agora desmascarar a magia do cinema, reconhecer as sombras nele projectadas, os hie- réglifos da participagdo afectiva. Melhor: as estruturas ‘magicas deste universo tornam-nos reconheciveis, sem equi- voco, as estruturas subjectivas. fr Indicam-nos elas que todos os fendmenos do cinema | tendem a conferir as estruturas da, subjectividade & ima- | gem objectiva; que todos eles poem em causa as partici | 'pagdes afectivas. & a amplitude destes fenémenos que “ convém avaliar; silo os mecanismos de excitagéo que con- vém analisar. ( uz EDGAR MORIN ‘A PARTICIPAGAO CINEMATOGRAFICA Por muito suméria e, ao mesmo tempo, longa que tal ‘andlise posse ser, torna-se contudo necessirla para evitar certas puerilidades por demais correntes. Os processos de projeccdo-identificagéo que no émago do cinema se desen- volvem, desenvolvem-se também, evidentemente, no selo da vida, & conveniente. assim pouparmo-nos a alegria jourdainesca de os vir a descobrir no écran. Os comente- ores ingénuos, e mesmo espiritos tao penetrantes como Balazs, créem que a identificaco ou a projeceéo (sempre examinadas separadamente do resto) nasceram com o filme. Da mesma forma que, sem diivida, cada um eré ter inventado o amor. A projeccdo-identificagio (participagio afectiva) de- sempenha continuamente o seu papel na nossa vida quo- tidiana, privada e social. Jé Gorki admirivelmente evo- cara «a realidade semi-imaginaria do homem». A segui mos Mead, Cooley ou Stern, confundiriamos mesmo a par- ticipacio imagindria e a participagio social, 0 especté: culo e a vida, O role taking e a personation comandam as relagdes entre as pessoas. Temos uma personalidade de confecgilo, ready made. Vestimo-la como se veste um fato e vestimos um fato com quem desempenha um papel. Re- presentamos um papel na vida, néo 36 perante os outros, mas também (e sobretudo) perante nés proprios. O ves- tuario (esse disfarce), o Tosto (essa mascara), as pala- vras (essa convencdo), o sentimento da nossa importéncla (essa comédia), tudo isso alimenta, na vida corrente, esse espectéculo que damos a nés proprios e aos outros, ou seja as projeccées-identificagdes imagindrias. ‘Na medida em que identificamos as imagens do écran com a vida real, pomos as nossas projecgdes-identificagdes 0 CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO 13 | referentes & vida real em movimento, Em certa medida vamos 14 efectivamente encontré-las, o que aparente- mente desfaz a originalidade da projeceio-identificagio | cinematogrifica, se bem que, na realidade, a revele. Por que | razio, de facto, deparamos com elas? Néo b& mals que | Jogos de sombra e luz, sobre o écran; sé num processo de | projeccdo é susceptivel identificar as sombras com coisas |e seres reais © atribuirdhes essa realidade que téo evi- dentemente Ihes falta na reflexio, ainda que muito pouco na visio, Um primeiro e elementar processo de projecciio- “ “$dentificagdo vem, pols, conferir 8s imagens cinemato- grificas realidade suficiente para que as projeccdes-iden- tificagdes ordinérias possam entrar em jogo. Por outras palavras, ha um mecanismo de projeccdo-identificagio na orlgem da percepetio cinematogréifiea, Por outras palavras ainda, a partictpacio subjectiva aproveita no cinematé- grafo 0 caminho da reconstituicio objectiva. Nao pos- suimos contudo, ainda, bagagem suficiente para atacar de [frente este problema essencial*, Contornemo-lo provi | sdrlamente, limitando-nos a verificar que a impresstio de | vida e de realidade propria das imagens cinematogréficas | 6 inseparével de um primeiro impulso de participagéo. ~ Foi, evidentemente, na medida em que os espectadores do cinematégrafo Lumiére acreditaram na realidade do combéio avangando para eles, que se assustaram. Na me- dida em que viram «cenas de um realismo espantoso» & que se sentiram, ao mesmo tempo, actores e espectatlores. Desde a sessfio de 28 de Dezembro de 1895, que H. de Parville notou, com uma simplicidade definitiva, o fenémeno da projeccdo-identificacio: «perguntamos a nés priprios se + Ch. Caps. Ve VI. a EDGAR MORIN somos simples espectadores, ou actores de cenas de tio espantoso realismo». Foi esta, incerteza, por pouco que fosse, vivida du- rante as primelras sessbes: pessoas fugiam gritando porque um vefculo avangava sobre elas; senhoras desmaiavan. Mas néo tardaram a cair em si: o clnematégrafo acabava de surgir numa civilizacdo onde @ consciéncia da irrealidade da imagem estava de tal maneira enraizada, que a imagem projectada, por mals realiste que fosse, nunca podia ser considerada como priticamente real. Ao contrario dos pri- mitivos, que terlam aderido totalmente ao realismo, ou antes, 8 surrealidade pratica da visdo (duplos), o mundo evoluido néo podia distinguir mais do que uma imagem na imagem mais perfelta. Apenas «entiu» a «impression da realidade. Por isso também a erealidader das projecgées cine- matogrificas, no sentido pratico desse termo, se acha des- valorizada, O facto de o cinema no passar dum especté- culo reflecte essa desvalorizacao. A qualidade do especté- culo, ou digamos mais amplamente, a qualidade estética, no seu sentido literal, que vem a ser aquilo que & apreen, dido (digamos o afectivamente vivido, por oposigio 20 praticamente vivido), evita e enfraquece todas as conse- quénctas priticas da participacio: deixa de haver qual- quer risco ou compromisso, para o piiblico. Em todos os espectéculos, mesmo quando hé risco pata o actor, o pu- bileo, em principio, encontra-se livre de perigo, livre de ser atingido. Esta fora do aleange do combolo que chega, ‘ao écran, 0 qual esté presentemente a chegar, mas num presente que se encontra fora do alcance do espectador. Este, se bem que assustado, sente-se tranquilo. O espec- tador do cinematégrafo niio s6 esta fora da acco, como sabe que a ac¢io, embora real, se processa, actualmente, fora da vida pratica... 0 CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO ~ us A realidade atenuada da imagem vale mais do que realidade nenhuma, isso quando o cinematégrafo nos poe, como dizia Méliés, «o mundo ao alcance da mio». Capitais estrangeiras, continentes desconhecidos e exéticos, ritos e costumes bizerros suscitam, talvez a0 desbarato, as par- ticipagdes cdsmicas que tio agradével seria viver-se na pratica — viajando— mas que praticamente esto fora do aleance. Se bem que desvalorizada na pratica, a realidade atenuada da imagem vale mais, em certo sentido, que urna realidade perigosa — uma tempestade no mar, um acidente de automével— visto permitir saborear, moderada & certo, mas inofensivamente, a embriaguez do perigo. Mais ha mais, como vimos. A imagem cinematégrafica, a que falte a forga probatéria da realidade pratica, detém um tal poder afectivo que justifica um espectéculo. A sua realidade pratica desvalorizada corresponde uma realidade afectiva eventualmente acrescida, realidade essa a que cha- mamos 0 encanto da émagem. As participagdes cosmicas a0 desbarato ¢ 0 aumento afectivo da imagem, misturados © ligados, mostram-se suficientemente fortes para fixar, logo de comego, em espectéculo, a nova invenc&o. O cinema- togratol nfio 6, pols, mais que um espectéiculo, mas € es- pectéiculo. | Ocinematégrafo dispée do encanto da imagem, ou se}a, renova ou exalta a visto das coisas banals e quotidianas. ‘A qualidade implicita do duplo, os poderes da sombra ¢ uma certa sensibilidade & fantasmagoria, vém reunir os seus prestigios milendrios no selo da ampliacdo fotogénica, e atrair as projecgdes-Identificagées imagindrias melhor, muitas vezes, que a propria vida pratica. O arrebatamento provocado pelo fumo, pelos vapores e ventos, e a alegria in- génua de reconhecer lugares familiares (j4 detectével na alegria provocada pelo postal ilustrado e pela fotogra- fia) traem claramente as participagdes que o cinematé- 16 EDGAR MORIN grafo Lumitre excita, Depois do Port de la Ciotat, nota Sadoul, «os espectadores evocavam as suas excursoes e di- iam ao filhos: vais ver, é exactamente assim». Lumiere revela desde as primelras sessOes os prazeres da identi- ficagio © @ necessidade do reconhecimento; aconselha os seus operadores @ filmar as pessoas na rua e chega ao onto de Ihes dizer que finjam estar @ filmar para «as convidar a representarem». Como prova da intensidade dos fenémenos cinemato- gréficos de projeccdo-identificagéo podemos citar a ex- perléncia de Kuleshov, que nao tem origem ainda nas téc- nicas do cinema, Kuleshov dispés sucessivamente 0 mesmo grande plano «estdtico e completamente Inexpressivov de Mosjukine, diante de um prato de sopa, de uma mulher morta e de um bébe risonho; os espectadores wentusias- mados com o jogo fisionémico do artista», viram-no suces- sivamente exprimir fome, dor e doce emogio paternal’, % certo que hé apenas uma distingdo de grau entre estes efeitos projectivos e os da vida quotidiana, ou as do teatro: estamos habituados a ler édio e amor nas caras vazias que nos rodeiam. Mas ha outros fenémenos que nos confirmam, que o efeito Kuleshov é particularmente vivo no éeran. Podemos assim por j4 no activo do cinematégrafo os falsos reconhecimentos, em que a identificagao vai até a um erro de identidade, como por exemplo quando o rei de Inglaterra se reconheceu na Teportagem da sua coroacdo composta, num estiidio. © cinematégrafo velo determinar um espectéculo por- 3 Padovkine descreve a experiéncia em +A montagem © o som, Le Magasin du Spectacle. pp. 10-11. «Os especiadorcs (..) sublishando os cus senlimentos de profunds melafcolia, suscitados pela sopa esquecida, mostravamvse tocados © comovidos pelo profundo desgosto com que con siderava a morte, © admiravam 0 sortiso doce com que vigiava as brin- ccadsiras da meni & 0 CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO a7 que excitava j a participacdo. Como especticulo insti- tucionalizado, mais ainda a excitou. O poder de partici- Pagio formou bola de neve; veio revolucionar o cineme- ‘tografo e, ao mesmo tempo, projecté-lo para o imaginario. Em todo o espectéculo, dissemos és, encontrase 0 espectador fora da acco, privado de participagSes pré- ticas. Estas, sendo totalmente aniquiladas, séio pelo menos atrofiadas e canalizadas em simbolos de eprovacdo (aplau- sos) ou de recusa (assobios), de qualquer maneira impo- tentes para modificar o curso interno da representacdo. © espectador nunca passa A acco; manifesta-se, quando muito, por gestos on sinais, A auséneia ou o atrofiamento da participacaio motriz, prética ou active (cada um destes adjectivos tem mais valor ‘que os outros, segundo o seu caso particular), esté estreita- mente, ligada participac&o psiquica e afectiva. Nao po- dendo exprimir-se por actos, a participagiio do espectador interloriza-se. A quinestesia do espectéiculo escoa-se na coenestesia do espectéculo, isto é, na sua subjectividade, arrastando consigo as projecgées-identificagdes. A au- séncla de participagio pratica determina portanto uma, participagéo afectiva intensa: operam-se verdadeiras trans- feréncias entre alma do espectador e o espectaculo do écran. Correlativamente, @ passividade, a impoténcia do es- pectador, colocam-no em situacdo regressiva. O espectaculo serve de ilustragdo a uma lel antropologica geral: todos nos nos tornamos sentimentais, sensiveis ¢ lacrimejantes logo que nos vernos privados dos nossos meios de acco: o SS desarmado tanto soluga pelas suas vitimas como pelo seu canario, @ ctiminoso de longa data torna-se, na prisio, poeta. O exemplo do cirurgiao que desmaia perante o filme de uma operagio revela-nos bem o sentimentalismo que & impoténcia, de repente, excita. & por se encontrar fora o 18 EDGAR MORIN da vida pritica, desprovido dos seus poderes, que o médico entio sente o horror da carne posta a nu e torturada: exactamente como um leigo o faria perante a operacao real. ‘Em situacio regressiva, o espectador, infantilizado, como se estivesse sob 0 efelto de uma neutose artificial, vé o mundo entregue a forcas que Ihe escapam. # esta a razio Porque, no especticulo, tudo passa facilmente do grau afectivo eo grau mégico, De resto, é na passividade-limite —no sono—que se exageram as projeccées-identiti- cages, a que se chama entéo sonhos. Como espectéculo, o cinematégrafo Lumiére excita a Projeegiio-identificacdo. Apresenta j4 além disso uma si- | tuagilo espectatorial particularmente pura, pelo facto de | estabelecer a maior segregagSo fisica possivel entre 0 es- \ pectador e o espectéculo: no teatro, por exemplo, a pre- | senga do espectador pode vir a reflectir-se no desempenho | do actor, e assim contribuir para a unicidade de um acon- eee sujeito ao acaso: o actor pode esquecer-se do | papel ou sentir-se mal. Néo é possivel dissociar 0 ambi- | ente e o cerimonial do caracter actual, vivido, que toma | @ Tepresentac&o teatral. No cinematégrafo, a auséncia fi- sica dos actores, assim como das coisas, toma impossivel | qualquer acidente fisico; nada de cerimoniais, quer dizer, nada de cooperacdo pratica entre o espectador e 0 espec- téculo. ‘Ao construir-se a si proprio, construindo, inclusivé, ‘as suas prdprias salas, amplificou o cinema certas carac- teristieas para-on{ricas favordveis as projeccdes-identifi- cagées. yg A obscuridade era, para a participacio, um elemento, ‘no necessério (o que se vé aquando das projeccdes pu- bilcitérias, nos intervalos) mas ténico. A obscuridade foi organizada para isolar o espectador, para o «embrulhar em negro» como disse Epstein, para dissolver as resistencias © CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO 119 diurnas e acentuar todo o fascinio da sombra, Falou-se do estado hipnético; digamos antes simili-hipnétieo, pois que o espectador no dorme. Mas embora o niio faga, con- cede-se cadeire onde esté sentado uma atencéo da qual nfo beneficlam os outros espectéculos, que evitam um conforto entorpecedor (teatro) ou o desprezam mesmo, (estadios): 0 espectador poderé ficar, assim, meio esten- dido, numa atitude propicia 4 descontracgdo € favorével ao devaneit El-lo, pois, isolado, mas isolado no seio de uma grande gelatina de alma comum, de uma participagéo colectiva que mais amplifica a sua participagéo individual. Estar, a0 mesmo tempo, isoladio e em grupo: duas condigGes con- ‘traditérias e complementares, favordveis & sugestio. A televisdo caseira niio beneficia desta enorme caixa de ressoniincia: expde-se & luz, entre os objectos priticos, a individuos cujo mimero dificilmente chega para formar grupo (€ por isso que nos Estados Unidos as pessoas se con- ‘vidam para os tu-parties). Porém, o espectador das «salas obscuras» é quanto a ele, sujeito passive no estado puro, Nao tem qualquer poder, no tem nada para dar, nem sequer aplausos. Pa- ciente, suporta. Subjugado, sofre, Tudo se passa muito longe, fora do seu alcance. Mas ao mesmo tempo, e sem mais, tudo se passe dentro de si, na sua coenestesia psi- quica, se assim se pode dizer. Quando os prestigios da som- * pra e do duplo se fundem no écran branco de uma sala nocturna, perante o espectador, enfiado no seu alvéolo, ménada fechada tudo, excepto ao écran, envolvido na placenta dupla de uma comunidade andnima de obscu- ridade, quando os canais da accio se fecham, abrem-se entdo as comportas do mito, do sonho ¢ da magia. 120 EDGAR MORIN IMAGINARIO ESTETICO E PARTICIPAGAO A irrupeo do imaginario no filme teria de qualquer modo arrastado consigo, ainda que nio se tivesse dato a me- tamorfose do cinematégrafo em cinema, um acréscimo das participagdes afectivas. A obra de Yiegio 6 uma pitha radioactiva de projec- (Ges-identificagées. £ o produto objectivado (om situagées, acontecimentos, personagens, actores), reificado (numa obra de arte) dos «devaneios» e da «subjectividader dos {seus autores. Projeccio de projeccdes, cristalizagio de identificagdes, apresenta as caracteristicas allenadas ¢ coneretizadas da magia. Mas essa obra 6 estética, isto , destina-se a um espee- tador que continua consciente da auséncia de realidade prdtica do que esté a ser representado: a cristalizagio mé- gica reconverte-se pois, para este espectador, em subjecti- vidade e sentimentos, isto 6, em participagdes afectivas: Prokepberientiegser Reesto (artista) ‘er y ‘bra tgs Cingindi) Bspectador —~—_. ‘Um verdadeiro circuito energético permite reificar, em alta dose, as participagdes, para as retransmitir ao pUblico. Assim se opera, no seio do universo estético, por @ através das obras imagindrias, um vai e vem de recons- © CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO 12 trugdo magica, e um vai e vem de destruigéo magica, pelo sentimento, Vé-se, assim, como a obra de ficgdo ressuscita a magia, e como, ao mesmo tempo, a transmuta. Como, por conseguinte, tudo quanto dissemos sobre a magia do ci- nema se vai inscrever no quadro da lei geral da estética. / © imaginario estético 6, como todo 0 imaginario, 0 reno das necessidades e aspiragdes do homem, incarna- das ¢ situadas estas no quadro de uma ficgdo. Vai alimen- tar-se ds fontes mais profundas e intensas da participagdio afectiva e, por isso mesmo, alimentar mais intensas e pro- fundas participagdes afectivas. De 1896 a 1914, o encanto da imagem, as perticipagdes cosmicas, as condigées espectaculares da projecefio, o des- fraldar do imaginario, tudo se conjuga para suscitar e exaltar a grande metamorfose que iri fornecer ao cine- matdgrafo as proprias estruturas da participagdo afec- tiva, ‘A imagem cinematografica estava cheia, a rebentar, de participagdes afectivas. E, de facto, rebentou. Foi essa. enorme explosio molecular que deu origem ao cinema. A extrema imobilidade do espectador vem doravante juntar-se a extrema mobilidade da imagem, para cons- tituir o cinema, especticulo dos espectaculos. OS PROCESSOS DE ACELERAGKO E DE INTENSIFICAGAO As técnicas do cinema siio provocagies, aceleragies e intensificagées da projecedo-identificacio. O cinematografo restituia as coisas o seu movimento original. O cinema traz novos movimentds: mobilidade da cémara, ritmo da accfo e da montagem, aceleragdo do tempo, dinamismo musical. Estes movimentos, ritmos e 122 EDGAR MORIN ‘tempos também, por sua vez, se aceleram, se conjugam, se sobrepdem. Por mais banal que seja, qualquer fita de cinema é uma catedral de movimento. Despertos e provo- cados j& pela situagéo espectacular, os poderes de parti- cipagio so zurzidos pelos mil e um desdobramentos do movimento, Todas as maquinagSes da quinestesia se pre- cipitam partir dai. sobre a coenestesia, mobilizando-a. Quase todos os meios cinematogrificas se podem re- lacionar com uma modalidade do movimento, e quase todas as técnicas do movimento tendem para a intensidade. De facto, a cAmara, quer pelos seus movimentos pré- prios, quer pelos movimentos dos sucessives planos, pode permitir-se o nunca perder de vista, enquadrar sempre e por em destaque o elemento emocionante. Pode sempre fo- car em fungo da mais alta intensidade. As suas circun- volucdes, 2s suas miiltiplas preensées (diferentes Angulos de visio) em volta do sujeito, realizam, por outro lado, ume auténtica envolvéncia afectiva, Juntamente com técnicas quinestésicas, 20 mesmo tempo que determinadas por elas, foi-se utilizando téc- nicas de intensificacsio por dilatacéo temporal (cémara Ienta) ou espacial (grande plano). Tanto a condensagio do ‘tempo no beljo (divina «eternitiade do instante») como a condensagéo da visio num grande plano desse mesmo beljo, provocam uma espécie de fascinagio absorvente, aspiram e hipnotizam a participagéo. ‘Mexer e levar boca: sio estes os processos elementa- res pelos quais as ctiangas comecam a participar nas coisas que as rodeiam. Acariciar ¢ beljar sio os processos elementares da participacio amorosa... E sio, igualmente, 0s processos pelos quais o cinema apela para a partici pagiio: envolvéncias quinestésicas e grandes planos. A completarem os artificios intensificadores da qui- nestesia, da clmara lenta e do grande plano, tendem 0 CINEMA OU 0 HOMEM IMAGINARIO 3 igualmente as técnicas de realizagdo a exaltar e a pre- fabricar a participagiio do espectador. A fotografia exa- gera ou isola as sombras para engendrar a angustia. Quilovatios de luz eléctrica aureolam de espiritualidade face pura da estrela, Varias iluminagées hé a dirigir, a orientar, a canalizar tlumfnacdo afectiva. Da mesma forma, Angulos e enquadramentos submetem as formas 20 desprezo ou & estima, a exaltago ou ao desdém, A paixiio ‘ow A aversdio. Depois de ter sido proposto & admiragio pela contre-plongée, o guarda frustrado dos urindis vé-se humi- Thado, tornado 0 Ultimo dos Homens, pela plongée. Scander Beg, todo em contre-plongée, impée-nos a grandeza len- daria, Assim vém as maquinagées da realizagSo atrair e dar cor & emogio. Assim as maquinagées da quinestesia se precl- pitam sobre a coenestesia para a mobilizar. Assim tendem as maquinagées da intensidade afectiva a absorver recipro- ‘camente o espectaror no filme e o filme no espectador. ‘A misica do filme resume, 86 por sl, todos estes processos e efeitos. & por natureza quinestésica —ma- téria afectiva em movimento. Envolve e embebe a alma. Os seus momentos de Intensidade equivalem fe muitas vezes coincidem com o grande plano. & ela que determina o tom afectivo, que dé o 1d, que sublinha ‘com um trago (bem grosso) a emogiio e a acgéo. A miisica de um filme 6, de resto, como no-lo indicava a Quino- teca de Becce, um verdadeiro catélogo de estados de alma. Assim, quinestesia (movimento) e ao mesmo tempo coe- nestesia (subjectividade, afectividede), ela opera a uniéo entre o filme e 0 espectador e participa, com todo o seu Smpeto, a sua maleabilidade, os seus efliivies, 0 seu proto- plasma: sonore, na grande participacio. ‘A misica, dizia Pudovkine, «exprime a apreciagio subjectivan da objectividade do filme. Pode generali- 124 EDGAR MORIN zar-se esta formula a todas as técnicas do cinema, que } tendem, nio sé a estabelecer um contacto subjectivo, | como a criar uma corrente subjectiva. «O ritmo deste uni- | verso 6 um ritmo pslguieo, ealeuiado em relagko & nossa | afectividade» (B. Souriau). Técnicas de excitardo da participagao afeetiva Excitaglo afectiva Imagem ‘determinada pela ‘Sombra-Reflexo-Duplo fotografia 3 Mundo a0 aleance da mio animada Movimento real (inematografo Imaginitio Lumitre) Excitagao afectiva — Metamorfoses QUADRO EFEITOS DAS PARTICIPAGOES AFECTIVAS | Quatidade afectiva éa | Auto-reconhecimento tos Cinematogréficos| imagem (Wemores, vaidades, prazer) Gaemaloersieos) Penémenos Paamiib rebel. ona Sele Toe ‘amines L oc __. baa aaa pee Oo eggmme Pe eee a ge ise ce indvtsues | Indivdos a Varios | Alaina ‘a , trastertacias Mow nope. ss Comeetics Coins, ebjean er rojegi | Acontsnentn Miso sldentifieagdes | Actos Polimérticas | Paisagens

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