Na clínica médica é comum estabelecer relações entre a especificidade dos
sintomas e a identificação de um diagnóstico. Porém, esse determinismo é enganoso na clínica analítica, uma vez que a causalidade psíquica procede por outras vias que não as cadeias habituais de interações de causas e efeitos. Já que não existe inferência estável entre as causas psíquicas e os efeitos sintomáticos. Assim, é preciso estruturar nossas explicações segundo ordens de pensamentos lógicos e romper com a lógica do determinismo. As atualizações do inconsciente devem ser identificadas exclusivamente nas associações do discurso, porque é através dele que o sintoma aparece (Joël Dor, 1991 pág. 25-26). A clínica psicanalítica opera, segundo Ana Cristina Figueiredo e Ondina Maria (2000), a partir do que se apresenta da realidade psíquica nos desdobramentos da fala, da produção discursiva de um sujeito. O psicanalista não pode escuta-lo nem objetivamente, nem subjetivamente, este deve escuta-lo com uma atenção flutuante. Operando através de transferência, o psicanalista não trabalha como um leitor de fenômenos e sim como nomeador de um modo de incidência do sujeito na linguagem, ele tem que tentar entender o modo de incidência do sujeito perante o mundo. É na palavra do sujeito que começa o trabalho clínico, assim, o terapeuta deve olhar para além da fala deste, através do ego-realidade. (pág. 67) Os traços diagnósticos estruturais devem ser extraídos no registro da fala, pois eles são elementos estáveis que possibilita determinar uma possível estrutura. Esses elementos estáveis guiam o diagnóstico, uma vez que eles constituem marcas codificadas por os traços da estrutura que testemunha a economia do desejo. É devido à relação que o sujeito trava com a função fálica (função paterna) que sua estrutura psíquica será determinada. Segundo Lacan, citado por Joël Dor (1989) a função fundamental do Édipo aparece como coextensiva à função paterna, a qual deve ser entendida como algo distinto da presença paterna. Além disso, Lacan situa o complexo de Édipo ao nível de um limiar especifico do processo de maturação da criança. Este momento coincide com a época do estádio do espelho, onde se esboça para a criança um certo tipo de identificação tendo por pano de fundo uma relação de alienação especifica com a mãe (pág. 78). Antes do estádio do espelho, a criança não experimenta inicialmente seu corpo como uma totalidade unificada, mas como qualquer coisa dispersa. Inicialmente, tudo se passa como se a criança percebesse a imagem de seu corpo como a de um ser real de quem ela procura se aproximar ou aprender. Se no primeiro momento da fase do espelho evidencia claramente o assujeitamento da criança ao registro do imaginário, o segundo momento constituiu uma etapa decisiva no processo identificatório. A criança é levada a descobrir que o outro do espelho não é o outro real, mas uma imagem. Além dela não mais procurar apoderar-se da imagem, no geral seu comportamento indica que ela sabe, de agora em diante, distinguir a imagem do outro da realidade do outro. O terceiro momento do estádio do espelho dialetiza as duas etapas antecedentes, não somente porque a criança está segura de que o reflexo do espelho é uma imagem, mas porque adquire a convicção que é a imagem dela. Reconhecendo-se através desta imagem, a criança recupera assim a dispersão do corpo esfacelado numa totalidade unificada, que é a representação do próprio corpo. A imagem do corpo é, portanto, estruturante para a identidade do sujeito, que através dela realiza assim sua identificação primordial (Joël Dor, 1989 pág. 88). O primeiro momento do Édipo equivale ao terceiro tempo do espelho. Neste primeiro momento do Édipo, a criança mesmo já se esboçando como sujeito, mantém uma relação de indistinção quase funcional com a mãe. Ela busca identificar o que supõe ser o objeto de desejo da mãe. Deste modo, a criança fica na situação de se fazer objeto do que supostamente falta a mãe, ou seja, o falo. Assim, a criança no primeiro momento quer ser o falo da mãe. Já no segundo momento do Édipo há uma vacilação entre ser o falo da mãe ou ter o falo. Ocorre uma pressuposição de que uma outra coisa possa vir a fazer a intervenção, algo da ordem do pai. A criança vacila no inicio porque percebe que a mãe também esta inserida na lei do pai; o pai priva a mãe da criança, enquanto falo, e frusta a criança da mãe, apontando que esta é dele. É o momento em que a criança entende que essa lei não é particular, é para todos. Essa vacilação anuncia a intrusão da castração. O pai, por meio da metáfora paterna provoca a castração, a qual efetua assim, a separação entre a mãe e o filho, então, este passa a ser desejante (Joël Dor, 1989 pág. 79-83). O terceiro momento do Édipo é marcado pelo “declínio do complexo de Édipo”, segundo Joël Dor (1989). O tempo fundamental desta etapa é marcado pela simbolização da lei. A confrontação da criança com a relação fálica modifica-se de maneira decisiva; ela deixa a problemática do ser, para negociar a problemática do ter. Assim como a mãe, a criança estará inserida na dialética do ter: como elas não tem o falo podem desejar naquele que o detém (pág. 88). A estrutura histérica É com o pressentimento da castração que a criança descobre não ser e não ter o falo. O histérico interroga e contesta infatigavelmente a atribuição fálica em uma oscilação em torno desta “alguma coisa” que vai se desenvolver sob o fundo de uma indeterminação entre duas opções psíquicas: de um lado o pai tem, de direito o falo, e é por esta razão que a mãe o deseja junto a ele; por outro lado, o pai só o tem por dele privar a mãe. Assim, o histérico contesta, mas pelo pai ter o poder de privar a mãe, ele aceita a metáfora. Portanto, conduzido pela castração, o histérico é um eterno insatisfeito, que sempre reclama da falta de amor do pai e/ou da mãe, os culpados por ele não possuir o falo (Joël Dor, 1991). Segundo Joël Dor (1991), o sujeito histérico apresenta uma inclinação favorável aos sintomas de conversão. E também a histeria se caracteriza pela predominância da formação de sintomas fóbicos, mais frequentemente conjugados com estados de angustia. Assim, há três tipos de histeria, a de conversão, a de angústia e a traumática. Contudo, em qualquer um desses tipos, a economia do desejo histérico mantém-se fundamentalmente idêntico. Apenas quando a intervenção terapêutica consegue desmobilizar a economia neurótica do desejo, ou seja, leva-lo ao nível estrutural, para além das manifestações dos sintomas é que esta tem eficácia. Um importante traço da estrutura histérica esta relacionada a alienação subjetiva do sujeito em sua relação com o desejo do outro. O histérico procura sempre o olhar do outro, alienando-se ao desejo deste. Responde ao outro e não há ordem do seu desejo, por isso, logo perde o que quer. Regena sua satisfação em prol do outro, ou seja, investe no desejo do outro (Joël Dor, 1991). O falo é aquilo que o histérico se sente injustamente privado, ele não pode delegar a questão de seu desejo a não se aquele que é suposto tê-lo. Assim, o outro serve de suporte privilegiado aos mecanismos identificatórios. A identificação histérica encontra sua origem no principio desta alienação. O histérico se identifica com aquele que acredita ter o falo. A identificação histérica é sempre um artifício neurótico, uma cegueira que em nada contribui para a solução esperada. Isso só faz redobrar a economia neurótica insatisfeita do desejo. A identificação histérica pode, igualmente, se constituir a partir do modelo daquela que não tem e que se dedica a reinvidica-lo. Nesse caso, seria uma identificação militante, ou uma identificação de solidariedade (Joël Dor, 1991). O histérico não assume a falta, se assumisse haveria um apaziguamento. No entanto, ele acredita que algo irá preencher a falta. Essa questão de acreditar que algo irá preencher é que faz o histérico sofrer. Basta que o outro responda a alguns dos atributos que o histérico lhe atribui fantasmaticamente, para que se torne imediatamente o “eleito” diante do qual o histérico vai então poder desenvolver a cegueira própria aos impasses de seu desejo. Por mais que o eleito acolha está posição fantasmática por algumas manifestações reais de domínio, o histérico redobra então imediatamente sua economia neurótica (Joël Dor, 1991). No caso do histérico, sua mulher idealizada é aquela que é desejada e desejante. Uma mulher que esta sempre oferecida ao olhar fascinado e invejoso do outro, para que o sujeito possa investi-lo idealmente. Quando esta mulher põe-se a reivindicar sobre o modo do desejo, é que começa as dificuldades do histérico. Frente a esta situação o histérico fará uma reviravolta esforçando-se para que ele volte a ser atraente aos olhos do seu objeto de desejo. Esta reviravolta é marcada pela alienação do desejo em prol do desejo do outro, assim, o histérico se oferece como vitima pronta a tudo sacrificar por seu objeto idealizado (Joël Dor, 1991). Deste modo, podemos perceber que o que irá definir a estrutura de cada um, é a maneira como este lida frente à castração; determinando assim, os traços estruturais do sujeito.