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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 2

1. RESUMO DA OBRA: O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA .......................................... 3

2. O CAMINHO “ARDILOSO” DO DESEJO....................................................................... 5

3. ANALISE DO CONTO SOBRE A ÓTICA DE LACAN ....................................................... 6

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 9

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 10
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INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe abordar o conceito de desejo de Lacan presente no conto


“O conto da ilha desconhecida” de José Saramago, sobre a ótica que o desejo que move
o aparelho psíquico, que faz sonhar, dormir e acordar. É a fronteira entre a vida e a morte.
E mais; é o que faz com que o ser pense ou exista o desejo, ou seja, na teoria lacaniana o
desejo do sujeito, advém do desejo do Outro, este Outro é anterior ao sujeito, determinado
pelo simbólico.

Segundo Roza (1992), em Hegel, o desejo do homem é o desejo de um outro


desejante, como consciência. O desejo estaria aplicado numa luta pelo prestígio com o
outro, com o objetivo de ser reconhecido, este outro está presente, é contra quem se luta.
Em Lacan, o Outro se apresenta como inconsciente e inconsistente. Inconsistente no
sentido da falta, e é justamente, por esse motivo inscrita no Outro, que o Outro diz respeito
ao desejo do sujeito. A partir da falta no Outro, que se é levado a buscar aquilo que falta
no sujeito.

No conto será analisado o homem do barco sobre a perspectiva do desejo, ou seja,


o desejo de possuir um barco que o motivou a ficar em frente a porta das petições por
dias, assim como o seu desejo não era qualquer um dentre os outros súditos, e sim
extremamente importante, dessa forma solicita conversar com o rei para pedi-lo
diretamente.

Portanto será analisado o desejo do homem do barco sobre a ótica de Lacan, desde
o início do conto ao encerramento, sempre enfatizando a importância do desejo como
peça essencial para a construção do eu no indivíduo.
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1. RESUMO DA OBRA: O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA

O conto retrata a história de um homem do povo que foi à porta do rei fazer-lhe um
pedido inusitado que movimenta todas as esferas burocráticas vigentes no palácio, queria
um barco, e não um qualquer, o seu tinha que ser capaz de navegar mar afora para achar
ilhas desconhecidas (desejo). O rei a princípio não atendeu à solicitação (primeiro dava
ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, este chamava o
segundo-secretário, que chamava o terceiro, que mandava o primeiro ajudante, que por
sua vez mandava o segundo, e assim até chegar à mulher da limpeza, a qual não tinha
ninguém para mandar), mas dessa vez foi diferente, o autor do pedido insistiu em
permanecer na soleira da porta das petições por três dias seguidos, então o rei achou
melhor sair da porta dos obséquios e ir pessoalmente resolver o assunto.

O objetivo era ter um barco para viajar em busca da ilha desconhecida e o homem
estava determinado em alcançar e foi convicto em responder ao rei o que queria.
Aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam e a mulher da limpeza do palácio,
espiavam este corajoso homem que deixara o rei desconcertado fazendo-o sentar-se na
cadeira de palhinha da mulher da limpeza. Ninguém acreditava que havia alguma ilha
desconhecida, visto que todas já estavam nos mapas e pertenciam ao rei, no entanto,
resolveram intervir a favor do homem, mais para se verem livres dele do que por
solidariedade. O rei preocupado com o tempo que estava perdendo, concordou em dar-
lhe o barco, mas sem a tripulação. Assim que o homem partiu, a mulher da limpeza
resolveu sair pela porta das decisões, que é raro ser usada (quebra), e seguir o homem até
o porto. Ele nem desconfiava que já levava atrás de si uma tripulante. Chegando ao porto
pediu que o capitão lhe desse um barco que ele respeitasse e pudesse respeitá-lo para levá-
lo em busca de sua ilha desconhecida, onde nunca ninguém já tenha desembarcado e que
ele reconhecerá e saberá qual é quando lá chegar. O capitão deu-lhe um barco com
experiência, ainda do tempo em que toda a gente andava a procura de ilhas desconhecidas.

O homem saiu para recrutar a tripulação enquanto a mulher da limpeza cuidava da


faxina do barco. O sol havia acabado de sumir no oceano quando o homem que tinha um
barco voltou para o cais sozinho e cabisbaixo, pois não encontrou quem quisesse sair do
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sossego dos seus lares e da boa vida para se meterem em aventuras oceânicas, à procura
de um impossível. Mas o homem insistia em alcançar seu objetivo, desejava encontrar
esta ilha, sabia que ela existia, assim como sabe que o mar é tenebroso, apenas não a
conhecia, e quando nela estivesse sairia de si e saberia quem realmente era, porque às
vezes, é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não sairmos de nós
mesmos.

Os dois conversavam enquanto comiam a comida que o homem havia trazido,


depois acharam melhor irem dormir. O homem reparou na beleza da mulher da limpeza
que pensava que este só tinha olhos para o barco. Naquela noite o homem ficou a imaginar
se ela já dormia, depois imaginou que estava à procura dela e não a encontrava e que
estavam perdidos num barco enorme. O sonho muda às proporções das coisas e a sua
distância, separa as pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se veem uma à
outra, a mulher dormia a poucos metros e ele não sabia como alcançá-la, quando é tão
fácil ir de bombordo a estibordo.

Tinha-lhe desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar.
Sonhou que a sua caravela ia ao mar alto, abrindo caminho sobre as ondas, enquanto ele
manejava a roda do leme e a tripulação descansava à sombra. Buscou com os olhos a
mulher da limpeza e não a viu, e ele bem sabia, embora não entendesse como, que ela a
última hora não quis embarcar, porque pensava que ele só tinha olhos para a ilha
desconhecida, e não era verdade, agora mesmo os olhos dele estavam a procurá-la e não
a encontravam. Os marinheiros resolveram descer na primeira terra povoada que lhes
apareceu, o homem do leme assistiu a debanda em silêncio, não fez nada para reter os que
o abandonavam. Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os
corpos, e ao nascer do sol o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, em letras
brancas, o nome que ainda faltava dar a caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A
Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.
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2. O CAMINHO “ARDILOSO” DO DESEJO

É o sofrimento e as incerteza que conduzem um sujeito à análise, com isso o mundo


está repleto de sofredores, grandes sofredores que nunca falam de tal peso. Engolem a
dor, normalmente são sujeitos que se mostram descontentes, acolhedores hóspedes que,
de repente, se tornaram indesejáveis e veículos de incômodos na sociedade. Sabemos que
existem fatos que só acontecem com pessoas específicas e o desejo desse sujeito é
especifico, pois o sujeito é singular e único, o sintoma somente lhe é peculiar. Exatamente
o que ocorre com o homem do barco no conto a ilha desconhecida, um desejo especifico
que o impulsiona a ficar dias na porta da petição para falar diretamente com o rei e fazer-
lhe o seu pedido, assim não podemos nos esquecer que o desejo se articula em caminhos
“ardilosos”, como nos mostra o homem do barco.

O desejo do sujeito, em Hegel é um vazio, como dito anteriormente, a ser satisfeito


pelo objeto, é constituído, à medida que o objeto é transformado e incorporado. O objeto
poderá ser natural ou não, entretanto só existirá desejo humano, quando o objeto não for
natural. A fim de que se constitua um eu humano, é necessário o desejo de um outro, pois
o que se deseja é o desejo do outro.

O ser humano é desejo de desejos para Lacan. Esta é a sua natureza ontológica
essencial, o desejo não é apenas uma propriedade imaterial importante, porém
contingente, que o ser humano pode ter ou não. O ser de desejo é um fato proveniente de
achar-se o sujeito como indivíduo-em-relação, como um dos nós de uma grande rede, co-
partícipe de uma “sociedade de desejos se desejando mutuamente como desejos”. Ser “ser
humano” é ser mediatizado pelo desejo de um outro que se refere ao mesmo objeto.
Portanto, a propriedade imaterial que define o humano não se acha, segundo o raciocínio,
no seu interior, guardado na sua cabeça, como parte da sua mente, mas no lado de fora,
no encontro com o outro.
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3. ANALISE DO CONTO SOBRE A ÓTICA DE LACAN

E para ilustrar a busca pela completude, pelo desejo, pelo outro na qual o homem
vive até o suspiro final. Saramago cria a metáfora O Conto da Ilha Desconhecida (1998),
no conto há momentos de profundidade que aparentam superficialidade. Os personagens
são muito mais um retrato de suas funções sociais do que de suas características físicas.
Assim, o personagem principal, o desbravador de ilhas, é caracterizado apenas como o
homem que queria um barco, o homem que tinha um barco ou o homem do leme, e a sua
companheira como a mulher da limpeza, mas no decorrer da história, a aparente
simplicidade dos personagens se contrasta com a profundidade de seus pensamentos
(desejos), o homem sem nome vai à porta das petições do palácio, persistentemente,
requerer do rei, um barco para ir à procura de uma ilha desconhecida, Quando o rei
desconcertado por causa do “atrevimento” do homem, senta na cadeira de palhinha usada
pela mulher da limpeza, que era muito mais baixa e desconfortável que o trono, passa a
haver uma igualação do rei com um homem do povo, representado aí pelo homem do
barco. O homem estava diante de uma ordem social pronta para dizer não, mas ele
apresentou bons argumentos e no momento em que o rei disse que não daria o barco, ele
com firmeza e convicção falou: “Darás”.

Deste modo, o sujeito, em confronto com o Outro, é uma inclusão da aniquilação


do ser, da sua própria morte, do seu desaparecimento, na formação da subjetividade, a
construção de um novo homem em busca de seu desejo, nesse momento o homem do
barco realiza uma quebra do seu eu antigo com a construção do seu novo eu agora com o
seu barco (desejo), com isso verifica-se o poder de convencimento do homem em relação
à autoridade real foi tão contundente quanto sua certeza da existência da ilha. Percebemos
que para iniciar o processo de descoberta e transformação é necessário que o homem
derrube algumas barreiras, até mesmo aquelas que parecem estar muito acima dele, com
isso percebemos a tentação pelo desconhecido, ou melhor, pelo novo “desconhecido”.

Saramago, através desse conto faz uma metáfora da necessidade de fazermos a


nossa própria viagem em direção a nós mesmos, traz o passado até nós, lembrando o
período das grandes navegações para representar o sentido das descobertas humanas, a
busca de si mesmo, de seu mundo interior, ir onde nenhum outro jamais esteve e descobrir
verdades profundas escondidas na alma, esse é processo de domínio do objeto pelo
sujeito, é um movimento interpretado em termos de desejo. De desejo, ainda mais,
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dirigido a outro desejo: o desejo não deseja por si só, senão como “desejo do desejo do
outro”. Este desejo, tomado em si mesmo, antes de sua satisfação, conforme vemos
abaixo:

“Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer,


deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres
dizer que chegar sempre se chega (...)” (SARAMAGO, 1998, p.27).

Talvez não seja possível completar o seu desejo, mas devemos ter o desejo vivo,
mesmo diante de um naufrago, porque chegar sempre se chegar, Segundo Saramago, é
preciso acreditar que ainda existem ilhas a serem descobertas, ainda que só se consiga
chegar nela em sonho (ou seja, uma ilusão romântica). É cómodo viver o conhecido, o
novo é assustador (a busca e/ou concretização do desejo), é preciso ousadia para encarar
o desconhecido, que às vezes somos nós mesmos… O livro mostra que talvez não
tenhamos tanta certeza sobre quem somos e que, por esse motivo, é importante tomar uma
atitude rumo ao autoconhecimento, mesmo que para a busca e/ou concretização do desejo
seja necessário dar um primeiro passo num sonho que parece impossível.

O homem do barco procurou ajuda de marinheiros, mas ninguém quis ajudá-lo,


porque sair de suas vidas tranquilas e se meter à procura do “impossível”, enfrentar o mar
tenebroso, é tarefa difícil, é necessária muita coragem e obstinação para ser um
aventureiro que desbrava novas terras. Mas ele conta com a ajuda de uma mulher (a
mulher da limpeza), que resolve sair do palácio pela porta das decisões e passa a
acompanhá-lo nesta busca.

“Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha
chegado à hora de mudar de ofício, que lavar e limpar barcos é que era sua
vocação verdadeira, no mar, ao menos a água nunca lhe faltaria”
(SARAMAGO, 1998, p.24).

A dificuldade de visualizar e amar o invisível, de construir o novo a partir do lugar


onde nos encontramos, concepção utópica de vida, que incita as ações humanas e impede
a estagnação da história, impulsionando-nos a mantermos a esperança, é metaforizada no
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facto de mais ninguém, além da mulher da limpeza, ter concordado em fazer parte da
tripulação na busca da ilha desconhecida.

Durante o conto é possível identificar o processo de recomeço e de renovação, no


qual aparece o desejo não como um desejo qualquer, mas nos mostrando que é preciso
navegar para além do real, porém, não sendo o desejo a própria realidade ou a coisa que
falta, ele se mantém idêntico a si mesmo como apenas um “nada”, precisamente aquele
vazio ou aquela carência que distinguiria do contínuo estático o ser do humano como não
idêntico a si, projetando-o, pela força de sua ação, ou seja, o desejo, em vez de descrição
de uma atitude, passa a ocupar a posição de instrumento da atitude. Ou, em outros termos,
a função de “identidade” da diferença.

Assim no conto as adversidades são necessárias para que nos tornemos aptos para
obter a concretização deste sonho e possamos ancorar em porto seguro. Todos estes
fatores que vão das adversidades até o “navegar para o além do real” permite a
aproximação entre o “homem do barco” e a “mulher da limpeza”, “Acordou abraçado à
mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos” (SARAMAGO, 1998, p.62), pois
do sonho surge o amor, e do amor à força para enfrentar os pesadelos. A partir daí os dois
passaram não somente a fazer descobertas exteriores, mas foi o começo da descoberta de
si mesmo. Sabiam eles, agora, que um completaria o outro, que a compreensão das
verdades mais profundas, escondidas na alma (como uma ilha) seriam possíveis. Tanto
assim é, que eles nomearam o barco que o rei havia lhes dado de “Ilha Desconhecida”, e
está se lançou enfim ao mar, a procura de si mesma, mostrando que ainda havia muitas
descobertas a serem feitas.
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CONCLUSÃO

Uma infinda procura por melhores condições de sobrevivência o homem vive e


muitas vezes criamos necessidades artificiais, modificando o foco e o sentido de nossas
vidas. O conto nos possibilita refletir sobre nossa conduta e a dos outros frente a
necessidades e adversidades, dando-nos condições de nortear nossa vida em sociedade,
pois refletimos que não há tempo marcado para encontrarmos o lugar desejado, só
precisamos da resolução de que podemos ir ou ficar e, às vezes, precisamos sair de nós
mesmos para encontrarmos o tão almejado.

O desejo pelo desejo não pode findar-se pelo medo de arriscar, de lançar-se ao mar
para navegar, de sair da zona de conforto, é exatamente isso que é identificado no conto,
é necessário avançar para vida buscando alcançar seus objetivos e metas, às vezes tão
próximas, contudo, não enxergamos por nossa “incapacidade” pessoal de percepção do
desconhecido. Assim é possível assinalar no conto a formação de uma identidade aberta
que é percebida como possibilidade de criação de novas identidades, produzindo sujeitos
capazes de articular um processo coletivo, que reclama por transformações sociais num
futuro indefinido
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REFERÊNCIAS

DOR, J. (1989) Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como


linguagem; trad. Carlos Eduardo Reis. Porto Alegre: Artes Médicas.

FINK, B. (1998) O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar.

NASIO, (1993) Cinco lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar

ROZA,L. (1992) Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. S.l.: Editora Schwarcz LTDA,


1998.

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