HISTÓRIA DO BRASIL
SUGESTÕES DE TEMAS
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
12. OS INTELECTUAIS E A POLÍTICA NO BRASIL: entre o povo e a nação
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 3
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
58. A 'NAÇÃO' QUE SE TEM E A 'TERRA' DE ONDE SE VEM: categorias de
inserção social de africanos no império português, século XVIII
72. NEM PRETO NEM BRANCO, MUITO PELO CONTRÁRIO: cor e raça na
intimidade
2
Ernesta Zamboni
Universidade Estadual de Campinas
RESUMO
Abstract
The objective of this text is to think about the most common ways of expressions
used in the production of historical knowledge for the elementary education. We
focused in the use of photography, drawings, the narrative of the chroniclers, the
concepts and the text book as a representation of the construction of the real world.
Key words: Production of Knowledge; Representation; History.
Vivemos em uma era que se define pela expansão das relações virtuais em inúmeras
instâncias sociais, redimensionando, conseqüentemente, as categorias espaço e
tempo, relações sociais e cultura. Era na qual o espaço é cada vez menor, o tempo
cada vez mais veloz, e as relações sociais mais voláteis. Assim, a consideração pelo
imaginário deixa de ser uma visão deformadora do conhecimento para se tornar um
objeto de estudo na vertente da história cultural e das mentalidades, desenvolvendo-
se no momento em que as posturas interpretativas também não dão conta do real.
Nesta articulação a sociedade constrói a sua ordem simbólica, que, se por um lado
não é o que se convenciona chamar de real (mas sim uma sua representação), por
outro lado é também uma outra forma de existência da realidade histórica (...) 3
Todo fato histórico - e, como tal, fato passado - tem uma existência lingüística,
embora o seu referente (real) seja exterior ao discurso. Entretanto, o passado já nos
chega enquanto discurso, uma vez que não é possível restaurar o real já vivido em
sua integridade. Neste sentido, tentar reconstituir o real é reimaginar o imaginado, e
caberia indagar se os historiadores, no seu resgate do passado, podem chegar a
algo que não seja uma representação (...)4
(...) escrito, arqueológico, figurativo, oral, que é interrogar os silêncios da História (...)
algo que nos foi dado intencionalmente, ele é o produto de uma certa orientação da
História, de que devemos fazer crítica, não só segundo as regras do método
positivista, que obviamente continuam necessárias a um certo nível, mas também de
uma maneira que eu qualificaria de quase ideológica. É preciso para explicar e
reconhecer o documento o seu caráter sempre mais ou menos fabricado 5.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 9
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Borges7, ao trabalhar com a recuperação da memória e a construção da história dos
índios guaranis, mesclou diferentes representações imagéticas: as planchas de
Debret, a fotografia e os desenhos dos índios. Entre os vários procedimentos
adotados com a intenção de reavivar a memória dos índios sobre os fatos vividos por
seu povo, o pesquisador utilizou várias planchas de Debret, entre elas as
xilogravuras criadas por Hans Staden localizadas no livro Duas viagens ao Brasil.
(plancha nº 20)8
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 10
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A partir da representação de Debret, os índios produziram uma segunda, diferente da
anterior. No novo desenho, as índias estão vestidas, o perfil das mulheres está mais
próximo do real vivido. O texto10, por sua vez, evoca a autoridade do cacique, a
necessidade das relações de parentesco, bem como as conseqüências do não
atendimento às suas decisões.
Exemplo do que se tem afirmado aqui são as representações criadas pelos alunos
de conceitos e situações que nos parecem unidimensionalmente compreensíveis.
Silva, em sua investigação a respeito do processo de construção de conhecimento
em uma 5ª série do ensino fundamental, com o objetivo de conhecer as idéias
prévias dos alunos sobre os bandeirantes, propôs a seguinte pergunta: "O que vocês
sabem sobre os bandeirantes?"12 e solicitou a representação de seus conhecimentos
por intermédio de desenhos. Depois destes dois tipos de representação, constatou
que a palavra "bandeirante" estava associada ao mundo conhecido pelos alunos,
como a Rodovia Bandeirantes, grupo dos escoteiros, a bandeira, os exploradores de
terras e de ouro e a personagens históricos. Portanto, a palavra "bandeirante" tinha
para os alunos diferentes significados.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 12
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
como referências o livro didático e a relação entre a professora e os alunos. A
hipótese da pesquisadora era a do furto do imaginário infantil no interior da sala de
aula, provocado pela ação docente e pela estrutura e conteúdo do texto didático. Em
uma das aulas o tema era o Folclore, e a professora perguntou aos alunos o que eles
sabiam sobre os índios15. Uma criança disse que eram seres do outro mundo e outra,
que eram duendes. Sem explorar o referencial que levou as crianças a essas
afirmações, ou mesmo despertar o interesse delas para novos referenciais culturais,
a professora perdeu a oportunidade de trabalhar com as semelhanças e diferenças,
permanências e mudanças existentes entre os grupos culturais e sociais. Ela
simplesmente respondeu: "os índios são os indígenas", transmitindo assim uma falsa
informação.
(...) o mais fora do comum dos outros animais (...) chama-lhe tatus e são quase como
leitões: tem um casco como de cágado, o qual é repartido em muitas juntas como
lâminas e proporcionadas de maneira que parece totalmente um cavalo armado.
Têm um rabo comprido todo coberto do mesmo casco. O focinho é como de leitão,
ainda que mais delgado e só botam fora do casco a cabeça. Têm as pernas baixas e
criam-se em covas como coelhos. A carne destes animais é a melhor e mais
estimada que há nesta terra e tem o sabor quase como de galinha (...)16
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 13
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
(...) é um animal estranho, tem as pernas curtas, cheias de escamas, o focinho
comprido cheio de conchas, as orelhas pequenas e a cabeça que é toda cheia de
lâminas redondas (...) quando este animal tem outro, mete-se todo debaixo destas
armas, sem lhe ficar nada de fora (...); tem as unhas grandes, com que fazem as
covas debaixo do chão, onde criam. Mantêm-se de frutas silvestres e minhocas,
andam devagar e, se caem de costas, têm trabalho para se virar, e têm barriga
vermelha cheia de verrugas (...)17
Os contos camponeses medievais foram criados no fazer social, por sujeitos que
viviam no acontecer cotidiano, subjugados pelo poder do senhorio, dos poderosos,
sem nenhuma lei que os amparasse e os protegesse. Criar, imaginar e narrar
histórias baseadas no cotidiano, em uma sociedade fundamentada na oralidade,
eram os meios encontrados pelo povo para manifestar sentimentos de alegria,
tristeza, injustiça, revolta, dificuldades e comportamentos imaginários de que os
camponeses lançavam mão ou não para sair do estado de miséria em que viviam.
Estes contos camponeses transmitidos oralmente no final do século XVII, foram
registrados por Charles Perrault e reconhecidos nos salões literários franceses,
sendo fundamentalmente, os atuais contos infantis, tão bem estudados e explorados
por Darnton. São as versões das histórias da Cinderela, Joãozinho e Maria,
Chapeuzinho Vermelho, Mamãe Ganso, O Gato de Botas.
Com relação aos livros paradidáticos e didáticos, eles entram na sala de aula como
objetos, cuja intenção é apresentar um conhecimento já organizado, fechado. Têm
um status especial, foram produzidos para a sala de aula. Portanto, cada um deles
tem uma forma particular de organização. Os textos são curtos, bem divididos e com
uma linguagem especial. São colocados na sala de aula como sujeitos que
intermediam a relação de conhecimento entre o professor e o aluno. Muitos
apresentam uma parte introdutória com orientações de como usá-los e explorá-los.
As imagens são postas ao lado dos textos, muito mais como meras ilustrações do
que como um outro texto a complementar o principal. Em inúmeros livros didáticos
não há fontes que indiquem a origem das ilustrações. Quanto às palavras usadas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 15
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
nos textos, são destituídas de sentido para os alunos; eram válidas para uma
determinada época, mas hoje não há uma atualização das palavras usadas,
distanciando-se do universo lingüístico dos alunos. Como exemplo cito:
"bandeirantes", "o bloqueio continental", "a tomada" de Constantinopla, o
"esfacelamento" do Império romano, a "queda do Império Romano", "Inconfidência
Mineira" "Inconfidência Baiana". Além destas palavras estarem desatualizadas, há
nos livros o uso de outras que expressam claramente a ideologia do autor, como por
exemplo a palavra "inconfidente" para os grupos de pessoas que participaram dos
movimentos em Minas Gerais e Bahia e cujo objetivo era a separação do Brasil de
Portugal, ou ainda a denominação de "rebeldes e arruaceiros" aos brasileiros que
lutaram por seus direitos na "Noite das Garrafadas", em 1824.
Os paradidáticos são mais fáceis de serem produzidos por sua natureza temática. Os
temas e os procedimentos geralmente são atuais, muitos deles síntese de trabalhos
acadêmicos. Alguns autores, com a intenção de transmitir uma visão crítica da
história, quando se referem a determinados sujeitos, criam representações que
acabam adulterando o conhecimento e provocando o seqüestro dessa mesma
história. Uma das figuras que mais sofre esse tipo de tratamento é D. Pedro I. Em
alguns livros20, ele é apresentado como pessoa irresponsável, inconseqüente,
mulherengo, sem vontade firme. Representações desta natureza transmitem aos
jovens a idéia de que a independência ocorreu por um ato voluntarioso, distanciando-
o de um processo político, no qual diferentes sujeitos estavam envolvidos. Por outro
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 16
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
lado, a representação de Tiradentes, um herói construído pelos republicanos,
assemelha-se à figura de Jesus Cristo.
Notas
1
Este texto foi apresentado no 3º Encontro de Professores de História em Curitiba,
na UFPR no mês de julho de 1998.
2
As idéias contidas neste texto são resultantes de pesquisas desenvolvidas na pós-
graduação e os exemplos usados foram autorizados pelos meus orientados: Cláudio
Borges da Silva, Paulo Humberto Porto Borges e Simone Cristina Camargo.
3
PESAVENTO, Sandra Jatahy. "Em busca de uma outra história: Imaginando o
Imaginário". In Revista Brasileira de História. São Paulo, Contexto/ANPUH, vol. 15,
nº 29, 1995, p.16. [ Links ]
4
Idem, p.17.
5
LE GOFF, Jacques e outros. A Nova História. Lisboa, Edições 70, s/d, p. 34.
[ Links ]
6
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. 3ª ed., São
Paulo, Brasiliense, 1987, p. 105. [ Links ]
7
BORGES, Paulo H. P. Ymã, Ano Mil e Quinhentos: Escolarização e Historicidade
Guarani Mbya na aldeia de Sapukai. Dissertação de Mestrado, Campinas,
UNICAMP, 1998 (mimeo). [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 17
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
8
DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte/São
Paulo, Itatiaia/EDUSP, tomo I, 1989, p. 20. [ Links ]
9
BORGES, Paulo H. op. cit. O índio Adílio da Silva Benitez escreveu: "Antigamente o
povo guarani vivia bem em suas aldeias. Mas os brancos chegaram com bastante
gente para começar guerra com o guarani e muita gente acabou morrendo. Agora, já
não tem tanta gente. O povo branco encontra-se em todo lugar e sobraram poucos
guarani", p. 88.
10
Idem. "São duas mulheres presas carregando cinco crianças que estão chorando
de fome, e mais dois soldados que estão acompanhando. Elas estão presas. Elas
conversam: Puxa, a gente devia ter ouvido o cacique. Agora, a gente está presa e
nenhum parente nunca mais vai saber o que aconteceu com a gente. A gente está
presa porque não ouviu o cacique". Valdo da Silva Vera, p. 87.
11
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo, Martins Fontes Editora,
1991, p. 69. [ Links ]
12
SILVA, Cláudio B. Labirintos da Construção do Conhecimento Histórico.
Dissertação de Mestrado. Campinas, UNICAMP, 1966, (mimeo). [ Links ]
13
VYGOTSKY, L. S. op. cit., p. 69.
14
CAMARGO, Simone C. O furto do imaginário em sala de aula. Trabalho de
Iniciação Científica e TCC. Campinas, UNICAMP, 1998, (mimeo). [ Links ]
15
É necessário chamar a atenção para o erro que comete a professora ao incluir a
temática "indígena" no tema "folclore". O referencial da professora é estereotipado,
além de estudar de forma equivocada os povos indígenas. Este procedimento pode
reforçar preconceitos e dicriminações.
16
AMADO, Janaína e GARCIA, Ledonias F. Navegar é Preciso. Grandes
descobrimentos marítimos europeus. São Paulo, Atual, 1989, p. 43. [ Links ]
17
Idem, pp. 43-44.
18
DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos e outros episódios da história
cultural francesa. Rio de Janeiro, Graal, 1986, p. 32. [ Links ]
19
Idem, p. 105.
20
Coleção Cotidiano da História. São Paulo, Ática, 1989.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 18
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
HISTÓRIA, FILOSOFIA E ENSINO DE CIÊNCIAS: a tendência atual
de reaproximação
Michael R. Matthews
Departamento de Educação, Universidade de Auckland
Auck1and, Nova Zelândia
RESUMO
Neste artigo, investigam-se o uso de e os argumentos a favor da história e da
filosofia da ciência no ensino escolar dessas matérias. Enfatizam-se as propostas do
Currículo Nacional Britânico e as recomendações contidas no Projeto americano
2061 de diretrizes curriculares. Algumas opiniões contrárias à inclusão de material
histórico nas disciplinas de ciências são levantadas e contestadas. A tese piagetiana
de que o desenvolvimento psicológico individual reflete o desenvolvimento dos
conceitos na história da ciência é mencionada e serve de introdução à questão da
idealização em ciências. Relacionam-se alguns exemplos significativos de momentos
quando, às custas de sua própria qualidade, a educação ignorou os estudos
relacionados à filosofia da ciência. São fornecidos argumentos a favor da inclusão da
história e da filosofia da ciência nos programas de formação de professores dessa
área. Conclui-se o artigo com uma listagem de temas atuais cujo debate conjunto por
professores, historiadores, filósofos e sociólogos poderia resultar em enormes
benefícios para o ensino de ciências.
I. Introdução
Em 1986, foi publicado um ensaio intitulado Ensino e filosofia da ciência: vinte e
cinco anos de avanços mutuamente excludentes (Duschl, 1986). Tal estudo consistia
de um relato de como o ensino de ciências desenvolveu-se completamente
dissociado da história e da filosofia da ciência. Nos últimos cinco anos, entretanto,
houve uma reaproximação significativa entre esses campos. Tanto a teoria como,
particularmente, a prática do ensino de ciências estão sendo enriquecidas pelas
informações colhidas da história e da filosofia da ciência.
Essas iniciativas vêm a ser oportunas, considerando-se a largamente documentada
crise do ensino contemporâneo de ciências, evidenciada pela evasão de alunos e de
professores das salas de aula bem como pelos índices assustadoramente elevados
de analfabetismo em ciências (cf. Matthews, 1988). A Fundação Nacional Americana
de Ciências denunciou que os programas dos cursos de graduação em Ciências,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 19
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Matemática e Tecnologia existentes no país tiveram seu escopo e qualidade
reduzidos a tal ponto que não mais correspondem às necessidades nacionais;
provocando, portanto, a corrosão de uma riqueza americana sem igual (Heilbron,
1987, p. 556). A história, a filosofia ea sociologia da ciência não têm todas as
respostas para essa crise, porém possuem algumas delas: podem humanizar as
ciências e aproximá-las dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da
comunidade; podem tomar as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas,
permitindo, deste modo, o desenvolvimento do pensamento crítico; podem contribuir
para um entendimento mais integral de matéria científica, isto é, podem contribuir
para a superação do mar de falta de significação que se diz ter inundado as salas de
aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que muitos cheguem
a saber o que significam; podem melhorar a formação do professor auxiliando o
desenvolvimento de uma epistemologia da ciência mais rica e mais autêntica, ou
seja, de uma maior compreensão da estrutura das ciências bem como do espaço
que ocupam no sistema intelectual das coisas. Sendo esta epistemologia a origem
do tipo de entendimento da disciplina que Schulman (1987) e, precedendo-o, embora
tenha sido bastante negligenciado, Scheffer (1970) urgiam aos programas de
formação de professores que promovessem.
Há muitos elementos envolvidos nessa reaproximação. Porém, o mais importante
deles é a inclusão de componentes de história e de filosofia da ciência em vários
currículos nacionais, o que já vem ocorrendo na Inglaterra e no País de Gales; nos
Estados Unidos, através das recomendações contidas no Projeto 2061 concernente
ao ensino de ciências da 5ª série do primeiro grau até a 3ª série do segundo; no
currículo escolar dinamarquês; e na Holanda, nos currículos do PLON. Não se trata
aqui da mera inclusão de história, filosofia e sociologia (HFS) da ciência como um
outro item do programa da matéria, mas trata-se de uma incorporação mais
abrangente de temas de história, filosofia e sociologia da ciência na abordagem do
programa e do ensino dos currículos de ciências que geralmente incluíam um item
chamado de A natureza da ciência. Agora, dá-se atenção especial a esses itens e,
paulatinamente, se reconhece que a história, a filosofia e a sociologia da ciência
contribuem para uma compreensão maior, mais rica e mais abrangente das questões
neles formuladas. Os tão difundidos programas de Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS), tanto nas escolas como nas universidades, representam uma abertura
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 20
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
importantíssima para as contribuições histórico-filosóficas para o ensino de ciências.
Tais avanços têm implicações relevantes para o treinamento do profissional de
educação.
Há outros elementos que apontam para essa reaproximação. O primeiro deles foi a
realização da primeira conferência internacional sobre História, Filosofia, Sociologia e
o Ensino de Ciências, na Universidade Estadual da Flórida, em novembro de 1989. O
segundo, uma série de conferências patrocinadas pela Sociedade Européia de Física
sobre A História da Física e o seu ensino, realizadas em Pávia cidade ao sul de
Milão (1983), Munique (1986), Paris (1988), e Cambridge (1990). O terceiro, foi a
conferência sobre História da ciência e o ensino de ciências, realizada na
Universidade de Oxford em 1987 com o apoio da Sociedade Britânica de História da
Ciência (Shortland & Warick, 1989). Essas iniciativas geraram cerca de trezentos
estudos acadêmicos sobre aquela questão e muito material didático histórica e
filosoficamente embasados. Além disso, a Fundação Nacional Americana de Ciência
já deu início a dois programas que visam a promover o engajamento de história,
filosofia e sociologia ao ensino de ciências nos cursos de primeiro e segundo grau.
Alguns programas americanos de formação de professores de ciências tomaram
história, filosofia e sociologia obrigatórias e o estado da Flórida vinculou a concessão
de licença para o ensino de ciências à conclusão de um curso em HFS.
Os que defendem HFS tanto no ensino de ciências como no treinamento de
professores, de uma certa forma, advogam em favor de uma abordagem
contextualista, isto é, uma educação em ciências, onde estas sejam ensinadas em
seus diversos contextos: ético, social, histórico, filosófico e tecnológico; o que não
deixa de ser um redimensionamento do velho argumento de que o ensino de ciências
deveria ser, simultaneamente, em e sobre ciências. Para usar a terminologia adotada
pelo Currículo Nacional Britânico, os alunos de primeiro e segundo grau devem
aprender não somente o conteúdo das ciências atuais mas também algo acerca da
Natureza da ciência.
Os argumentos a favor da reaproximação repetem, de várias maneiras, os primeiros
apelos feitos por Mach no final do século passado, reiterados por Duhem no início
deste século e endossados por tantos outros como Nunn, Conant, Holton, Robinson,
Schwab, Martin e Wagenstein. Tais apelos podem ser encontrados em inúmeros
relatórios britânicos e americanos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 21
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
II. Reformas de currículos
Vale a pena discutir-se o novo Currículo Nacional Britânico de Ciências e o Projeto
2061 da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) na etapa inicial
de qualquer revisão de HFS e ensino de ciências, porque ambos mostram muito
claramente as conseqüências da reaproximação tanto nos programas como nas
salas de aula. O primeiro deles, já vem sendo aplicado; o segundo, engloba um
conjunto de propostas abrangentes, e longamente planejadas, a favor de um novo
currículo de ciências para primeiro e segundo graus.
Na introdução à secção de HFS do curso (que consiste de cerca de 5% do programa
total), o Conselho Britânico de Currículo Nacional afirma que: os estudantes devem
desenvolver seu conhecimento e entendimento sobre como o pensamento científico
mudou através do tempo e como a natureza desse pensamento e sua utilização são
afetados pelos contextos sociais, morais, espirituais e culturais em cujo seio se
desenvolvem (NCC, 1988, P 113).
Pode-se encontrar um exemplo bastante ilustrativo do tipo de compreensão e de
habilidades que o Conselho de Currículo Nacional (NCC) vem tentando favorecer no
novo currículo no item que descreve as habilidades a serem adquiridas por alunos de
quatro a dezesseis anos, que deverão ser capazes de: distinguir entre asserções e
argumentos pautados em dados e provas científicas e os que não o são; considerar
a maneira pela qual o desenvolvimento de uma determinada teoria ou pensamento
científico se relaciona ao seu contexto moral, espiritual, cultural e histórico; estudar
exemplos de controvérsias científicas e de mudanças no pensamento científico
(NCC, 1988, p. 113).
A Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS) lançou, em 1985, um
amplo estudo a fim de revisar integralmente o ensino de ciências na escola (Projeto
2061). Em 1989, após quatro anos de debates e considerações, suas
recomendações foram publicadas num relatório intitulado Ciências para todos os
americanos (AAAS, 1989). O Projeto 2061, apesar de não ter levado em conta as
deliberações do Conselho Britânico de Currículo Nacional, demonstra para com elas
uma certa convergência de ideais com relação à necessidade de que os cursos de
ciências sejam mais contextualizados, mais históricos e mais filosóficos ou reflexivos.
O relatório Ciências para todos os americanos contém 12 capítulos onde são
apresentadas as recomendações do Conselho Nacional de Educação em Ciências e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 22
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Tecnologia para o ensino de Ciências nos cursos de primeiro e segundo graus.
O primeiro capítulo versa sobre A natureza da ciência e inclui discussões acerca da
objetividade e mutabilidade da ciência, as possibilidades de se distinguir entre
ciência e pseudo-ciência, provas científicas e suas relações com a justificativa da
teoria, método científico, explicação e predição, ética, política social e organização
social da ciência. Pretende-se que esses temas sejam desenvolvidos e discutidos
nos cursos de ciências e que os alunos possam, ao final destes últimos, conhecer
alguma coisa sobre aqueles; não se pretende de modo algum que a inclusão desses
tópicos nas disciplinas de ciências provoque a substituição de seu conteúdo por
HFS.
A introdução ao capítulo dez (Perspectivas históricas) afirma que Há duas razões
principais para que se inclua algum conhecimento sobre história dentre as
recomendações. Uma delas é o fato de que generalizações sobre o funcionamento
dos empreendimentos científicos não têm sentido se não forem fornecidos exemplos
concretos. A segunda razão é o fato de que alguns episódios na história das buscas
científicas são bastante significativos para a nossa herança cultural; por exemplo, o
papel de Galileu na mudança de percepção de nossa posição no universo.
O relatório reserva uma página e meia ao episódio de Galileu que retirou a Terra do
centro do universo. A descrição empresta ao episódio um tratamento sensível e
instrutivo das evidências astronômicas, do papel da percepção sensorial, dos
modelos matemáticos, do realismo e do instrumentalismo, da metafísica, da
tecnologia, da retórica e da teologia. Outros episódios históricos recebem tratamento
similar.
Nem a proposta de currículo britânica, nem a americana, prevê que se substitua a
retórica das conclusões sobre ciência pela retórica das conclusões sobre HFS. Não
se deseja que as crianças sejam capazes de resolver a controvérsia entre realismo e
instrumentalismo; também não se tenciona que elas sejam submetidas a uma
catequese sobre as quinze razões pelas quais as conclusões de Galileu eram
corretas e as dos cardeais não. Ao contrário, espera-se que elas considerem
algumas das questões intelectuais que estão em jogo; espera-se que considerem o
fato de que há perguntas a serem feitas e que comecem a refletir não somente sobre
as respostas para essas perguntas, mas, sobretudo, sobre quais as respostas
válidas e que tipos de evidências poderiam sustentar essas respostas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 23
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Converter projetos de currículos em realidade de sala de aula requer novas
orientações para a prática ea avaliação, novos materiais didáticos e, acima de tudo,
a inclusão de cursos adequados sobre HFS no treinamento de professores. Também
será necessário, como está claro nas propostas do Projeto 2061, que se proceda a
uma gradação decrescente do conteúdo dos currículos que, hoje, são entupidos,
porém mal-nutridos (AAAS, 1989, p. 14). Um estudo do conteúdo programático de
Biologia no estado de Nova Iorque demonstra perfeitamente a dimensão do
problema: espera-se que os professores apresentem 1.440 novos termos e conceitos
científicos em apenas um ano letivo (Swift, 1988). Por isso, hoje leva-se em
consideração aquilo que Mach defendia no século passado: ensinar-se menos para
se aprender mais. Mach via a questão assim: Creio que a quantidade de matéria
necessária para uma educação de valor (...) é muito pequena (...) Não conheço nada
mais deplorável do que as pobres criaturas que aprenderam além do que deviam (...)
O que elas conseguiram foi uma teia de pensamentos frágeis demais para fornecer
uma base sólida, porém complicados o bastante para gerar confusão (Mach, 1943, p.
366).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 29
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Este registro dúbio é usado pelo PSSC como o próprio modelo de metodologia
científica. Os problemas subjacentes a esse exemplo são discutidos por Matthews
(1987).
Whitaker diz que a quasi-história é o resultado de muitos e muitos livros cujos
autores sentiram a necessidade de dar vida aos registros desses episódios usando
um pouco de história, mas que, de fato, acabavam re-escrevendo a história de tal
forma que ela segue lado a lado com a fisica (Whitaker 1979, p. 109).
A quasi-história não é apenas o que Klein chama de pseudo-história, ou história
simplificada, onde erros podem acontecer devido a omissões, ou onde a história
pode ficar aquém do alto padrão de verdade, toda a verdade, nada mais que a
verdade. Na quasi-história, tem-se uma falsificação da história com aspecto de
história genuína, semelhante ao que Lakatos chamava de reconstruções racionais da
história (1978), onde a história é escrita para sustentar uma determinada versão de
metodologia científica e onde as figuras históricas são retratadas à luz da
metodologia ortodoxa atual.
A quasi-história é um assunto complexo. Sabe-se que objetividade em história é,
num certo nível, impossível: a história não se apresenta simplesmente aos olhos do
espectador; ela tem que ser fabricada. Fontes e materiais têm que ser selecionados;
perguntas devem ser construídas; decisões sobre a relevância das contribuições de
fatores internos e externos para a mudança científica devem ser tomadas. Todas
essas questões, por sua vez, sofrem influência das visões sociais, nacionais,
psicológicas e religiosas do historiador. Num grau ainda maior, sofrem influência da
teoria da ciência, ou da filosofia da ciência, em que o historiador acredita.
Do mesmo modo como a teoria abraçada pelo cientista determina seu modo de ver,
selecionar e trabalhar o objeto de estudo, também a teoria abraçada pelo historiador
afetará seu modo de ver, selecionar e trabalhar o material de que dispõe. Como se
diz por aí, se a filosofia da ciência é vazia sem a história, então a história da ciência,
sem a filosofia, é cega.
A história da interpretação da metodologia usada e dos resultados atingidos por
Galileu associada às diferentes traduções de suas obras ilustram o problema da
teoria que afeta a forma como os fatos e documentos históricos são vistos. Para os
filósofos e cientistas do século XIX, Galileu era indutivista e empiricista. William
Whewell diz que Galileu provavelmente tinha uma flagrante inclinação para os fatos e
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 30
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
não sentia, como tantos contemporâneos seus, necessidade de reduzi-los a idéias.
(1840/1947, p. 220). Em 1830, David Brewster o via como uma figura baconiana e
garantia que os princípios da filosofia indutiva podiam ser encontrados em sua obra
(Finocchiaro, 1980, p. 152). À medida que o positivismo ascendia, Galileu passava a
ser retratado como um positivista. Mach afirma que Galileu não nos fornecia uma
teoria da queda dos corpos, mas investigava, totalmente livre de opiniões pré-
concebidas, os fatos reais da queda (Mach, 1883/1960, p. 167). Na década de 30,
um raio desabou sobre as leituras empiricistas de Galileu quando Alexandre Koyré
anunciou que ele era, na verdade, um platônico (1939, 1943). A história da
interpretação platônica foi resenhada por McTighe (1967). O registro racionalista de
William Shea sobre Galileu (1972) possui muitos pontos em comum com o de Koyré.
Porém, nem o empiricismo, nem o racionalismo, esgotam o campo interpretativo.
William Wallace escreveu uma série de estudos que inserem Galileu na tradição
aristotélica escolástica tardia (1981, 1984); uma visão que já havia sido sugerida por
Randall em seu estudo da Escola de Pádua (1940). A imagem que se tem dos
muitos artigos e livros de Stillman Drake (1978, 1980) é a de Galileu como o
experimentalista paciente. A interpretação anarquista recente, ou dadaísta, que Paul
Feyerabend empresta a Galileu é bem conhecida e foi o principal argumento que ele
utilizou contra a primazia de qualquer método científico isolado (1975).
Ao contrastar as obras de Koyré e Drake, um resenhista escreveu que:
O Galileu de Koyré parecia viver num mundo extremamente filosófico: de platonismo,
copernicianismo, de racionalismo e de experimentos com o pensamento. O Galileu
de Drake, por outro lado, é mais ativo e menos contemplativo (...) um observador
atento, um experimentador e um inventor (.) Essas diferenças consideráveis entre as
conclusões a que chegaram Koyré e Drake resultam, em grande parte, das
diferenças de estilo de suas abordagens.(MacLachlan, 1990, p. 124).
Os especialistas em Bíblia de fins do século XIX, a escola critica de Renan e outros,
chamaram atenção para o fato de que uma interpretação de um texto reflete até
mesmo as opiniões da época ou do próprio leitor. Albert Schweitzer, em seu
monumental A busca do Jesus histórico (1910), após uma resenha da história das
imagens e das teologias de Jesus, conclui que cada época e cada indivíduo
construíram a vida de Jesus como um reflexo de sua própria imagem; uma conclusão
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 31
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
que seria ilustrada sessenta anos depois quando o evangelista americano Billy
Graham afirmou que Jesus era o maior gerente-geral que o mundo havia conhecido.
A tradução da obra de Galileu também foi afetada pelos pressupostos do tradutor. I.
Bernard Cohen chamou atenção para a inserção um tanto gratuita da expressão por
experimento no texto do Discurso sobre duas novas ciências na tradução de Crew &
de Salvio, onde Galileu menciona ter descoberto algumas propriedades do
movimento até então desconhecidas (1977). Peter Machamer (1978) observa que na
tradução da mesma obra Drake traduz o termo originalmente usado por Galileu
(razão) por regra, quando o texto original significava causa formal.
Como Drake acreditava que Galileu tinha abandonado a noção de causa final, não é
de surpreender que o termo não tenha sido traduzido assim.
O problema é, obviamente, mais profundo do que simplesmente uma questão de a
percepção ser afetada pela interpretação. Há muito que Bacon, em sua discussão
sobre os Ídolos da Mente, reconhecia o quanto as concepções pessoais e culturais,
inclusive a própria língua, afetam a visão ea compreensão de um fato. Seu conselho
empírico era de que deve-se minimizar a extensão dessas visões tendenciosas e
deve-se ver o mundo como ele realmente é. Hoje, tal conselho é visto como
excessivamente simplista: não somente a literatura, a história e a política, mas
também as ciências naturais possuem seus próprios problemas hermenêuticos; algo
que Toulmin (1983) e Markus (1987) também levam em consideração. AC Crombie,
o consideravelmente ortodoxo historiador da ciência, em seu estudo Os
pressupostos filosóficos e as diversas interpretações de Galileu (1981), admitiu a
necessidade de interpretação hermenêutica na historiografia da ciência.
A segunda investida contra o uso de história genuína da ciência nos cursos de
ciências sustentava que ela poderia solapar o espírito científico neófito. Esse ponto
de vista foi defendido por Thomas Kuhn, dentre outros. Em um ensaio de 1959 sobre
o ensino de ciências e seus efeitos psicológicos e intelectuais ele afirmou:
O traço peculiar mais impressionante desse tipo de ensino é que, num grau
absolutamente inexistente em outros ramos criativos, ele é conduzido inteiramente
através de livros-texto (..) e os estudantes de ciências não são encorajados a lerem
os clássicos históricos de suas áreas-obras onde eles poderiam descobrir outras
formas de considerar os problemas discutidos em seus livros-texto (..) esse ensino
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 32
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
permanece uma mera iniciação dogmática a uma tradição pré-estabelecida.(Kuhn
1959/1977, p. 228-229)
Kuhn diz que tal iniciação é necessária porque nenhuma parte da ciência progrediu
muito ou muito rapidamente antes de que essa educação convergente (...) se
tomasse possível (p. 237). Kuhn aprofundou essas idéias sobre a virtude de uma
educação conformista em ciências em seu trabalho mais influente, A estrutura das
revoluções científicas, onde afirma que, numa sala de aula de ciências, a história da
ciência deveria ser distorcida para que os cientistas do passado fossem retratados
como se trabalhassem o mesmo conjunto de problemas trabalhados pelos cientistas
modernos (1970, p. 138). Essa distorção tem como meta fazer com que o cientista
em formação sinta-se parte integrante de uma tradição bem sucedida na busca da
verdade: Os livros-texto, desse modo, começam por truncarem a percepção-que o
cientista tem da história de sua disciplina e prosseguem suprindo um substituto para
aquilo que eliminaram (p. 137).
Stephen Brush foi ainda além de Kuhn em seu Será que a história da ciência deveria
ser censurada?(1974). Nesse livro, sugere-se que a história da ciência poderia ser
uma influência negativa sobre os estudantes porque ela ceifa as certezas do dogma
científico; certezas essas que são tão úteis para se manter o entusiasmo do
principiante. Apesar do tom jocoso, na verdade, ele sugere seriamente que apenas
um público científico maduro deveria ter acesso à história.
A visão de Kuhn pode ser traçada até a virada do século, quando das reações contra
a visão instrumentalista que Poincaré tinha da ciência. Heilbron, por exemplo, nos
informa acerca do que disse o presidente da Associação Britânica para Progresso da
Ciência, em 1901, sobre a teoria da ciência de Poincaré: Se a confiança de que seus
métodos são armas com as quais ele pode abrir seu caminho para a verdade fosse
extraída do explorador científico, a paralisia dos que se prendem a uma tarefa fadada
ao fracasso recairia sobre ele"(Heilbron, 1983, p. 178).
As acusações lançadas por Klein e Kuhn são sérias, mas seus pontos principais
podem ser acomodados sem que seja necessário excluir a história dos cursos de
ciências. Na pedagogia, como na maioria das coisas, muitas vezes a matéria tem
que ser simplificada. E isto é tão verdadeiro para a história da ciência quanto o é
para: a economia, ou para a própria ciência. Porém o fato de que a história da
ciência seja simplificada não se toma um argumento decisivo contra ela. A tarefa da
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 33
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
pedagogia é, então, a de produzir uma história simplificada que lance uma luz sobre
a matéria, mas que não seja uma mera caricatura do processo histórico. A
simplificação deve levar em consideração a faixa etária dos alunos e todo o currículo
a ser desenvolvido. História e ciência podem tomar-se mais e mais complexas à
medida que assim o exija a situação educacional. Lida-se melhor com o problema
das distorções grosseiras quando se apresenta a HFS de forma mais adequada nos
treinamentos de futuros profissionais e de profissionais já atuantes: as boas
intenções levam às distorções. O problema hermenêutico de interpretação na história
da ciência, longe de dificultar ou impedir o uso da história, pode tornar-se uma boa
ocasião para que os alunos sejam apresentados a importantes questões de como
lemos textos e interpretamos os fatos, isto é, ao complexo problema do significado: a
partir de seu dia a dia, os alunos sabem que as pessoas vêem as coisas de formas
diferentes; portanto, a história da ciência constitui-se num veículo natural para se
demonstrar como esta subjetividade afeta a própria ciência.
A prova da teoria está na prática. Os estudos históricos já mostraram seu valor para
os professores de ciências: Arons (1988), Pumpfrey (1989), Bevilacqua (1990) e as
Atas de 1983, 1986 e 1988 das conferências da Sociedade Européia de Física que
contêm o tipo de história aplicada da ciência, pedagogicamente útil, que Heilbron
havia urgido aos historiadores que produzissem em colaboração com professores.
Não há evidências de que tais abordagens diminuam o entendimento científico; elas
podem abalar um certa convicção pesudo-científica, o que não é de todo mal. O
sucesso do Projeto de Física de Harvard é um exemplo de peso contra as
preocupações manifestadas por Kuhn/Brush: ele comprova que uma educação em
ciências de qualidade, sem catequese, é possível de fato (Siegel 1979).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 34
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
da ciência cognitiva têm sido usados para estudar os processos e a história da
ciência.(Giere 1987, Jung 1986, Nessersian 1989).
As questões foram exploradas primeiro em A fenomenologia do espírito de Hegel
(1806), em cujas páginas iniciais a idéia de uma dialética das teorias do
conhecimento é vinculada à dialética das formas históricas da consciência. Isto é,
enquanto a epistemologia (um traço objetivo) se desenvolve, a experiência (um traço
subjetivo) sobre a qual o conhecimento está baseado muda. Mach e Duhem repetem
essa idéia em fins do século XIX. Em nosso século, o tratamento mais respeitado
dado a essa visão encontra-se nos escritos de Jean Piaget; aliás, tal visão
fundamenta toda a sua teoria do desenvolvimento cognitivo.
Em um trecho muito citado da Epistemologia genética (1970), Piaget diz:
A hipótese fundamental da epistemologia genética é de que existe um paralelismo
entre o progresso alcançado na organização lógica e racional do conhecimento
(história da ciência) e os processos psicológicos formativos correspondentes (p. 13).
O argumento mais recente e abrangente de Piaget para a tese encontra-se na sua A
psicogênese e a história da ciência (1989). Contudo, a natureza do paralelismo, de
uma certa forma, não é muito clara em Piaget, e ainda menos clara naqueles a quem
ele inspirou: as posições variam de analogia a um fraco isomorfismo (Mischel, 1971,
p. 326), ou a um forte isomorfismo (Murray, 1979, p. ix).
Thomas Kuhn popularizou a tese de que a ontogenia cognitiva recapitula a filogenia
científica entre historiadores e filósofos da ciência (Kuhn 1977, p. 21). Por outro lado,
o historiador da ciência, Alexander Koyré, comentou que foi a física aristotélica que o
ensinou a compreender as crianças piagetianas. O filósofo Philip Kitcher afirmou
recentemente (1988) que os psicólogos desenvolvimentistas podem obter alguma
compreensão dos progressos lingüísticos de crianças pequenas estudando as
mudanças que ocorreram na história da ciência; e que os historiadores e filósofos da
ciência podem aprender com os resultados experimentais e com as análises dos
psicólogos infantis. Kitchner (1985) fornece uma bibliografia abrangente da literatura
filosófica sobre Piaget.
Nussbaum (1983), por sua vez, apresentou uma primeira resenha da literatura para o
ensino de ciências sobre cognição individual e cultural, ou teoria do desenvolvimento,
intitulada Mudança conceitual na sala de aula: a lição a ser aprendida com a História
da Ciência. Carey ressaltou, apropriadamente, que o sucesso em se compreender a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 35
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
complexidade da mudança conceitual pela qual passam os estudantes de ciências
vai exigir a colaboração de cientistas cognitivos e professores de ciências, que,
juntos, devem estar conscientes do entendimento que tanto os historiadores como os
filósofos têm da ciência (1986, p. 1125). Duschl, Hamilton e Grandy (1990) fornecem
uma resenha recente e abrangente a esse respeito.
A obra de Piaget conduziu a atenção para um terreno óbvio de investigação: será
que as concepções intuitiva, imediata e concreta da criança refletem os primeiros
estágios do desenvolvimento da compreensão científica em seus diversos domínios?
Num nível um tanto simplista, a resposta é sim: a criança, de fato, parece possuir
uma capacidade de compreensão anterior a qualquer instrução, ou uma credulidade
ingênua, que se assemelha às primeiras noções científicas, ou noções pré-
científicas. O que já foi bastante comprovado no campo da mecânica: McCloskey
(1983), DiSessa (1982), Clement (1983), Champagne (1980), Whitaker (1983),
McDermott (1984) e Robin & Ohlsson (1989) são alguns dos que sugerem que
concepções ingênuas de força e movimento espelham o fundamento da dinâmica
aristotélica. Bartov demonstrou que concepções intuitivas a respeito dos processos
biológicos são altamente teleológicas (Bartov 1978). Outros tendem a considerações
do tipo de Lamarcke sobre a herança genética na criança (Brumby 1979). Os autores
Mas, Perez e Harris (1987) realizaram um estudo sobre as crenças adolescentes em
química manifestadas por estudantes que haviam cursado até cinco anos de química
na escola.
Um número significativo deles ainda apresentava a crença um tanto aristotélica de
que os gases não possuem massa, apesar da constante exposição ao ensino da
hipótese atômica dos gases.
Essa última questão, a persistência de crenças ingênuas ou intuitivas, mesmo
quando o ensino de ciências demonstra o contrário, gerou trocas bastante fecundas
entre professores, psicólogos, filósofos e historiadores, como Carey ansiava (A
conclusão de McCloskey (1983) de que 80% dos estudantes universitários de física
ainda acreditavam em impetus é exemplo de muitos estudos dessa natureza).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 41
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
mais uma conceitualização do mundo? A questão da idealização vem sendo tratada
com certo atraso pela literatura de HFS e de ensino de ciências.
Floden et al.(1987) discutiram os problemas pedagógicos que advêm da ruptura
existente entre o ensino de ciências ea experiência quotidiana. Garrison e Bentley
(1990) desenvolvem o tema num debate acerca da importante teoria da mudança
conceitual de Posner et al.(1982). Ginev fornece uma descrição bastante sofisticada
dos currículos de ciências construídos sobre o reconhecimento de que O próprio
processo de idealização é considerado como a differencia specifica epistemológica
da ciência.(1990, p. 65).
A história e a filosofia podem dar às idealizações em ciência uma dimensão mais
humana e compreensível e podem explicá-las como artefatos dignos de serem
apreciados por si mesmos. Isto é importante para os estudantes que estão sendo
apresentados ao mundo da ciência. A incapacidade de apreciar o que exatamente é
a idealização, e o que não é, tem sido a base de muita critica anti-científica. É claro
que a idealização newtoniana foi o alvo da reação romântica para quem (Keats,
Goethe, etc.) a riqueza do mundo da experiência vivida não era capturada pelas
massas pontuais insípidas de Newton. No século XX, Marcuse, Husserl, Tillich e
outros lançaram variadas versões dessa mesma acusação. O famoso educador
alemão, Martin Wagenschein (1962), escreveu sobre essa dicotomia que há no
âmago do ensino de ciências. O ponto a ser ressaltado aqui é o fato de que objetos
teóricos da ciência não devem ser explicações para os objetos materiais do mundo,
pelo menos não no sentido de serem representações desses últimos.
Um professor de ciências com conhecimento de HFS pode auxiliar os estudantes a
compreender exatamente como a ciência apreende, e não apreende, o mundo real,
vivido e subjetivo. Porém, o mais comum é que o estudante fique sujeito à infeliz
escolha entre renunciar ao seu próprio mundo por ser uma fantasia, ou renunciar ao
mundo da ciência pela mesma razão. Mais uma vez tomando por base Mach, o
mundo dos fenômenos vividos é vital para a educação em ciência, pois é nele que a
curiosidade e a fascinação começam, mas ele não deve ser confundido com um
mundo inerte, ou um mundo de gases ideais. Algumas dessas questões são
discutidas por Eger (1972) e Passmore (1978).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 43
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A sede de saber é a motivação para aprender; dados e generalizações são as
formas que o conhecimento assume. Generalizações são produzidas a partir de uma
série de informações desordenadas que são agrupadas pela observação conduzida
de forma tão precisa quanto as circunstâncias permitirem.
Ao contrário do que diz a meta, Martin ressalta que algumas teorias científicas não
são generalizações, que a maior parte das hipóteses científicas não são geradas por
indução e, sobretudo, que a observação requer a teoria.
Essa última questão, a falta de consciência de que a observação depende da teoria,
e suas implicações, ilustram bem a lamentável separação que há entre os filósofos
da ciência, os professores de ciências e os organismos consultivos do governo.
O relatório intitulado O espírito da ciência foi publicado em 1966. Naquela época, o
indutivismo já havia sido completamente superado na filosofia da ciência: os Padrões
da descoberta científica de Hanson tinham aparecido em 1958, a Lógica da
descoberta científica de Popper tinha sido traduzida em 1959, a Previsão e
compreensão de Toulmin aparecera em 1961, a Estrutura das revoluções científicas
de Kuhn, em 1962.
Havia abundância de material acessível, para não falar do material disponível do
outro lado do Atlântico (Bachelard), além de material antigo (Collingwood, Fleck) que
poderiam ter sido usados para melhor embasar as deliberações de um organismo
americano de tão elevada ordem, prestes a lançar um relatório importantíssimo sobre
o ensino de ciências. Ao invés disso, todo esse material foi ignorado e slogans
dúbios foram criados sem qualquer sugestão de que fossem discutíveis, e muito
menos de que provavelmente fossem falsos.
Não eram apenas os relatórios do governo que sofriam de uma deplorável ignorância
quanto aos avanços na filosofia da ciência. Robert Gagne, um dos mais respeitáveis
teóricos da aprendizagem nas décadas de sessenta e setenta, famosa figura por trás
dos currículos de aprendizagem por indagação em ciências, em 1963, emprestou
seu enorme prestígio a uma visão questionável de indagação científica onde: um
conjunto de atividades que começa com um conjunto cuidadoso de observações
sistemáticas, seguido do planejamento das medidas exigidos, distinguindo
claramente entre o que é observado e o que é inferido (...) e tira conclusões
razoáveis. (Gagne, 1963, em Hodson, no prelo).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 44
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Inúmeros projetos curriculares NSF do início das décadas de sessenta, e o esquema
Nuffield na Inglaterra, na mesma década, sofreram da mesma ignorância quanto aos
avanços da filosofia da ciência, divulgando uma abordagem de ciência dita nova,
mas que reproduzia os métodos indutivos da própria ciência. O slogan de Bruner,
produza cientistas levando estudantes a serem cientistas, seria admirável se os
professores e aqueles que criavam os currículos tivessem uma noção razoável do
que significa ser um cientista. Porém a maioria deles limitava-se a aceitar a mitologia
indutivista dos livros-texto. Stevens (1978), Forge (1979) e Duschl (1985) escreveram
sobre os pressupostos filosóficos desses currículos Nuffield e NSF.
Se documentos que estabelecem diretrizes, teóricos líderes em educação, currículos
e livros-texto incorporam e divulgam, sem qualquer crítica, certas posições
filosóficas, não é de surpreender que os professores de ciências façam o mesmo em
sala de aula. A postura teórica do professor sobre a natureza da ciência (sua própria
epistemologia) pode ser transmitida de forma explícita ou implícita. Essa
epistemologia afeta o comportamento do professor em sala de aula (Robinson 1969).
Muitos estudos recentes preocupam-se com a maneira como essa epistemologia é
formada, que efeitos ela tem sobre a práxis do professor e como ela contribui para a
imagem que os estudantes têm da ciência: Abell (1989), Rowell & Cawthron (1982),
Jacoby & Spargo (1989), Lederman & Zeidler (1987) e Koulaidis & Ogborn (1989).
Esse tipo de pesquisa assume relevância maior à medida que esquemas do tipo dos
Currículos Nacionais Britânicos, do Projeto 2061 e outros entram em vigor, trazendo
tópicos como A natureza da ciência como parte integrante dos currículos.
A epistemologia do professor é formada assistematicamente, isto é, ela é construída
a partir do processo de educação via leitura de livros-texto descrito por Kuhn. Por
isso, consiste de preconceitos generalizados que não são abalados pela informação
histórica, ou pela análise filosófica. Em apenas duas das 55 instituições que formam
professores de ciências na Austrália um curso em HFS é obrigatório. Dos quinze
melhores centros formadores de professores de ciências nos Estados Unidos,
apenas a metade exige um curso em filosofia da ciência (Loving, 1992); a proporção
deve ser ainda menor nas outras centenas de centros de formação. A situação no
Reino Unido também não é otimista.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 47
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
ela se relaciona a outras proposições; tudo isso tanto na própria matéria como fora
dela e, também, na teoria e na prática.(Shulman, 1986, p. 9).
Explicar porque uma dada proposição é considerada definitiva a lei da inércia, o
princípio da conservação da energia, a teoria da evolução, a teoria da flutuação dos
continentes, as descrições da estrutura atômica, etc. exige que se conheça alguma
coisa sobre a forma como a evidência se relaciona com a estimativa teórica; o que
vem a ser a tarefa normal da epistemologia. As idéias de Shulman encontram eco
nas instruções para avaliação do Comitê Nacional de Padrões Profissionais para o
Ensino O que os professores devem saber e serem capazes de fazer (1989).
Um pacote para avaliação de professores de biologia que foi desenvolvido pelo
projeto Carnegie visa a avaliar a compreensão que o professor tem da natureza da
ciência, seus processos e determinantes. Em suas palavras, Será que os
professores possuem uma concepção rica do empreendimento científico como uma
interação dos fatos, leis e teorias da área, têm domínio das habilidades necessárias
para a construção de tal conhecimento e reconhecem que esse conhecimento é
simultaneamente influenciado por e sofre influência da sociedade?(Collins, 1989, p.
64).
Na medida em que história e filosofia da ciência se tomam um componente
reconhecidamente válido para a formação do professor é oportuno colocar a seguinte
questão: que tipo de cursos de HFS são apropriados? A literatura recente contem
registros de inúmeros cursos desse tipo, além de reflexões acerca do grau de
adequação de cada um. Há, contudo, um consenso de que, para que tais cursos
sejam de relevância para o futuro professor, eles devem ser cursos aplicados ou
práticos. Não é recomendável que estudantes sejam simplesmente encaminhados
aos departamentos de filosofia em busca de HFS. Para usar as palavras de
Bevilacqua, que tem promovido a HFS entre professores na Itália, esses cursos
acabam por se tomarem apenas mais um tijolo na parede, ou seja, uma tarefa a mais
para ser cumprida antes de se começar a ensinar. Os cursos em HFS devem
começar explorando os problemas que os professores consideram pertinentes ao
desenvolvimento de sua práxis profissional.
Johnson & Stewart (1990), Eger (1987), Bybee (1990), Bakker & Clark (1989) e Ruse
(1990) oferecem descrições de cursos concebidos dessa maneira.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 48
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O curso que eu próprio venho aplicando com sucesso há alguns anos (Matthews,
1990b) é baseado numa seleção de escritos de Galileu, Boyle, Newton, Huygens e
Darwin dentre outros. Descobri, não com surpresa, que os professores gostam de
terem a oportunidade de ler algumas dessas obras. Porém, descobri que, num grupo
de centenas de graduados em biologia, apenas um punhado deles havia lido
qualquer texto de Darwin; quanto às centenas de graduados em física, não encontrei
nenhum que tivesse lido qualquer texto de Galileu ou Newton. Nas palavras de um
professor, os professores estão sedentos por esse tipo de conhecimento. As
questões filosóficas realismo, instrumentalismo, autoridade, reducionismo,
causalidade, explicação, idealização, etc. são tratadas e desenvolvidas à medida que
nascem do próprio texto. A maioria dos textos usados já foram publicados (Matthews,
1989b).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 52
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O intercâmbio recente entre as idéias de Eger, Hesse, Shimony e outros (Zygon 23
(3), 1988) sobre racionalidade na ciência e ética (reproduzido em Matthews, 1991)
mostra o que esse tipo de cooperação pode atingir. Eger (1989) também explorou a
questão dos interesses da ciência, acolhendo pontos que a obra de Habermas e a
Escola de Frankfurt formularam para o entendimento do papel social da ciência e das
estruturas fundamentais da disciplina.
(4) Questões metafísicas emergem naturalmente do objeto da ciência:
Einstein se referiu ao cientista como um filósofo em trajes de trabalhador. Os
problemas éticos em ciência levantam questões sobre a nossa responsabilidade para
com a natureza; responsabilidade essa que advém de uma nova concepção da
própria natureza.
A visão de mundo mecânica, laplaciana, da ciência newtoniana está sendo posta em
cheque pela nova ontologia da natureza. Gotschl (1990) afirma que O clamor geral
por responsabilidade tem como conseqüência uma revolução ética e antropológica
paralela à revolução científica e tecnológica. Os professores devem ter alguma
compreensão dos problemas: há um sem número de ontologias antagonistas no
mercado a espera de tomar o lugar da visão de mundo mecânica; algumas delas
fazem muito mais sentido do que outras. Um professor de ciências bem informado
em HFS pode contribuir para uma melhor avaliação dessas ontologias.
Os estudos históricos em ciência delineiam vividamente a independência da ciência
e da metafísica. A controvérsia Galileu/Aristóteles sobre o princípio da causalidade
final, a controvérsia Galileu/Kepler a respeito da teoria lunar das marés, a discussão
newtoniana/cartesiana sobre ação a distância, a discussão newtoniana/berkeliana
acerca da existência de tempo e espaço absolutos, a discussão Newton/Fresnel
sobre a teoria da luz como partícula, a discussão Darwin/Parley a respeito do
finalismo e da seleção natural, a discussão Mach/Bohr sobre a teoria atômica, a
disputa Einstein/Copenhagen acerca da interpretação determinística da teoria
quântica, etc., todas trazem à baila problemas metafísicos. A metafísica encontra-se
entranhada na ciência. Peirce afirmara em suas Nota sobre filosofia, científica que
Se você encontrar um homem da ciência que se proponha a seguir sem qualquer
metafísica (...) você terá encontrado alguém cujas doutrinas estão completamente
contaminadas pela metafísica incipiente e indiscriminada com a qual estão
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 53
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
entulhados. Essas interrelações são exploradas por Wartofsky (1979), Gjertsen
(1989) e Mattews (1989b).
Woolnough (1989) discutiu um importante tópico na história da ciência que
normalmente é ignorado nos programas de ciências: o papel da crença religiosa na
motivação e nas conceitualizações de grandes cientistas. Os estudantes aprendem,
muito freqüentemente, que Newton descobriu três leis e as suas fórmulas, porém
raramente aprendem que Newton comentara ao escrever os Principia, o fundamento
de toda a ciência moderna: Eu observava esses princípios como deve fazer todo
homem que pondera por crer numa Divindade; e nada pode alegrar-me mais do que
saber que isso serviu ao seu propósito (Thayer, 1953, p. 46). Eles também aprendem
amiúde que Boyle descobriu uma lei importante e sua fórmula, porém aprendem com
menos freqüência que ele deixou em seu testamento uma certa quantia para uma
série de palestras públicas a fim de levar a religião cristã aos infiéis notórios e que
ele acreditava que sua própria filosofia mecânica servia para comprovar a existência
de um Criador do universo. A despeito de a história da ciência ocidental ser, em sua
maior parte, a história dos esforços de pessoas que viam suas obras como a
proclamação da majestade de Deus, não se ouve mais nada a esse respeito no
tratamento dispensado a essas figuras e a suas descobertas numa típica aula de
ciências. Há, entretanto, muitas estórias interessantes de caráter psicológico, cultural
e filosófico que poderiam ser vantajosamente exploradas em sala de aula.
Se a ciência se desenvolveu como um diálogo com a metafísica (para não se falar as
intervenções de natureza política, econômica e social), então ensinar ciência como
um solilóquio no qual a ciência fala sozinha e evolui apenas pela autocrítica é
empobrecer a disciplina.
O conteúdo essencial da ciência também levanta questões metafísicas. O biólogo
Charles Birch faz essa afirmação bastante genericamente: Qualquer professor de
ciências acaba por deixar transparecer a sua resposta pessoal à pergunta Do que é
feita a natureza?(...) Hoje, a principal resposta a essa pergunta é fornecida em
termos de um modelo mecanicista da natureza"(Birch, 1988, p. 33) Birch argumenta
contra a visão de mundo cartesiana e mecanicista em prol de uma metafísica de
processo whiteheadiana. Seguindo as pegadas de Whitehead, ele afirma que o papel
da educação é lidar com fatos e idéias de tal forma que se tenha uma compreensão
geral; a metafísica faz parte dessa compreensão. Thomas Settle tenta resolver,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 54
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
surpreendentemente de uma maneira não técnica, a questão lançada por Birch:
Pode-se evitar o fisicalismo no ensino escolar de ciências?(1990). Vale ressaltar que
esses e outros estudos (Stinner, 1990) estão reavendo as visões filosóficas e
pedagógicas de Alfred North Whitehead, publicadas pela primeira vez há sessenta
anos em As metas da educação (1923).
A abundante literatura gerada pelo Movimento em prol da Filosofia para Crianças
sugere que as crianças são capazes de e estão interessadas em irem em busca de
questões filosóficas elementares (Lipman & Sharp, 1978, Dawson-Galle, 1990). A
aula de ciências fornece muitas oportunidades para fazê-lo.
(5) A idealização é o sine qua non da ciência matemática moderna, embora seja
pouco compreendida pelos professores: raramente está presente nos registros do
método científico dos livros-texto e é freqüentemente ignorada por filósofos que
conduzem discussões sobre indução, falsificação e comprovação de uma teoria
absolutamente esquecidos do fato de que o que está em discussão são leis e teorias
idealizadas e, de que a lógica elementar é inadequada para sua avaliação. Além
disso, grande parte da literatura sobre aquisição de conceitos usada no ensino de
ciências assume uma postura aristotélica na qual as idealizações são tratadas como
generalizações empíricas. É óbvio, entretanto, que a aquisição dos conceitos de
massas pontuais, superfície sem atrito, estrutura inercial, colisão elástica, corpo
rígido, etc. não ocorre nos moldes aristotélicos: elas não nascem da observação de
corpos e da produção de traços comuns. A idealização alcançada por Galileu/Newton
representou uma conquista monumental, inquestionavelmente algo que distingue o
pensamento humano de toda a cognição animal. Essa conquista deve ser
comunicada aos estudantes, pois eles não chegarão a ela simplesmente observando
a natureza. Filósofos da ciência poloneses exploraram exaustivamente a lógica e a
filosofia da idealização na ciência (Nowak, 1980, Krajewski, 1982).
A colocação bastante feliz de Duhem, a lógica de uma matéria não é
necessariamente a mesma lógica de sua apresentação, precisa ser lembrada. A
história alerta os professores para a necessidade de uma abordagem
fenomenalística da idealização: os estudantes devem saber a que se relacionam as
idealizações.
(6) Racionalidade é um tópico que une HFS ao ensino de ciências. Em HFS, a
racionalidade da mudança da teoria científica, isto é, da história da ciência, tem sido
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 55
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
veementemente contestada. Os racionalistas foram sacudidos de seu ócio pela
explosão provocada pela Estrutura de Kuhn, publicada em 1962, na qual ele
afirmava que as transformações científicas dependem menos da persuasão racional
do que da psicologia popular e da mortalidade dos mais velhos. No momento em que
os filósofos estavam começando a aceitar tais colocações, e também a continuidade
dessa tese por Feyerabend (cf. as defesas do racionalismo em Shapere, 1984 e
Siegel, 1987), a escola de sociologistas da ciência de Edimburgo David Bloor, Barry
Bames, Steven Shapin e Michael Mulkay foi além nas críticas contra o racionalismo
em seu programa que tenta dar conta de toda mudança científica em termos
externalistas (para algumas das exposições e críticas principais cf. Brown, 1984).
Essas são as principais reivindicações que se impõem ao ensino de ciências muito
racional e que merecem atenção dos professores.
Dentre educadores, o tópico do pensamento crítico o que é? Como pode ser
estimulado? Será que pode ser transplantado de uma disciplina a outra? tem sido
também uma área bastante atacada. Está claro que uma discussão sobre
pensamento crítico dissociado do pensamento científico é bastante obtusa. Siegel
(1989) defende a racionalidade e a apresentação de razões como os indicadores da
qualidade e da legitimidade do ensino de ciências contra os dogmatistas, de um lado,
e os irracionalistas feyerabendianos, do outro. Eger (1990) retoma a questão de
como tal concepção abre espaço para o papel do compromisso, ou da fé, que foi tão
significativo para o desenvolvimento da ciência.
X. Conclusão
Apresentei aqui um relato do que vejo como uma confluência emergente de temas
em ciência, filosofia, história e ensino de ciências, que representam uma imagem
mais rica e multicor da ciência do que aquela que tem normalmente aparecido nos
livros e nas salas de aula. Novos currículos têm tentado levar essa figura mais rica
às salas de aula. O seu sucesso dependerá, em primeiro lugar, de introduzir-se
cursos de história e filosofia da ciência apropriados à formação dos futuros
professores e também dos profissionais já atuantes. A ciência é uma das maiores
conquistas da cultura humana.
Portanto, o ensino de ciência, para usar as palavras do relatório de 1918 da
Associação Britânica para o Progresso da Ciência, deveria comunicar mais sobre o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 56
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
espírito e menos sobre o vale dos ossos secos dessa conquista. Se isso for feito,
então pode-se iniciar a superação da atual crise intelectual e social do ensino de
ciências.
Notas
1. O presente artigo é uma versão ampliada de um outro que apareceu originalmente
em Studies in Science Education 18, 1990. Ele representa uma visão do atual estado
dos estudos sobre a relação da história e da filosofia com o ensino de ciências. Essa
visão é, obviamente, parcial; outros concentrarão esforços em diferentes problemas.
Abrangendo tantas questões em áreas como história da ciência, filosofia da ciência,
história do ensino de ciências e os atuais desenvolvimentos no ensino de ciências, é
provável que não se tenha feito justiça a nenhum problema específico. Por isso,
quando da publicação dessa revista, ainda será oportuno tentar-se dar algum sentido
à literatura e às questões relevantes para cada comunidade científica distinta a
serviço das quais a revista se coloca.
Pretende-se publicar em breve um artigo semelhante a respeito do ensino de
matemática.
A pesquisa foi possível graças ao apoio da Universidade da Nova Gales do Sul. Foi
enriquecida pela cooperação de muitos estudiosos do mundo inteiro cujos
manuscritos eu li para publicação em números especiais de revistas especializadas
que tenho editado nos últimos anos e de cujos conselhos e opiniões beneficiei-me.
2. O Currículo Nacional Britânico está documentado em NCC (1988). É discutido por
Akeroyd (1989), Solomon (1990) e Ray (1990). O currículo dinamarquês, em A
história e tecnologia da ciência, é discutido por Nielsen & Nielsen (1988) e Nielsen &
Thomsen (1990). Na Holanda, há um curso denominado A fisica na sociedade desde
1981, cf. Eijkelhof & Swager (1983); e, desde 1972, vários materiais gerados pelo
projeto PLON (Projeto de Desenvolvimento de Currículo em Física, Caixa Postal
80.008, 3508 TA Utrecht) têm incorporado uma dimensão HFS. As propostas do
Projeto 2061 estão contidas em AAAS (1989), e são discutidas por Stein (1989). A
discussão dos programas STS e um guia para a literatura podem ser encontrados
em McFadden (1989).
3. A conferência foi fundamentada em seis revistas especializadas contendo 55
artigos: Educacional Philosophy and Theory 20 (2), 1988: Interchange 20 (2), 1989;
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 57
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Synthese 80 (1,), 989; Studies in Philosophy and Education 10 (1), 1990;
International Journal of Science Education 12 (3), 1990; e Science Education 75 (1),
1991. Um conjunto de mais dois volumes de continuação foi publicado (Herget 1989,
1990). Uma seleção de artigos, juntamente com alguns outros, foi publicada como
um livro (Matthews 1991).
4. Para as Atas das conferências veja Bevilacqua & Kennedy (1983), Thomsen
(1986) e Blondel & Brouzeng (1988).
5. Os escritos do século XIX de Ernst Mach sobre o ensino de ciências são tão
abrangentes e estimulantes quanto ignorados. Pode-se encontrar uma introdução
aos seus pontos de vista em Matthews 1989a.
6. Albert Einstein fornece uma confirmação dramática da visão de Mach sobre a
crença da utilidade da investigação histórica. Em seu ensaio autobiográfico, ele
comenta como, em fins do século XIX, os físicos jamais se cansaram de tentar
fundamentar a teoria do eletromagnetismo de Maxwell em princípios mecânicos. Ele
afirma que foi Ernst Mach que, em sua História da mecânica, abalou essa fé
dogmática; esse livro exerceu uma profunda influência sobre mim quando era
estudante (Schlipp, 1951, p. 21). Esse foi o catalisador que permitiu que Einstein
entrasse numa crítica da mecânica como o fundamento da fisica.
7. Schwab tinha antigas ligações com a Universidade de Chicago e estava imbuído
na sua tradição de grandes livros. Independentemente de Kuhn, embora fosse seu
contemporâneo, ele enunciou uma distinção entre períodos fluidos e estáveis da
investigação científica, que equivale à distinção mais conhecida que Kuhn fez entre a
ciência normal ea revolucionária. Ele teve um envolvimento profundo com a teoria e
a prática da educação comparável ao de outro educador-filósofo de Chicago, John
Dewey. Uma seleção de seus artigos pode ser encontrada em Ford & Pugno (1964)
e uma lista de suas publicações, em Dublin (1989).
8. Brush pode ser contactado em The Institute for Physical Science and Technology,
University of Maryland, College Park, MD 20747, USA. Cf. seus trabalhos de 1988a,
b para materiais de sala de aula eo de 1989 para uma resenha desse campo.
9. Pode-se encontrar uma resenha dos problemas e da literatura de historiografia da
ciência em Kragh (1987). Veja, inicialmente, a respeito das ligações entre a filosofia e
a história da ciência, as obras de Giere (1973), McMullin (1975) e Wartofsky (1976).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 58
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
10. Tem-se discutido se a lei da recapitulação foi desenvolvida para ser aplicada a
problemas biológicos ou conceituais. Piaget, oportunamente, nega uma recapitulação
biológica, afirmando Vamos evitar de voltarmos à idéia simplista de um paralelismo
necessário entre o desenvolvimento da raça e o do indivíduo, um paralelismo que os
biólogos já demostraram ser equivocado e conjetural (em Kitchener, 11.1986, 6). Ele
tem um compromisso maior com uma forma de paralelismo conceitual, e sustenta
que mecanismos semelhantes estão envolvidos tanto na transformação da teoria
científica quanto na mudança conceitual individual: descentralização, assimilação-
acomodação, equilíbrio, construtivismo, etc. Alguns itens dessa literatura são
resenhados por Siegel (1982).
REFERÊNCIAS
AIKENHEAD, GS: 1980, Science in Social Issues: Implications for Teaching, Science
Council of Canada, Ottawa.
American Association for the Advancement of Science: 1989, Science for All
Americans. AAAS, Washington.
BEVILACQUA, F.: 1990, Can the History of Physics Improve Physics Teaching?, in
DE Herget (ed.) The History and Philosophy of Science in Science Teaching, vol. 11,
Florida State University.
BIRCH, C.: 1988, Whitehead and Science Education, Educational Philosophy and
Theory 20 (2), 33-41.
BLEIER, R.: 1984, Science and Gender, Pergamon Press, New York.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 59
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
BROCK, WH: 1987, History of Science in British Schools: Past, Present & Future, in
M. Shortland & A. Warwick (eds.) Teaching the History of Science, Basil Black-well,
Oxford, pp. 30-41.
BRUMBY, M.: 1979, Problems in Learning the Concept of Natural Selection, Journal
of Biological Education 13, 119-122.
BRUSH, SG: 1974, Should the History of Science be Rated X?, Science 18, 1164-
1172.
BRUSH, SG: 1988a, The History of Modem Science: A Guide to the Second Scientific
Revolution, 1800-1950, Iowa State University Press, Ames 10.
BRUSH, SG: 1989, History of Science & Science Education Interchange 20 (2), 60-
70.
BRUSH, SG & KING, ALY (eds): 1972, History in lhe Teaching of Physics, University
Press of New England, Hanover, NH.
BYBEE, RW: 1990, Teaching History and the Nature of Science in Science Courses:
A Rationale, Science Education.
CAWTHORN, ER & ROWELL, JA: 1978, Epistemology & Science Education, Studies
in Science Education 5, 31-59.
CLEMENT, J.: 1983, A Conceptual Model Discussed by Galileo and Intuitively Used
by Physics Students, in D. Genter and AL Stevens (eds.). Mental Models, Erlbaum,
Hillsdale, NJ, pp. 325-339.
COHEN, IB: 1950, A Sense of History in Science', American Journal of Physics 18,
343-359.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 60
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
COHEN, IB: 1977, History and the Philosopher of Science, in P. Suppes (ed.) The
Structure of Scientific Theories, 2nd edition, University of lllinois Press, Urbana, pp.
308-360.
CONANT, JB: 1945, General Education in a Free Society: Report of the Harvard
Committee, Harvard University Press, Cambridge.
CONANT, JB: 1947, On Understanding Science, Vale University Press, New Haven.
CONANT, JB: Science and Common Sense, Vale University Press, New Haven.
DRAKE, S.: 1978, Galileo At Work, University of Chicago Press, Chicago. DRAKE,
S.: 1980, Galileo, Oxford University Press, Oxford.
DUBLIN, M.: 1989, JJ Schwab A Memoir and a Tribute, Interchange 20 (2), 112-118.
DUHEM, P.: 1906/1954, The Aim & Structure of Physical Theory, trns. PP Wiener,
Princeton University Press, Princeton.
DUSCHL, RA: 1985, Science Education & Philosophy of Science, Twenty-five Years
of Mutually Exclusive Development, School Science and Mathmatics, 87 (7), 541-555.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 61
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
DUSCHL. RA, HAMILTON, R. and GRANDY, RE: 1990, Psychology and
Epistemology: Match or Mismatch when Applied to Science Education?, International
Journal of Science Education 12 (3), 230-243.
EGER, M.: 1972, Physics & Philosophy: A Problem for Education Today, American
Journal of Physics 40, 404-415.
EGER, M.: 1988, A Tale of Two Controversies: Dissonance in the Theory and
Practice of Rationality, Zygon 23 (3), 291-326. Reprinted in MR Matthews (ed.)
History, Philosophy and Science Teaching: Selected Readings, OISE Press, Toronto
and Teachers College Press, New York, 1991.
EGER, M.: 1989, The Interests of Science and the Problems of Education, Synthese
80 (1), 81-106.
EIJKELHOF, H. & SWAGER, J.: 1983, Physics in Society: New Trends in Physics
Teaching IV, UNESCO, Paris.
FINOCCHIARO, MA: 1980a, Galileo and the Art of Reasoning, Dordrecht, Reidel.
FLODEN, RE, BUCHMANN, M., & SCHWILLE, JR: 1987, Breaking with Everyday
Experience, Teachers College Record 88 (4), 485-506.
FORGE, J. c.: 1979, A Role for the Philosophy of Science in the Teaching of Science,
Journal of Philosophy of Education 13, 109-118.
GARRISON, J. & BENTLEY, M.: 1989, Science Education, Conceptual Change, and
Breaking with Everyday Experience, Studies in Philosophy and Education 10 (1), 19-
36.
GAGNE, RM: 1963, The Learning Requirements for Enquiry, Journal of Research in
Science Teaching 1 (2), 144-153.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 62
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
GIERE, RN: 1973, History and Philosophy of Science: lntimate Relationship or
Marriage of Convenience, British Journal for the Philosophy of Science 24, 282-297.
GIERE, RN: 1987, The Cognitive Study of Science, in NJ Nersessian (ed.) The
Process of Science, Martinus Nijhoff, Dordrecht, pp. 139-160.
GILL, W.(ed.): 1977, Symposium on History, Philosophy & Science Teaching, The
Australian Science Teachers Journal 23 (2), 4-91.
GINEW, D.: 1989, Toward a New Image of Science, Studies in Philosophy and
Education 10 (1), 63-72.
GOTSCHL, J.: 1990, Philosophical and Scientific Conceptions of Nature and the
Place of Responsibility, International Journal of Science Education 12 (3), 288-296.
HARDING, S.: 1986, The Science Question in Feminism, Cornell University Press,
Ithaca.
HEILBRON, JL: 1983, The Virtual Oscillator as a Guide to Physics Students Lost in
Plato s Cave, in F. Bevilacqua and PJ Kennedy (eds.), Using History of Physics in
Innovatory Physics Education, Pavia, pp. 162-182.
HELM, H., GILBERT, J. & WATTS, DM: 1985, Thought Experiments & Physics
Education. Parts I, II, Physics Education 20, 124-131; 211-217.
HESSE, MB: 1988, Rationality in Science and Morais, Zygon 23 (3), 327-332.
HODSON, D.: 1982, Science-Pursuit of Truth? Parts I, II, School Science Review 63
(225), 643-652;(226), 23-30.
HODSON, D.: 1986a, Philosophy of Science and the Science Curriculum, Journal of
Philosophy of Education 20, 241-251.
HODSON, D.: 1986b, Rethinking the Role & Status of Observation in Science
Education, Journal of Curriculum Studies 18 (4), 381-396.
HOLTON, G. et al.: 1967, Symposium on the Project Physics Course, The Physics
Teacher 5 (5), 196-231.
HOLTON, G.: 1975, Science, Science Teaching & Rationality, in S. Hook et al.(eds.)
The Philosophy oftheCurricu1um, Promethus Books, Buffalo.
HOLTON, G.: 1978, On the Educational Philosophy of the Project Physics Course, in
his The Scientific Imagination: Case Studies, Cambridge University Press,
Cambridge.
HOLTON, G.: 1986, A Nation At Risk Revisited, in his The Advancement of science &
Its Burdens, Cambridge University Press, Cambridge.
JACOBY, BA & SPARGO, PE: 1989, Ptolemy Revived?, Interchange 20 (2), 33-53.
JENKINS, E.: 1990, History of Science in Schools: Retrospect and Prospect in the
UK, International Journal of Science Education 12 (3), 274-281. Reprinted in MR
Matthews (ed.) History, Philosophy and Science Teaching: Selected Readings, OISE
Press, Toronto and Teachers College Press, New York 1991.
JUNG, W.: 1986, Cognitive Science and the History of Science, in PV Thomsen (ed.)
Science Education and the History of Physics, University of Aarhus.
KAUFFAMN, GB: 1989, History in the Chemistry Curriculum, Interchange 20 (2), 81-
94. Reprinted in MR Matthews (ed.) History, Philosophy and Science Teaching:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 64
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Selected Readings, OISE Press, Toronto and Teachers College Press, New York
1991.
KELLER, EF: 1985, Reflections on Gender and Science, Vale University Press, New
Haven.
KITCHER, P.: 1988, The Child as Parent of the Scientist, Mind and Language 3 (3),
217-228.
KLEIN, MJ: 1972, Use and Abuse of Historical Teaching in Physics, in SG Brush &
AL King (eds.) History in the Teaching of Physcs, University Press of New England,
Hanover.
KLOPFER, LE & COOLEY, WW: 1963, The History of Science Cases for High
Schools in the Development of Student Understanding of Science and Scientists: A
Report on the HOSC lnstruction Ptoject, Journal of Research in Science Teaching 1
(33-47.
KOYRÉ, A.: 1939/1978, Galileo Studies, trans. J. Mephan, Harvester Press, assocks,
Sussex.
KOYRÉ, A.: 1943, Galileo and Plato, Journal of the History of Ideas 4, 400-428.
(Reproduced in his Metaphysics and Measurement, 1968.)
KRAJEWSKI, W.(ed.): 1982, Polish Essays in the Philosophy of the Natural Sciences,
Reidel, Dordrecht.
KUHN, TS: 1959, The Essential Tension: Tradition and Innovation in Scientific
Research, The Third University of Utah Research Conference on the Identification of
Scientific Talent, University of Utah Press, Salt Lake City. Reprinted in his The
Essential Tension, University of Chicago Press, Chicago, pp. 225-239.
KUHN, TS: 1977, Concepts of Cause in the Development of Physics in his The
Essential Tension, University of Chicago Press, Chicago, pp. 21-30.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 65
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
LAKATOS, I.: 1978, History of Science and Its Rational Reconstruction, in J. Worrall
and G. Currie (eds.) The Methodology of Scientific Research Programmes,
Cambridge University Press, Cambridge, pp. 102-138.
LOVING, CC: 1992,'The Scientific Theory Profile: A Philosophy of Science Model for
Science Teachers, Journal of Research in Science Teaching.
MACH, E.: 1883/1960, The Science of Mechanics, Open Court Publishing Company,
LaSalle II.
MACH, E.: 1895/1943, On Instruction in the Classics & the Sciences', in his Popular
Scientific Lectures, Open Court, LaSalle.
MACHAMER, P.: 1978, Galileo and the Causes, in RE Butts and JC Pitt (eds.) New
Perspectives on Galileo, Dordrecht, Reidel, pp. 161-181.
MacLACHLAN, J.: 1990, Drake Against the Philosophers, in TH Levere & WR Shea
(eds.) Nature, Experiment, and the Sciences, KIuwer, Dordrecht, pp. 123-144.
MANUEL, DE: 1981, Reflections on the Role of History & Philosophy of Science in
School Science Education, School Science Review 62 (221), 769-771.
MARTIN, JR: 1989, Ideological Critiques and the Philosophy of Science, Philosophy
of Science 56, 1-22.
MARTIN, JR: What Should Science Educators Do About the Gender Bias in
Science?, in MR Matthews (ed.) History, Philosophy and Science Teaching: Selected
Readings, OISE Press, Toronto and Teachers College Press, New York 1991, pp.
151-166.
MARTIN, M.: 1972, Concepts of Science Education, Scott, Foresman & Co., New
York (Reprinted, University Press of America, 1985).
MARTIN, M.: 1986, Science Education & Moral Education, Journal of Moral
Education 15 (2), 99-108. Reprinted in MR Matthews (ed.) History, Philosophy and
Science Teaching: Selected Raedings, OISE Press, Toronto and Teachers College
Press, New York 1991.
MAS, CJ, PEREZ, JH, and HARRIS, HH: 1.987, Parallels between Adolescents
Conception of Gases and the History of Chemistry, Journal of Chemical Education 64
(7), 616-618.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 66
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
MATTHEWS, MR: 1987, Galileo s Pendulum & the Objects of Science, in B. & D.
Arnstine (eds.) Philosophy of Education, pp. 309-319, Philosophy of Education
Society.
MATTHEWS, MR: 1988, A Role for History and Philosophy in Science, Teaching',
Educational Philosophy and Theory 20 (2), 67-81.
MATTHEWS, MR: 1990a, History, Philosophy, and Science Teaching: The Case of
Pendulum Motion, Research in Science Education 19, 187-198.
MATTHEWS, MR: 1990b, History, Philosophy, and Science Teaching: What Can Be
Done in an Undergraduate Course?, Studies in Philosophy and Education 10 (1), 93-
98.
MENDELSOHN, E.: 1976, Values and Science: a Critical Reassesment, The Science
Teacher 43 (1), 20-23.
MERTPM, RK: 1977, The Sociology of Science: An Episodic Memoir, in RK Merton &
J. Gaston (eds.) The Sociology of Science in Europe, Southern Illinois University
Press, Carbondale, IL., pp. 3-141.
MILLER, JD: 1983, Scientific Literacy: A Conceptual & Empirical Review, Daedalus
112 (2), 29-47.
MISCHEL, T.: 1971, Piaget: Cognitive Conflict and the Motivation of Thought, in T.
Mischel (ed.) Cognitive Development and Epistemology, New York, pp. 311-355.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 67
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
MURRAY, FR (ed.): 1979, The Impact of Piagetian Theory on Education, Philosophy,
Psychiatry, and Psychology, Baltimore. National Curriculum Council: 1988, Science in
the National Curriculum, NCC, York.
NIELSEN, H. & THOMSEN, P.: 1990, History and Philosophy of Science in the
Danish Curriculum, International Journal of Science Education 12 (3), 308-316.
PIAGET, J. & GARCIA, R.: 1989, Psychogenesis and History, Columbia University
Press, New York.
PUMFREY, S.: 1987, The Concept of Oxygen: Using History of Science in Science
Teaching, in M. Shortland & A. Warwick (eds.) Teaching the History of Science, Basil
Balckwell, Oxford, pp. 142-155.
RANDALL, JH: 1940, The School of Padua and the Emergence of Modem Science,
Journal of the History of Ideas 1, 177-206. Reprinted in his The Career of Philosophy,
Volume One, Columbia University Press, New York, 1961.
ROBIN, N. and Ohlsson, S.: 1989, Impetus Then and Now: A Detailed Comparison
between Jean Buridan and a Single Contemporary Subject, in DE Herget (ed.), The
History and Philosophy of Science Teaching, Florida State University, pp. 292-305.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 68
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
ROHRLICH, F.: 1988, Four Philosophical Issues Essential for Good Science
Teaching, Educational Philosophy and Theory 20 (2), 1-6.
RUSSEL, TL: 1981, What History of Science, How Much and Why?, Science
Education 65, 51-64.
SCHEFFLER, I.: 1970, Philosophy and the Currlcu1um, in his Reason and Teaching,
London, Routledge, 1973, pp. 31-44.
SCHILPP, PA (ed.): 1951, Albert Einstein, second edition, Tudor, New York.
SCHWAB, J.: 1964, Structure of the Discip1ins: Meaning & Significances, in GW Ford
& L. Pugno (eds.) The Structure of Knowledge & the Curriculum, Rand McNa11y &
Co., Chicago.
SIEGEL, H.: 1979, On the Distortion of the History of Science in Science Education,
Science Education 63, 111-118.
SIEGEL, H.: 1982, On the Parallel between Piagetian Cognitive Development & the
History of Science, Philosophy of Social Science 12, 375-386.
SETTLE, T.: 1990, How to Avoid Implying that Physicalism is True: A Problem for
Teachers of Science, International Journal of Science Education 12 (3), 258-264.
SHAPERE, D.: 1984, Reason and the Search for Knowledge, Reidel, Dordrecht.
SHORTLAND, M. & WARWICK, A.(eds): 1989, Teaching the History of Science, Basil
Blackwell, Oxford.
SHUELL, T.: 1987, Cognitive Psychology and Conceptual Change: Implications for
Teaching Science, Science Education 71, 239-250.
SIEGEL, H.: 1989, The Rationality of Science, Critical Thinking, and Science
Education, Synthese 80 (1), 9-42. Reprinted in MR Matthews (ed.) History,
Philosophy and Science Teaching: Selected Readings, OISE Press, Toronto and
Teachers College Press, New York 1991.
SOLOMON, J.: 1990, Teaching About the Nature of Science in the British National
Curriculum, Science Education.
STEIN, F.: 1989, Project 206): Education for a Changing Future, in DE Herget (ed.)
The History and Philosophy of Science in Science Teaching, Florida State University,
pp. 339-343.
STEINBERG, MS, BROWN, DE & CLEMENT, J.: Genius is not Immune to Persistent
Misconceptions: Conceptual Difficulties Impending Isaac Newton and Contemporary
Physics Students, International Journal of Science Education 12 (3), 256-273.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 70
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA NO ENSINO: há muitas pedras
nesse caminho...
RESUMO
A relevância da História e da Filosofia da Ciência para a pesquisa em ensino de
ciências, sob diversos aspectos, tem sido apontada com bastante freqüência na
literatura especializada da área. A necessidade de incorporação de elementos
históricos e filosóficos no ensino médio chega a ser praticamente consensual, o que
passou a orientar currículos de parcela significativa das licenciaturas. No entanto, os
professores do nível médio dificilmente incorporam esse tipo de conhecimento em
suas práticas.
Nesse trabalho, relatamos os resultados de uma pesquisa empírica, de natureza
diagnóstica, que buscou investigar as principais dificuldades e experiências de três
grupos de indivíduos acerca do uso da História e da Filosofia da Ciência para fins
didáticos.
Um questionário a esse respeito foi aplicado a 82 sujeitos, entre licenciandos, alunos
de pós-graduação e professores da rede pública. Os resultados suscitam uma série
de questões para reflexão, que transcendem a preocupação com a produção de
material didático de qualidade. O conhecimento pedagógico do conteúdo, a ser
melhor considerado nos cursos de formação inicial, parece ser decisivo na
superação de visões ingênuas sobre o trabalho com a História e Filosofia da Ciência.
Palavras-chave: História da Ciência, Filosofia da Ciência, ensino de Física,
formação de professores.
I. Introdução
A História e Filosofia da Ciência (HFC) apresenta múltiplas dimensões. Por um lado,
representa um vasto campo de estudos e pesquisas que vem construindo, ao longo
dos anos, suas bases teóricas e suas especificidades.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 71
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Por outro lado, constitui-se em área do conhecimento com fortes e profundas
implicações para a Didática das Ciências. Nesse sentido, podemos falar em HFC no
ensino de ciências.
Nosso foco, nesse trabalho, é a segunda dessas dimensões.
Ao longo das últimas décadas, a pesquisa em ensino de ciências tem evidenciado a
relevância do papel desempenhado pela HFC no ensino e aprendizagem das
ciências. Há um número grande de artigos publicados em revistas especializadas da
área que, nos eventos e congressos, destina espaços específicos para essa
temática. Nesse terreno da pesquisa em ensino, o interesse pela HFC relaciona-se a
questões de várias ordens. Há aspectos teóricos que são trabalhados a partir de
elementos oriundos do campo da HFC, tais como: a fundamentação de modelos de
ensino e aprendizagem (p. ex.: o Modelo de Mudança Conceitual MMC de POSNER
et al., 1982); o estabelecimento de críticas às perspectivas colocadas por esses
modelos (p. ex.: críticas de VILLANI, 1992; MORTIMER, 1995, 2000, ao MMC); o
questionamento de bases teóricas do construtivismo (p. ex.: MATTHEWS, 1994;
OGBORN, 1997; GEELAN, 1997; MARÍN MARTÍNEZ et al., 1999; LABURU;
CARVALHO, 2005).
Já do ponto de vista mais prático e aplicado, a HFC pode ser pensada tanto como
conteúdo (em si) das disciplinas científicas, quanto como estratégia didática
facilitadora na compreensão de conceitos, modelos e teorias.
Embora se possa separar a História da Filosofia da Ciência, acompanharemos a
maior parte da literatura da área de pesquisa em ensino de ciências e utilizaremos,
nesse trabalho, a expressão História e Filosofia da Ciência HFC para referirmo-nos a
esse conjunto de saberes até certo ponto interrelacionado e coeso, representado
pela conhecida frase de Imre Lakatos: A Filosofia da Ciência está vazia sem História
da Ciência; a História da Ciência está cega sem Filosofia da Ciência . Para os
propósitos desse trabalho, isso é suficiente.
Apenas para citar alguns exemplos: o volume 10, número 3 (2004), da revista
Ciência & Educação, é totalmente dedicado à HFC. Recentemente, uma coletânea
de trabalhos sobre essa temática foi publicada sob o nome de Estudos de história e
filosofia das ciências: subsídios para aplicação no ensino (nas referências, ver, p.
ex., MARTINS, 2006). Nos últimos SNEF´s e EPEF´s, sempre houve mesas
redondas e sessões de trabalhos sobre HFC.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 72
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Diversos autores convergem nessa direção, defendendo e expondo razões para a
presença da HFC nas salas de aula dos diversos níveis de ensino (p. ex.: ZANETIC,
1990; GIL PÉREZ, 1993; MATTHEWS, 1994; VANNUCCHI, 1996; PEDUZZI, 2001;
EL-HANI, 2006; MARTINS, 2006).
A necessidade de uma abordagem histórico-filosófica dos conteúdos das disciplinas
científicas vem à tona, também, a partir de outras perspectivas, como a representada
pelo movimento CTS para o ensino de ciências (SANTOS, 2001). Nessa linha, as
recentes reformas educacionais, em nosso país, apontam para a necessidade da
contextualização histórico-social do conhecimento científico, o que implica em
considerar a contribuição da HFC (ver, p.ex., os Parâmetros Curriculares Nacionais e
os PCN+).
Devido às implicações teóricas e práticas da HFC para o ensino de ciências, tornou-
se evidente a relevância da dimensão histórica e filosófica na formação de
professores de ciências (CARVALHO; GIL PÉREZ, 1998; MARANDINO, 2003;
BRITO et al., 2004; DUARTE, 2004). Assim, a HFC surge como uma necessidade
formativa do professor, na medida em que pode contribuir para: evitar visões
distorcidas sobre o fazer científico; permitir uma compreensão mais refinada dos
diversos aspectos envolvendo o processo de ensino-aprendizagem da ciência;
proporcionar uma intervenção mais qualificada em sala de aula.
Vários cursos de licenciatura das áreas científicas, nos últimos anos, têm
contemplado essa questão, seja por intermédio de uma disciplina específica que
trate do conteúdo histórico e filosófico, seja de um modo mais disperso, em que
esses elementos encontram-se presentes nos róis de conteúdos de outras
disciplinas, em seminários etc. Dessa forma, espera-se dar conta, minimamente,
dessa necessidade formativa dos professores, com reflexo em suas práticas.
No entanto, a simples consideração de elementos históricos e filosóficos na
formação inicial de professores das áreas científicas ainda que feita com qualidade
não garante a inserção desses conhecimentos nas salas de aula do ensino básico,
tampouco uma reflexão mais aprofundada, por parte dos professores, do papel da
HFC para o campo da didática das ciências. As principais dificuldades surgem
quando pensamos na utilização da HFC para fins didáticos, ou seja, quando
passamos dos cursos de formação inicial para o contexto aplicado do ensino e
aprendizagem das ciências.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 73
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Alguns desses problemas, enfrentados por professores do nível médio, são também
conhecidos dos pesquisadores da área: a falta de material pedagógico adequado,
assim como as dificuldades de leitura e interpretação de texto por parte dos alunos.
Seriam apenas esses? Como os professores e futuros professores das disciplinas
científicas vêem a perspectiva da utilização da HFC no ensino? Em que medida a
prática docente, no ensino médio, já contempla essa perspectiva? O contato com
esse tipo de conteúdo, nas licenciaturas, leva a uma mudança dessa prática? Quais
os principais obstáculos a serem enfrentados, na visão dos professores?
Acreditamos que a busca dessas respostas contribua para a reflexão acerca do
papel da HFC no ensino de ciências. Nesse sentido está direcionado esse trabalho.
II. Objetivos
O principal objetivo desse trabalho é apresentar os resultados de um estudo
empírico, de natureza diagnóstica, que procurou investigar as visões de três grupos
de sujeitos acerca da utilização de elementos da HFC nas salas de aula de Física do
ensino médio.
De um ponto de vista mais amplo, esse estudo pretende fornecer subsídios para que,
a partir da compreensão das dificuldades reais enfrentadas pelos professores,
possamos refletir sobre formas de ação e intervenção pedagógica que, efetivamente,
venham a contribuir para a inserção de elementos de HFC no ensino de ciências.
Além disso, a pesquisa objetiva trazer dados que possam informar e reorientar os
currículos das licenciaturas no que se refere à HFC.
III. Metodologia
O estudo diagnóstico de que trata esse trabalho tem um caráter essencialmente
descritivo e qualitativo (TRIVIÑOS, 1987; ALVES-MAZZOTTI;GEWANDSZNAJDER,
1999). Partiu-se da elaboração de um questionário, que visava caracterizar
minimamente os sujeitos da pesquisa (sexo, idade, se leciona ou não, local de
trabalho), explorando, a seguir, perguntas específicas acerca do tema História e
Filosofia da Ciência (essas perguntas podem ser consultadas no Anexo).
O questionário foi aplicado a três grupos de sujeitos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 74
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Uma versão anterior do questionário fora aplicada, previamente, a uma turma de
alunos da licenciatura em física que não participou da pesquisa posterior. A intenção
foi aprimorar o questionário e corrigir possíveis erros.
5 A análise (parcial) dos dados referentes ao G1 pode ser encontrada em MARTINS
(2005). Essa análise será retomada aqui, em função da ampliação do universo de
dados.
GRUPO 1 (G1): alunos do curso (noturno) de licenciatura em Física da UFRN. Num
primeiro momento (2 o semestre de 2004), tomou-se a turma que cursava a
disciplina de Prática de Ensino de Física II, ampliando-se depois a amostra com os
alunos das disciplinas de Prática de Ensino de Física I e Prática de Ensino de Física
II, no 1 o semestre de 2005;
GRUPO 2 (G2): alunos do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática (PPGECNM) da UFRN, que cursavam no 1º semestre de
2006 a disciplina História das Ciências e Ensino de Ciências da Natureza e da
Matemática 6;
GRUPO 3 (G3): alunos de um curso de extensão intitulado Tópicos de História e
Filosofia da Física, oferecido pela UFRN no 2º semestre de 2006.
Os sujeitos do G1 eram, à época da pesquisa, alunos do último ano do curso de
licenciatura em Física. Muitos desses estudantes já atuavam como professores das
redes pública e particular do estado do Rio Grande do Norte, enquanto outros
realizavam estágios supervisionados em escolas públicas.
O G2 era constituído, em sua quase totalidade, por professores da rede pública do
estado do Rio Grande do Norte, uma vez que o Programa de Mestrado em questão é
profissionalizante e privilegia esse perfil em seu processo seletivo.
Da mesma forma que o G2, o G3 continha, em sua maioria, professores que
lecionavam Física na rede pública estadual de ensino, a quem o curso de extensão
fora direcionado. Havia um professor que atuava na rede privada, e alguns alunos de
licenciatura que ainda não lecionavam .
A Tabela 1 sintetiza características dos três grupos de sujeitos da pesquisa.
Analisaremos, na próxima seção, as respostas obtidas com a aplicação dos
questionários.
Essa disciplina foi cursada por alunos das áreas de Física, Química e Matemática.
Para efeito de análise, nesse trabalho, consideraremos apenas os alunos de Física.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 75
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Cabe apontar que, no caso do G2 e do G3, o questionário foi aplicado como primeira
atividade da disciplina e do curso de extensão, respectivamente.
]IV. Análise e discussão dos resultados
A soma dos que atuam em escolas particulares e públicas pode ultrapassar o total de
professores porque há sujeitos que atuam nos dois tipos de escolas.
Um primeiro resultado importante a destacar é a ausência de necessidade de uma
discussão em separado das respostas de cada grupo. Isso porque, inicialmente,
fizemos apenas a categorização das respostas do G1 a cada questão verificando,
em seguida, que as mesmas categorias oriundas da análise permitiam acomodar as
respostas dos outros dois grupos.
No que se refere à questão 1, há uma expressiva uniformidade das respostas: no
G1, 51 dos 53 sujeitos (96,2%) responderam sim. Um único sujeito respondeu não
(1,9%), e outro, em parte (1,9%), justificando possuir interesse apenas por História,
mas não por Filosofia da Ciência. Já no G2 e G3, 100% dos sujeitos afirmaram
interessar-se pelo tema. No caso desses dois últimos grupos, por sua própria
constituição, esperava-se um alto índice de respostas afirmativas. Isso não seria
necessariamente verdadeiro entre os licenciandos (G1), mas os resultados foram
significativos no sentido de evidenciar o atrativo da HFC.
As respostas à questão 2 mostram que os sujeitos do G2 tiveram um contato formal
maior com a HFC: nesse grupo, 7 sujeitos (70%) já haviam cursado uma disciplina
ou feito outros cursos envolvendo o tema, enquanto 3 sujeitos (30%) não o fizeram.
Já no G1, 24 sujeitos (45,3%) cursaram disciplinas, enquanto 29 questionados
(54,7%) não. No G3, foram 9 sujeitos (47,4%) contra 10 (52,6%) praticamente a
mesma proporção.
No caso do G1, isso se deve, primordialmente, ao fato de parte do grupo ser
constituído por alunos de Prática de Ensino de Física I que, em sua maioria, não
haviam cursado a disciplina de História e Filosofia da Ciência (os alunos de Prática
de Ensino de Física II cursam essa disciplina, normalmente, em paralelo ). Já no
caso do G3, os diferentes currículos e cursos de formação inicial explicam a
ausência de contato com disciplinas específicas sobre o tema (cerca de um terço
desse grupo não era formado em Física, mas em cursos como farmácia, agronomia,
psicologia etc.).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 76
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O mais relevante a destacar aqui é que o contato mais formal com conteúdos de
HFC não parece afetar o teor das respostas, seja em relação ao interesse (questão
1, acima) e valor atribuídos à HFC, seja em relação a uma avaliação das dificuldades
relativas à temática (questões seguintes). Uma análise em separado dos sujeitos que
haviam cursado uma disciplina específica sobre esse tema, frente àqueles que não o
haviam feito, não permitiu qualquer conclusão relevante.
Em relação à importância atribuída à presença da HFC no ensino médio (questão 3),
notamos novamente uma uniformidade entre os grupos, bem como uma maioria
expressiva em favor do sim : no G1, 48 (90,6%) responderam afirmativamente, e
apenas 5 sujeitos (9,4%) disseram em parte (ninguém respondeu não ). As
justificativas dos que responderam em parte foram: o pouco interesse dos alunos, a
extensa lista de conteúdos já presentes no ensino médio, a possibilidade de colocar
esses elementos como leitura complementar e a necessidade de contemplar outras
disciplinas. Já no G2, os 10 sujeitos (100%) responderam afirmativamente, enquanto
no G3 tivemos 18 (94,7%) sim e apenas 1 (5,3%) em parte (esse sujeito defendeu
que a HFC fosse dissolvida no decorrer do ensino médio).
As justificativas daqueles que responderam em parte são relevantes para a análise,
mas remetem a aspectos que ressurgiram em respostas a outras questões, razão
pela qual não as discutiremos nesse momento.
Ainda sobre a questão 3, apontamos na Tabela 2, a seguir, as principais justificativas
dadas pelos sujeitos para a importância da presença da HFC no ensino médio
(tentamos agrupar as respostas em torno de idéias centrais por elas compartilhadas)
Tabela 2: Por que é importante a presença da HFC no ensino médio?
O uso da História e da Filosofia...
Total*
1. Mostra o desenvolvimento histórico da ciência, como ela realmente evoluiu, como
ela é feita. 22
2. Ajuda a entender melhor os conteúdos, a origem dos conceitos; facilita o
aprendizado das leis, princípios e conceitos. 19
3. Dá sentido ao conhecimento, contextualiza-o. 14
4. Ajuda a despertar a curiosidade dos alunos e o seu interesse pela ciência; é
interessante; torna o ensino mais prazeroso. 13
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 77
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
5. Contribui para desmistificar a ciência, mostrando erros dos grandes pensadores;
contribui para uma visão crítica . 10
6. Mostra a importância da ciência na sociedade; faz parte da cultura. 6
7. Ajuda a mostrar semelhanças entre as idéias históricas e as concepções
(alternativas) dos alunos. 3
8. Contribui para a interdisciplinaridade. 1
* Essa coluna representa o número total de citações de cada uma das categorias
(um mesmo sujeito pode haver citado mais de uma categoria).
As razões elencadas na Tabela 2 apesar do uso de uma linguagem mais coloquial
têm estreita relação com a defesa da HFC que é feita por diversos autores, já citados
(p.ex.: ZANETIC, 1990; GIL PÉREZ, 1993; MATTHEWS, 1994; VANNUCCHI, 1996;
PEDUZZI, 2001; EL-HANI, 2006; MARTINS, 2006).
Como a própria distribuição das respostas entre as categorias não difere de forma
significativa entre os grupos, não havendo justificativa para uma análise comparativa
aprofundada entre eles, apresentaremos apenas o número total de citações. Isso
também vale para as demais questões.
A questão 4 era central em nossa pesquisa, pois tratava das principais dificuldades
para se trabalhar com a HFC no ensino médio. Na opinião dos sujeitos questionados,
os principais obstáculos seriam (Tabela 3).
Tabela 3: Dificuldades no trabalho com a HFC
Obstáculos...
Total*
1. A falta de material didático adequado; a pouca presença desse tipo de conteúdo
nos livros existentes. 36
2. O currículo escolar, voltado para os exames vestibulares; os conteúdos exigidos
pelas escolas. 23
3. O pouco tempo disponível para isso. 20
4. Vencer a resistência dos alunos e da própria escola, apegados ao ensino
tradicional. 16
5. A formação dos professores; a falta de preparo do professor. 14
6. O pouco interesse dos alunos. 8
7. O planejamento e a execução das aulas em si; a possibilidade da aula ficar
cansativa ou monótona. 8
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 78
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
8. A falta de interesse ou vontade do professor. 6
9. O pouco hábito de leitura dos alunos; a dificuldade dos textos. 6
10. A falta de interdisciplinaridade. 2
11. Custo dos livros. 1
* Essa coluna representa o número total de citações de cada uma das categorias
(um mesmo sujeito pode haver citado mais de uma categoria).
Embora haja, sem dúvida, uma certa sobreposição de idéias, procuraremos discutir,
um a um, os tipos de respostas listados na Tabela 3.
A maior dificuldade apontada pelos sujeitos para o trabalho com a HFC já era, de
certo modo, esperada por nós: a falta de material didático adequado, e a pouca
presença desse tipo de conteúdo nos livros existentes. Cerca de 44% dos 82
questionados fizeram referência a esse aspecto.
Em segundo lugar, com um número grande de citações (28%), aparece a questão do
currículo escolar e dos exames vestibulares. Pelas justificativas, podemos perceber
que os sujeitos sentem-se amarrados a uma lista de conteúdos presente nos livros
didáticos e assumida pelas escolas, quase sempre visando ao vestibular. Ainda que
essa pressão pelo cumprimento de um programa preestabelecido seja mais forte na
rede privada, ela atinge também aqueles que atuam na rede pública, como sabemos.
Os livros e os vestibulares representam, há muito tempo, protótipos para os
currículos de Física nas escolas de nível médio.
Em virtude de tudo isso, notamos que os questionados acabam por considerar a
possibilidade de se trabalhar a HFC como algo exterior aos currículos existentes, ou
seja, que precisaria ser contemplado em algum horário extra.
Nesse sentido, surge o próximo item da lista (o pouco tempo disponível para isso ),
também muito citado entre os sujeitos. Para eles, o tempo é insuficiente porque os
conteúdos históricos e filosóficos seriam algo a mais, que deveria, portanto, ser
adicionado ao currículo atual. Nota-se que o uso da HFC não é pensado como uma
estratégia didática que substitua ou complemente outras abordagens na
aprendizagem dos conteúdos já existentes, mas como um novo conteúdo (nenhum
sujeito abordou a questão defendendo a necessidade de um tempo maior devido à
própria natureza de uma estratégia didática que fizesse uso da HFC. O tempo maior
é porque se trata realmente de outros saberes).
Transcrevemos abaixo algumas respostas, como exemplo do que foi dito acima:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 79
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O tempo da disciplina de Física não contribui para isso, é necessário um horário
independente para incluir esse conhecimento (G1).
Penso que seria a falta de tempo, pois a quantidade de aulas semanais é insuficiente
para cumprir os tópicos necessários para aquele ano ou semestre. Desta forma o
professor fala muito pouco sobre história e filosofia, já que o conteúdo e a aula de
exercício são prioridades (G1).
A carga horária não permite adicionar mais conteúdo à disciplina (G3).
A quarta dificuldade da lista refere-se à resistência dos alunos e da escola a qualquer
inovação: um apego ao tradicionalismo. Os sujeitos temem romper com práticas
estabelecidas e comuns nas escolas, e com isso passarem por maus professores. O
interessante é que isso mostra uma certa falta de conhecimento e de convicção em
relação ao uso de estratégias didáticas que fujam ao verbalismo e à simples
exposição de conteúdos. Também pode indicar um desconhecimento do
funcionamento real das escolas e até um certo grau de acomodação . De certo
modo, atribui-se ao outro (os alunos, a direção etc.) um receio que pode ser do
próprio docente.
Vejamos exemplos desse tipo de resposta:
O tradicionalismo dos alunos já estarem acostumados com iniciar o período letivo
com conteúdos, conceitos, fórmulas, e se o professor tentar fugir essa regra,
buscando conceitos diferentes, os alunos falam logo que o professor está enrolando
(G1).
Os alunos estão bitolados a contas e fórmulas dogmáticas, quando o professor
insere esse tipo de informação o aluno acha que o professor está enrolando na aula
(G1).
Os próprios alunos já esperam que o professor chegue em sala e despeje conteúdos
sem relacioná-los (G3).
A seguir, é apontado como obstáculo a própria formação e a falta de preparo dos
professores. Em algumas justificativas, a responsabilidade é explicitamente dirigida
aos cursos de formação inicial. Em outras, essa responsabilidade não fica
claramente determinada, podendo ser tanto dos currículos das licenciaturas quanto
relativas a uma busca pessoal dos professores em prol de sua própria formação.
Vejamos dois exemplos:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 80
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O que mais dificulta é a nossa própria formação. No curso superior de Física se
trabalha muito com números (G2).
Falta de preparação dos professores em abordar esses assuntos e também a
deficiência no próprio processo de formação dos professores de Física (G3).
Passando para itens citados por cerca de 10% dos sujeitos ou menos, encontramos
o pouco interesse dos alunos como mais uma dificuldade. É relevante observarmos
que, embora a quase totalidade dos questionados considere a temática da HFC
interessante, para si mesmos (questão 1), há, dentre eles, aqueles que não
acreditam que esse tipo de conteúdo poderia despertar o interesse dos alunos do
ensino médio.
Ao manifestarem preocupação com o planejamento e execução das aulas, 8 sujeitos
remetem pela primeira vez de modo explícito as dificuldades para os professores.
Embora em número reduzido, esses sujeitos apontam uma importante questão que
permeia várias das respostas categorizadas em itens anteriores, mas que, aqui,
aparece claramente: a do como fazer, ainda que se tenha conhecimento do conteúdo
histórico e filosófico. Um exemplo:
A dificuldade pode estar relacionada (...) com a forma como esses conhecimentos
devem ser introduzidos no ensino, ou seja, como fazer para levar esse conhecimento
para sala de aula (G2).
Ainda no âmbito da atribuição da responsabilidade aos professores, 6 sujeitos
citaram a falta de interesse ou vontade do professor. Outros 6 elencaram a
dificuldade dos textos e o pouco hábito de leitura dos alunos.
Por último, 2 sujeitos apontaram a falta de interdisciplinaridade como um obstáculo, e
um único questionado fez referência ao custo dos livros (embora pouco lembrado,
isso é certamente uma dificuldade, principalmente para professores da rede pública
estadual do RN).
Um resultado interessante surge se tentarmos agrupar as categorias que remetem a
dificuldades e obstáculos considerados digamos como externos ao sujeito (distantes
de sua ação e responsabilidade imediatas), contrapondo-o a outro grupo de
categorias, relativo a sua responsabilidade mais direta. No primeiro grupo entrariam
os itens de 1 a 6, e de 9 a 11 (embora haja uma certa dubiedade em relação ao item
5, a maior parte dos sujeitos referem-se, aqui, aos cursos de formação inicial, como
foi dito). No segundo grupo, estariam apenas as categorias 7 e 8. Assim, teríamos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 81
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
como resultado 126 citações de problemas externos, contra apenas 14 citações de
problemas próprios do sujeito.
Passemos agora à questão 5, cujos resultados encontram-se na Tabela 4.
Esses dados precisam ser lidos com cuidado, pois devem refletir as diferentes
experiências pessoais de leitura e estudo de tópicos relativos à HFC.
Caberia apenas apontar o grande número de citações da Óptica e do
Eletromagnetismo, considerados conteúdos difíceis de serem trabalhados
historicamente, e, por outro lado, a maior facilidade com a Mecânica. Isso pode, a
nosso ver, refletir a maior ou menor existência de textos e materiais didáticos
acessíveis acerca de cada um desses conteúdos.
Notemos ainda que, na primeira coluna da Tabela 4, poderíamos unificar Mecânica
com Cinemática, o que representaria uma maior incidência desse assunto. O mesmo
ocorreria com Física Moderna e Relatividade, que passaria a ser o tópico de maior
dificuldade. Com relação à segunda coluna, a fusão de Mecânica com Gravitação (e,
quem sabe, Astronomia) elevaria ainda mais esse conteúdo na lista dos mais fáceis.
A última questão tencionava fornecer indícios ainda que de uma maneira superficial
do uso da HFC pelos professores, nas salas de aula do ensino médio. Excetuando-
se os 22 estagiários do G1, tivemos 60 respostas. Como vemos na Tabela 5, abaixo,
a maioria afirma já haver tentado utilizar a HFC em suas aulas.
No entanto, a análise das respostas aponta para um quadro menos otimista.
Daqueles que responderam afirmativamente, uma parte (coincidentemente, cerca de
um terço, em cada grupo) manifestou de forma muito vaga a sua experiência com a
HFC (muito embora a pergunta solicitasse: O que você fez, exatamente (que tipo de
atividade realizou)? ). Exemplos: Sim, apresentando os conteúdos e conhecimentos
num contexto histórico e filosófico da ciência (G2).
Somente através da explanação aos alunos do histórico do conhecimento estudado
(G3).
Frases como essas não permitem inferir muita coisa acerca do trabalho dos
professores.
Outra parcela de sujeitos limitaram-se a apontar conteúdos ou temas específicos que
foram trabalhados (p.ex.: dinâmica e estudo do movimento; gravitação e modelos de
universo; visão de Aristóteles e Galileu sobre a queda dos corpos), sem, entretanto,
fazer alguma referência ao tipo de atividade realizada.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 82
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Em muitas dessas respostas o sujeito afirma ter falado sobre... um certo assunto, ou
contado aos alunos... sobre um determinado tema.
Apenas cerca da metade dos que disseram sim conseguiu explicitar, um pouco
melhor, aspectos de natureza metodológica no trabalho com a HFC. As estratégias
citadas envolvem, em geral, o uso de textos/leituras, mas aparecem também em
menor grau seminários, pesquisas, discussões coletivas e debates.
A questão 6 não permitiu o aprofundamento e detalhamento que esse tópico
certamente necessitaria, mas revelou outro ponto que merece destaque: a percepção
que tivemos de que, independentemente do tema, a HFC é vista como um tipo de
conteúdo a ser usado como introdução de um assunto, em geral. Não parece ser
parte integrante de outros momentos do desenvolvimento do programa, mas algo
que se utiliza com a perspectiva de motivar os alunos para estudos posteriores, ou
apresentar o assunto. Nesse sentido, ela seria também uma estratégia, mas
vinculada (e limitada) à motivação. Vejamos alguns exemplos:
Sim. Expliquei antes do tema a ser discutido em sala e fiz uma explanação sobre a
História da Ciência relacionada ao tema (G1).
Sim. Antes de começar o conteúdo gerei questionamentos para observar as
concepções espontâneas e relacioná-las com pensamentos históricos (G1).
Sim, eu fiz isto em minha primeira aula com o tema de Dinâmica, falando um pouco
da história de Newton (G1).
Só quando vou iniciar algum assunto apresento um pouco da História (G3).
Passemos às considerações finais.
V. Considerações finais
A pesquisa procurou trazer à tona um quadro preliminar das visões de professores e
futuros professores do RN no que se refere às dificuldades e experiências relativas
ao uso didático da HFC. Embora consideremos que esses dados possam ser
ampliados, ou ainda aprofundados por meio de outros instrumentos de análise,
acreditamos que eles trazem importantes questões para reflexão para aqueles que
se interessam pelo tema. Esquematicamente, apontamos as seguintes:
Se a HFC é quase uma unanimidade, porque não a vemos contemplada nas salas
de aula do ensino médio e em livros didáticos? A resposta é, certamente, simples:
não é fácil fazer. Nossos dados reforçam a idéia de que há um abismo entre o valor
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 83
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
atribuído à HFC (questões 1 e 3) e a sua utilização, com qualidade, como conteúdo e
estratégia didática nas salas de aula do nível médio.
A produção de material didático de qualidade, embora o mais citado, não é o único
problema a ser considerado no contexto de dificuldades a serem enfrentadas. Há a
necessidade de um trabalho em diversas outras frentes. Existe, por exemplo, a
questão dos exames vestibulares e dos conteúdos exigidos pelas escolas, aos quais
os indivíduos sentem-se presos. Para esse tipo de problema (como, aliás, para os
demais da Tabela 3), a produção de materiais didáticos (que, inclusive, tem crescido
em quantidade e qualidade) não é a solução.
Do ponto de vista da formação de professores, não basta que tenhamos disciplinas
de HFC nas licenciaturas. É preciso refletir sobre o como fazer. Embora muitos
sujeitos afirmem a importância da HFC como uma estratégia didática facilitadora na
compreensão de conceitos (ver item 2 da Tabela 2), boa parte dos questionados,
contraditoriamente, não percebe de forma clara o uso da HFC como tal, limitando-se
a considerar essa perspectiva apenas como um conteúdo em si, algo a ser
acrescentado ao currículo escolar já estabelecido para o ensino médio (daí a falta de
tempo como obstáculo, como chamamos a atenção anteriormente).
É relevante que, dentre os sujeitos que parecem refletir sobre os aspectos
metodológicos, surjam dúvidas quanto ao planejamento e à execução das aulas, e
um receio de deixá-las monótonas (nesse sentido, a questão do material didático
passa para um segundo plano, uma vez que como usá-lo torna-se o ponto crucial).
Os cursos de formação inicial e continuada de professores precisam levar isso em
conta, pois de nada adianta o conhecimento do conteúdo (ainda que esse conteúdo
seja o histórico e filosófico) sem o conhecimento pedagógico do conteúdo. Se
quisermos contemplar a HFC no ensino médio, devemos trazer esse debate
metodológico para os currículos das licenciaturas, buscando uma maior integração
com outras áreas do conhecimento, como a Pedagogia e a História.
Em sintonia com o que foi colocado no item anterior, acreditamos que o trabalho na
direção de um conhecimento pedagógico do conteúdo contribua para problematizar
visões que consideramos ingênuas acerca do uso da HFC para fins didáticos. A HFC
ainda é pensada como algo periférico, secundário, como uma ilustração . Mesmo
quando pensada em termos de conteúdo, é algo a ser acrescentado, quase sempre
como uma introdução aos assuntos e temas regulares do currículo. Como estratégia,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 84
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
limita-se praticamente ao aspecto motivacional, visando despertar o interesse dos
alunos para novamente os assuntos regulares . Os próprios professores não
parecem levar muito a sério a perspectiva de aprender Física com a HFC. Mas, como
ilustração , sabemos que ela dificilmente cumpre o seu papel.
Há, como vimos, um número reduzido de respostas que atribuem as dificuldades aos
próprios professores. Ainda para a maioria, a fonte dos problemas está fora de sua
alçada: são os materiais, os vestibulares, as escolas, os alunos. A culpa é sempre do
outro. É preciso fazer com que os professores percebam seu papel e sua
responsabilidade nesse processo, trazendo esse debate e mostrando experiências
concretas nos cursos de formação.
Seria oportuno lembrar que o referendo final deve ser sempre a sala de aula: esse
ambiente altamente complexo no qual as teorias se concretizam. Seguindo Peduzzi
(2001, p. 157), é, sem dúvida, a pesquisa, em condições de sala de aula e com
materiais históricos apropriados, de boa qualidade, que vai referendar ou refutar
afirmações acerca do papel da História da Ciência na formação de professores e no
ensino em geral.
Finalizando, gostaríamos de dizer que esse trabalho faz parte de um projeto mais
amplo, em andamento, que pretende fomentar formas de intervenção pedagógica
que contemplem a inserção de elementos da HFC nas salas de aula do ensino médio
do RN. Os passos seguintes já foram dados: a criação de um grupo de estudos
sobre HFC, com vistas a trabalhos futuros, e a elaboração de um curso de extensão
universitária para professores da rede pública, visando discutir o papel da HFC no
ensino e oferecer algumas alternativas em termos de atividades didáticas. O
trabalho, nessa direção, não tem sido fácil. Mas essa história fica para uma próxima
publicação...
REFERÊNCIAS
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 86
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
PEDDUZZI, L. O. Q. Sobre a utilização didática da História da Ciência. In:
PIETROCOLA, M. Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa
concepção integradora. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. cap. 7, p. 151-170.
Anexo
PROJETO DE PESQUISA QUESTIONÁRIO
TEMA: História e Filosofia da Ciência
1) Você se interessa por esse tema?
Sim
Não
Em parte (explique) _________________________________________________
2) Já cursou alguma disciplina (na universidade) ou fez algum outro curso
envolvendo
História e Filosofia da Ciência?
Sim
Qual(is)?
Não
3) Você acha importante que elementos da História e Filosofia da Ciência estejam
presentes no ensino médio?
Sim
Não
Em parte
Por quê?
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 87
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
4) Na sua opinião, quais as principais dificuldades para se trabalhar com a História e
Filosofia da Ciência no ensino médio?
5) Dos conteúdos usuais da Física do ensino médio, qual (ou quais) você considera
mais difícil de ser trabalhado incorporando elementos da História e Filosofia da
Ciência? E qual (ou quais) o mais fácil?
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 88
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O HISTORIADOR E A CULTURA POPULAR: história de classe ou
história do povo?
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 89
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
total. É o cansaço e a saturação do sonho liberal e a necessidade de exorcizar o
passado.
Vivemos, portanto, o enfrentamento da certeza de que nossos modelos e nossas
concepções do social estão em crise, porque não conseguem dar conta destas
questões presentes no cotidiano. Por isto mesmo, a derrota das ortodoxias, dos
―ismos‖ de toda a natureza, a recusa aos fechamentos modelares, o sucesso da crise
libertária e a valorização do pluralismo político, filosófico e cultural 3.
Essa é a característica comum, diz Rouanet, de todas as descrições da sociedade
pós-moderna: o social como um fervilhar incontrolável de multiplicidades e
particularismos, pouco importando se alguns vêem nisso um fenômeno negativo,
produto de uma tecnociência que programa os homens para serem átomos, ou
outros um fenômeno positivo, sintoma de uma sociedade rebelde a todas as
totalizações ou o terrorismo do conceito, ou da polícia 4.
Vivemos, pois, uma clara consciência de ruptura, restando compreender se se trata
apenas do questionamento e mal estar do fim da modernidade, ou se corresponde a
uma ruptura real em todos os campos do social. De qualquer maneira, resta a
indicação de que se trata de algo indefinível porque traduz uma sensação, mais do
que o resultado, ou evidência, de uma realidade cristalizada.
E afinal, se este é o nosso presente e se concordamos que ―a História é um objeto
de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo
saturado de agoras‖ como disse Benjamin5, precisamos fundar um conceito sobre
este presente e este agora, pois é com ele que vamos preencher o tempo histórico,
sempre assumindo o campo imenso de possibilidades que ele representa para os
―fazedores de história‖ em todos os níveis e concepções.
Neste sentido, queremos inverter a relação passado/presente para tornar mais
explícita a relação do momento do qual partimos, ou seja, entre nossos problemas,
nossas lutas e a experiência histórica de outros momentos, para conseguir assim
politizar a história que transmitimos e produzimos 6.
Para não perpetuarmos visões de um passado mistificado, com acontecimentos
cristalizados, com periodizações que pouco tem a ver com as perspectivas que
queremos desvendar, há que definir uma concepção de presente, que nos permita
atribuir significado ao passado, e mais, que nos oriente em direção ao futuro que
queremos construir, ou estaríamos traduzindo em conservadorismo social o culto
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 90
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
pelo passado e transformando a memória em instrumento de prisão e não libertação,
como deve ser 7.
II - Comecemos por colocar em evidência, para poder explicitar posições, algumas
das questões mais candentes que se fazem presentes no debate entre os
historiadores brasileiros preocupados com projetos desta natureza e com os temas
do Trabalho e da História Social.
Seria necessário falar, em primeiro lugar, da importância que atribuimos à História, à
produção de seu conhecimento, sua difusão e transmissão. De certa maneira,
estamos acostumados a fazer esta discussão sempre de forma seccionada, ou seja,
nos Cursos de História, nos Encontros Científicos e em Seminários; falamos da
produção do conhecimento, fazemos a crítica historiográfica da última produção
apresentada, ou de diferentes formas de abordagem, problemas metodológicos,
técnicas sofisticadas. De outro lado, reservamos, nestes mesmos encontros ou
seminários, algum espaço para falarmos do ensino de História, quase sempre com
certo tom de condescendência, como atividade paralela ou secundária, ou atendendo
aos apelos e angústias de uma discussão reclamada pelos professores, que
formamos e que se encontram no dia a dia das escolas, atarantados e confusos com
a precariedade das condições de trabalho, mas sobretudo, com um assustador
despreparo profissional para enfrentar a realidade da escola e do ensino.
Digo isto para acentuar como dialogamos pouco sobre nossas concepções, ou quase
nada discutimos sobre a teoria subjacente às nossas úria, ou atendendo aos apelos
e angdescendosdol e com os temas do Trabalho e da Hi investigações, acabando
por não partilhar das reflexões sobre o cotidiano de nossa atividade de historiadores
e do significado que atribuímos às tarefas de fazer avançar nossa profissão que,
afinal, passa pela valorização da História no social. Pouco sabemos das intenções e
objetivos dos profissionais da História quanto aos compromissos da prática social e,
quando digo isto, estou pensando, principalmente, na nossa prática profissional
como historiadores.
Neste particular, minhas reflexões sobre a experiência de profissional da História me
colocam questões até hoje um tanto perturbadoras. São reflexões que certamente se
aguçaram com o correr do tempo, mas que, a rigor, dizem respeito à vida acadêmica
e seus desdobramentos em nossa área. O desafio de conviver com a diversidade de
perspectivas de trabalho, de concepções diversas de fazer história, na vida e na
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 91
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
produção do conhecimento, de crescer em visões de processos sociais e políticos,
de posicionar-se em situações profissionais e no âmbito das esferas acadêmicas,
exigem um constante repensar de nossas convicções de toda ordem, ao mesmo
tempo que enfrentam, quase sempre, incompreensões formalistas, competição
miúda e desqualificadora em nome da unidade de um lado e da pluralidade do outro,
tudo transformado às vezes em questões de prestígio pessoal, agressividade, etc...
Na verdade o que estou dizendo é que o diálogo sadio e natural de posições, o
debate no sentido da troca de experiências, infelizmente ainda não se instalou entre
nós historiadores e quiçá outros cientistas sociais. Como vício de uma formação
maniqueísta, sempre se contrapõe uma posição à outra e é assim que concebemos
e realizamos nossa prática docente.
Para se ter a certeza e a verdade precisa-se sempre desqualificar o outro, pois só
assim se caminhará na direção daquilo que se convencionou chamar, abstratamente,
de perspectiva crítica, ou de transformação social, ou de mudança. Cresce-se pouco
quando em contato com outro tipo de produção ou posição diferente da nossa,
conseguimos apenas desqualificá-la como não tendo as qualidades exigidas por
nosso modelo de vida ou de trabalho intelectual. Isso nos desobriga de pensar outras
possibilidades históricas, inseridas no real, tanto quanto as nossas e, ainda mais,
impede o diálogo porque não reconhece o outro como sujeito possível de um
conhecimento diferente mas, de forma nenhuma, menos válido.
Muitos autores têm chamado a atenção para este hábito dos historiadores não
falarem de suas teorias e concepções, de suspeitarem de ortodoxias e de não
gostarem de abstrações.
Quando se defrontam com dificuldades conceituais buscam instintivamente os ―fatos‖
esgrimindo achados ou questionamentos aos suportes documentais, mas nunca aos
pressupostos teóricos. De algum modo, as interpretações tomam corpo apenas com
o descobrimento, a seleção e o arranjo dos fatos 8. E acaba-se produzindo uma
história bem arrumada, linear ou até mesmo dialética, explorando as contradições e
os conflitos, mas de qualquer maneira o resultado termina sempre por se transformar
no conhecimento verdadeiro, ou então na simples história do acontecido. Daí à
sacralização dos conteúdos é apenas um passo e assim elaboramos elencos
programáticos com os mesmos temas e periodizações que se critica, escudados na
idéia de que, afinal, existe toda uma determinada história da humanidade, que
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 92
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
nossos alunos, futuros professores, precisam dominar para poder transmitir na
escola de 1º e 2º graus. Estabelecem-se os conteúdos e a discussão passa a ser
apenas sobre a melhor maneira de transmiti-los, partindo-se do suposto da
hierarquização dos níveis de aprendizagem e de saber que é preciso consagrar.
Neste caso, então estaríamos reforçando a idéia de que os alunos de uma certa
idade, ou de um certo nível de escolaridade, não podem e não devem ser
incentivados a qualquer iniciativa criadora ou a formular questões e problemas, ou a
identificar tópicos e temas que queiram formular, ou à possibilidade de fazer opções
sobre quais temas gostariam de ver desenvolvidos. Ao invés disto, espera-se que
estas mentes maduras devam operar com conteúdos prescritos a eles por mentes
iluminadas, porque mais amadurecidas.
Se ao contrário, considerarmos que a História faz sentido como fonte de inspiração
e de compreensão, não apenas porque pode fornecer os meios de interelação com o
passado, mas também porque nos permite elaborar o ponto de vista crítico através
do qual se pode ver o presente, outras perspectivas de interesse pela história se
abririam para todos nós profissionais e especialmente para nossa situação no
ensino e na pesquisa. A partir daí creio que poderíamos repensar não só o ensino
de História, mas também o destino de nossa produção acadêmica, cada vez mais
distanciada da escola e do grande público.
Poderíamos nos indagar, portanto, em que contexto o estudo da História tem sido
socializado e politizado e destacar a importância da escola, onde parece vital a
possibilidade de discutir a idéia de transformação, a consciência da mudança e das
perspectivas que se desdobram à frente de todos. Para falarmos da relação com o
tempo que é nossa matéria, poderíamos explicitar melhor qual seria o compromisso
presente, que informa esse debruçar sobre o passado.
Além disto, gostaria de salientar que o ensino e a aprendizagem da História, ou
seja, o exercício do pensar historicamente exige o desenvolvimento integral das
habilidades e capacidades cognitivas, para poder refletir e pensar abstratamente,
para contestar valores e perceber que a ordem existente é modificável. Por isto,
considero a discussão sobre o modo de conceber o ensino em qualquer
circunstância ou nível, de importância fundamental, principalmente se vier
acompanhada do nosso posicionamento no presente e da explicitação de nossas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 93
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
concepções fundamentadas para conhecer e fazer a História e produzir
conhecimento desde tantas formas de abordagem.
Partindo pois de uma concepção de História que busca conviver com o
indeterminado, o indefinido, o diferenciado, quero destacar a importância de se
perceber a diversidade, a diferença, as mudanças e as permanências, reconhecendo
que ninguém tem monopólio do caminho a percorrer para construir a transformação
que queremos ver realizada, ou seja, a construção democrática do socialismo.
Se falarmos então, da perspectiva de desenvolver a História Social do Trabalho,
precisamos ter claro que com estas premissas e estas posições estaremos sempre a
enfrentar formas de pensar a História que se pretendem hegemônicas e imprimem
sua marca não apenas na formação dos professores e alunos, mas também na
formulação de projetos curriculares, de programas, de conteúdos, de periodizações
cristalinas estabelecidas.
Só para levantar um ponto de discussão, neste posicionamento inicial, podemos
indagar o porque de nessa História sacralizada e definida como patrimônio cultural a
ser transmitido, se negar sempre uma referência mais explícita a temas como do
Trabalho e dos trabalhadores, das minorias, ou o porque de se apresentar qualquer
grupo contestador como perturbador da ordem estabelecida, que deve sempre existir
para o bem do ovo e da harmonia social. Consagra-se com esta prática, o que se
pode chamar de uma tremenda ―amnésia histórica‖, o que nos permitiria estender
longas considerações sobre as implicações políticas destas atitudes e quais os
nossos compromissos diante dela, se dizemos que o propósito da História não é o
de ―desencavar‖ o passado para apenas descobrir as raízes de nossa identidade,
mas o nosso compromisso de construir a transformação do presente.
III - Em sua última passagem pelo Brasil, o historiador inglês Hobsbawm9 nos
colocou, como sempre o faz, diante de indagações muito relevantes sobre as
premissas, o desenvolvimento e os impasses dos historiadores, sobretudo aqueles
que, adotando as perspectivas da História Social, procuram dirigir seus interesses
para a temática do Trabalho em todos os seus desdobramentos na formação
histórico social do Brasil.
Uma delas, mais geral, tocada meio de relance e referindo-se à importância da
História, obviamente na realidade inglesa, me fez refletir e gostaria de lançá-la para
nossa discussão. Por que é que entre nós, fazendo parte dos currículos escolares
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 94
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
em todos os níveis, sendo sempre salientada como fundamental à formação do
cidadão, apreciada por diletantes que tanto a cultivaram, a disciplina História não
consegue ultrapassar o campo de domínio dos especialistas, tornando-se uma
matéria relevante para o grande público, ou mesmo ser difundida no âmbito
universitário, para além das áreas de Ciências Humanas e Sociais? Ainda que
considerando todas as condições já bastante discutidas, sobre a dominação social e
seu impacto na educação, dirijo minhas reflexões para o exame da comunidade dos
historiadores com o objetivo de nos levar a indagar se o tipo de História que vimos
praticando não tem contribuído para torná-la cada vez mais distanciada da
população, apesar de se ter tornado moda o culto da preservação e da memória.
Será que não estamos cada vez mais falando para nós mesmos?
A segunda e a que interessa mais neste debate foi a colocação de que ―qualquer boa
história não é apenas uma tentativa de investigar, analisar e descrever o passado,
mas analisar como o mundo muda... é descobrir como a humanidade começou na
Idade da Pedra e chegou à Idade da Tecnologia, à Idade Nuclear?‖
Outra vez esta idéia bastante rica para nós historiadores de que o nosso objeto é a
transformação, a mudança, o movimento, o interesse em saber como e por que as
coisas aconteceram, principalmente para descobrir o significado e a direção da
mudança.
Sempre presente em todos os debates sobre estas questões e o fazer da História,
Hobsbawn escrevia, em 1971, sobre o caminho da História Social, ao que ele
chamou de História da Sociedade, salientando que aqueles eram bons tempos para
os historiadores sociais, tempos de revisão, definições, explicitações de posições,
mas sobretudo de produção de grande número de trabalhos, que obrigaram os
historiadores sociais a se repensarem no interior da diversidade das propostas
existentes e por desenvolver, para fazer avançar o diálogo que haviam provocado ao
refutarem formas de ortodoxia, de esquematismos e defenderem o conviver com
diferentes concepções sobre o social e seu estudo.
Na tentativa de explicitar suas posições, já dizia que jamais poderia encarar a
História Social como uma outra especialização ou qualquer outra História com hífen
– porque seu objeto nunca pode ser tomado como em separado – os aspectos
sociais do ser humano não podem ser separados dos outros aspectos do seu
existir... dos modos pelos quais os homens constroem o seu viver e se relacionam
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 95
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
com o meio ambiente... não podem ser separados de suas idéias (por exemplo), uma
vez que suas relações uns com os outros são expressas em linguagem o que implica
conceitos, logo que abram a boca...10 Esta então continua ser umas das dificuldades
enfrentadas por estas abordagens. Alguns anos mais tarde, há que reconhecer que a
História Social abriu caminhos para reunir historiadores de diversas abordagens e
concepções, de maneira que dificilmente se poderia manter hoje a estreita correlação
e até mesmo identificação desta, apenas com o marxismo. Não há dúvida de que a
História Social continua a ter dificuldades em tornar claros os seus objetivos11. Ao
incorporar para além de seu interesse inicial, quase exclusivo com as classes
trabalhadoras, outros temas, como a sexualidade, as minorias, o lazer, a vida em
família, os homens, as mulheres, a velhice, o urbano e o viver em cidade, os saberes
e os odores e tantos outros, não gostaria de rotulá-los apenas de ―novos temas‖,
―novos objetos‖ ou ―novos problemas‖, mas de salientar como ao ter de lidar, ao
mesmo tempo que enfrentasse questões metodológicas específicas, com esta
diversidade de objetos, a História Social vem contribuindo para alargar o campo de
atividades consideradas passíveis de serem estudadas, mas principalmente vem
contribuindo para a compreensão e a articulação destas temáticas no todo social.
Ainda mais, por se tratar de objetos pouco estudados até aqui é considerável a
contribuição prestada no sentido descobrir e reinventar fontes, materiais, suportes
não pensados pelos historiadores, para dar substância às suas análises, explicações
e conclusões. E ainda que seus objetos sejam, às vezes, restritos ou representem
estudos monográficos limitados, as questões e as indagações colocadas pela
História Social são sempre no sentido mais amplo e a rangente das experiências
vivenciadas, seja na configuração das explicações buscadas e seja no arranjo dos
resultados obtidos nas pesquisas.
É por aí que se quer salientar o grande salto dado pela História Social ao se libertar,
também, de outra estreita e exclusiva vinculação com a história sindical e a história
do movimento operário, principalmente da forma realizada em certos momentos pela
historiografia em geral e a brasileira em particular.
De fato, a busca de uma tradição revolucionária para a classe operária e seu
movimento, bem como para as populações oprimidas, que caracterizou muito da
produção dos historiadores sociais de linha marxista, acabou distorcendo a
experiência dos diversos grupos formadores da classe. Em princípio por colocar
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 96
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
muita ênfase na questão da presença ou ausência da consciência de classe na
formação do proletariado. No caso brasileiro, por exemplo, contribuiu para relegar a
segundo plano experiências importantes de atuação política de outros grupos que
fizeram parte da força de trabalho em formação, abandonando perspectivas de
estudo sobre as tradições do campo e da cidade, das experiências de escravos, etc.,
para não falar de outros aspectos. Por uma concepção estreita do que seria o
proletariado brasileiro configurou-se o mito da historiografia de identificar fortemente
o proletariado com o imigrante e daí a perda de outros elementos da formação do
mercado de trabalho assalariado urbano. Agravando tais omissões, o viés da adesão
a uma forte linha de determinismo e de acompanhamento da idéia de progresso, no
caminho da formação social e da classe, impediu uma leitura mais abrangente e
flexível do passado. Seria urgente incorporar nas reflexões sobre o fazer-se das
classes trabalhadoras, no Brasil, toda a gama de estudos realizados sobre a
experiência de viver a escravidão, o ser liberto, e também as condições de existência
dos trabalhadores livres em situações anteriores à chegada dos imigrantes ou em
regiões onde a formação dos trabalhadores assalariados não sofreu o impacto tão
forte da presença do estrangeiro, do imigrante, como é o caso de São Paulo.
Finalmente, ainda dentro desta linha de trabalho, a preocupação de acompanhar as
realizações apenas das lideranças e dos segmentos ativistas do proletariado,
obscureceu o exame da vivência de outros homens, mulheres e crianças e
negligenciou forças culturais importantes incluindo-se aí a vida em família, os hábitos
e costumes sociais dos diversos segmentos da população, a religiosidade e seu peso
na formação das tradições, as festividades populares, as experiências, enfim, do
viver no campo e na cidade em uma época de transformação e, sobretudo, os
momentos mais importantes da configuração do se definir a dominação social e seus
desdobramentos, em construir outros elementos do viver, seja em hábitos de morar,
de se alimentar, se divertir e expressar suas peculiaridades, para construir novas
estratégias de governo dos indivíduos, na formação do homem dócil e domesticado
necessário ao mundo moderno, agora como fruto da racionalidade capitalista.
Seria rico para a historiografia social brasileira que a incorporação do termo ausente
em Marx, no dizer de Thompson – a experiência social – significasse uma retomada
destes períodos, para trabalhar estas temáticas relegadas ao esquecimento, para
podermos repensar o fazer-se da classe na direção de que os homens e mulheres
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 97
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
também retornam como sujeitos, dentro deste termo – não como sujeitos autônomos,
indivíduos livres, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações
produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e
em seguida tratam esta experiência em sua consciência e sua cultura das mais
complexas maneiras e em seguida agem, por sua vez, sobre sua situação
determinada.12
A riqueza do termo está na oportunidade que ele proporciona, por significar a
possibilidade de explorar os pontos de disjunção entre os consagrados conceitos de
―estrutura‖ e de ―processo‖, de uma outra perspectiva bem mais enriquecedora do
que simplesmente o da exploração do trabalho, pois ... verificamos que com
‗experiência‘ e ‗cultura‘, estamos num ponto de junção de outro tipo. Pois as pessoas
não experimentam sua própria experiência apenas como idéia, no âmbito do
pensamento ede seus procedimentos, ou como instinto proletário, etc.. Elas também
experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na
cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades ou
através de formas mais elaboradas, na arte ou nas convicções religiosas. Essa
metade da cultura, e é uma metade completa, pode ser descrita como consciência
afetiva e moral... significa dizer que toda contradição é um conflito, tanto quanto um
conflito de interesse; que em cada ‗necessidade‘ há um afeto, ou vontade, a caminho
de se transformar num dever e vice-versa; que toda luta de classes é ao mesmo
tempo uma luta acerca de valores...13
Por isto, mesmo não sendo a história sem política, quando se distingue da história
econômica, política ou diplomática, a História Social acaba lidando com objetos que
não são tratados em outras especializações, ou o são apenas secundariamente,
como as minorias, a família, os migrantes, a vida cotidiana da classe trabalhadora, a
demografia, a mobilidade social, a história urbana, etc. Isto significa reconhecer
sobretudo que os sentimentos e os valores não são ―dados imponderáveis‖ que os
historiadores podem seguramente dispensar, com a reflexão de que, uma vez que
não são susceptíveis de medida, significam apenas questões de satisfação humana.
Ao contrário, representa exatamente valorizar estas reflexões pela importância que
assumem na discussão da mudança social, principalmente a questão da ―moral‖ cujo
silêncio em Marx virou repressão para os marxistas, que parecem não perceber que
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 98
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
explorar o campo das contradições nos colocará, sempre, diante das lutas entre
projetos alternativos de organizar também os valores do social.
Portanto, mais que abrigar e descobrir temas novos, a História Social representa a
rebeldia de alguns historiadores em se deixarem limitar por definições de História
Social como a ―História com a política deixada de lado‖, ou a visão residual de que
suas preocupações são aquelas não incorporadas por outras especializações. Por
isto se pode considerar como positiva a rebeldia destes historiadores contra a
dominação da História Política no sentido tradicional. Também é positiva a reação
dos historiadores sociais contrária à sua classificação como uma história especial ou
como uma disciplina em separado porque, nesta dimensão, preferimos considerá-la
―não como uma parte da História, mas toda a História de um ponto de vista
social‖14, para salientar o avanço conseguido desde o Colóquio de St. Cloud, em
1.965, quando Soboul definia que ―todo o campo da História, incluindo o mais
tradicional depende da História Social‖; ou George Duby, ao dizer que ―História
Social é de fato toda a História‖15, sem maiores preocupações teóricas de situar
seus estudos.
E nesta parte da questão não se pode deixar de reconhecer que, por criticar a
história construída de cima para baixo, a História Social coloca ênfase em outros
sujeitos, que não reis, políticos ou parlamentares, como capazes de fazer a História,
sem transformá-los outra vez em vilões e novos heróis. Mais preocupada com
processos coletivos, com grupos voltados para o interesse geral, consegue trabalhar
na direção da democratização da História podendo, em algumas variantes, enfatizar
concepções que buscam explorar as contradições de classe como suposto de suas
análises. Neste ângulo e reconhecendo a diversidade nela contida, se afasta da idéia
de uma História Social dedicada ao supérfluo, à obviedade e, portanto, uma história
―leve‖ em contraposição ao ―peso‖ da História Econômica e Política e continua
comprometida com uma suposição socialista, ou pelo menos anti-capitalista.
Neste sentido é importante perceber que as tentativas de reduzir a História Social a
uma História tópica ou especial, quando sua pretensão é a de se colocar como
capaz de abranger aspectos gerais, para garantir uma abordagem mais ampla, sem
no entanto cair na armadilha das generalizações superficiais, parece obedecer a uma
estratégia de retalhar não apenas o social mas, sobretudo, o trabalho intelectual,
colocando cada um em uma caixa com seu respectivo rótulo para melhor organizar o
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 99
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
desenvolver da ciência!
São muitos os problemas teóricos e metodológicos que a História Social vem
enfrentando. Falemos de alguns deles. Em primeiro lugar a questão da teoria. Se ela
está explicita e definida nos historiadores de inspiração marxista, em suas diversas
dimensões e vertentes como tentamos esboçar anteriormente, restando reconhecer
as diferenças, as interpretações, as superações, as críticas, esta questão não está
tão bem dimensionada para outras abordagens da História Social. Alguns autores
da linhagem acentuam características sociais, tecnológicas e da vida cultural em um
ambiente específico, adotando uma abordagem geográfica e seus trabalhos
representam uma concepção de história que é ao mesmo tempo método, definição
de objeto e interpretação. Entre os historiadores sociais franceses desta corrente, a
coerência é conseguida através do valorizar a quantificação e das noções de
totalidade e estrutura. A quantificação é usada para reduzir a margem da
imponderabilidade, a totalidade como elemento de coesão de qualquer período
histórico e o delinear das estruturas como garantia de uma proposta de compreender
e reconstruir a causalidade histórica. Sempre se reconhece o inclinar-se para um
determinismo social acentuado e uma crença de que a história é, pelo menos
parcialmente, determinada por forças externas ao homem, mas não há um sistema
referencial coerente para enfeixar tais determinações, senão a idéia de que a
totalidade significa todos os aspectos da vida, do clima à cultura popular. O resultado
destas abordagens é que muito se reforça a idéia de estabilidade e de continuidade
das tradições e ainda permanece a questão sempre levantada sobre esta corrente de
onde está a teoria na Escola dos Anais16.
Reconhecendo a importância desta corrente na contestação ao positivismo e
também na extensão e abrangência das temáticas que se propõe analisar, resta
salientar a aproximação que proporcionaram com as outras disciplinas do social
como a etnologia, sociologia, a psicologia social, etc., quando se dispuseram a ir
além da História para enriquecer suas perpectivas17.
No desenvolvimento da História das Mentalidades, como vertente muito difundida da
Escola dos Anais, se pode caracterizar o desdobramento destas perspectivas e a
passagem para a Nova História Francesa. Considerando a importância de identificar
pontos de junção entre o indíviduo e o coletivo, da longa duração e o cotidiano, do
intencional e o inconsciente, estes historiadores das mentalidades têm se
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 100
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
preocupado com as heranças , as tradições, as defasagens, as continuidades,
assumindo que, nas estruturas mentais, as mudanças são lentas e vagarosas e, por
isto mesmo, possíveis de serem examinadas na longa duração.
O estudo dos ritos, das cerimônias, das representações e do imaginário destas
práticas vem colocando, quase que como ponto principal destas abordagens, a
inegável contribuição que têm dado na extensão de nossas concepções tradicionais
de documentos e fontes históricas, onde objetos de adorno, de trabalho, ritos,
disposições nas cerimônias, etc. têm se transformado em valiosos elementos de
discussão das mentalidades.
Outra vez a discussão teórica parece passar ao largo. Por falar de uma mentalidade
comum a todos parecem não reconhecer as diferenciações nas estruturas sociais ou
em outras obras se constata a tentativa de caracterizar as mentalidades como
peculiares a setores específicos. Não se preocupam com questões como: trata-se de
uma mentalidade dominante? De várias? Quando se desfaz? Quando se constrói
outra?18
Depois de algumas discussões e críticas recíprocas houve algumas tentativas
recentes de aproximação entre as concepções e os trabalhos dos historiadores das
mentalidades e dos autores ingleses preocupados com a cultura das classes
trabalhadoras. Isto entretanto, parece difícil apesar das simpatias mútuas. A
fragilidade teórica da história das mentalidades e muito mais a forma como,
acriticamente, incorporam conceitos das ciências sociais tais como tradicional e
moderno, civilização, irracionalidade e inconsciente e outros com tendência a
explicações funcionalistas tornam mais afastadas estas duas abordagens. É bem
verdade que os mais recentes trabalhos da Nova História vêm procurando dar maior
consistência às análises das mentalidades mas, ainda assim, de alguma maneira
elas ―flutuam no ar‖, por alguma dinâmica interna da consciência coletiva, quando
muito configurada a partir de perspectivas do estruturalismo francês19.
A crítica mais profunda vai, portanto, na direção de que também a história das
mentalidades não demonstra nenhuma preocupação com a questão teórica para
fundamentar suas explicações, confirmando suas estreitas afinidades com a escola
dos Anais e pagando tributo às perspectivas de encontrar um fator unificador para
permitir compreender a essência da história, negando assim a idéia de processo, de
movimento e de mudança.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 101
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Retomando então a questão da teoria queremos reafirmar primeiro que, em nossa
prática da História Social, não se trata de buscar modelos elaborados e explicativos
porque concordamos em que ―não há, nem pode haver nunca um sistema finito‖ 20,
ou seja, nenhuma teoria pode ser pensada como capaz de dispensar a investigação
empírica sobre a realidade, ou correremos o risco de construir castelos na areia.
Neste sentido, as formas de exame e leitura dos dados são tão importantes quanto a
construção da teoria e sempre ampliam as possibilidades criativas desta construção.
Não se trata pois de introduzir de fora uma reflexão que nada tem a ver com a
realidade. E nem concordamos em que a teoria seja algo pronto e acabado
esperando por nós para adotá-la na forma de hipóteses, modelos, etc. Por aí
teríamos também de avançar para discutir, de forma mais aprofundada, as tentativas
que recusamos, de assegurar a verdadeira teoria classificando-a como ―científica‖.
As correntes teóricas, nos lembra Samuel, ―só ganham importância porque
respondem, ou parecem responder a algum silêncio ou inquietação...‖ assim por
exemplo ―a popularidade do conceito de hegemonia está evidentemente relacionado
com o visível crescimento dos poderes do estado‖21.
Desta maneira, a teoria somente começa a ter valor, para nós, se nos engajamos em
um trabalho de construção teórica, sem aceitar nada de olhos fechados, se nos
tornarmos conscientes dos modos pelos quais as questões são construídas, se neste
processo nos tornamos mais críticos sobre as categorias explicativas que usamos e
mais conscios dos fundamentos filosóficos da investigação histórica e da
interdependência com outras formas de conhecimento22.
Também por isto é de importância fundamental para a História Social a questão da
periodização. Se temos sido capazes de incorporar outras temáticas do social,
alargando com isto nossa compreensão, temos demonstrado, entretanto, uma
dependência estreita em relação aos marcos tradicionais. Isto sem falar da
necessidade que sentimos de demarcar acontecimentos e processos para podermos
falar com mais tranquilidade do antes e do depois, revelando resquícios de
concepções que teoricamente condenamos, mas que parecem ainda estar presentes
em nossas análises, em nossos programas e planos de ensino, em nossas aulas,
etc.
Há que retomar, portanto, premissas e supostos de um compromisso de construir o
presente e assim ser capaz de repensar o tempo, não com os marcos já traçados,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 102
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
mas descobrindo novas maneiras de delimitar nossos objetos, nossos currículos e
programas e, sobretudo deixar claro que a periodização cristalizada na ―história
acontecida‖, dos programas e currículos oficiais, podemos contrapor diferentes
leituras do processo, que necessitam delimitar e marcar o tempo de acordo com suas
propostas.
E porque adotamos a idéia de que o historiador em cada momento de seu trabalho é
sempre um ser formado em valores sociais e que quando propõe problemas e
interroga as evidências não pode e não quer se desvencilhar destes valores é que
consideramos importante a discussão sobre os compromissos assumidos no
presente para explicitar estas posições e estes valores.
IV - Quando conseguimos refletir que ―os conceitos dos quais partimos não são
conceitos, mas problemas e não problemas analíticos, mas movimentos históricos
ainda não definidos‖ creio podermos atribuir um significado diferente à proposta de
se fazer a História Social do Trabalho partindo de categorias como cultura e
experiência social da maneira que já discutimos anteriormente aqui e em outros
trabalhos.
Se estamos falando de examinar a experiência social dos trabalhadores em todos os
seus ângulos de existência e de vida, para além de apenas examinar seu movimento
e organizações ou associações políticas, isto significa querer examinar todo o seu
modo de vida no campo das transformações e mudanças que, cotidianamente,
experimentam os trabalhadores em todos os aspectos do viver a dominação
burguesa e capitalista. Não apenas as condições e padrões de existência material na
moradia, na fábrica, no lazer, na alimentação, na religiosidade, etc. mas também no
campo dos sentimentos e dos valores são expropriados no dia-a-dia da dominação, a
resistência oferecida neste processo e a necessidade de reconstruir e reinventar a
cultura a partir de sentimentos de perda de padrões antes estabelecidos23.
É neste campo que queremos também redefinir nossas noções de lutas de classes,
para perceber que esta cultura nada mais é do que o modo de vida das classes
trabalhadoras e que aí se define o campo de forças, em embates constantes,
tornando a cultura, assim entendida, o espaço privilegiado para o entendimento das
contradições colocadas pelo processo. E o interesse nesta abordagem não passa
por concepções de descrever ou constatar como se desenvolve esta vida e se
desenrolam estas lutas, mas passa por tentar entender o como e o por que isto
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 103
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
acontece, recuperando sim sentimentos, valores, sensações de perda e necessidade
de reconstrução e sobrevivência para entender o constante fazer-se e refazer-se das
classes trabalhadoras. Não estamos, pois, adotando as categorias experiência social
e cultura, nem como identificação das manifestações da superestrutura e nem à
moda de uma certa antropologia para significar apenas a descrição do modo de vida,
quase sempre a vida material, os laços de parentesco, os hábitos e os costumes.
Segundo as concepções de Thompson e Willians, consideramos necessário
reconhecer a complexidade e variabilidade das forças que dão forma e sentido ao
cotidiano da luta de classe para podermos entender processos mais amplos de
consciência, opções, orientações e direções tomadas pelos trabalhadores no seu
viver, não como etapas necessárias e sucessivas, mas para entender que é neste
construir da classe, nestas atividades e nestas possibilidades, que se definem os
processos sociais, constitutivos que são, todos eles, de situações específicas e
diferenciadas. Só aí podemos dar consistência à idéia de que ―uma classe se define
pelos próprios homens, segundo e como vivam sua própria história e, em última
instância esta é a única definição possível‖24.
Falando destas perspectivas de compreensão creio que nos faltam, na situação
brasileira, estudos históricos com investigação aprofundadas nestas várias direções:
do exame da religiosidade e das práticas religiosas para perceber, de um lado, como
institucionalmente se configuram a religião e a Igreja na instrumentação do controle
social, mas também a experiência de viver o conteúdo desta religiosidade e, da
pobreza e dos despossuídos, sobretudo para acompanharmos o processo em que se
agrava o medo das ―classes perigosas‖25 tornando necessário separá-las das
classes trabalhadoras, mas também para acentuar como este processo está
intimamente relacionado ao crescimento das cidades e todos os problemas sociais
daí decorrentes; ainda no tema das cidades, o estudo das condições e da qualidade
de vida, como saúde, alimentação, transporte, seja no estudo das condições de
moradia dos trabalhadores, seja também no estudo de seu arranjo, divisões, objetos,
etc. e sobretudo nas questões da divisão do espaço urbano, como centros
habitacionais, bairros, espaços para o lazer e o esporte, bem como o próprio
desenrolar destas atividades, o rádio e a televisão, o futebol, o jogo de cartas, os
cinemas, os bares e os botequins, as revistas, os folhetins, as novelas e outros
espaços alternativos de divertimento, principalmente as festas populares, as
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 104
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
quermesses, etc.; a questão da criminalidade e do crime para acompanhar o
processo de identificação e associação que faz o poder do protesto social com
baderna, desordem, violência e crimes, podendo assim explicitar a estrita relação
entre criminalidade e organização do mercado de trabalho, bem como o surgimento e
a burocratização de institutições como a polícia e outras desenvolvidas a partir da
necessidade de vigiar e punir, como a penitenciária, a cadeia e o asilo26.
Quando se fala, portanto, de experiência e nas contradições sociais em que ela se
desenvolve, compreendendo todo o viver como cultura, ela não está pensada apenas
na vida, mas também no trabalho e daí falar-se de uma cultura de fábrica, por
exemplo, para abarcar as práticas, as residências, a disciplinarização, o viver, as
condições de exploração intensiva, as mobilizações, a solidariedade, etc.
Para finalizar, coloco à discussão um problema que enfrentamos no estender nossas
categorias e descobrir outros temas, valorizados até pelos movimentos sociais de
reivindicação pelos equipamentos sociais e por nova qualidade de vida. Nesta
descoberta parece que os historiadores da cultura se encontram com a questão, já
bastante discutida dentre os outros cientistas sociais, e que se encontra bem no
limiar destas investigações ou mesmo na necessidade que sentimos de politizá-las e
socializá-las com o público, muitas vezes, objeto destas pesquisas. Afinal falamos
das classes trabalhadoras ou de algo mais abrangente? Quando falamos de cultura,
como enfrentar as concepções já existentes de cultura popular?
Estaremos iniciando uma tentativa de produzir uma história popular? Ou uma
história do povo?
Na Europa o descobrimento da cultura popular representou razões políticas que
tinham a ver com os movimentos de libertação nacional significou motivações
―nativistas‖ para reviver culturas tradicionais, em oposição à dominação estrangeira.
No caso brasileiro, o nacional e o popular surgem como propostas de construção da
cultura dos anos 50 e 60, com grande incentivo das esquerdas, com projetos
próprios, que afinal marcaram os estudos sobre o tema e o período27.
Em geral, as abordagens da questão da cultura popular passam por algumas
suposições básicas que, segundo Peter Burke, se mostram bastante danosas aos
estudos, pelos vícios que carregam como o ―primitivismo‖ para significar a idéia de
que crenças, costumes, artefatos, canções, etc. foram transmitidas através dos anos,
sem sofrer mudança alguma e significam tradições milenares, o que certamente é
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 105
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
uma suposição bastante equivocada; o ―purismo‖ para designar como popular tudo
aquilo que tem origem no campo e é produzido pelos camponeses; o
―comunitarismo‖ para considerar que o povo sempre cria coletivamente28. Não é
difícil reconhecer estes vícios nas obras sobre o tema.
De qualquer forma fica evidenciado o despreparo dos historiadores para este debate.
Carlo Ginzburg, que trabalha com temáticas dos séculos XVI/XVII, chama a atenção
para a falta de desenvolvimento no campo e para a necessidade de se estabelecer
novas técnicas e para o problema da documentação quando afirma a ―ambiguidade
do conceito ‗cultura popular‘‖. Às classes subalternas das sociedades pré-industriais
é atribuída ora uma passiva adequação aos subprodutos culturais distribuídos com
generosidade pelas classes dominantes, ora uma tácita proposta de valores, ao
menos em parte autônomos em relação à cultura destas classes, ora um
estranhamento absoluto que se coloca até mesmo para além, ou melhor, para
aquém da cultura. É bem frutífera a hipótese formulada por Baktin de uma influência
recíprocas entre a cultura das classes subalternas e a cultura dominante. Mas
precisar os modos e os tempos dessa influência significa enfrentar o problemas
posto pela documentação, que no caso da cultura popular é, como dissemos, quase
sempre indireta29.
Para muitos autores, então lidar, com o popular e o povo pode significar ou a busca
de uma cultura dominante, hegemônica de um lado, ou a cultura popular autêntica de
outro e, com isto, conseguem ambos obscurecer a vitalidade da cultura como
expressão da experiência vivida no sentido de um duplo movimento de contenção e
resistência que ela carrega.
Para perceber melhor estas questões há que acompanhar o lento e prolongado
processo de ―moralização‖ dos trabalhadores, a ―desmoralização‖ dos pobres e a
―reeducação‖ do povo.
Considerar que a rigor muitas destas lutas se desenvolveram longe da lei, do poder e
da autoridade e somente com o aparecimento das instituições repressoras, como a
polícia, principalmente, é que se pode acompanhar melhor este processo de
contenção/resistência, pelo chamado problema das fontes.
Fica a certeza de que não há cultura autônoma a ser procurada, que esteja fora do
campo das forças da relação poder/dominação.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 106
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Por mais problemas que os termo popular e povo nos coloquem, não há que
abandonar a perspectiva de que a cultura se mostra um campo rico e fecundo para
estudar as condições de classe, principlamente se abandonarmos as concepções
simplistas de manipulação para procurarmos sempre as contradições, a
desigualdade da luta, os propósitos de organizar e reorganizar valores e ―educar‖ o
povo, para lidarmos então com a cultura como campo de batalha onde estas lutas se
concretizam30.
A questão está, portanto, em que não podemos nos esquecer das relações estreitas
entre o popular e as classes, não apenas para identificar unificações ou hegemonias,
ou manipulações, mas os pontos de luta, de contradição. É inegável, entretanto, que
esta preocupação com o popular está intimamente associada, para nós, com as
preocupações do presente, no que diz respeito às alianças que queremos e devemos
realizar na construção do projeto de transformação. Os termos ―povo‖ e ―popular‖ são
sempre difíceis de serem tratados. Em seu nome se tem forjado grandes tentativas
de definir projetos elaborados de dominação para o ―bem do povo‖ para conseguir o
povo dócil, que sempre diz sim ao poder. Mas não há que necessariamente ser
assim.
Se considerarmos o campo de forças contido na cultura do povo aí também pode
estar sendo construído o caminho democrático para o socialismo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 107
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Estudos Afro-Asiáticos
Print version ISSN 0101-546X
Estud. afro-asiát. vol.25 no.3 Rio de Janeiro 2003
doi: 10.1590/S0101-546X2003000300003
RESUMO
Não costumo iniciar minhas reflexões com perguntas diretas, já que as mesmas
exigem respostas diretas. E efetivamente esta não é uma qualidade que carrego.
Porém, neste momento, é difícil encontrar outra forma de chamar a atenção do leitor,
provavelmente professor de História. Por isso vamos a ela: "O que sabemos sobre a
África?"
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 108
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Talvez as respostas sofram algumas variações, na densidade e na substância de
conteúdo, dependendo para quem ou onde a pergunta seja proferida. Acredito, no
entanto, que o silêncio ou as lembranças e imagens marcadas por estereótipos
preconceituosos vão se tornar ponto comum na fala daqueles que se atreverem a
tentar formular alguma resposta. Atrevimento sim! Quantos de nós estudamos a
África quando transitávamos pelos bancos das escolas? Quantos tiveram a disciplina
História da África nos cursos de História? Quantos livros, ou textos, lemos sobre a
questão? Tirando as breves incursões pelos programas do National Geographic ou
Discovery Channel, ou ainda pelas imagens chocantes de um mundo africano em
agonia, da AIDS que se alastra, da fome que esmaga, das etnias que se enfrentam
com grande violência ou dos safáris e animais exóticos, o que sabemos sobre a
África? Paremos por aqui. Ou melhor, iniciemos tudo aqui.
1
Se o ensino de História no Brasil passou por uma profunda transformação nos
últimos vinte anos, a mesma parece não ter atingindo de forma significativa o estudo
da História da África. Da criação da primeira cátedra de História no país, em 1838, no
Colégio Pedro II, até o final dos anos 1970, as mudanças no ensino da disciplina
foram limitadas pelo modelo positivista hegemônico em uso. Porém, os anos 1980 e
1990 reservaram um espaço fecundo e estimulante para a (re)significação de sua
existência. Estabeleceu-se um diálogo, mais ou menos aberto, entre os diversos
setores interessados em repensar a abordagem da História em sala de aula. Outras
perspectivas teóricas — Marxismo e História Nova — passaram a inundar os livros
didáticos, levando à incorporação de abordagens econômicas estruturais e temáticas
dos conteúdos tratados ou determinados pelos currículos.
Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham
que se contentar, ou aturar, uma História de influência positivista recheada por
memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e
personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco
atraente, do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus
governantes na História do Brasil. Todos esses conteúdos eram apresentados com
pouco ou nenhum perfil crítico e não existiam brechas para a participação das
pessoas comuns nos fatos tratados. O ruir da traumática aventura dos militares ao
poder se fez acompanhar de um esforço de historiadores, professores e técnicos na
tentativa de modificar o ensino da história.
Como ressonância dos debates que circulavam nas universidades desde os anos
1950, o marxismo pareceu ser a alternativa óbvia para referenciar as modificações
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 110
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
dos currículos e reescrever os livros didáticos. Porém, a dose de mudanças foi
muitas vezes ortodoxa, limitando a história a modelos vulgares das análises
marxistas e a complexas estruturas e sistemas econômicos. Outras vezes foi inócua,
atingindo de forma bastante limitada a docentes e alunos. Para alguns, cristalizou-se
como única proposta a ser seguida, fugir dela era renunciar ao papel de formador de
consciências críticas e esclarecidas. Para outros, a troca de perspectiva teórica não
se fez acompanhar da qualificação docente e do material utilizado em sala de aula. É
essa perspectiva teórica, com seus avanços e obstáculos que, até o final dos anos
1990, foi, se não hegemônica, majoritária no ensino da disciplina.
Nessa mesma década — como reflexo das mudanças teóricas que inundavam os
cursos de História, a partir os ventos soprados pela historiografia francesa —
percebeu-se que, se a reestruturação escolar tinha sido frutífera, era ainda
inadequada. Apesar da experiência paulista 2 dos anos 1980, é a partir de 1995 que
encontramos uma presença mais marcante dos referenciais da História Nova nos
livros didáticos e nas salas de aula, chamada aí de História temática. Não se pode
negar os efeitos positivos dessas influências. Uma série de atividades pedagógicas, 3
envolvendo abordagens diversificadas da História, associadas à escrita de novos
manuais e reedições dos que já circulavam por algum tempo, informavam os novos
rumos tomados pelo ensino da disciplina. Porém, e apesar dos esforços, existem
lacunas e problemas de certa relevância no debate que se montou acerca da adoção
do ensino temático no Brasil. A formação de alguns centros de Pós-Graduação,4
especializados no ensino de História, e de núcleos de pesquisa,5 além da promoção
de congressos e encontros nacionais revelam a preocupação com as mudanças
acerca do assunto. Fica evidente também, ainda hoje, por motivos conjunturais
maiores, o descontentamento de boa parte dos alunos e docentes pela forma como
ainda é ministrada a disciplina História nas escolas. Porém este é um outro
problema.
A partir deste quadro, de certa forma crítico, mas estimulante para aqueles que
defendem mudanças ainda maiores para a História ensinada, percebemos um outro
desencontro. Em artigos publicados recentemente, em duas qualificadas coletâneas
(ver Abreu, 2003, Karnal, 2003; Bittencourt, 1997b), vários pensadores fizeram
incursões reflexivas sobre o atual momento do ensino de História e das inovadoras e,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 111
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
de certa forma, problemáticas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). Entre as discussões levantadas, uma chamou-nos a atenção: o debate
acerca do combate à discriminação racial e do ensino da História da África.
Ainda mais grave, há alguns conteúdos fundamentais propostos nos novos PCNs —
especialmente a ênfase na história da África — que, infelizmente, ainda engatinham
como área de discussão e pesquisa nas nossas universidades, impondo-se como
limite ainda maior ao esforço pedagógico que pode ser feito para uma abordagem
que rompa com o europocentrismo que ainda estrutura os programas de ensino das
escolas. (ibidem:131)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 112
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
As últimas páginas de seu artigo são dedicadas à análise de como a História da
África foi trabalhada em um dos novos livros didáticos utilizados no país (ver
Montellato, 2000). O ponto de destaque é que o volume analisado, voltado para a 6ª
série do Ensino Fundamental, utiliza uma proposta de abordagem temática da
História. A autora passa a dialogar com o livro procurando salientar seus avanços e
tropeços, que parecerem ser em maior número. Por exemplo, no capítulo que trata
da Expansão Marítima Européia dos séculos XV e XVI, a "África aparece apenas
como uma sucessão de pontos geográficos a serem ultrapassados". Na unidade
seguinte, que estuda o "desencontro entre culturas" Mattos se incomoda que
não haja nem uma palavra sequer sobre África, africanos ou os diversos povos
daquele continente e de como participaram destes desencontros. Eles entram em
cena na terceira unidade, para caracterizar "a construção da sociedade colonial",
basicamente como força de trabalho.
Cabe ressaltar que este trabalho da autora não é especificamente sobre o ensino da
História da África, mesmo que o aborde ao longo do texto, e nem ela é uma
africanista. Talvez isso revele a pouca profundidade ao analisar a abordagem da
África anterior ao século XIX, presente no manual. De qualquer forma, sua
contribuição deve ser destacada, já que foi uma das poucas vozes entre os
historiadores a publicar algum material sobre o tema. Suas conclusões gerais
também demonstram sua preocupação com a formação dos professores. Mesmo
que timidamente, aponta algumas alternativas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 113
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Desenvolver condições para uma abordagem da história da África no mesmo nível
de profundidade com que se estuda a história européia e suas influências sobre o
continente americano. Já começaram a estar disponíveis em língua portuguesa
alguns títulos que tornam esta tarefa relativamente viável, para além dos dois
volumes monumentais sobre história da África pré-colonial, de Alberto da Costa e
Silva. Ensinar história da África aos alunos brasileiros é a única maneira de romper
com a estrutura eurocêntrica que até hoje caracterizou a formação escolar brasileira.
(ibidem:135).
No que concerne ao estudo da História da África, não podemos ignorar o fato de que
após o processo de libertação africano, ocorrido na segunda metade do século XX,
principalmente até os anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa —
significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente, tanto por
africanistas como por historiadores dos países recémformados (Difuila, 1995).
Porém, devido a problemas internos e ao descaso externo, esses países — falamos
especialmente dos países africanos de língua portuguesa 6 —, tiveram alguma
dificuldade em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por seus
pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado por um novo perfil
das pesquisas, até então realizadas sob a tutela do olhar colonialista. Já na América,
concentraram-se, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores
esforços de entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros de
estudos montados. Mesmo assim, se comparados com estudos realizados sobre
outras temáticas, ainda são esforços pálidos.
Neste caso, farei aqui um breve, mas fundamental, teste. Nesta primeira parte do
artigo tivemos a preocupação de alertar, assim como outros já o fizeram, para as
graves lacunas existentes na formação acadêmica e no ensino sobre a História da
África. Na segunda parte apresentaremos a trajetória das leituras realizadas sobre os
africanos e que revelam as representações construídas ao longo do tempo acerca da
África. E por fim, em um terceiro momento realizaremos um estudo de caso. Ao
analisarmos um dos poucos livros didáticos (Schmidt, 1999) que abordam a História
da África pré-colonial com um capítulo específico, intentamos iniciar uma leitura
crítica sobre os acertos e desacertos da abordagem efetuada sobre a levantada
temática nos manuais. Esperamos que seja uma iniciativa válida.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 115
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
inadequada e a bibliografia limitada criam obstáculos significativos para uma leitura
menos imprecisa e distorcida sobre a questão. Percebemos, então, que a tarefa de
análise de manuais didáticos exigiria não apenas um conhecimento considerável
acerca da História e da historiografia africanas. Seria preciso fazer uso de outro
suporte de análise, que permitisse o entendimento de como esses livros
influenciaram a construção das distorções e simplificações elaboradas sobre a África
e apropriadas por milhares de alunos e professores naquele Continente, no Brasil e
em Portugal.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 116
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Estou surpreso porque quem chega a Windhoek [capital da Namíbia], não parece
estar num país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas
arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como tem essa cidade [...]. A
visão que se tem do Brasil e da América do Sul é de que somos todos índios e
pobres. A visão que se tem da África é de que também é um continente só de pobre
(Correio Braziliense, 2003: 2).
Não iremos crucificar o presidente como outros fizeram. Não que concordemos com
tal disparate conclusivo, até porque, tendo oportunidade de se corrigir nos dias
seguintes, Lula afirmou que apenas constatou o óbvio. Porém, é muito mais
enriquecedor analisar os pensamentos do nosso chefe de Estado por uma outra
dimensão. Independente de Lula ter formação superior ou não, ser presidente ou
cidadão comum, nordestino ou gaúcho, pobre ou rico, sua postura de admiração com
uma "cidade limpa" na África é surpreendentemente comum. Para ser mais claro:
excluindo um seleto grupo de intelectuais e pesquisadores, uma parcela dos
afrodescendentes e pessoas iluminadas pelas noções do relativismo cultural, nós,
brasileiros, tratamos a África de forma preconceituosa. Reproduzimos em nossas
idéias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um Continente marcado
pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência
econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os
livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o
Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui
dentro. A África não poderia ter, fazendo uma breve inversão do olhar presidencial,
ruas limpas, um povo extraordinário e bela arquitetura. Seguindo esse raciocínio, a
viagem não poderia ter outra dimensão do que a econômica, e o Brasil não poderia
ter outra postura do que a de ajuda humanitária à África, já que, por sermos tão
melhores do que eles, seria ilógico esperar algo de lá.
Para além da educação escolar falha, é certo afirmar que as interpretações racistas e
discriminatórias elaboradas sobre a África e incorporadas pelos brasileiros são
resultado do casamento de ações e pensamentos do passado e do presente. Neste
caso, percebe-se que as representações deturpadas sobre o Continente africano não
são uma exclusividade brasileira dos dias do presidente Lula. As distorções,
simplificações e generalizações de sua história e de suas populações são comuns a
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 117
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
várias partes e tempos do mundo ocidental. Dessa forma, se continuarmos a
reproduzir leituras e falas como a citada, é muito provável que o imaginário de
nossas futuras gerações sobre a África não sofra modificações significativas.
Compete aqui lembrar que esse processo não ocorreu em uma via de mão única —
europeus/africanos. Os africanos evidentemente elaboraram suas interpretações e
significações para o que vivenciavam ao entrar em contato com os europeus.
Heródoto, em sua História, deixou registrada sua impressão acerca dos africanos,
em um misto de estranhamento, admiração e desqualificação. Em sua lógica
descritiva ele afirmava que "os homens daquelas regiões são negros por causa do
calor" e os "etíopes da Líbia são entre todos os homens os de cabelos mais crespos"
(Heródoto, 1988: 95, 361). A relação entre a cor e o clima, associada à ênfase no
tipo de cabelos revela o impacto que a diferença de fenótipos entre os europeus e os
africanos causava ao estrangeiro. Além disso, afirmava o historiador que "o sêmem
por eles ejaculado quando se unem às mulheres também não é branco [...], e sim
negro como a sua tez (acontece o mesmo com o sêmem dos etíopes)" (ibidem: 182).
Em seus comentários também encontramos elogios aos etíopes, já que estes seriam
"homens de elevada estatura e muito belos e de uma longevidade excepcional". Na
descrição geográfica da região o viajante grego acredita ser a Etiópia "a mais remota
das regiões habitadas; lá existe muito ouro e há enormes elefantes, e todas as
árvores são silvestres, e ébano (...)" (ibidem: 185-6).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 120
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Porém, não só de curiosidade se constituem seus escritos. Em outros trechos fica
evidente a inferioridade dos etíopes perante os gregos e egípcios, já que estes eram
bárbaros — sem civilização — e identificados como trogloditas.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 121
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
O paraíso terrestre aparecia sempre ao Norte, no topo, distante dos homens, e
Jerusalém, local da ascensão do filho de Deus aos céus, no centro. A Europa, cuja
população descendia de Jafet, primogênito de Noé, ficava à esquerda (do
observador) de Jerusalém e a Ásia, local dos filhos de Sem, netos de Noé, à direita.
Ao Sul aparece "o continente negro e monstruoso, a África. Suas gentes eram
descendentes de Cam, o mais moreno dos filhos de Noé" (Noronha, 2000: 681-689).
Neste caso, mais uma vez o desprestígio recobria a África. Segundo os textos
bíblicos, Cam foi punido por flagrar seu pai nu e embriagado. Seus descendentes
deveriam se tornar escravos dos descendentes de seus irmãos e habitar parte do
território da Arábia, do Egito e da Etiópia.
A África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a
mostrar, movimentos históricos próprios dela. Quer isto dizer que sua parte
setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos
precisamente pela África é o espírito a-hstórico, o espírito não desenvolvido, ainda
envolto em condições de natural e que deve ser aqui apresentado apenas como no
limiar da história do mundo. (Hegel, 1995: 174).
Apesar de Hegel não ter uma influência tão significativa assim nos historiadores do
período seguinte, parece que essa idéia não ficou limitada aos oitocentos,
influenciando trabalhos posteriores. Manuel Difuila lembra que um dos primeiros
estudiosos das temáticas africanas, H. Schurz, comparou a "História das raças da
Europa à vitalidade de um belo dia de sol, e a das raças da África a um pesadelo que
logo se esquece ao acordar" (Difuila, 1995: 52). Ainda nesta direção um renomado
professor da Universidade de Oxford, Sir Hugh Trevor-Hoper, demonstrou, em 1963,
compartilhar das idéias de seus companheiros anteriores.
Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No presente,
porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África. O resto são
trevas [...], e as trevas não constituem tema de história [...] divertirmo-nos com o
movimento sem interesse de tribos bárbaras nos confins pitorescos do mundo, mas
que não exercem nenhuma influência em outras regiões"16 (apud Fage, 1982: 49).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 125
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Para os historiadores do século XIX ou da virada para o XX, a História da África —
vivenciada ou contada — teria começado somente no momento em que os europeus
passaram a manter relações com as populações do Continente. Não só pela ação de
registrar e relatar, feita por viajantes, administradores, missionários e comerciantes
do século XV ao XIX, mas principalmente pelas mudanças introduzidas pelos
europeus na África.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 126
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A mudança dessa perspectiva começou a ocorrer um pouco antes das lutas pelas
independências, nos anos 1950 e 1960, e se estenderia até o final da década de
1970. De uma forma geral, pode-se afirmar que, na segunda metade do século XX,
aconteceu uma espécie de revolução nos estudos sobre a África. As investigações
se diversificaram e ampliaram suas abordagens.
Segundo o filósofo africano Kwame Appiah, era preciso ter qualidades e forças em
um mundo competitivo e em uma África submersa em problemas dos mais diversos
tipos. Para ele, entre esses primeiros pensares pós-independência estaria o
aparecimento de ideologias que defendiam e (re)significavam a identidade africana: o
pan-africanismo e a negritude. Ambas, com intensidades e objetivos diferentes,
buscavam enfatizar a existência de uma identidade comum africana, que serviria
como sinal distintivo e de qualificação, muitas vezes apaixonada, dos africanos com
relação ao resto da humanidade (Appiah, 1997: 19-53). Essas correntes tiveram uma
grande influência nos estudos ali organizados até o final dos anos 1970, e na própria
articulação e crescimento dos movimentos negros do outro lado do Atlântico.
Uma das principais gerações de pensadores desse grupo foi a dos intelectuais
liderados pelos africanos Joseph Ki-Zerbo e Cheikh Anta Diop. A maior parte dos
historiadores ligados a esse movimento supervalorizou o argumento de que a África
também tinha sua história. Tal iniciativa fez com que Carlos Lopes chamasse esse
grupo de "Pirâmide Invertida", ou Corrente da Superioridade Africana. Para Lopes,
não seria difícil entender ou justificar este nome, já que eles estavam ligados à
iniciativa de modificar as leituras e visões sobre a África, procurando redimensionar
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 127
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
sua história, inclusive colocando-a como o ponto de partida para explicar a História
Ocidental (Lopes, 1995: 25-26).
No final dos anos 70 e início dos 80, passada a euforia de se pensar a África por ela
mesma, surgiu, nas palavras de Lopes, uma "nova escola de historiadores
africanos", despojados das cargas emocionais dos seus predecessores e igualmente
preocupados com a continuidade das investigações. Porém, no caso desses novos
historiadores, competia a eles a trabalhosa tarefa de ampliar os estudos sobre o
Continente e integrar suas pesquisas às constantes inovações da historiografia
mundial (ibidem: 28).
Nesse período, ficou claro que as fontes escritas não eram tão escassas para a
África. Arquivos ultramarinos europeus, na própria África, além das diversas fontes
em árabe, facilitavam a investigação sobre certos sistemas vigentes durante séculos
na história da região. Houve também uma sofisticação do uso de metodologias no
caso da tradição oral, assim como a aproximação com a Antropologia, a Lingüística e
a Arqueologia, que já ocorria há algum tempo, acentuou-se.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 128
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Nos últimos anos, a historiografia africana passou a ser caracterizada por estudos
ligados às epidemias, ao cotidiano, às novas tendências da economia e da ciência
política, da importância do regional, do gênero, da escravidão, da cultura política, das
influências da literatura e de uma quase incontável diversidade de temáticas para
investigação. Pesquisas realizadas por africanos e africanistas têm procurado
desvendar e explicar o Continente pelas óticas sempre diversificadas das reflexões
históricas. Estudos sobre o passado remoto ou recente das regiões, do processo de
formação da África atual, do entendimento da diversidade de suas culturas e povos,
das releituras sobre os contatos com os europeus e sobre os complexos problemas a
que submerge hoje o Continente foram alvo de uma quantidade avassaladora de
investigações.
De qualquer forma, e apesar dos esforços, seria precipitado afirmar que as velhas
representações sobre os africanos tenham desaparecido. Talvez a viagem de Lula à
África tenha sido um sinal disso.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 130
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A imagem enquanto representação do real estabelece identidade, distribui papéis e
posições sociais, exprime e impõe crenças comuns, instala modelos formadores,
delimita territórios, aponta para os que são amigos e os que se deve combater.
(Meireles, 1995: 101)
Seria plausível, então, pensar que se uma criança africana, européia ou brasileira for
acostumada a estudar e valorizar apenas ou majoritariamente elementos, valores ou
imagens da tradição histórica européia elas irão construir interpretações ou
representações influenciadas pelas mesmas. Da mesma forma, se as imagens
reproduzidas nos livros didáticos sempre mostrarem o africano e a História da África
em uma condição negativa, existe uma tendência da criança branca em desvalorizar
os africanos e suas culturas e das crianças africanas em sentirem-se humilhadas ou
rejeitarem suas identidades.20
Eis aqui um tema freqüentemente negligenciado por nosso ensino. Falta mais grave
quando sabemos que todos os brasileiros são culturalmente descendentes dos
africanos.
Como falar de um assunto tão vasto em tão pouco espaço? Preferimos nos
concentrar em alguns aspectos fundamentais. Primeiro, mostrar aos alunos que os
"africanos" são na verdade diferentes uns dos outros (e apenas alguns desses povos
vieram como escravos para o Brasil). Segundo, rejeitar os clichês próprios de filmes,
desenhos animados e quadrinhos etnocêntricos, ao estilo Tarzan e Fantasma.
Procuramos transmitir nosso próprio sentimento de encanto e surpresa com as
maravilhosas criações dos povos africanos: as pirâmides de Méroe, a vida intelectual
agitada em Tombuctu, as geniais esculturas iorubás, o imponente e misterioso
grande Zimbábue. (Schmidt, 1999b: 24)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 132
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Se, de fato, é um tema negligenciado pelo nosso ensino, por que o autor alerta que
sua abordagem será restrita, se sua intenção é valorizar ou minimizar o
esquecimento da História da África que fizesse uma análise efetivamente
abrangente. Como veremos logo a seguir, se sua coleção possui espaço para tratar
a Reforma Religiosa européia em catorze páginas, por que reservar apenas dez para
toda a África pré-colonial? Escolha do autor? Da editora? Do mercado consumidor?
Dos currículos?
Fora o capítulo específico sobre a África, ela transita em outras partes do volume. No
capítulo 5 — "A Expansão Marítima" -, o Continente é retratado ora como um
obstáculo a ser superado para atingir o lucrativo mercado de especiarias do Oriente,
ora como uma fonte de riquezas naturais — ouro, marfim — ou de oferta de mão-de-
obra — os escravos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 133
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Apesar de tantos riscos, de tantas incertezas, aqueles bravos homens toparam o
desafio. E fizeram o que nenhum outro europeu havia conseguido antes: contornar o
litoral da África, alcançaram o Oriente pelo mar e chegaram à América. E tudo em
apenas algumas décadas! (Schmidt, 1999: 94)
Ao contornar a África, os portugueses observavam o que podiam. Na África haviam
interessantes riquezas: o marfim, por exemplo, o precioso dente do elefante, que
servia para fazer objetos de luxo. Na Guiné, uma região ao sul do deserto do Saara,
era possível obter ouro em boas quantidades... A África também tinha algo que atraiu
a cobiça européia: seres humanos (ibidem: 102).
Neste mesmo capítulo, o autor transita entre outros acertos e desacertos. Quando
trata das relações da África com o mercantilismo europeu e a sua integração ao
Mundo Atlântico o autor utiliza corretamente uma imagem feita por um grupo étnico
que habitava o Benin, representando os europeus que chegavam ao Continente. A
postura mercantil-bélica fica evidente na pequena estatueta.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 134
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Alertar para as representações feitas de europeus pelos diversos grupos africanos é
um exercício fecundo para que os alunos passem a reconhecer a diversidade cultural
e a autonomia dos grupos humanos da África. Normalmente, o que ocorre é a
reprodução das representações elaboradas pelos europeus sobre os africanos.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 135
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Porém, ao analisar os efeitos da escravidão nas populações africanas, o texto revela
uma frágil preocupação com o contexto histórico da época, sendo evidentemente
carregado de juízos de valor e de um grave anacronismo.
Por incrível que pareça, alguns papas chegaram a autorizar a escravização dos
africanos. A Igreja Católica alegava que essa era uma maneira de fazer os africanos
"abandonarem as religiões do diabo e conhecerem o cristianismo". (Schmidt,
1999:102)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 136
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
adequado de uma imagem ilustrando a relação da Igreja com a escravidão. Nela é
reproduzido o estereótipo do negro passivo, submisso e sofredor.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 137
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Ao fazer referência do uso da escravidão no Mundo Atlântico e das motivações
econômicas que alimentaram o tráfico negreiro, duas posturas do autor incomodam.
Primeiro, ele não faz alusão explicativa à escravidão tradicional africana, como se a
escravidão fosse uma invenção árabe ou européia naquele Continente. 29 Mesmo
sabendo das profundas diferenças entre a escravidão praticada pelos africanos e
aquela utilizada sob influência dos árabes ou europeus, seria fundamental um
comentário sobre o tema. Segundo, ao tentar situar o aluno perante as relações das
práticas materiais com as mentalidades de um certo período, a análise do autor se
reveste de um perigoso anacronismo. Schmidt afirma que, mesmo sendo apoiada
pela Igreja, governos, comerciantes, políticos, fazendeiros e pela mentalidade da
época,30 a escravidão era injusta em sua própria essência e nunca poderia ter sido
justificada. O autor perde os limites temporais e os critérios do relativismo, fazendo
com que o aluno visualize uma história na qual todos devem ter como valores e
referências de vida os padrões ocidentais atuais.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 138
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Além das necessidades econômicas, existia a mentalidade da época. A escravidão
não era escandalosa como é hoje. Até mesmo os padres tiveram escravos. Já
pensou se alguém disser que temos de aceitar as injustiças sociais de hoje porque
no futuro alguém vai falar que no nosso tempo "as injustiças eram normais?"
(Schmidt, 1999: 213).
De forma parecida, não existem menções aos africanos traficantes. Para o autor,
somente os comerciantes portugueses, espanhóis, ingleses e brasileiros fizeram
parte das redes de lucro oriundas de tal atividade. A participação de africanos no
comércio de homens é simplesmente ignorada (ibidem: 205 e 211).
Ao citar os grupos étnicos africanos que foram estudados, o autor utilizou uma
difundida idéia entre os historiadores africanos pertencentes à chamada corrente da
"Superioridade Africana",31 que no período próximo —anterior e posterior — às
independências utilizaram padrões ou referências europeus para afirmar ao mundo e
aos próprios africanos que a História do Continente negro possuía elementos
sofisticados e formas de organização avançadas, e que deveriam ser estudadas.
Neste sentido, encontrar os grandes "impérios", as grandes construções e as
esplendorosas obras de arte tornou-se quase que uma obsessão.32 Porém, se a
África era e é uma região de grande autonomia, capacidade criativa e de fecunda
participação na História geral, não seria preciso eleger padrões europeus para sua
afirmação. Esta crítica já foi feita, com grande pontualidade, a alguns daqueles
historiadores. Porém, Schmidt parece desconhecê-la, pois é justamente esse o
critério eleito pelo escritor para selecionar o que será estudado no capítulo.
Quem não admira o povo do rio Nilo, das múmias, dos faraós, que escrevia livros de
Matemática e construía pirâmides? A maioria dos egípcios antigos eram africanos e
tinham a pele negra ou mulata. O que é mais uma prova contra as pessoas racistas
que teimam em dizer que "os negros não foram capazes de formar uma grande
civilização". Acontece que o Egito não foi a única grande civilização da África.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 139
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Existiram muitas outras. É o que descobriremos a partir de agora (Schmidt, 1999:
177).
A civilização dos hauças começou a ser construída por volta do século XI [...]
Os hauças eram, na verdade, diversos povos que falavam uma língua semelhante.
Habituados ao comércio internacional, os hauças aceitavam conviver com pessoas
de outras nações [...]. (Schmidt, 1999:179-180)
Outra confusão acerca da questão ocorre quando o autor refere-se aos iorubás. Na
África, esse grupo passou apenas a se identificar dessa forma por volta do século
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 140
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
XVIII. Até então eles se auto-identificavam de acordo com a origem de suas cidades
ou pequenos reinos: Oyo, Ifé, Ijexá, Ketu, Ijebu. No Brasil, foram chamados, de uma
forma geral, de nagôs. São praticamente inexistentes as referências que denominam
os iorubás na África como nagôs. Porém, Schmidt parece desconhecer este dado.
Essa famosa cidade tinha dezenas de milhares de habitantes e uma das maiores
universidades do mundo. Era também um grande centro de comércio internacional.
Vendiam-se até livros escritos em árabe que abordavam assuntos como Medicina,
Geometria, Religião, Poesia e História. (ibidem: 179)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 141
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Alguns deslizes mais graves demonstram a pouca preocupação do autor em permitir
a construção de conhecimento e análises por parte dos alunos. Ele antecipa essa
ação e incorre em arriscadas afirmações. Isso se torna claro em passagens nas
quais Schmidt tece considerações sobre o poderio militar/econômico e as práticas da
cultura material de alguns grupos africanos. As imprecisões variam entre a emissão
de juízos de valor e a realização de leituras anacrônicas. Ao tratar dos conflitos entre
o Abomei (Daomé) e os iorubás, Schmidt comenta uma das conseqüências do
conflito: "Infelizmente grande parte das riquezas do reino Abomei vieram do comércio
de escravos" (idem). Infelizmente para quem? E por que?
O vinho feito de palmeira era muito apreciado, embora fizesse muito mal à saúde
quando bebido exageradamente. O guerreiro bêbado era fácil de ser derrotado, o
sábio bêbado não passava de tolo. (idem)
Interessante notar que a mesma crítica não ocorre com relação aos europeus.
No uso das imagens, Schmidt parece se sair um pouco melhor, apesar das citações
de fontes imprecisas ou ausentes. A apresentação do capítulo, com um conjunto de
máscaras africanas, é bastante estimulante, assim como o mapa da África presente
na página seguinte, que incorre, como ele mesmo alerta, em algumas imprecisões
temporais, mas foge das representações cartográficas tradicionais dos manuais.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 144
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
As presenças de imagens da Mesquita de Sexta-feira, em Mopti, da cidade de
Tombuctu, no Mali, do Grande Zimbabwe, assim como de esculturas feitas pelos
iorubás e no Daomé, são importantes instrumentos na apresentação das formas
arquitetônicas, das religiosidades, artes e filosofias africanas. Da mesma forma, o
autor inova traçando uma linha do tempo com os principais momentos da História do
Continente.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 145
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 146
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Schmidt também procura chamar a atenção dos alunos para as representações dos
africanos feitas pelos europeus. A mudança da fisionomia dos africanos, de seus
gestos, roupas e comportamentos, que recebem feições européias, é destacada pelo
autor. A demonstração do preconceito europeu com o Continente, ou o olhar
eurocêntrico que marcava a relação entre as partes citadas, pode se tornar uma
abertura para o palco de debates e reflexões sobre a temática do racismo, da
discriminação e da intolerância.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 147
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
perigoso argumento. "Hoje em dia, os países da África são pobres e a população
passa por grandes necessidades" (Schmidt, 1999: 183).
Reflexões
É obvio que muito se tem feito pela mudança desse quadro. Louve-se, nesse
sentido, a ação de alguns núcleos de estudo e pesquisa em História da África
montados no Brasil, como o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), da
Universidade Federalda Bahia, o Centro de Estudos Afro-Asiáticos e o Centro de
Estudos Afro-Brasileiros, da Universidade Candido Mendes (UCAM), e o Centro de
Estudos Africanos, da USP. Enalteça-se a iniciativa legal do governo, do movimento
negro e de alguns historiadores atentos à questão. Ressalte-se a ação de algumas
instituições e professores que têm promovido palestras, cursos de extensão e
oferecido ou proposto cursos de pós-graduação em História da África, como na
UCAM e na Universidade de Brasília (UnB). Porém, ainda existem grandes lacunas e
silêncios. A obrigatoriedade de se estudar África nas graduações, a abertura do
mercado editorial — traduções e publicações — para a temática, até a maior
cobrança de História da África nos vestibulares são medidas que tendem a aumentar
o interesse pela História do Continente que o Atlântico nos liga. Talvez assim, em um
esforço coletivo, as coisas tendam a mudar.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 148
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
continuidade de algumas iniciativas aqui abordadas, sempre objetivando à formação
humana e o reconhecimento do Continente que se conecta conosco pelas fronteiras
Atlânticas.
Notas
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 149
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição
do povo nego nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil".
8. A pesquisa se encontra em fase inicial, na qual, apenas quinze, das trinta coleções
de livros didáticos de História, selecionadas para análise, foram compulsadas. As
obras são as seguintes: Mozer (2002), Rodrigue (2001), Macedo (1999), Dreguer
(2000) e Schmidt (1999).
11. Para Carlo Ginzburg o termo guarda em sua aplicação nas ciências humanas
uma certa ambigüidade, que se revelaria por dois encaminhamentos reflexivos
acerca da questão. Para alguns a representação "faz as vezes da realidade",
lembrando sua ausência. Para outros, ela "torna visível a realidade representada e,
portanto, sugere sua presença". Neste caso, o primeiro exemplo seria efetivamente
uma representação e seria lida como tal. Já no segundo exemplo ela poderia se
confundir com o que é representado, não sendo mais percebida como um
instrumento de ligação, para ser o próprio objeto que está sendo representado.
Ocorreria, portanto, uma oscilação entre evocação e substituição do que é
representado (Ginzburg, 1999: 85). Já para Roger Chartier "[...] nenhum texto —
mesmo aparentemente mais documental [...] — mantém uma relação transparente
com a realidade que apreende. O texto, literário ou documental, não pode nunca se
anular como texto, ou seja, como um sistema construído consoante categorias,
esquemas de percepção e de apreciação, regras de funcionamento, que remetem
para as suas próprias condições de produção" (Chartier, 1988: 63).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 150
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
12. Fanon nasceu na ilha de Martinica, na América Central, em 1925. Até sua morte,
em 1962, esteve engajado na luta de libertação das colônias francesas na África.
13. Fora os trabalhos dos citados autores encontramos várias outras referências:
Políbio, séc. II a.C.; Estrabão, séc. I a.C.; Plínio, o Velho, séc. I; Tácito e Plutarco,
séc. II.
15. O conceito de tradicional aqui utilizado deve ser relativizado. Trabalhamos com a
perspectiva de que as sociedades tradicionais se encontram abertas e, em grande
parte das vezes, absorvem os impactos causados pelas mudanças sem maiores
transtornos. Sobre a temática ver a obre de Appiah (1997).
16. Estas idéias foram expostas numa série de cursos apresentados pelo professor,
intitulada "The Rise of Christian Europe". Ver Fage (1982)
18. A referência aos citados grupos de estudos sobre a áfrica hora como "grupos",
hora como "vertentes", não ocorre por um descaso nosso, mas é apenas uma forma
de demonstrar a flexibilidade de classificação ou ordenamento de trabalhos utilizados
em nossa pesquisa.
19. Desde os anos 1960, acontecem encontros e congressos sobre as mais diversas
temáticas e investigações sobre a África. Porém, nos últimos quinze anos, esses
eventos atingiram uma dimensão significativa, contando com um grande número de
participantes e de pesquisas divulgados. Podemos citar alguns de maior relevância
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 151
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
como o Colóquio de Construção e Ensino da História da África, as Reuniões
Internacionais d História de África, os Congressos Luso-Afro-Brasileiro de Ciências
Sociais, os Seminários Internacionais sobre a História de Angola, o African Studies
Association (ASA), nos Estados Unidos; o West African Research Association
(WARA), no Senegal e nos Estados Unidos; o Women in Africa and African Diaspora
(WARD), nos Estados Unidos; e o Association Canadienne dês Études Africaines
(ACEA/CAAS), em Toronto. As publicações também têm tido um crescimento
quantitativo e qualitativo de destaque, seja em obras coletivas, seja na divulgação de
investigações e reflexões individuais. Ver Bibliografia.
22. Autor de uma das novas séries de livros didáticos de História lançadas na
segunda metade da década de 1990.
25. Um comentário mais específico dessas obras exigiria um esforço que não se
adequaria a nossa proposta.
29. No capítulo 11, página 180, o autor separou um subtítulo — "A escravidão negra"
— para tratar da relação entre os africanos e a citada instituição. Porém, ele não
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 152
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
menciona, de forma explicativa, a escravidão tradicional africana. Sobre o assunto,
ver os seguintes trabalhos: Selma Pantoja (2000), Paul Lovejoy (2002), Patrick
Manning (1988) e Alberto da Costa e Silva (1992).
30. Por motivos que transcendiam o fator econômico, já que o africano era percebido
como inferior e pagão/infiel, podendo ser alvo da ação missionária e salvadora dos
ocidentais.
31. O historiador guineense Maria Difuila organizou uma nova classificação para a
historiografia africana, passando a dividi-la em três fases: corrente da Inferioridade
Africana; corrente da Superioridade Africana; e os novos estudos africanos. Com
relação à corrente da Superioridade Africana uma de suas principais características
era supervalorizar o continente, ora utilizando categorias européias, no estudo de
antigas civilizações africanas, ora afirmando a superioridade da África em relação ao
mundo. Ver Difuila (1995).
32. Sobre a questão ver os trabalhos de Philip Curtin (1982), Manuel Difuila (1995) e
Carlos Lopes (1995).
33. Sobre o assunto ver as obras de Appiah (1997), Horton (1990), Ray (2000) e Mbti
(1977).
REFERÊNCIAS
ABREU, Martha & SOIHET, Rachel (2003). Ensino de história: conceitos, temáticas e
metodologia. Rio de Janeiro, Casa da Palavra; FAPERJ. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 153
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
BITTENCOURT, Circe (org.) (1997). "Livros didáticos entre textos e imagens". In C.
Bittencourt (org.), O saber histórico na sala de aula. São Paulo, Contexto, pp. 69-
90. [ Links ]
____ (2003). Um rio chamado Atlântico. A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira. [ Links ]
DEL PRIORE, Mary & VENÂNCIO, Renato (2004). Ancestrais. Uma introdução à
história da África Atlântica. Rio de Janeiro, Editora Campus. [ Links ]
DIEHL, Astor Antônio; CAIMI, Flávia Eloísa & MACHADO, Ironita (orgs.) (1999). O
livro didático e o currículo de história em transição. Passo Fundo,
EDIUPF. [ Links ]
DJAIT, H. (1982). "As fontes escritas anteriores ao século XV". In J. Ki-Zerbo (org.),
História geral da África: metodologia e pré-história da África. vol. I. São Paulo/Paris,
Ática/Unesco, pp. 105-128.. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 154
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
FREUND, Bill (1984). "Africanist history and the history of Africa". In B. Freund, The
making of contemporany Africa: The development of African society since 1800.
Bloomington, Indiana University Press. [ Links ]
GINZBURG, Carlo (2001). Olhos de Madeira: nove reflexões sobre a distância. São
Paulo, Companhia das Letras. [ Links ]
HORTA, José da Silva (1995). "Entre história européia e história africana, um objecto
de charneira: as representações". Actas do Colóquio Construção e Ensino da História
da África. Lisboa, Linopazes. [ Links ]
LOPES, Carlos (1995). "A pirâmide invertida. Historiografia africana feita por
africanos" . Actas do Colóquio Construção e Ensino da História da África. Lisboa,
Linopazes. [ Links ]
M' BOKOLO, Elikia (2003). África negra. História e civilizações. Até ao Século XVIII.
Lisboa, Vulgata. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 155
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
MATTOS, Hebe Maria (2003). "O ensino de história e a luta contra a discriminação
racial no Brasil". In M. Abreu & R. Soihet, Ensino de história: conceitos, temáticas e
metodologia. Rio de Janeiro, Casa da PalavraFAPERJ, pp. 127-136. [ Links ]
MEIRELLES, William Reis (1995). "História das imagens: uma abordagem, múltiplas
facetas". Pós-História, nº 3, pp. 77-91. [ Links ]
MUNAKA, Kazumi (2001). "História que os livros didáticos contam, depois que
acabou a ditadura no Brasil". In M. C. Freitas (org.), Historiografia brasileira em
perspectiva. São Paulo, Contexto, pp. 271-298. [ Links ]
PEREIRA, Paula (2001). "As tintas da história". Época, ano IV, nº 162, pp. 50-57.
São Paulo. [ Links ]
PESAVENTO, Sandra Jatahy (1995). "Em busca de uma outra história: imaginando o
imaginário". Revista Brasileira de História, vol. 15, nº 29, pp. 9-27. [ Links ]
RAY, Benjamin C. (2000). African religions: symbol, ritual, and community. New
Jersey, Prentice-Hall. [ Links ]
VILLALTA, Luiz Carlos (2001). "O livro didático de história no Brasil: perspectivas de
abordagem". Pós-História, nº 9, pp. 39-59. [ Links ]
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 156
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
ZAMBONI, Ernesta (1988). "Representações e linguagens no ensino de história".
Revista Brasileira de História, vol. 18, nº 36, pp. 89-101. [ Links ]
DREGUER, Ricardo & TOLEDO, Eliete (2000). História: cotidiano e mentalidades. 5ª,
6ª, 7ª e 8ª séries. São Paulo, Atual.
MACEDO, José Rivair & Oliveira, Mariley W. (1996). Brasil: uma história em
construção, vol. 3. São Paulo, Editora do Brasil.
MOZER, Sônia & TELLES, Vera (2002). Descobrindo a história, 5ª série. São Paulo,
Ática.
RODRIGUE, Joelza Éster (2001). História em documento: Imagem e texto. 5ª, 6ª, 7ª
e 8ª séries. São Paulo, FTD.
SCHMIDT, Mario (1999a). Nova história crítica, 6ª série. São Paulo, Nova Geração.
____ (1999b). Manual do professor. Nova história crítica, 6ª série. São Paulo, Nova
Geração.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 157
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
MITOS, CONTROVÉRSIAS E FATOS: Construindo a história da
capoeira (*)
Luiz Renato Vieira** & Matthias Rohrig Assunção***
(*) Recebido para publicação em abril de 1998.
(**) Sociólogo, professor do curso de pós-graduação em capoeira na Faculdade de Educação Física
da Universidade de Brasília.
(***) Historiador, professor do Departamento de História da Universidade de Essex, Inglaterra.
Hoje não é mais necessário explicar o que é capoeira. Ela foi tão divulgada, nos
últimos vinte anos, que já deu, literalmente, a ―volta ao mundo‖. É praticada não
somente em todos os estados brasileiros, mas também na Argentina, nos Estados
Unidos, no Canadá, na Europa Ocidental, em Israel, no Japão e até na Austrália. E a
lista está incompleta. A capoeira virou, depois do boxe, a modalidade de luta não-
oriental de maior projeção no ocidente.
Ao mesmo tempo em que se abrem novas academias, a cada dia cresce a literatura
sobre a capoeira. Já circulam várias revistas especializadas, (1) dezenas de teses
acadêmicas têm sido escritas no Brasil e no exterior sobre a capoeira (2) e outros
tantos livros sobre o tema são publicados a cada ano. No entanto, a história da
capoeira, tal como ela é contada nas academias, ou mesmo em muitos livros,
continua veiculando uma estranha mistura de mitos e semi-verdades que se mostra
muito reticente à auto-correção. E raro são os que, como Nestor Capoeira (1992,
p.12), capoeirista e pesquisador, têm tido a coragem da autocrítica radical.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 158
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A proposta deste artigo é examinar alguns destes mitos e controvérsias à luz das
fontes e evidências de que dispomos hoje. Queremos mostrar o que podemos, com
os conhecimentos de que hoje dispomos, aceitar como provado, o que é apenas
plausível, e o que nos parece claramente equivocado. Refletiremos também sobre a
função destes mitos, mostrando que se relacionam com conflitos mais abrangentes
que se desenrolam na cultura e na sociedade brasileira.
Existem vários níveis de mitificação. O primeiro é o do mito que não tem nenhuma
base em fatos históricos nem ensinamentos de mestres antigos, mas é inventado
para reforçar determinadas posições ideológicas. Em geral, é difícil saber quem
inventou o mito, traçar a sua origem precisa. Ele surge em momento oportuno, e
acaba sendo repetido tantas vezes que assume ares de verdade incontestável. O
segundo é mais sutil, porque consiste em insistir sobre alguns aspectos em
detrimento de outros, que são omitidos. Estas versões parciais têm tido função
importante nos enfrentamentos ideológicos que escolheram a história da capoeira
como um dos seus campos privilegiados. Muitas controvérsias sobre a história da
capoeira se assemelharam a um diálogo de surdos, onde os argumentos do ―outro
lado‖ não eram considerados.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 159
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
dentre as publicações mais especializadas, os manuais redigidos por professores e
mestres dos textos acadêmicos (artigos, teses e livros). A distância entre os dois
últimos não é de nenhuma maneira absoluta, tanto que há mestres ou capoeiristas
que viraram estudiosos da história da capoeira e que chegaram a admiráveis níveis
de erudição, como Bira Almeida (Mestre Acordeon), Jair Moura, Nestor Capoeira,
Ângelo de Decânio, Raimundo César Alves de Almeida (Mestre Itapuã). (3) Por outro
lado, vários cientistas sociais estudiosos da capoeira são ou eram também
praticantes da arte, como Alejandro Frigerio, J. Lowell Lewis, Muniz Sodré, Letícia
Vidor, etc. Destarte, ―se difunde a figura do estudioso-jogador‖ (Soares, 1995, p.17).
Este processo, evidentemente, tem implicações metodológicas importantes.
Possibilita ao analista, por um lado, uma visão interna da dinâmica que estuda. Por
outro, a inserção do pesquisador do campo – no sentido sociológico de Pierre
Bourdieu – da capoeira, o que, sem dúvida alguma, interfere nas posições que este
assume quanto a aspectos doutrinários da luta. Por exemplo, as suas avaliações do
sistema de graduação do resgate de diversos rituais e de outras práticas adotadas
por diversos grupos de capoeira atualmente existentes dependerão muito dos
contatos que conseguiu estabelecer com cada um deles. (4)
Não se pode exigir o mesmo rigor e cuidado com detalhes historiográficos de textos
elaborados para aulas, mais preocupados com a didática, com a maneira pela qual é
passada adiante a mensagem, e de textos mais eruditos. Nossa postura aqui é de
tentar dialogar com esses diferentes textos. Pensamos que é possível respeitar os
ensinamentos dos mestres antigos, e ao mesmo tempo, guardar uma distância
crítica em relação aos seus discursos, isto é, levar em consideração o contexto no
qual foram elaborados, e as informações às quais não tiveram acesso. Queremos
contribuir para que os achados das pesquisas acadêmicas sejam discutidos, e assim
permitam a elaboração de uma visão menos a-histórica da capoeira.
Numa noite escura qualquer do século XVI, o primeiro negro escapou da senzala,
fugiu do engenho, livrou-se da servidão, ganhou a liberdade... Escapou o segundo e
o terceiro, na tentativa de segui-lo, fracassou. Recapturado, recebeu o castigo dos
escravos. (...) As perseguições não tardaram e o sertão se encheu de capitães-do-
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 160
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
mato em busca dos escravos foragidos. Sem armas e sem munições, os negros
voltaram a ser guerreiros utilizando aquele esporte nascido nas noites sujas da
senzala, e o esporte que era disfarçado em dança se transformou em luta, a luta dos
homens da capoeira. “A capoeira assim foi criada”. Jornal da capoeira n.1.1996.
Na sua versão mais radical, esta concepção sustenta que a capoeira Angola teria
―surgido‖ na África Central, sendo levada para o Brasil pelos escravos angola. O
Brasil chega a ser visto como apenas a terra onde os angolas desterrados teriam
praticado a sua arte, inalteradamente, durante séculos. A maioria dos defensores
desta linha de interpretação, contudo, não sustenta a visão ingênua de uma capoeira
transplantada, mas insiste sobre a existência de antecessores diretos da capoeira,
como o N‘Golo. (7)
O que nos parece fundamental é que a tese da origem da capoeira como luta de
escravos dos engenhos ou quilombos do nordeste colonial alcança tal nível de
importância que a maioria dos pesquisadores, mesmo não dispondo de referências
sólidas, não se arrisca a contestá-la. Faz parte, digamos assim, do inconsciente
coletivo do brasileiro, permitindo que mesmo em estudos acadêmicos rigorosos,
realmente inovadores em muitos aspectos, possamos ver afirmações dessa
natureza: ―A existência da capoeira parece remontar aos quilombos brasileiros da
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 161
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
época colonial, quando os escravos fugitivos, para se defenderem, faziam do próprio
corpo uma arma‖ (Reis, 1993, p.1).
Informações como esta poderiam perfeitamente ser obtidas através das cantigas de
capoeira, em sua maioria voltadas para a exaltação de um tempo mítico, um
―passado heróico‖ de lutas contra o branco escravocrata. Assume-se como fato
comprovado que milhares de escravos africanos e seus descendentes ―crioulos‖
teriam praticado a capoeira pelos sertões adentro na sua resistência à escravidão,
durante todo o período colonial. O quilombo ocupa, nesta visão, um lugar de
destaque, já que é considerado o principal símbolo da resistência negra. Raro é o
livro sobre capoeira que não tem no seu capítulo sobre as origens uma digressão
sobre os quilombos, associando explicitamente os dois. (8) Daí a fazer de Zumbi um
exímio mestre capoeirista é um pequeno passo a mais, que é dado por alguns. (9) O
próprio Pastinha (1988, p.24-5), o mais importante defensor da capoeira tradicional
baiana, afirmou: ―Entre os mais antigos mestres de Capoeira figura o nome de um
português, José Alves, discípulo dos africanos e que teria chefiado um grupo de
capoeiristas na guerra dos Palmares.‖
A história da capoeira, tal qual ela nos é contada, se assemelha àquela velha
história econômica do Brasil, onde se passa de um ―ciclo‖ a outro, e de uma região à
outra (açúcar no Nordeste, ouro nas Minas Gerais, café no Centro-Oeste) sem
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 162
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
jamais se saber o que acontece com uma região antes ou depois do ―surto‖ de um
produto. Assim, a história da capoeira invariavelmente começa com os quilombos do
interior, entendidos como praticantes da capoeira, no século XVII. Daí segue num
salto mortal (11) para a cidade, o Rio de Janeiro dos vice-reis. Afirma-se a existência
da mesma capoeira dos quilombolas do Nordeste entre os negros, escravos
urbanos, e a sua difusão entre a população livre. Comenta-se a formação das
famosas maltas, como os Nagoas e Guaiamuns, temrinando com o famigerado
chefe de polícia Sampaio Ferraz, que teria ―erradicado‖ a capoeira do Rio de
Janeiro, na década de 1890. Segue-se novo salto mortal para a Bahia do século XX,
mais precisamente a década de 30, com a criação da ―primeira‖ academia de
capoeira pelo mestre Bimba e a consolidação da capoeira Angola pelo mestre
Pastinha.
A necessidade da legitimação pelas origens remotas é tão grande que pode chegar
até mesmo à manipulação das fontes e dos fatos para que estes se conformem à
visão linear e essencialista da história da capoeira. Exemplar neste sentido é o uso
que se faz do famoso quadro do pintor bávaro Johann Moritz Rugendas, que nos
legou a primeira representação iconográfica da capoeira, uma gravura intitulada
―Jogar Capoera ou danse de la guerre‖ (1835). O único instrumento musical
representado neste quadro é um pequeno tambor (diferente do atabaque usado
hoje), não aparecendo nenhum dos outros instrumentos ―tradicionais‖ da capoeira
moderna, ou seja, nenhum berimbau, agogô, pandeiro ou reco-reco. Como o
berimbau é considerado a alma da orquestra da capoeira, houve até um mestre que
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 163
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
não hesitou em usar esta gravura para capa de um disco seu, acrescentando-lhe um
berimbau, que foi posto nas mãos de um outrora passivo espectador. (12)
No later than 1835 berimbau, as the lungungu came to be called in Brazil, was being
used to fuel the capoeira martial art. This we know because Rugendas in an
illustration shows two men in a roda, one doing the basic step, the ginga, at left, and
the other, ar right, apparently executig a step called queixada. They are in combat.
Handclapping and a drum accompany their battle. But close examination of a man
standing next to the drummer shows that he has a musical bow (sic) and is pulling
open his shirt, probably to place the calabash-resonator of his instrument against his
naked stomach in Kongo-Angola manner (Thompson, 1989).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 164
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Desta maneira, fica exemplificado que ninguém está isento de projetar a capoeira do
presente sobre as escassas fontes do passado, procurando adequá-las às
exigências atuais.
Mas todo estudante de história sabe que, apesar desta queima, existem toneladas
de documentos que se referem à escravidão, espalhados por todos os estados
brasileiros. (13) Essa informação, conhecida no mundo acadêmico, tem mostrado
dificuldade em chegar às rodas de capoeira, onde até hoje é freqüente ouvir
comentários equivocados sobre o assunto. Mesmo autores geralmente bem
informados como Areias (1984, p.21) escrevem:
Será necessário, nas reflexões que se seguem, nos interrogarmos sobre as razões
da persistência deste mito.
1.4. Controvérsias
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 165
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
criação da capoeira Regional pelo Mestre Bimba, e, em oposição a esta, a capoeira
Angola. A capoeira Regional provoca até hoje julgamentos extremos, que dificultam
uma avaliação mais objetiva. Vamos nos contentar, num primeiro momento, em
caracterizar as posições contrárias, que serão discutidas a seguir.
Da mesma maneira que a capoeira Regional, a capoeira Angola tem sido objeto de
interpretações diametralmente opostas. Seus detratores a identificam com um jogo
de chão, muito devagar e pouco eficaz para a luta. Só teriam sido fundadas
academias imitando a do mestre Bimba, mas sem ter o sucesso dele, daí a ―inveja‖
dos angoleiros. Até pouco tempo atrás se dizia inclusive que a capoeira Angola
estaria ―em extinção‖.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 166
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
que para alguns significa também a sua negritude, contrariamente à capoeira
Regional, ―embranquecida‖.
Estes mitos fornecem argumentos para uma série de confrontos que, de maneira
geral, não são específicos ao mundo da capoeira, mas que existiram ou existem na
sociedade brasileira como um todo ou em determinadas regiões ou cidades.
Alimentaram e alimentam discursos que justificam posições contrárias. Não é
possível fazer aqui a história destes confrontos. Queremos apenas apontar a
utilização destes mitos na lógica dos argumentos. Existe uma grande variedade de
posições, com sutis nuances entre elas. Simplificando, podemos distinguir cinco
discursos paradigmáticos.
Com o discurso nacionalista geralmente tenta se apoiar num sujeito com um fenótipo
considerado característico da nacionalidade, não é de se estranhar que autores
como Aluízio de Azevedo e, mais tarde, Gilberto Freyre tenham chegado a identificar
o capoeira com o mulato (apud Pires, 1996ª, p.221, 226). A maioria dos autores,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 168
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
porém, não avançou muito nesta direção, sobretudo porque o modelo da capoeira
que acabou por impor-se, a capoeira baiana, sempre foi associado ao negro. Mesmo
Jorge Amado, um dos maiores defensores da Bahia mestiça, apesar de discorrer
longamente sobre a ―cor indefinida‖ de Samuel Querido de Deus (mas “mulato, com
certeza”), caracteriza a capoeira como vinda de Angola, e, portanto, manifestação
africana (1977, p.239, 349-50). Para isto certamente contribuiu sua amizade pessoal
com mestre Pastinha.
Com Édison Carneiro, a defesa da cultura negra por parte de acadêmicos se fez
mais sistemática. Organizou, junto com Artur Ramos, o 2° Congresso afro-Brasileiro,
na Bahia, em 1937, que contribuiu para a maior aceitação do candomblé e da
capoeira pelas elites e para o conseqüente abrandamento da repressão policial.
Este congresso contou com uma apresentação de capoeira de Angola sob a direção
de Samuel Querido de Deus (Oliveira & Lima, 1987, 9.93), mais uma apresentação
da arte fora do seu contexto habitual de rua e festa de largo. Ele escreveu que ―na
Bahia, sabemos, com certeza, que a capoeira existe pelo menos desde o século
XIX, quase sempre ligada à vida do angola‖ (1937, p.147) sem, contudo, dar maiores
detalhes. Talvez por seu interesse em apresentar a capoeira como folclórica, e,
portanto, inofensiva, enfatizou que a capoeira baiana, denominada então de
―vadiação‖, ―não passa disso‖. Os negros (sic) se divertem, fingindo lutar, embora
cantem: no jogo da capoeira, quem não joga mais apanha!‖ (1937, p.148). Foi
seguindo esta tradição que Mestre Pastinha cunhou o neologismo ―capoeira de
Angola‖ para o estilo formalizado por ele e outros mestres, que reivindica maior
proximidade com as tradições da capoeira baiana. (15)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 170
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Como mostrou Letícia Reis (1993, p.190), alguns grupos têm até substituído
aspectos herdados do passado escravista (por exemplo, referências a santos
cultuados pelos negros escravos) e, portanto, característicos da cultura afro-baiana,
por outros elementos desta mesma cultura, considerados mais ―puros‖ na sua
negritude (os orixás). Outros grupos buscam uma raiz étnica mais específica, uma
―nação‖ em vez de um continente, semelhante ao que ocorre no candomblé. O
vínculo com manifestações específicas da África Central serve assim para reforçar a
idéia da capoeira como ―expressão da cultura africana (Bantu) no Brasil‖ (GCAP,
1993, p.5).
It was more than hundred years ago that the warriors of N’dongo (today known as
Angola) faced the invading Portuguese Armies. In a bloody and bitter guerrilla war,
the N’dongo warriors fought the Europeans using their native martial art of “kapwera”
– the Bantu verb meaning “to fight”.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 171
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
discussões dos últimos anos em torno do tema. A figura do mestre Bimba, apesar de
todas as críticas à capoeira Regional como capoeira embranquecida, tem
permanecido em geral por cima das disputas partidárias, pelo menos no discurso
dos velhos mestres da capoeira Angola, que sempre o elogiaram (com a exceção de
Waldemar do Pero Vaz). Como Bimba não somente era exímio jogador da capoeira
tradicional baiana, mas também, intimamente ligado ao candomblé (era ogã, e sua
mulher, Dona Alice, mãe de santo), além de músico de samba de roda, é impossível
negar o seu profundo envolvimento com a cultura afro-baiana.
De fato, a maioria dos textos sobre a história da capoeira usa o mesmo corpus de
fontes, ou uma parte deste. Só que esta ―bibliografia básica da capoeira‖, como a
chamou Araújo (1997), é muitas vezes usada indiretamente, o que leva a equívocos.
Os textos mais didáticos reproduzem informações de outras partes sem dar
referências e muitas vezes cometem erros grosseiros. Mesmo textos mais
acadêmicos sobre capoeira costumam citar uma referência através de outros
autores, o que pode levar a erros de apreciação sobre esta fonte. Um exemplo são
as Memórias da Rua do Ouvidor, de Joaquim Manoel Macedo, considerado por
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 174
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
muitos a primeira referência sobre capoeira no Rio. Assim Lewis (1992, p.43),
usando Lira Filho (1974), escreve:
The earliest reference to capoeira as a sport or fight, uncovered so far, dates from
approximately 1770 and consists of a series of newspaper columns written by a
journalist from Rio, Joaquim Manuel de Macedo, which were later made into a book.
Sugere assim que este jornalista teria escrito sobre capoeira nesta época, quando,
na verdade, Macedo viveu de 1820 a 1882, e escreveu as suas crônicas na segunda
metade do século XIX. Nelas, relata a famosa história do tenente Amotinado,
capoeirista que teria servido de auxiliar nas aventuras eróticas do vice-rei, o
Marquês de Lavradio, que de fato governou no Rio de Janeiro de 1769 a 1779 (e
não em 1700, como Lewis critica, com razão, a Almeida, 1986, p.24). Não sabemos
ao certo que fontes Macedo usou na redação da sua crônica. Provavelmente se
aproveitou da memória oral do seu tempo, assim como de pasquins e cantigas que
se fizeram a respeito na época (Macedo, 1988, p.39). O problema é que neste
episódio todo a capoeira não tem nenhum destaque, sendo relevante apenas o fato
de que o Amotinado era bom de briga, e, portanto respeitado por todos os homens
guardiões das suas mulheres. Em sua única referência direta à capoeira, Macedo
(1988, p.37) apenas comenta que ―talvez era o mais antigo capoeira do Rio de
Janeiro, jogando perfeitamente a espada, a faca, o pau e ainda e até de preferência
a cabeçada e os golpes com os pés‖. Aqui é muito difícil saber, portanto, pela
memória oral, e o que foi reinterpretado por Macedo, que vivia numa época em que
já havia uma grande preocupação com os capoeiras.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 175
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
(1890 – 1981). Assim, apesar do seu caráter fictício, contêm informações preciosas.
Mas devem ser confrontados com as intenções do autor, o seu estilo, a sua escola.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 176
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Quanto aos trabalhos de Inezil Penna Marinho citados, é forçoso constatar que
estão inseridos no projeto de uma educação racional e disciplinadora, com o objetivo
de moldar o ―novo homem‖ brasileiro, impulsionado por ideais nacionalistas e pela
concepção da autoridade e da força como instrumentos políticos primordiais. (21) O
corpo, como indicam vários estudos históricos, ocupou lugar de destaque nas
concepções de disciplina e educação implementadas a partir da década de 1930. A
educação física, por exemplo, inspirado nos modelos militarizados europeus, foi
implantada no Brasil nesta época, conforme demonstram diversos estudos sobre o
tema.
A partir do final da década de 1980 ocorreu uma substancial renovação dos estudos
sobre a capoeira. Os tipos de enfoques tendem a se ampliar, resultando numa maior
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 177
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
especialização dos estudos, em áreas como educação física, antropologia,
sociologia e história. Fundamental para esta renovação foram as buscas
sistemáticas de fontes de arquivo, até então pouco utilizadas. Primeiro em forma de
artigos (Holloway 1989 a e b. Bretãs 1989 e 1991), logo em teses inteiras dedicadas
ao assunto (entre outros Tavares 1984, Falcão 1994, Vieira 1996, Pires 1996a) (22),
episódios outrora desconhecidos foram assim desvendados. As novas fontes
predominantemente utilizadas são o registro policial e o processo judiciário. Estes
estudos se concentram, porém sobres os períodos posteriores a 1850.
Durante muitos anos, um dos principais debates da historiografia sobre o tema girou
em torno da origem da palavra que dá nome à luta. Tendo em mente os discursos
acima referidos, que estruturam o campo de estudo da capoeira, não é de se
estranhar que tenham surgido três etimologias diferentes, apontando ora para a
origem tupi, ora para a origem portuguesa ou africana da palavra. (23)
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 178
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
40 anos porque não cabiam na ótica nacionalista da capoeira como ―única‖ forma de
luta dos africanos nas Américas, inventada no Brasil. Pelo contrário, como pesquisas
dos últimos anos têm mostrado, existiram e ainda existem lutas / danças / jogos de
escravos africanos nas Américas, alguns dos quais continuam existindo até hoje,
embora tenham sofrido transformações similares às da capoeira brasileira. (25)
Entre elas é importante salientar a ladja, praticada na Martinica, cuja semelhança
com a capoeira é, de fato, impressionante. Não só do ponto de vista técnico da
execução dos movimentos (verifica-se a presença de movimentos como a armada,
queixada, meia-lua e diversos outros) como, o que é mais importante, o fato de
congregar aspectos lúdicos, musicais (pratica-se ao som de atabaques) e de
combate corporal.
Mestre Pastinha também parece ter reconhecido esta interação da capoeira com
outras manifestações quando escreveu: ―A capoeira é a segunda luta. Porque a
primeira é dos caboclos, e os africanos juntou-se com a dança, partes do batuque e
parte de candobrê, procuraram sua modalidade‖ (1996, p.13).
Se, por um lado, é necessário relacionar a capoeira com lutas / danças / jogos
africanos que podem ter sido seus antecessores, por outro é necessário não ficar
apenas no nível superficial. Até hoje não existe nenhum estudo rigoroso que procure
realmente mostrar semelhanças concretas e entre a capoeira os movimentos e o
ritual do N‘Golo, ou de qualquer outra manifestação bantu. Aliás, porque somente
considerar esta área cultural? Os iorubas e outros povos africanos tiveram também
as suas danças marciais, que podem ter contribuído de alguma forma para a
capoeira. (29) A contribuição mais importante nesta área é o campo da musicologia.
Estudiosos como Schaffer (1977), Kubik (1979) e Mukuna (1985) têm insistido sobre
a contribuição bantu na música brasileira em geral e na capoeira em particular,
mostrando a continuidade de patterns rítmicos nos toques de berimbau.
O debate sobre a origem da palavra capoeira, assim como o falso debate sobre sua
origem africana ou brasileira, tem se deslocado para uma outra questão, de certa
maneira mais fundamental: a capoeira se originou ao redor dos engenhos
nordestinos ou é um produto urbano, de cidades como Salvador, Recife ou o Rio de
Janeiro? (30) E, como colocou Nestor Capoeira (1992, p.39-40), será que a capoeira
teve ―um centro irradiador e único‖, do qual se expandiu, ou antes ―brotou
espontaneamente e com formas diferenciadas em diferentes locais?‖ É provável que
o tráfico interprovincial de escravos, que ocorreu a partir de 1850, tenha contribuído
de forma significativa para a difusão de manifestações culturais de escravos do
Norte e Nordeste para o Sudeste do país.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 180
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Infelizmente para os defensores da tese da origem rural e nordestina da capoeira,
não é conhecida nenhuma fonte documentando a existência da capoeira no interior,
antes do final do século XIX. (31) E, pior, é igualmente difícil provar a sua existência
em Salvador antes desta mesma época. As duas famosas gravuras de Rugendas,
sempre citadas, foram também, como já vimos, muitas vezes mal interpretadas e
têm que ser vistas no contexto da sua obra. A este respeito, parece-nos importante
enfatizar o seguinte: as gravuras, sempre associadas, se situam de fato em partes
diferentes da obra. A primeira é uma vista de ―San Salvador‖, aparentemente pintada
da península de Itapagipe. Representa no primeiro plano um grupo de negros, dos
quais quatro estão se movimentando, enquanto os outros cinco estão olhando ou
namorando. Dois se enfrentam diretamente, com passos que efetivamente lembram
a ginga. O terceiro, olhando para os dois, se abaixo num movimento que também
existe na capoeira atual. O quarto parece estar dançando na ponta dos pés. Não
está representado nenhum instrumento musical. Rugendas em nenhum lugar
comenta esta gravura e, sobretudo não diz que se trata de capoeira. A segunda
gravura, intitulada ―Jogar Capoera ou danse de la guerre‖, mostra uma cena urbana,
com dois negros se enfrentando ou jogando ao som de um tambor. Faz parte dos
capítulos sobre ―usos e costumes dos negros‖. Nele, Rugendas descreve o que
considera os ―cantos e danças‖ típicos dos negros, como o batuque (“Batuca”), o
lundu (“Zandu”, em outra ilustração chamada “Landu”), a capoeira e a eleição do Rei
do Congo. Passa então a tecer comentários sobre os ―feiticeiros‖ (ou
“mandigueiros”), os efeitos do álcool sobre os escravos e as fugas dos mesmos. A
inclusão da capoeira neste capítulo é um argumento para a existência mais
generalizada da capoeira no Brasil Império, tanto quanto as outras manifestações
por ele mencionadas. Esta segunda gravura, que explicitamente se refere à
capoeira, parece ser situada no Rio de Janeiro, devido à forma do morro no fundo do
quadro. (32)
A partir de Rugendas não se pode afirmar com certeza que uma luta / dança / jogo
com o nome de capoeira tenha existido nesta época na Bahia. Pode-se assumir
como provável que tenham existido manifestações muito próximas neste período, no
Recôncavo. O que reforça esta tese é que não sabemos da existência, até hoje, de
nenhum documento do Brasil Colônia ou Império referindo-se explicitamente à
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 181
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
capoeira na Bahia. E não é por falta de procurar. João Reis, reputado especialista da
história da Bahia no século XIX e um dos melhores conhecedores dos fundos
oitocentistas dos arquivos baianos, nos garantiu que nunca viu uma referência à
capoeira ou mesmo a outra dança marcial nas suas pesquisas sobre a Bahia do
século XIX, a não ser a citada gravura de Rugendas. Por isso, aventura a hipótese
heterodoxa de que a capoeira teria sido trazida do Rio de Janeiro para a Bahia. (33)
A capoeira como luta aparece nas fontes de forma massiva a partir da segunda
década do século XIX, justamente depois da transferência da corte portuguesa para
o Rio de Janeiro. (34) Mas devido ao caráter destas fontes, essencialmente registros
de prisões ou correspondências de autoridades encarregadas da repressão,
permanecem muitas dúvidas quanto às características da capoeira de então. De
fato, a palavra capoeira era usada tanto para designar uma prática, quanto para um
grupo de pessoas. Como já enfatizou Holloway (1989b, p.649), é importante estar
atento para os diversos significados do vocábulo, nesta época, para não incorrer em
confusões, nem anacronismos.
Devido ao caráter das fontes falta, também, informação precisa sobre a prática da
capoeira como atividade lúdica ou recreativa. Será que a capoeira desta época no
Rio era apenas uma técnica de combate, como já sugeriu Câmara Cascudo (1972,
p.241) e como sustenta Araújo (1977, 105 - 112)? Existem várias referências nas
fontes que permitem supor que não, porque mencionam explicitamente que os
escravos aprisionados, ―jogavam capoeira‖. Estamos nos baseando aqui no códice
do livro de Polícia, Prisões de 1817 – 1819, citado em extenso pelo próprio Araújo
(1997). Concordamos com a primeira parte da análise deste autor, mas não o
seguimos quando, apesar das múltiplas menções ao jogo de capoeira, nega o
caráter lúdico da mesma para esta época. A referência a instrumentos de música
apreendidos (viola, tambor) pode ser outro indício de que a capoeira carioca podia
estar associada nesta época à música num jogo amistoso, conforme a visão de
Rugendas. Desta maneira é plausível que os capoeiras praticassem as duas
vertentes, uma sendo o jogo entre eles, a outra a aplicação das destrezas
desenvolvidas nestes jogos em situações de conflitos reais. Tendo em vista que a
preocupação principal dos agentes do Estado era apenas com a subversão da
ordem pública, não seria de estranhar que não tenham documentado com mais
detalhes a primeira vertente, a capoeira / jogo. Um problema com esta interpretação
é que a capoeira como jogo tampouco aparece na documentação dos períodos
subseqüentes.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 183
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Em todo caso, devido à evolução semântica do termo capoeira de integrante de
grupo marginal para modalidade de combate praticada, sobretudo pelos membros
destes grupos, é difícil estabelecer com clareza a que se refere a denominação
capoeira nesta época, quando aparece nas fontes. Desta maneira, parecem
procedentes as conclusões de Araújo, de que nem todos os capoeiras, integrantes
dos grupos marginais, eram também praticantes da luta e vice-versa.
Fica mais claro, portanto, que neste período os capoeiras constituíam um real
contrapoder que ameaçava o controle do espaço urbano pelo poder escravista e
seus representantes, o que justifica a interpretação da capoeira como prática de
resistência escrava – mesmo que fora do quilombo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 184
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
agrupavam entre cinco e cem indivíduos e tinham uma base territorial, a igreja de
uma freguesia ou um largo. Ao longo do Segundo Império as maltas foram se
agrupando até formarem dois grandes grupos inimigos, os Guiamus e os Nagoas.
Soares (1995) tem feito uma análise minuciosa da distribuição espacial das maltas e
da sua evolução. Chegou à conclusão de que os Nagoas representariam a tradição
africana, cuja base territorial eram as freguesias periféricas da cidade. Os Guaiamus
representariam, pelo contrário, uma tradição mais nativa ou mestiça, baseada no
porto e nas áreas centrais da cidade.
O que chama a atenção neste quadro é que esta prática de capoeiragem difere
fundamentalmente daquilo que hoje é reconhecido como capoeira. Então, não havia
roda, não havia música e nem ―jogo‖ entre dois praticantes nas aparições públicas
da capoeiragem. Poder-se-ia sugerir que o tipo de fontes mais usadas nestas
pesquisas, sendo oriunda dos órgãos de repressão, apenas permitem uma visão
muito parcial e policial da capoeiragem. No entanto, as outras fontes (literárias,
jornalísticas) tampouco mencionam algo que se pareça mais com o jogo da capoeira
atual, a não ser a utilização de determinados golpes, e a ginga (Soares, 1995,
p.276).
(...) a capoeira demonstrou nestes anos sua força como “porta de entrada” na cidade
para estranhos, forasteiros e desamparados. Italianos, argentinos, paraguaios,
alemães, norte-americanos, chilenos, franceses, espanhóis, uma babel de
nacionalidades escondia-se nas sombras da capoeiragem. Constituída por africanos
em terras brasileiras, a capoeira vai ter seu destino marcado pelo caráter
cosmopolita da capital do Império.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 185
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A origem social dos capoeiras também precisa ser diferenciada. Um dos achados
principais da tese de Pires (1996a) é que, na República Velha, a maioria dos detidos
por capoeiragem não era composta de vadios e malandros, mas, pelo contrário, de
trabalhadores. O mesmo é corroborado pelas outras pesquisas. Destarte, temos que
ver a capoeiragem carioca como parte da cultura das classes trabalhadoras. É
justamente porque portugueses e brasileiros, negros e brancos executavam as
mesmas tarefas e viviam nos mesmos cortiços que a capoeira pode difundir-se para
além do seu grupo original negro e escravo. Compartilhar as mesmas manifestações
culturais não excluía conflitos de caráter étnico, já descritos por Aluísio de Azevedo
no famoso romance O cortiço, onde um capoeirista brasileiro e ―mulato‖ se confronta
com um jogador de pau português.
Como já afirmamos anteriormente, não foram encontradas até hoje fontes que se
refiram à existência da capoeira ou outra luta na Bahia antes do final do século XIX,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 187
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
com a exceção notável da já discutida gravura de Rugendas. (39) O primeiro e
importante texto de que se tem notícia é da autoria de Manuel Querino (1851 –
1923), e consta do livro A Bahia de outrora, publicado pela primeira vez em 1916. No
entanto, ali o autor descreve a capoeira baiana como se tivesse existido desde longa
data e opõe ―a capoeira de hoje, ritmada, estilizada, verdadeira capoeira de salão‖ à
―capoeira antiga‖, que passa a descrever como ―jogo atlético‖, mas também luta,
onde se enfrentavam, como no Rio de Janeiro imperial, capoeiras de diferentes
bairros, por ocasião de certas festas, como no domingo de Ramos (1955, p.74).
Querino explica que os próprios praticantes denominavam a sua atividade de
―brinquedo‖, mas usa no seu texto de maneira indiferenciada o vocabulário carioca,
capoeira e capoeiragem. (40)
As outras fontes sobre a capoeira baiana antes de 1945 são bastante escassas:
além dos escritos de Édison Carneiro (1937), existem apenas algumas reportagens
nos jornais da época. Por esta razão, os depoimentos dos velhos mestres são de
grande significação. São considerados os maiores portadores da memória histórica
pelos capoeiristas da atualidade e seus depoimentos estão espalhados pela
imprensa e outras publicações. Ademais, o Ministério da Educação coordenou entre
1989 e 1992 um levantamento sistemático dentro do Programa Nacional de
Capoeira, entrevistando, numa primeira etapa, dez dos mais conhecidos e
respeitados mestres de capoeira baiana, principalmente ligados à Capoeira Angola.
(41) A partir destes depoimentos é possível tentar uma reconstrução da chamada
vadiação baiana da primeira metade do século XX. O uso da memória oral, em
contraste com as fontes usadas para os períodos anteriores, implica em
fundamentais diferenças quanto ao método e aos resultados. Os mestres, como
qualquer pessoa idosa, geralmente tendem a ver sua juventude de maneira muito
mais positiva, como uma idade de ouro, quando a capoeira não continha as
―deformações‖ do presente. O conhecimento do passado também é a fonte da sua
autoridade no presente, daquilo que é considerado certo ou errado. Assim, precisam
adequar a sua visão do passado às necessidades do presente. Não obstante estas
limitações, acreditamos que a quantidade de depoimentos permite comparar as
informações e chegar a algumas conclusões, que passamos a resumir.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 188
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Até o início dos anos 30, o jogo da capoeira aparecia integrado às práticas
cotidianas das classes populares de maneira semelhante à ―pelada‖, o jogo de
futebol informal de final de semana. O iniciante aprendia com os jogadores mais
experimentados, informalmente, no exercício prático do jogo. Apesar de existirem os
―cobras‖, não havia uma rigorosa exigência do domínio da técnica do jogo, mas
apenas do conhecimento do ritual da roda. Mesmo havendo os pontos tradicionais
de reunião doa capoeiristas, principalmente nos domingos à tarde, qualquer ocasião
em que se encontrassem era propícia à realização de rodas. Portanto, os bares, as
praças, os mercados e as feiras freqüentemente eram palco de rodas inesperadas.
Eram comuns as rodas de capoeira feitas com o objetivo de recolher dinheiro dos
assistentes para os capoeiristas. Em alguns locais, estes recolhiam com a boca as
cédulas lançadas ao chão da roda, executando complexos movimentos de destreza
e equilíbrio sobre as mãos, ou simplesmente ―passando o chapéu‖, entre os
espectadores.
É a partir do final da década de 1920 que Manuel dos Reis Machado (1900 – 1974),
o mestre Bimba, desenvolve na Bahia a sua famosa capoeira Regional, que, apesar
do seu nome, foi a primeira modalidade de capoeira a ser praticada em todo o Brasil
e no exterior. Passamos a resumir as modificações introduzidas por Bimba na
capoeira então existente, para podermos discutir os aspectos mais controversos em
seguida.
Bimba partiu de uma crítica da capoeira baiana, cujo nível técnico considerava
insuficiente, sobretudo se confrontado com outras lutas e artes marciais, que
começavam a ser difundidas então no Brasil. (43) Conforme o depoimento de um
aluno seu, Atenilo, chegou a propor aos outros mestres inovações importantes para
serem adaptadas em conjunto, oferta que estes recusaram (Almeida, 1991, p.20).
Decidiu então criar um estilo novo, que passou a ensinar na sua academia, fundada
em 1932. (44) Em 1937, a Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Pública do
Estado da Bahia reconheceu oficialmente a sua academia, outorgando-lhe um
certificado de professor de Educação Física.
Bimba não somente transferiu a prática da capoeira da rua para um recinto fechado,
a academia, mas a fragmentou em ―exercícios fundamentais‖ a serem praticados
diariamente, ―seqüências‖ e a roda propriamente dita. Em outros termos, como já foi
destacado por muitos autores, criou um método de ensino formal para uma prática
até então predominantemente informal. Uma das inovações mais controversas foi a
introdução de novos golpes, cujo número total aumentou consideravelmente, e de
uma série de movimentos (reunidos por mestre Bimba em uma seqüência
denominada “cintura desprezada”) que usavam o contato físico direto para treinar a
flexibilidade da coluna e a capacidade do capoeirista de cair em pé quando
projetado em um ―balão‖. A capoeira Regional definia-se, do ponto de vista técnico,
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 191
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
por ser uma luta praticada numa posição mais ereta do que a capoeira baiana
tradicional e de usar golpes mais altos e geralmente mais rápidos.
Bimba também introduziu uma hierarquia até então inexistente na vadiação baiana,
onde distinguiam-se calouros, formados e formados especializados. Para enfatizar
esta hierarquia, criou um toque de berimbau, Iuna, onde somente alunos formados
tinham o direito de jogar. Os estudantes eram sujeitos a uma estrita disciplina, não
deviam fumar nem beber, e não deviam se envolver em rodas de rua. Esses
preceitos constavam de um mural afixado na academia de Bimba. Outra inovação
fundamental foi a mudança radical do meio social onde recrutava seus alunos.
Passou, durante certo período, a exigir-lhes carteira profissional, e conseguiu atrair
muitos alunos das classes médias. Entre 1939 – 42 chegou a ensinar capoeira no
quartel do Centro de Preparação de Oficinas de Reserva do Exército, no Forte do
Barbalho. Apesar de ter algum reconhecimento oficial, não conseguiu prosperar
economicamente e morreu, como todos os outros velhos mestres, na pobreza.
Foram seus inúmeros alunos que levaram a capoeira Regional para as outras
regiões do país.
Esta interpretação foi discutida em dois trabalhos recentes. Antônio Liberac Pires
(1996a, p. 38-40) critica, sobretudo a falta de fontes para corroborar muitas
afirmações feitas, e questiona a validade da reconstrução da história a partir dos
discursos da tradição. Letícia Reis (1993, p. 83-84) pondera que interpretar a
Regional apenas como um projeto moderno e conformista ―não dá conta da
complexidade e da dinâmica cultural do mundo da capoeira‖ e ―não consegue
explicitar a ambigüidade da capoeira‖. Ela mostra que a Regional ―resiste quando se
conforma‖, guardando ―elementos que reafirmam a identidade étnica nas músicas,
nos toques do berimbau e nos próprios movimentos‖.
Estas observações são procedentes e vão nos ajudar a rediscutir alguns pontos
controversos. Não questionam a tese central que a compreende Regional como uma
modernização da capoeira baseada no modelo autoritário das décadas de 30 e 40,
mas permitem relativizá-la. De fato, Reis, em vez de opor a Regional à Angola em
termos de modernização / tradição, foi a primeira a analisar estas duas modalidades
da capoeira como ―duas opções (negras) de esportização‖ e, portanto, de
modernização. Concordamos com a sua análise e adotamos uma linha parecida
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 193
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
neste trabalho, insistindo na distinção entre a capoeira baiana tradicional, a
―vadiação‖, e a Capoeira de Angola praticada hoje.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 195
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
alunos e não é comprovada por fontes escritas, foi categoricamente contestada por
outros mestres e alunos. (49)
Como a capoeira Regional conseguiu muito maior projeção no período 1950 – 1970,
a Angola teve que se definir largamente em oposição a esta para justificar a sua
existência. Assim, investiu em todos os aspectos que estavam perdendo importância
na Regional, ou seja, a teatralidade, a espiritualidade, o ritual e a tradição.
Acreditamos que mesmo os movimentos foram estilizados numa determinada
direção com o intuito de se distanciar nitidamente do estilo Regional. Por exemplo,
os golpes altos, considerados parte da ―descaracterização‖ da Regional, existiam
também na capoeira baiana antiga, conforme depoimento de mestre Canjiquinha
(Moreira, 1989, p.81). Esta estilização foi um processo gradual, continuado por seus
alunos, que, por sua vez, tornaram-se mestres. No entanto, mesmo entre os velhos
mestres podem-se registrar divergências importantes em relação à identidade da
capoeira Angola ou à maneira como deve-se preservá-la e impedir a sua exploração
comercial. Diferentemente de mestre Bimba, que explicitamente criou um estilo
novo, para o qual ele é a referência máxima, os mestres da capoeira Angola se
legitimam por seu conhecimento de uma tradição mais heterogênea. Mesmo tendo
sido a liderança mais importante dentro da capoeira Angola, semelhante em muitos
aspectos a Bimba na Regional, mestre Pastinha nunca chegou à posição deste
porque se definia como tradicionalista, e, portanto, não punha em relevo as
inovações que introduziu na capoeira Angola.
Apesar das divergências no interior da própria Angola, o estilo foi ganhando espaço
e consistência. Contribuíram para isto uma nova geração de angoleiros, fortemente
engajados no resgate das antigas tradições e decididos a não se deixar explorar e
morrer na miséria como a geração anterior. Deu-se uma convergência com
segmentos do crescente Movimento Negro, interessado no resgate das tradições
afro-brasileiras. A prática de capoeira passou a ser considerada então um veículo
adequado para a conscientização étnica e social.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 197
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
A partir da década de 1980, a Angola conseguiu inverter aos poucos a situação
desfavorável em que se encontrava em relação à Regional. Para isto contribuíram
mudanças de paradigmas na sociedade brasileira, como a revalorização da herança
africana, a própria evolução da Regional para estilos cada vez mais violentos e o
paciente trabalho dos mestres angoleiros, difundindo seus ensinamentos em todo o
país e, em alguns casos, no exterior. A partir desta época se multiplicaram as
―buscas das raízes‖ por parte de praticantes da Regional desiludidos ou ávidos por
novas fontes de inspiração. O resgate da capoeira tradicional não ficou restrito à
capoeira Angola, mas passou a ser advogado também por seguidores de Bimba,
que aspiram retornar ao estilo Regional ―puro‖ do mestre Bimba. (50)
Conclusão
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 198
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Procuramos, ao longo dessas páginas, mostrar a instrumentalização da história na
capoeira. A ênfase sobre o capoeira quilombola ao invés do malandro urbano reflete
alguns mecanismos do imaginário dos capoeiristas, como a supervalorização da
resistência radical, e a tendência à construção de heróis – próprios do imaginário
popular em geral. O malandro é por definição mais um anti-herói e a sua
ambigüidade não se presta a visões épicas de um herói puro, sem nenhum
compromisso com o ―sistema‖. O escravo tampouco é facilmente associado à
resistência, a não ser nos quilombos ou nas revoltas, quando justamente ele deixa
de ser escravo. Toda uma nova linha historiográfica insiste hoje sobre o fato de que
existia ―entre Zumbi e Pai João, o escravo que negocia‖ e que resistia no quotidiano
(Reis e Silva, 1989). Esta visão ainda não se popularizou o suficiente. Infelizmente,
ao nosso ver, porque permitiria compreender melhor o capoeira escravo ou livre do
passado.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 199
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Através dos mitos e das controvérsias em torno das capoeira Regional e Angola,
podemos fazer uma leitura das mudanças e dos conflitos na sociedade brasileira. A
emergência da capoeira Regional correspondeu não somente à nova fase da
modernização do Brasil, mas também à hegemonia cultural de um projeto
nacionalista, do Brasil como ―nação mestiça‖, que seria o resultado da democracia
racial brasileira, e do qual o capoeirista ―mulato‖ podia ser um paradigma. Ele servia
desta maneira de ilustração à fábula da harmonia das três raças e do cadinho de
culturas, tão presente no imaginário do brasileiro. Com a crise deste modelo, devido
tanto à crise geral do projeto militar do ―Brasil Grande‖ como ao crescente
questionamento da ―democracia racial‖, surgiu espaço para o resgate da ―capoeira
negra‖, associada institucionalmente ao emergente Movimento Negro, ou que ao
menos aproveitava-se do espaço criado por este. Similarmente ao que ocorreu nos
cultos afro-brasileiros, houve então um movimento de reafricanização dentro da
capoeira nas décadas de 1980 e 1990. No entanto, este movimento teve também os
seus limites. Uma capoeira exclusivamente negra, destinada a ser praticada por
negros, não pode atrair a maioria da população brasileira, que, por razões
complexas, não se auto-identifica como negra. (53) Uma capoeira estreitamente
associada ao Movimento Negro pode, na atualidade, atrair somente uma faixa
limitada do mercado. Por esta razão a maioria dos professores de capoeira
procuram valer-se das tradições da Angola, sem, no entanto, comprometer-se com o
estilo.
NOTAS
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 200
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
1. Entre outros: Negaça. Boletim da Associação de Capoeira Ginga, Salvador,
desde 1993; Jornal Muzenza, o informativo da Capoeira, Curitiba, desde 1995;
IÊ! Association Brésilienne de Capoeira (Paris), desde 1995, Jornal da
Capoeira (São Paulo), desde 1996. Algumas, como Negaça, têm feito louvável
esforço de republicar textos clássicos sobre a história da capoeira.
2. Ver bibliografia no final.
3. Raimundo Almeida (Mestre Itapoan) possui um dos maiores arquivos sobre
capoeira, com muitos documentos que não se encontram nas bibliotecas
públicas. Veja a respeito sua Bibliografia crítica da Capoeira (1993) com mais
de 2.300 itens. Infelizmente, as instituições oficiais, como a Fundação Cultural
da Bahia, que deveriam oferecer aos estudiosos uma documentação
adequada, têm feito muito pouco neste sentido.
4. Faz-se necessário aqui, de início, um esclarecimento ao leitor. As escolas de
capoeira organizam-se, atualmente, em grupos (associações de âmbito
nacional ou internacional), onde geralmente um mestre assume o papel de
coordenar as atividades de vários instrutores, professores, contramestres e
estagiários (há ainda a recente figura do “mestrando” em alguns grupos).
Alguns grupos chegam a ter sedes, de onde as atividades dos diversos locais
de ensino são administradas. Inicialmente um grupo se ampliava à medida em
que se formavam novos capoeiristas por um mestre. Mas recentemente
diversos grupos tem adotado uma agressiva estratégia de crescimento, filiando
capoeiristas com alguns anos de prática e que já atuam no ensino da luta.
Muitos conflitos são gerados, também, pela disputa que alguns grupos
empreendem por certos capoeiristas de prestígio.
5. Denomina-se São Bento Grande um toque de berimbau utilizado, geralmente,
nos momentos mais rápidos e agressivos da roda de capoeira.
6. Em seus apontamentos porém escreve: ―Quando me perguntam de veio a
capoeira, eu respondo, não sei, porque os mestres da minha época não afirma,
ela tem muito inredo, tem capoeiristas por todas as praias, e friguizias‖.
(Pastinha, 1996, p. 14a).
7. O N‘Golo foi descrito pelo escritor Neves de Souza, na década de 1960, como
uma dança de iniciação numa região de Angola, onde se usava o pé para
atingir o rosto do adversário. Câmara Cascudo foi o primeiro a atribuir a origem
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 201
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
da capoeira ao N‘Golo, seguido por muitos outros capoeiristas. No entanto,
falta até hoje uma descrição mais detalhada desta ―dança das zebras‖ que
continua a inspirar grande número de praticantes da capoeira. Outros possíveis
ancestrais seriam uma luta de pescadores chamada bássula e uma dança de
nome umudinhu (cf. Soares, 1995, p. 24).
8. Alguns exemplos, entre muitos: Areias (1984, p. 13 – 15-17), Costa (1961,
p.11) e Burguês (1987, p.2).
9. Ver, por exemplo, Artes Marciais, número especial ―Capoeira‖, s.d. 7; Jornal da
Capoeira, 1.1 p.8. Para mais referências sobre este tema, veja Araújo (1997,
p.109).
10. Mestre Zulu iniciou, em 1972 em Brasília, a exploração de um filão que viria
mais tarde a ser a área de atuação mais privilegiada e disputada pelos
capoeiristas: o ensino escolar e acadêmico da capoeira. Atualmente, como se
sabe, é comum a capoeira ser adotada como prática desportiva em escolas de
primeiro e segundo graus ao lado de atividades como futebol, basquete e
voleibol. As principais universidades brasileiras (UFBa, UFRJ, UERJ, UnB,
USP, UNICAMP, PUC-SP e muitas outras) já incluíram a capoeira nos
currículos dos cursos de educação física. Na Faculdade de Educação Física da
UnB, em 1997 – 98, realizou-se o primeiro curso de pós-graduação voltado
especificamente para o estudo da capoeira. Ver, a respeito da escolarização da
capoeira, Falcão (1997).
11. O ―salto mortal‖, ou simplesmente ―mortal‖, é um movimento de grande
exuberância no jogo da capoeira, utilizado como demonstração da destreza e
técnica do jogador.
12. Trata-se de um disco do mestre Nagô. Este fato foi constatado por Letícia Vidor
Reis (1993, p. 205).
13. Para um inventário recente, veja o excelente Guia brasileiro de fontes para a
história da África, da escravidão negra e do negro na sociedade atual. Brasília,
Ministério da Justiça, Arquivo Nacional. Departamento de Imprensa Nacional,
1988. Ver, também, o Boletim do Centenário (1988), que politiza a questão
abordando a crença no desaparecimento completo dos registros como um
obstáculo ideológico à reconstrução de uma história de resistência.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 202
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
14. Um estudo sobre o surgimento da Capoeira Regional vis-à-vis o momento
histórico do Brasil da década de 30 pode ser encontrado em Vieira (1996).
15. Os depoimentos obtidos junto a vários dos Velhos Mestres tais como
Waldemar, João Pequeno e Canjiquinha, por ocasião do Projeto Caa-Puera
(1988) confirmam esta versão, de que a expressão ―de Angola‖ foi acrescida ao
nome capoeira a partir do surgimento da escola de Bimba. Ver também A. A.
Decânio Filho. Carta-Resposta a Marcelo Marajó (ms. 1996, p. 5).
16. Para uma análise do debate entre os representantes deste discurso com os do
discurso nacionalista, num encontro de capoeira internacional no Rio, veja
Pires (1996a p. 209-212, 236-244). Sobre as discussões por ocasião deste
evento ver também o apêndice em Nestor Capoeira (1992, p. 211-236, e
sobretudo 215-220).
17. De tal maneira que o Cativeiro, um grupo surgido dentro da capoeira regional
paulista, se reorientou ultimamente em direção a capoeira Angola (ver a análise
de Letícia Reis, 1993, p. 177-200).
18. Foi possível constatar esse fato nas acirradas discussões ocorridas no Curso
de Pós-Graduação em Capoeira na Escola, dirigido preferencialmente a
professores de educação física, promovido pela Faculdade de Educação Física
da UnB, em 1977-98.
19. Ver, a respeito, o relato de Nestor Capoeira (1985).
20. O conhecido texto de Alexandre José de Mello Morais Filho (1843 ou 1844-
1919) intitulado ―Capoeiragem e capoeiras célebres‖ está incluído no livro
Festas e tradições populares do Brasil (1979). Não consta data na edição
original, mas o texto se refere à capoeira do século XIX.
21. Note-se de passagem, que Inezil Penna Marinho integrou a Polícia Especial
durante o Estado Novo (1937 – 1945) onde, segundo outro integrante da
corporação (Olinto Vieira Scaramuzzi, correspondência a Mário Ribeiro
Cantarino Filho, 08/12/81), ministrava aulas de capoeira no treinamento para o
controle de distúrbios populares. Para uma apreciação mais aprofundada da
obra de Inezil Penna Marinho referente à capoeira e à educação física ver
Vieira (1995, p. 64-66 e 81).
22. Quando da elaboração da versão final deste artigo tomamos conhecimento da
recentemente defendida tese de doutoramento em história social da escravidão
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 203
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
(Unicamp) de Carlos Eugênio Líbano Soares, intitulada A capoeira escrava no
Rio de Janeiro (1808 – 1850). Não nos foi possível, no entanto, pela exigüidade
de tempo, incorporá-la à nossa análise.
23. O debate está resumido em Rego (1968, p. 17-29). Para a tese da origem
umbundo da palavra kapwilla (espancar, bofetada, tabefe) ver Lopes (ca. 1996,
p. 75). Outra hipótese foi levantada por Kubik (1979, p.29), sugerindo que se
tratava de uma espécie de senha entre escravos que se preparavam para a
fuga: ―I think that Capoeira may well have been a code word by the Angolans in
Brazil for their secret training. Perharps there was really something like na
―operation capoeira‖, in the making. In this case the Portuguese term capoeira,
meaning chicken coop, would have been used as a symbol for something much
more ―classified‖. This was probably kept secret for a long time. If capoeiras is
indeed an Angolan word its coincidental phonemical identity with the
Portuguese word meaning ―chicken coop‖ could have been accepted by the
freedom figthers with a great laugh. In this case they could speak the word into
the White Man‘s face and enjoy the fact that he was only able to know the
stupid meaning it had in his own language, unable to discover what it meant to
the Angolans in Brazil‖.
24. Clara neste sentido é a formulação de Bretãs (1991, p.240): ―Existe uma
diversidade espacial e temporal que permite a convivência de muitas
realidades sob o mesmo conceito‖. Ver também a crítica de Araújo (1997, 78-
99).
25. Os mais conhecidos são o maní de Cuba, a ladja da Maritinica e o kalinda de
Trinidad. Ver Michelon (1986) sobre o ladja e Brereton (1979, p.167-175) sobre
o kalinda. Para referências sobre o maní, ver Thompson (1987).
26. Apenas Kubik (1979, p. 28-29) a relaciona com danças angolanas descritas por
viajantes ou vistas por ele na década de 1960.
27. É importante assinalar que existe também uma tradição européia de luta e / ou
danças de espadas ou de esgrimas, como, por exemplo, o ―vara-pau‖ ou jogo
de pau de Portugal. No romance O cortiço, de Aloísio Azevedo, há uma bela
descrição de luta entre um capoeira armado de navalha e um português, hábil
lutador de pau (Azevedo, 1890 – 1981, p. 87-88). Confrontos entre jogadores
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 204
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
de pau e o capoeirista Manduca da Praia foram também registrados por Mello
Morais Filho (1979, p.263).
28. Sobre o Batuque há pouquíssimas referências na literatura. Uma breve
descrição pode ser encontrada em Câmara Cascudo (1972, p. 151-152). Ver
também os trabalhos de Jair Moura (1980 e 1991, p. 40-44).
29. Sobre artes marciais na Nigéria, ver Powe (1994).
30. Ver, a este respeito, Karasch (1987, p.245).
31. Este fato já foi sublinhado com clareza por Almeida (1986, p.20): ―Capoeira
historically is na urban phenomenon and no records exist to document its use in
the quilombos or elsewhere outside of the cities and its surroundings‖.
32. Ver também a este respeito Pires (1996a, p.74).
33. Comunicação pessoal, 1997.
34. Veja-se que, embora os registros das ações dos capoeiras no Rio de Janeiro
sejam os mais abundantes, não é só aí que eles aparecem nessa época. A
pesquisadora Lílian Moritz Schwarcz (1987, p.230) identificou nos jornais de
São Paulo do final do século XIX uma ―verdadeira campanha‖, à semelhança
do que acontecia no Rio de Janeiro, contra os ―terríveis capoeiras‖. Araújo
(1997, p. 146-160) identificou extensa legislação municipal contra a prática da
capoeira em São Paulo, no século XIX.
35. Estamos nos baseando aqui, sobretudo nas fontes citadas em extenso por
Araújo (1997, caps. 2 e 3).
36. Curiosamente, então, teríamos aqui, em virtude das circunstâncias históricas,
um processo de reversão da metonímia res pro persona que, segundo uma das
hipóteses mais difundidas, teria dado origem ao nome da luta.
37. Para uma discussão detalhada deste ponto, ver Araújo (1997, cap.2). Ver
também Pires (1996a p. 213-215).
38. Veja-se a observação de Antônio Liberac Pires (1996b, p.12) a respeito: ―O
padrão ocupacional dos presos por capoeira (entre 1890 e 1937) também é
bastante diversificado. 48% dos presos por capoeira trabalhavam nas ruas,
18% eram artesãos, 11% comerciários, 5% funcionários públicos e apenas 4%
não possuíam qualquer ofício‖. Este fato já foi salientado em trabalho anterior
por José Murilo de Carvalho (1987, p.155): ―Em abril de 1890, ainda em plena
campanha de Sampaio Ferraz foram presas 28 pessoas sob a acusação de
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 205
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
capoeiragem. Destas apenas cinco eram pretas. Havia dez brancos, dos quais
sete eram estrangeiros, inclusive um chileno e um francês. Era comum
aparecerem portugueses e italianos presos por capoeiragem. E não só brancos
pobres e estrangeiros se envolviam na capoeiragem. A fina flor da elite da
época também o fazia‖.
39. Jair Moura (1980, p.26) menciona a existência de uma revista com o título ―O
Capoeira‖, que teria circulado na Bahia em 1861. Não foi possível, porém,
localizar esta revista. Em outra publicação (1991, p.14) reproduz um
interessante poema do itaparicano Manoel Rozentino, publicado em 1897, que
retrata a capoeira baiana da década de 1890. Esta seria então a primeira
referência explícita à capoeira, na Bahia.
40. Tudo leva a crer que estas denominações foram se generalizando na Bahia
apenas depois da capoeira ter sido proibida nestes termos pelo Código Penal
da República, ou seja, a partir da década de 1890.
41. Foram entrevistados na primeira etapa do Projeto os mestres Bobó, Caiçara,
Canjiquinha, Curió, Ferreirinha, Gigante, João Grande, João Pequeno, Paulo
dos Anjos e Waldemar da Liberdade. Posteriormente registraram-se, também,
outros importantes depoimentos, entre os quais o de Ângelo Decânio, que foi
aluno de Mestre Bimba ainda na década de 30.
42. Não conseguimos encontrar documentação a este respeito no Arquivo Público
do Estado da Bahia (APEB) nem em outros arquivos pesquisados.
43. As primeiras apresentações de jiu-jitsu, incluindo enfrentamentos com
capoeiristas, tiveram lugar no início do século XX no Rio de Janeiro e em
Belém do Pará. Sobre o tema ver Vieira (1995, p. 154-156).
44. Conforme várias fontes, esta não seria a primeira academia de Bimba, que de
fato já teria ensinado capoeira desde 1918, ou pelo menos desde a década de
1920 (Reis, 1993, p.86, Atenilo citado por Almeida, 1991, p.5).
45. A palavra batuque tem vários significados. Na acepção mais conhecida, foi a
designação usada na época colonial e no século XIX para qualquer brincadeira
de tambor de escravos. Mas se trata também de uma dança / luta popular na
Bahia. Para mais detalhes, ver Cascudo (1972, verbete batuque) e Moura
(1991).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 206
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
46. Na realidade, a possibilidade de Mestre Bimba ter tido contato com outras lutas
existe. O jiu-jitsu, primeira arte marcial oriental a ser introduzida no Brasil, foi
trazido pelo Conde Koma (Elisei Maeda) em 1910. A equipe vinda do Japão
realizava apresentações e lançava desafios, havendo, inclusive, o registro de
uma luta de um capoeirista da zona portuária de Belém com o próprio Conde
Koma (Almanaque dos esportes, 1975, p.510). Além disso, deve-se observar
que a instituição das lutas de ringue era amplamente difundida, e, conforme
afirmam os próprios ex-alunos de Mestre Bimba e pode ser verificado em
registros jornalísticos, o criador da Regional era famoso como imbatível lutador
em desafios dessa natureza. Eis, portanto, um ambiente no qual Mestre Bimba
pode ter tido efetivamente contato com outras lutas. O tema é discutido por
Vieira (1995, p.151-158).
47. O Salve foi introduzido por alunos de Bimba na Bahia. Ele mesmo teria
preferido o termo ―Axé‖. Sobre a origem do Salve ver Decânio (1996c, p.26).
48. Ver a este respeito o interessante relato de Decânio (1996a, p. 41-44).
49. Mestre Itapoan, comunicação pessoal, janeiro de 1997. Não deixa de
surpreender também que esta informação, baseada em Jair Moura Sodré,
nunca tenha sido defendida pessoalmente por estes autores nos seus escritos.
Achamos que prestariam um grande serviço à historiografia da capoeira se
pudessem esclarecer melhor este aspecto.
50. Esta é por exemplo a linha seguida nas academias da Fundação Mestre
Bimba, em Salvador, orientadas por um filho de Bimba, Mestre Nenel.
51. ―Contemporânea‖ é a denominação dada por mestre Camisa à capoeira
praticada no Grupo Abada, com sede no Rio de Janeiro. ―Angonal‖ é o nome
de um grupo também do Rio (Mestre Boca e outros). Lewis (1992, p. 210-212)
usa a denominação ―atual‖, que seria por mestre Nô de Salvador, para designar
esta terceira via.
52. Nesse sentido, para ressaltar a importância que assume em alguns círculos da
capoeira a vinculação a um dos dois estilos, convém lembrar a conhecida
cantiga de Mestre Eziquiel, ex-aluno de Mestre Bimba, que até seu recente
falecimento, contribuiu fortemente para a revalorização da Regional:
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 207
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Seu nome merece respeito, merece carinho, merece atenção.
Eles ficam em cima do muro, não pulam pra frente nem pulam pra trás.
53. Apesar dos indiscutíveis progressos do Movimento Negro, este não conseguiu
convencer até hoje os integrantes da grande maioria da população brasileira
com alguma porcentagem de ancestralidade negra a se consideraram ―negros‖
e não ―morenos‖, ―mulatos‖ ou ―mestiços‖.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Bira (Mestre Acordeon) (1986). Capoeira. A Brazilian art form. History,
philosophy and practice. 2. ed. Berkeley (Calif.), North Atlantic Books.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 208
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
ALMEIDA, Renato (1942). ―O brinquedo da capoeira‖. Revista do Arquivo Municipal,
7 (84): 155 – 162. São Paulo.
AMADO, Jorge (1977). Bahia de Todos os Santos: guia das ruas e dos mistérios da
Cidade de Salvador. 27, ed., Rio de Janeiro, Record, 1977.
AZEVEDO, Aluísio (1981). O Cortiço. São Paulo. Abril Cultural (1. ed. 1890).
BRETAS, Marcos Luiz (1989). ―Navalhas e capoeiras: uma outra queda‖. Revista
Ciência Hoje, 10 (50): 56-64.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 210
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Grupo de Capoeira Angola Pelourinho (GCAP) (1993). 10 anos gingando na mesma
luta. Salvador, GCAP.
GCAP & Trindade, Pedro Moraes (Mestre Moraes) (1996). ―Comentários‖ no disco
Capoeira Angola from Salvador, Brazil. Produced by Mestre Cobra Mansa and Heidi
Rauch. Washington, Smithsonian Folkways.
DUARTE, Ruy. ―Onde aparece a capoeira‖. In: DUARTE. Ruy. História social do
frevo. Rio de Janeiro, Editora Leitura, s/d, p. 18-23.
KARASCH, Mary (1987). Slave life in Rio de Janeiro, 1808-1850. Princeton, New
Jersey, Princeton University Press.
KUBIK, Gerhard. (1979). ―Angolan traits in black music, games and dances of brazil:
a study of African cultural extensions overseas‖. Estudos de Antropologia Cultural,
10. Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Centro de Estudos de
Antropologia Cultural.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 211
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
L.C. (1906). ―A Capoeira‖. Revista Kosmos, III. Rio de Janeiro.
LIRA FILHO, João. (1973). Introdução à sociologia dos desportos. Rio de Janeiro.
Biblioteca do Exército / Bloch Editores.
LOPES, Nei (ca. 1996). Dicionário banto do Brasil. Rio de Janeiro. Prefeitura.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 212
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
MUKUNA, Kazadi (ca. 1985). Contribuição Bantu na música popular brasileira. São
Paulo. Global.
NARDI, T.J. (1996). ―Kapwara: The afro-brazilian martial art that features everything
from zebra strikes to kicks with a Sharp surprise!‖. World of Martial Arts, Mar / Apr, p.
34-37.
OLIVEIRA, Waldir F & Lima, Vivaldo C. (1987). Cartas de Édison Carneiro a Artur
Ramos. São Paulo. Corrupio.
ORTIZ, Renato. (1978). A morte branca do feiticeiro negro. Rio de Janeiro. Vozes.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 213
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
__________. (1996b). ―A criminalidade e as relações raciais na capoeira do Rio de
Janeiro, no início do século XX‖. Capoeirando: um tributo à cultura popular, 4:12-13.
__________. (1977). O mundo de pernas para o ar: a capoeira no Brasil. São Paulo:
Publisher Brasil.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 214
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
SOARES, Carlos Eugênio Líbano (1994). A negregada instituição. Os capoeiras no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Coleção Biblioteca Carioca, Prefeitura da Cidade do
Rio de Janeiro, Dept°. Geral de Documentação e Informação Cultural.
THOMPSON, Robert F (1987). ―Black martial art of the Caribbean‖. Latin American
Literatura & Arts. 37:40-43.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 215
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
SITES E LIVROS PARA CONSULTAS
Apontamentos para pensar o ensino de História hoje: reformas curriculares, Ensino Médio e
formação do professor
MS Magalhães - Tempo, 2006 - scientificcircle.com
O artigo situa os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Médio em meio a
um conjunto de políticas públicas de educação implementadas nos anos 1990. Em seguida,
recupera aspectos da história do Ensino Médio, para entender o projeto de reforma deste ...
Citado por 6 - Artigos relacionados - Em cache
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 216
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
[PDF]História, filosofia e ensino de ciências: a tendência atual de reaproximação
[PDF] de ufsc.brM Matthews - Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 2008 - journal.ufsc.br
Neste artigo, investigam-se o uso de e os argumentos a favor da história e da filosofia da ciência
no ensino escolar dessas matérias. Enfatizam-se as propostas do Currículo Nacional Britânico
e as recomendações contidas no Projeto americano 2061 de diretrizes curriculares. ...
Citado por 139 - Artigos relacionados - Ver em HTML - Todas as 7 versões
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 221
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
ORIENTAÇÕES PARA BUSCA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS NO
SCIELO
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 222
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Siga os passos indicados:
Para iniciar sua pesquisa, digite o site do SciELO no campo endereço da
internet e, depois de aberta a página, observe os principais pontos de pesquisa: por
artigos; por periódicos e periódicos por assunto (marcações em círculo).
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 223
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Em seguida, deve-se escolher onde será feita a procura e quais as palavras-
chave deverão ser procuradas, de acordo com assunto do seu TCC (não utilizar ―e‖,
―ou‖, ―de‖, ―a‖, pois ele procurará por estas palavras também). Clicar em pesquisar.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 224
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Lembre-se de que as palavras-chave dirigirão a pesquisa, portanto, escolha-
as com atenção. Várias podem ser testadas. Quanto mais próximas ao tema
escolhido, mais refinada será sua busca. Por exemplo, se o tema escolhido for
relacionado à degradação ambiental na cidade de Ipatinga, as palavras-chave
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 225
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
poderiam ser: degradação; ambiental; Ipatinga. Ou algo mais detalhado. Se nada
aparecer, tente outras palavras.
Isso feito, uma nova página aparecerá, com os resultados da pesquisa para
aquelas palavras que você forneceu. Observe o número de referências às palavras
fornecidas e o número de páginas em que elas se encontram (indicado abaixo).
A seguir, estará a lista com os títulos dos artigos encontrados, onde constam:
nome dos autores (Sobrenome, nome), título, nome do periódico, ano de publicação,
volume, número, páginas e número de indexação. Logo abaixo, têm-se as opções
de visualização do resumo do artigo em português/inglês e do artigo na íntegra, em
português. Avalie os títulos e leia o resumo primeiro, para ver se vale à pena ler todo
o artigo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 226
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Ao abrir o resumo, tem-se o nome dos autores bem evidente, no início da
página (indicado abaixo). No final, tem-se, ainda, a opção de obter o arquivo do
artigo em PDF, que é um tipo de arquivo compactado e, por isso, mais leve, Caso
queria, você pode fazer download e salvá-lo em seu computador.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 227
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 228
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
Busca por periódicos
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 229
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br
É preciso ressaltar que você deve apenas consultar as bases de dados e os
artigos, sendo proibida a cópia de trechos, sem a devida indicação do nome do
autor do texto original (ver na apostila tipos de citação) e/ou o texto na íntegra.
Tais atitudes podem ser facilmente verificadas por nossos professores, que
farão a correção do artigo.
Rua Dr. Moacir Birro, 663 – Centro – Cel. Fabriciano – MG CEP: 35.170-002 230
Site: www.ucamprominas.com.br e-mail: diretoria@institutoprominas.com.br